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segunda-feira, 14 de setembro de 2009

TITANIC - A HOMENAGEM SENTIDA AOS QUE PARECERAM A BORDO E AOS QUE SOFRERAM A ANGÚSTIA DA ESPERA ATÉ SEREM SOCORRIDOS...

Só o náufrago, o que sobrevive pode revelar o que é sentir a vida que a todo o instante pode desaparecer no marulho das vagas do mar – Tive essa experiência, ao longo de 38 dias numa frágil piroga, graças a Deus sobrevivi



      AO MENOS QUE OS SEUS DESTROÇOS SEJAM RESGATADOS DO FUNDO DAS GÉLIDAS ÁGUAS PARA QUE O TEMPO NÃO APAGUE A MEMÓRIA DOS GRITOS DAQUELES QUE SE AFOGARAM A BORDO





No domingo passado fui visitar a magnifica exposição do Titanic que é apresentada no edifício da Estação do Rossio, em Lisboa - Percorri-a demoradamente, em religioso silêncio e meditação.





Quando de lá saí e fui assinar o livro de honra, não me contive em emoção e lágrimas. Tanta memória aquelas imagens e objectos me trouxeram! Tan
tas visões! Tantas recordações que pude ir buscar também ao meu passado de náufrago! - Foi, como que, se eu, subitamente, também tivesse feito parte daquela fatídica viagem - E, todavia, as minhas viagens, as minhas aventuras, foram bem diferentes: não a bordo de um gigantesco navio mas no estreito côncavo de frágeis pirogas, tendo apenas uma modesta bússola para me orientar. Face à impressão causada por aquela exposição e aos múltiplos sentimentos que me provocou, eis por que me dei a escrever os singelos versos ( ou mais propriamente textos em forma poética) e que aqui tomo a liberdade de reproduzir - Estou certo que compreenderão o motivo por que o faço.



ERA ENTÃO UM ESBELTO E MODERNO NAVIO…HOJE NÃO É MAIS QUE UM DOS MUITOS DESTROÇOS QUE JAZEM E APODRECEM NO FUNDO DOS ABISMOS…

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Grita-se aos gélidos céus! Implora-se  compaixão!
Ouvem-se gritos lancinantes! Ecos de vozes,aturdidas!
Vozes desesperadas, suplicando piedade às alturas, a Deus!
Almas aterrorizadas, aflitas, ante a 
negra e vasta imensidão!
Que o mar abafa, mergulha, envolve e afoga em negro turbilhão!


Cenário sideral! - Fantasmagórico! irreal!
Gélida e diluída imagem de aflição e tragédia! 
Escurissimamente ondulante, indistinta, pavorosa e  informe!
Aquele magnífico navio - que à luz do dia - parecia glorificar...
Os mares e os céus!...É agora mero brinquedo partido e a pique!

Massa gigante esquecida, vulto perdido, que se afunda e perde!
Grotesco e sombrio volume de ferros,rangendo num mar cruel! 

Tudo se confunde e dilui na mesma vertigem povoada de aflição e pavor! 
Imersa de tumulto, de  múltiplos rumores! - Sufocada de desespero e solidão!...
Em redor - nos gélidos mares! - corre e rumoreja, uma aragem solta de cinza e desamor!
Perpassada de terríveis presságios!... De lágrimas que se perdem lavadas de áspero gelo e sal!

Plangente e chorosa!... - De imenso abandono e esquecimento, horrivelmente  afogado e triste!
Nos vivos, paira o pesadelo sobre o mar! - O espelho da angustiosa aflição, desespero e morte! 
Dos corpos, que bóiam afogados à superfície das gélidas águas?!... Nem o menor vagido ou voz! Já não fazem parte deste mundo! - Afogaram-se!... Alguns vão rolando  ao fundo dos abismos!
São o vulto fugidio das liquidas sombras! - Cadáveres submersos! Nada mais  têm para contar 







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Cenário gélido e perturbador! - Oh  - e até os céus!
Dos mais altíssimos, indiferentes e  impiedosos céus !.. 

Donde ainda brilham escassas e  longínquos estrelas no infinito!
Do alto nada mais sobra ou resta que a sideral e surda mudez!
Embora - aqui e além -  sobre a imensa e negra vastidão ! 
Se rasguem, diluam  ou cerrem  abertas de estranhissima claridade!
A dissipar a escorrência espessa que rodopia  em negro  e gelado torvelinho! 

SOLIDÃO, O VAZIO E A MORTE!...


Para onde quer que se olhe, não há vivalma!
Ninguém acorre em socorro!... Nenhum farol se avista!…
Nem uma pontinha de luz se descobre!...
Até as estrelas, que, lá no alto,
costumam ser tão rutilantes, não brilham!
Parecem agora ainda mais longínquas, distantes!
- Estão apagadas, escondidas!... Sumiram-se!
E, mesmo os que sobrevivem e vogam à sorte,
para eles, até parece que já nada existe! 

- Senão o vazio, o abandono e a morte!.

Jorge Trabulo Marques


 


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domingo, 26 de julho de 2009

ANTES DE HAVER LUZ, A IDEIA DE LUZ BRILHAVA, EM DEUS QUE A PENSAVA...



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 .LINKS PARA MAIS FÁCIL ACESSO A OUTRAS POSTAGENS:***ROCEIROS COMANDADOS POR TENENTE-CORONEL SPINOLISTA - POR POUCO NÃO PROVOCARAM UM SEGUNDO MASSACRE DO BATEPÁ 

ESPIA “MATA HARI*****SÃO TOMÉ E A GUERRA DO BIAFRA******CIA EM SÃO TOMÉ,.************* 36 ANOS DE INDEPENDÊNCIA ****** NÁUFRAGO POR VONTADE PRÓPRIA*******(2)SÃO TOMÉ  E PRÍNCIPE -ANTIGAS ILHAS ASBEN E-NAUFRÁGIO  .****36 ANOS DE INDEPENDÊNCIA****(1)SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE - ANTIGAS ILHAS POVOADAS POR CANOAS AFRICANAS..*****23º DIA À DERIVA NO GOLFO DA GUINÉ****SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE E A MATANÇA DOS ESCRAVOS****"22º DIA DE MAR,11 DE NOVEMBRO EM TERRA*****"COM A FÚRIA DOS VENTOS PORCELOSOS*****HOJE É DIA DA INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA:****CANCÃO DO MAR****PEREGRINO DA LUZ NA TERRA E NOS MARES****QUANDO OS TUBARÕES ATACAM****VOGANDO A COBERTO DA NOITE E À FLOR DO MAR.******TITANIC - A HOMENAGEM******MARES DE ONTEM, DE HOJE E DE SEMPRE.****ANTES DE HAVER LUZ, A IDEIA DE LUZ BRILHAVA*****PERDIDO NO GOLFO DA GUINÉ:*****POETAS!... VINDE VER O MAR!***** SÃO TOMÉ - NIGÉRIA******NO MAR DOS TORNADOS E DOS TUBARÕES -*******HISTÓRIA SINGULAR DE UM NAVEGADOR SOLITÁRIO***** ATITUDE DE JORGE MOYSÉS TEIXEIRA. COIMBRA******ESCALADA VERTICAL DO PICO CÃO GRANDE* ****AZEREDO PERDIGÃO, O QUE ME REVELOU **

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SÓ O MAR A BRAMAR, A BRAMAR!...

Ó minha saudosa e branca aldeia!
Dos longos dias triunfais da minha infância!
Oh, quanto vos recordo!
Quão longe, agora, estais da minha beira!
Quanta saudade vai no meu coração!
Quanto, em vão, agora me lembrais!...

Ó vasta solidão Ó imenso mar!!...
Ó inclemente Sol dos altos céus!
Ó Vós, que lá de tão alto me olhais!
Ó Deus do Mar e dos Céus!
Aonde, agora, minha barca me levais?!...

Onde está o altivo campanário
da antiga igreja?!... O adro, o negrilho?!...
Onde estão os trilhos das Quebradas,
As ondulantes searas?!... Os dourados
montes de centeio e de trigo?!...,

E a nossa ribeira com os dourados milheirais!
O marulhar verdejante dos choupos,
O cantar das cotovias e dos pardais!?...
- As suaves noites de Verão
banhadas de luar prateado!
Onde está o lindo vale
com as espigas de milho dourado?!
Onde está agora tudo isso?!...
Ó minha querida aldeia,
em que ponto do mar me encontro,
em que distante ponto do horizonte
agora eu de vós estou e de mim estais?!!...

Ó erma vastidão!... - Tenebrosos Mares!
Ó impiedosos Céus!!... Tende, de mim, piedade!
Tende, de mim, compaixão!... - Estou convosco, sozinho!!...
Ó Deus Meu! - Onde estais?!... A que erma direcção
e por que errático caminho - Ó Mar! Ó Céus! -
À toa derivo, perdido e solto, agora me levais?!!...

Jorge Trabulo Marques



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domingo, 19 de julho de 2009

“MAR DO SAL DA VIDA E DAS SEPULTURAS POR ABRIR MAS SEMPRE PRONTAS"PORQUE ME ACEITASTE NAS TUAS ONDAS SE NASCI MAIS PERTO DOS RIOS E TÃO LONGE DE TI?!

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“Mar das altas vagas espraiadas,
Mar que respiras com longas e convulsivas exalações
Mar do sal da vida e das sepulturas por abri mas sempre prontas,
Mar que uivas e cinzelas as tempestades, mar caprichoso e requintado,
Eu faço parte de ti, sou de uma e todas as fases."

Walt Whitman
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 (...)
E eu sinto a minha vida de repente
Presa por uma corda de inconsciente
A qualquer mão nocturna que me guia

Sinto que sou ninguém salvo uma sombra
De um vulto que não vejo e que me assombra,
E em nado existo como a terra fria

Fernando Pessoa


Sou dos que procurou na vasta planície dos mares, os caminhos solitários que nos conduzem da luminosa claridade do dia à noite mais imensa e profunda, e, sob o olhar vagabundo e mergulhado nas trevas, a Luz que ilumina e poderá revelar a Verdade Eterna!...




L*


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Depois de ter procurado o genuíno Deus na solidão dos mares ( e julgo tê-lo encontrado - ou pelo menos a consciência de me ter ajudado a descobrir o sentido da vida!) enfrentando tempestades, superando podres calmarias, a fome, a sede, enfim, arrostando as maiores vicissitudes e perigos vários (longe, muito longe, do meu país e da terra que me viram nascer), eis porque, após o meu regresso das lindas Ilhas de São Tomé e Príncipe - deixando para sul o imenso Golfo - me voltasse, não para os vastos e desconhecidos horizontes marinhos, mas de novo para os lugares abençoados do meu berço! Planáltico granítico, onde se circunscrevem, puros e largos espaços, que, desde criança, se me tornaram bem familiares - Cedo aprendi a amá-los e a conhecê-los! Palmilhando-os, porém, quantas vezes descalço, por caminhos e atalhos de fragas e de abrolhos!...

São, pois, estes os sítios mais queridos e abençoados da minha vida! Para onde me dirigi após longa ausência e onde fui retomar a minha sempre insatisfeita e persistente ânsia de procura do divino.

Esse é o meu retiro predilecto, o lugar eleito das minhas fugas da cidade para o campo, onde peregrino, sempre que posso, nos meus devaneios espirituais. Pois é lá, ante a vasta linha daqueles largos horizontes, que eu sinto, bem presente, o vibrar da minha identidade, a suave harmonia das minhas raízes, o genuíno pulsar da minha origem, desde o seu lado mais ancestral até ao mais próximo. Porém, mais de que o torrão que me viu nascer, o que ali revejo e descubro, a cada passo, é a visão de um lugar sagrado, cenário eminentemente espiritual, que convida à contemplação e à purificação do corpo e da alma - À inexplicável percepção de quem tem o privilégio de pressentir ou de escutar um hino de serenidade e de louvor a Deus!

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

PERDIDO NO GOLFO DA GUINÉ: A LONGA JORNADA DE SOBREVIVÊNCIA - 38 DIAS DEPOIS, FINALMENTE TERRA FIRME... C

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NAVEGANDO COM O REMO IMPROVISADO, POR ENTRE ONDAS ALTEROSAS, PROCURANDO, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, QUE AS VAGAS NÃO VOLTASSEM A PIROGA - NÃO HAVIA PROPRIAMENTE HORIZONTE À MINHA FRENTE OU EM REDOR, SENÃO O MAR QUE SE LEVANTAVA, SE DESDOBRAVA., DESDOBRAVA E LEVANTAVA.

...
VALE A PENA SACRIFICAR A VIDA POR UM IDEAL QUANDO SE TEM A CONVICÇÃO DE QUE O ESFORÇO É PLENAMENTE MERECIDO E JUSTIFICADO.
Sou natural de Chãs, de Vila Nova de Foz Côa, resido em Lisboa, mas vivi durante cerca de 13 anos em São Tomé e Príncipe, onde realizei várias aventuras marítimas, em pequenas pirogas primitivas, uma das quais a tentativa de travessia oceânica ao Brasil, que acabaria num naufrágio de 38 longos e penosos dias: sozinho, por entre tornados e calmarias, nos mares do imenso Golfo da Guiné

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Foi difícil essa minha provação. Debilitado, fisicamente, acabei por dar à Ilha de Fernando Pó: nos últimos dias mal me podia manter de pé, muito fraco, já quase no limiar das minhas forças. Nunca me pude abrigar nem da chuva nem do sol. Nem das sucessivas investidas das vagas. Completamente exposto aos elementos. Ficava deitado no fundo desse tronco escavado. Nem sequer dispunha da mais elementar cabine de abrigo. O baú onde guardava algumas coisas (incluindo a máquina fotográfica e um pequeno gravador) era um caixote do lixo de plástico, igual aos que ainda hoje se vêem à porta dos prédios nas cidades.


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Foram momentos de extrema aflição, que me pareceram verdadeiras eternidades, durante 38 longos e difíceis dias, enfrentando tempestades, sucessivas, incluindo ataques de tubarões. Ainda cheguei a apanhar alguns de pequeno porte, enquanto tive anzóis. Mas, até estes, mais tarde, me haveriam de faltar. Ao sabor das vagas, num simples madeiro escavado, é difícil imaginar pior situação
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Todavia, a imagem que ainda hoje continua mais nítida na retina dos meus olhos, é o pavor daquela noite negra e tempestuosa, quando o tornado me surpreendeu. Mesmo assim, com a canoa completamente desgovernada, em pleno mar aberto e ameaçador, não cruzei os braços e nunca me dei por vencido. Peguei num dos mastros e coloquei-o de través para garantir algum equilíbrio. Um dos bidões foi amarrado a uma corda e largado para servir de âncora flutuante. No dia seguinte improvisei um remo com um dos barrotes do estrado da canoa e pedaços da cobertura, a fim de conseguir dar alguma orientação. Mas de pouco me haveria de valer, face à fúria dos constantes tornados. Como bóia de salvação, utilizei o resto do estrado e adaptei-lhe um pequeno colchão de ar - Frágil recurso para forças tão descomunais.
Se não tivesse já realizado duas viagens anteriores, igualmente em pirogas, dificilmente teria aguentado tamanha prova de sobrevivência, depois de ter perdido os remos, a maior parte dos meus apetrechos e ter ficado, praticamente, sem alimentos e água potável.
De facto, para sobreviver, tive que beber água do mar e das chuvas durante vários dias sucessivos e alimentei-me de alguns peixes que pude apanhar e de algumas aves, que, pousando, para repousar, sobre a frágil canoa, com imensa tristeza minha, fui forçado a sacrificar.
Acabei por ser arrastado pelas correntes até à Ilha de Fernando Pó, já no limiar da minha resistência física, onde fui tomado por espião, algemado e preso numa cela de alta segurança, a mando do então Presidente Macias Nguema, após o que fui repatriado para Portugal, tal como me acontecera na Nigéria. Mas, agora, graças a uma pequena mensagem que levava do então jovem Governo de São Tomé e Príncipe, que recentemente tinha ascendido à sua independência, para saudar o povo irmão brasileiro, quando aportasse na sua costa.

Porém, a primeira das minhas aventuras foi a ligação de São Tomé ao Príncipe, em três dias. Parti à meia-noite, clandestinamente, levando para me orientar, apenas uma rudimentar bússola. Fui preso pela PIDE (polícia política do velho regime colonial), por suspeita de me querer ir juntar ao movimento de Libertação de STP, sediado no Gabão. Enfrentei dois tornados, à segunda noite, adormeci e voltei-me com a canoa em pleno alto mar. Esta era minúscula e foi um verdadeiro drama ter-me conseguido salvar.
A segunda viagem foi uma travessia de São Tomé à Nigéria, cinco anos depois, numa piroga um pouco maior. Parti, igualmente, sem dar conhecimento a ninguém, ao começo da noite, servindo-me apenas de uma modesta bússola. Ao cabo de 13 dias chegava a uma praia ao sul da Nigéria, tendo sido detido durante 17 dias, por suspeita de espionagem, após o que fui repatriado para Portugal. Os jornais nigerianos destacaram em primeira página esta minha aventura.

Regressado a São Tomé, ainda no mesmo ano, e já com São Tomé e Príncipe independente, tentei empreender a travessia ao Brasil, entre outros objectivos, com o propósito de evocar a rota da escravatura através da grande corrente equatorial, contribuir para a moralização de futuros náufragos, à semelhança de Alan Bombard.
Segundo este investigador e navegador solitário, a maioria das vítimas morre por inacção, por perda de confiança e desespero, do que propriamente por falta de recursos, que o próprio mar pode oferecer. Era justamente o que eu também pretendia demonstrar - Navegando num meio tão primitivo e precário, levando apenas alimentos para uma parte do percurso, munido, unicamente, de uma simples bússola, sem qualquer meio de comunicar com o exterior, tinha, pois, como intenção, colocar-me nas mesmas condições que muitos milhares de seres humanos que, todos os anos, ficam completamente desprotegidos e entregues a si próprios – Porém, quis o destino que fosse mesmo esta a situação que acabasse por viver.
A canoa foi carregada num pesqueiro americano para ser largada, na corrente equatorial, um pouco a sul de Ano Bom. Porém, à chegada a esta ilha, o comandante propôs-me abandonar a canoa e ficar a trabalhar a bordo, alegando que a mesma estorvava e que a aventura era muito arriscada. Na impossibilidade de ser levado para a dita corrente, decidi-me pelo regresso a São Tomé para tentar a viagem noutra oportunidade. Foi então que uma violenta tempestade, me surpreendeu em plena noite, tendo perdido a maior parte dos víveres, os remos e outros apetrechos. Foram momentos indescritíveis. Ao sabor das vagas, num simples madeiro escavado, é pois difícil imaginar pior adversidade
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Já se passaram vários anos, porém, essa minha experiência ainda está muito presente na minha memória – E duvido que algum náufrago, alguma vez possa esquecer os seus longos momentos de abandono e de infortúnio.
Mas não estou arrependido: julgo que valeu a pena - Pois norteavam-me propósitos bem nobres - Além do que já descrevi, os objectivos dessas minhas travessias foram vários: 
Antes de mais, o fascínio que o mar exerceu em mim, desde o primeiro dia que desembarquei, do velho Uíge, ao largo das azulíneas águas da Baía Ana de Chaves, fronte ao cais da linda cidade de São Tomé; o desejo de me encontrar a sós com a solidão e a vastidão do oceano e, de perante esse cenário, de me poder interrogar, ainda mais de perto, sobre a presença e os mistérios de Deus. Mas também por razões de carácter histórico-científico e humanitário. Tais como: evocar a rota da escravatura, ao longo da grande corrente equatorial, lembrar esses ignominiosos tempos do comércio de escravos e chamar atenção para esse grave problema que, sob as mais diversas formas, continua afectar a existência muitos seres humanos, na actualidade. 
Demonstrar a possibilidade de antigos povos africanos terem povoado as ilhas, situadas naquele imenso Golfo, muito antes dos navegadores portugueses, ali terem chegado, contrariamente ao que defendem as teses coloniais, que dizem que as ilhas estavam completamente desabitadas - E a verdade é que, entretanto, já foram encontradas antigas cartas, num dos arquivos italianos(de navagedores árabes do século XIII, graças ao trabalho de investigação de Fernanda Durão Ferreira, jornalista, investigadora e sócia da Sociedade Portuguesa de Geografia – secção de História.) cartas através das quais são localizadas e atribuídos nomes às ilhas do vasto golfo. 
Pêro Escobar e João de Santarém navegaram para o Golfo da Guiné à procura desta Ilha de Asben que, como afirma Duarte Pacheco Pereira, “ mandou descobrir o sereníssimo rei D. João II”. Quis a sorte que ela fosse achada no ano de 1470, a 21 de Dezembro, dia do santo descrente que só acreditava no que via e apalpava. Mais confiantes que o apóstolo, devem ter velejado os dois navegadores portugueses à procura desta ilha pois se o rei a mandara descobrir, é porque sabia de antemão da sua existência. Chamaram-lhe São Tomé e zarparam à procura das outras duas. Sanan e Malicum foram encontradas a seguir, sendo baptizadas de Santo Antão (passando depois a Santo António, sendo mais tarde chamada Príncipe) e Ilha Formosa, redescoberta por Fernão Pó, conhecida hoje por Malabo, capital da Guiné Equatorial.” - In O Redescobrimento das Ilhas do Golfo da Guiné.

Por conseguinte: está suficientemente demonstrado de que estas ilhas (tão férteis e formosas) não estavam ali à espera de que fossem os olhos europeus (ou até os árabes) a terem a dita de serem os primeiros homens a contemplá-las. É minha convicção de que, já muitos antes deles, os povos africanos limítrofes as tinham visitado e povoado, através das suas pirogas. E foi justamente essa tese que eu quis comprovar e que continuo a defender. 


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Ele correu perigos que assustariam o mais corajoso, incorreu em temeridades que não visavam o lucro mas uma meta mais longínqua. Um insatisfeito desejo de se afirmar e de demonstrar que moram no homem, e com ele vivem , recursos insuspeitados e adormecidos.Não se pense que se referimos a um aventureiro gratuito, que apenas pretende chamar sobre si as atenções, sem objectivos louváveis. Nada disso.(...) "
"As gravações a que procedeu no mar são empolgantes e transmitem o estado de espírito do homem que se encontra só e não conta senão com ele e com Deus. A resistência do homem á fome, à sede e ao desespero, constituem uma constante do seu relato. É comovente a transcrição do feito de Jorge Marques, o qual justificava a publicação de um livro, contendo, em pormenor, o que a escassez do espaço de um jornal não comporta."
A descrição que passou á deriva numa piroga no Golfo da Guiné, se levada ao cinema, daria um filme memorável, principalmente se o realizador extrair da odisseia a espantosa variedade de facetas que ela oferece.” Excertos do Jornal Novo – 25.9.76