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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

CÃO GRANDE EM SÃO TOMÉ - A GRANDE ESCALADA AO PICO VERTICAL - Conquista em meados de Outubro de 1975


Jorge Trabulo Marques - Jornalista e líder da equipa da primeira escalada ao Pico Cão Grande, concluída com êxito em meados de Outubro de 1975, após  anos de sucessivas tentativas

BIG DOG IN SÃO TOME - THE GREAT PEAK CLIMBING THE VERTICAL "This is one of the highest needle-shaped "volcanic plug" peaks on Earth  -In The Dark Tower: Found!

As minhas primeiras tentativas da escalada ao Pico Cão Grande,  ocorreram em meados de 1970 - Fui  a  primeira pessoa a escalar sozinho este majestoso pico. Dizia-se que o Cão Grande  tinha feitiço e quem ousasse escalá-lo, ficava lá morto. Por isso, não  constava que alguém tivesse ousado subir as suas paredes verticais. Eu achei que devia quebrar esse enguiço. Mas também por se me impor como um desafio desde o primeiro dia que  fui trabalhar como empregado de mato para a Roça Ribeira Peixe   - E que veio a tornar-se ainda mais intenso  depois de abandonar aquela propriedade agrícola. 

Impunha-se-me a sua conquista como uma espécie de  desforrra às humilhações de que afui alvo por parte da administração daquela roça e da Roça Uba-budo, pertencentes à mesma empresa: A companhia Agrícola Ultramarina. 

O adminsitardor mandara-me para ali de castigo a contar cacauqueiros, numa área abandonada e infestada pela cobra-preta, pelo facto de me ter recusado a tratar os trabalhaores por tu e de forma autoritária, ao velho estilo colonial. Andava eu com um trabalhador cabo-verdiano: ele de caldeirinha na mão cheia de água de cal para marcar os cacaueiros que eu ia contado.   Eu andava de galochas e ele descalço: um dia uma srpente picou-o e morreu no local. Nesse mesmo dia à noite abandonei  a Roça. 

 O Sebastião, que residia numa pequena aldeia, próximo da ponte do Caué,, era quem me acompanhava até ao sopé de um dos flancos. Era caçador de porcos. E aproveitava para, com os seus cães, fazer as suas caçadas.  seguidas de várias subidas solitárias, até que, em Outubro de 1975, na companhia de dois jovens e corajosos santomenses, conseguimos completar a subida.

Desprovidos dos recursos técnicos usados nas grandes escaladas, sem calçado adequado,  luvas ou capacetes, munidos apenas de vulgares cordas e de uma vareta de pontiaguda numa mãos com que nos segurávamos nas reentrâncias naturais ou onde não nos era possível fixar umas cavilhas improvisadas,  com os pés apenas cobertos por vulgares meias, lá íamos subindo descalços.

 A bem dizer a conquista do cume era o culminar de uma proeza ao velho estilo dos macacos da floresta, com que nos deparávamos quando caminhávamos ao encontro do enorme falo basáltico. Mas, enquanto eles podiam saltitar de galho para galho, nós só o podíamos fazer próximo das base, na zona coberta de arbustos, que muito nos facilitariam a nossa acessão: só que, uma vez, um deles descolou da rocha e, só por muita sorte, é que, um dos nossos companheiros, o Pires dos Santos, não se despenhou nos pedregulhos no sopé do arvoredo.   




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Obrigado por me acompanhar na memória à tão difícil escalada de um dos mais  belos e singulares picos do Mundo - Depois, se lhe sobrar um bocadinho do seu tempo, não deixe de  viver algumas das  emoções, por que passei, expressas no diário de bordo dos 38 logos dias numa simples piroga Estas foram aventuras em frágeis pirogas https://canoasdomar.blogspot.com/2012/10/25-dia-estou-cheio-de-sede-e-de-fome.html




Escalada do Pico Cão Grande – em São Tomé – Reencontro de Jorge Marques e o Cosme Pires dos Santos , 40 anos depois – 05 - Agosto 2015 

(atualização)  A escalada do Pico Cão Grande, em 12 de Outubro de 1975, foi tema de uma palestra  promovida pela Associação Desnível  Intitulada  40 anos sobre a Escalada do Pico Cão Grande  –  Três horas de entusiástico convívio e fraternal diálogo, em que as ilhas de S. Tomé e Príncipe, embora bem longínquas, estiveram  continuamente no pensamento  de todos os presentes, não apenas do tema em questão mas sobre  outras abordagens
https://canoasdomar.blogspot.com/2015/11/casa-da-gruta-em-cascais-encheu-para.html

Tal o entusiasmo gerado  à volta da escalada do Pico Cão Grande, associado às maravilhas da paisagem de S. Tomé e Príncipe, que ficou a pairar o desejo de ali se deslocar uma equipa de alpinistas desta associação para concretizar a segunda escalada do Pico Cão Grande, depois de quatro tentativas goradas por outras equipas, já que, tal como ficou documentalmente demonstrado, a tao mediatizada escalada a este pico equipa liderada por Matteo  Rivadossi, é falsa  - Escalaram o Cão Pequeno e vieram dizer que haviam sido registas no cume do Cão Grande – Pormenores em Desmontagem da encenação  da “via mambo italiana”  de Matteo  Rivadossi Desmontagem de uma encenação https://canoasdomar.blogspot.com/2016/01/escalada-do-pico-cao-grande-em-s-tome.html

DEVIA SER DECLARADO PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE OU MONUMENTO NACIONAL - Tal como o Devils Tower National Monument - EUA



Finalmente a imagem da bandeira que foi estiada na crista de um dos picos mais singulares e difíceis da Terra. -  Em homenagem aos desafios da serenidade e da coragem - O testemunho que faltava dar aos desconfiados e incrédulos  - Foto registada na ponte do Caué, antes da  expedição através da floresta,  com a minha valorosa equipa de santomenses; Pires dos Santos e Constantino Bragança..  Não disponho das últimas imagens, visto ter abandonado a Ilha, dias depois para  uma aventura maritima de canoa.. Não tendo, até hoje, podido recuperar esse e  outro espólio. 

DEPOIS DA ESCALADA COM A  MINHA EQUIPA,  HOUVE VÁRIAS EXPEDIÇÕES - MUNIDAS DE EQUIPAMENTOS QUE NÓS NÃO DISPUSEMOS  - A escalada nas rochas - seja a nível das grandes alturas, tomando o nome de alpinismo,  seja em que circunstância for, é um desrato nobre - Um  dos desportos mais arriscados    e difíceis  do mundo, que não deve ser praticado por  meros caprichos exibicionistas  ou a titulo competitivo, senão como  um desafio ou uma conquista humana às dificuldades impostas pela formações rochosas da natureza  

 Mas, pelos vistos, há quem o pratique exibindo conquitas sem as fazer É o caso do Pico Cão Grande - Fizeram escaladas no Pico Cão Pequeno, afirmando, depois , de  que haviam escalado o Cão Grande. - Curiosamente, com este em pano de fundo, a  que mais à frente me reportarei.  Recebem apoios e têm que os justificar de qualquer forma . E, segundo apuramos, nalguns casos, pagando irrisórias importâncias a quem os ajuda a transportar as mochilas

As ilhas deviam promover  este desporto. E todas as escaladas deviam ser devidamente autorizadas  e  acompanhadas por observadores para, em caso de acidentes, terem pronta assistência clinica. Veja-se o que se passa com a escaldado Evereste  

Informação atualizada - 25/04/2022  Uma licença de escalada para o Everest custa US$ 11.000 (cerca de R$ 50.000, na cotação atual*), e no ano passado o Nepal faturou US$ 4,1 milhões com essas vendas. Por outro lado, o país gerou um total de apenas US$ 451.000 de vendas de licenças para seus outros sete picos acima de 26.000 pés/7.900 metros de altitude  https://gooutside.com.br/permissoes-para-escalar-o-everest-despencam



O Pico Cão Grande, que se ergue no coração da floresta equatorial, ao sul  da Ilha de São Tomé, não é apenas um gigantesco falo de pedra basáltica, é,  indubitavelmente, uma das mais singulares maravilhas  geológicas da terra: não tanto pela altitude mas pela forma e verticalidade. 

Situado dentro dos limites do Parque Nacional Ôbó de São Tomé  , mesmo assim,  parece-me que seria importante declará-lo monumento nacional - tal como sucedera  a outra enigmática formação rochosa  - o  Devils Tower National Monument, a Torre do Diabo, que se ergue  no estado de Wyoming, EUA

  Cada um com as suas peculiaridades, ambos de  origem ígnea monolítica,  infunde uma surpreendente  beleza e mistério. Enquanto Devils Tower o  tem o topo relativamente plano, o Cão Grande é uma rocha, quase pontiaguda de  formada por um bloco maciço, vertical, escorregadio e escarpado –

Autêntico dedo gigantesco apontado aos céus!- que se destaca do coração da floresta mais densa e exuberante da zona meridional da ilha, próximo da linha do Equador, onde a queda pluviométrica oscila, entre 4500 a 5000mm anuais  – Monólito  de origem vulcânica com  663 metros de altitude, com um perímetro na base, talvez superior à  superfície rochosa que se levanta aprumo, sobre o manto verde, que se calcula acima dos 300 m de altura  - ou mais, conforme a vertente que se escalar -   Algumas das suas escarpas, além de encobertas pela floresta, confundem-se  com o próprio monte donde emerge, desnudam-se dele e vão quase até à  linha das águas, que correm ou jorram junto dele,  excedendo muito além das três centenas de metros calculados, que é possível medir em área livre e aberta. 

Quem o vir de longe,  seja da clareira da floresta,  seja ao surgir da curva de uma estrada ou até a levantar-se  à frente dos olhos, irrompendo no meio de uma pequena reta, não poderá deixar de  sentir o pasmo de uma majestosa aparição,  de ser tentado a contemplar, algo  que parece divinizar toda a natureza selvagem envolvente – Qual gigantesca testemunha, simultaneamente, terrena e cósmica! Ou qual expressão  genuína de  um monumento, erguido da terra, aos céus! 

Seja de que ângulo for, de perto ou mais afastado, o Cão Grande é único no seu género: não há conhecimento de  semelhanças no Planeta.

 


Daí o fascínio que exerce aos olhos de quem o contempla. Mas, sobretudo, o permanente desafio que se revela aos amantes da escalada vertical -  Pessoalmente, pude  viver tais emoções, sentir o grande prazer  – misto de glória, apreensão e receio – Tendo por companheiros o Cosme Pires dos Santos e o Constantino Bragança e os meus guias, do Sebastião e do Chico. 

 De sesfraldarmos, no topo do seu cume,  a Bandeira Nacional de São Tomé e Príncipe, depois de nas sucessivas escaladas, antes da Independência, termos erguido a Bandeira Portuguesa, trepando  as suas vertiginosas faces, que se erguem aprumo no mais denso manto da selva verde. De sermos os primeiros seres humanos  - pois  há aves que lá nidificam – a pisar as rochas da sua monumental crista!

Já lá vão quarenta anos, todavia as memórias, permanecem ainda hoje tão vivas, tão vibrantes, como se o tivesse acabado de  escalar – O que parecia  custar aceitar era o não reencontro, a não  partilha dessas mesmas emoções,  com o valoroso Pires dos Santos – Mas, felizmente quis o destino que, finalmente, na tarde de 5 de Agosto, 2015, nos reencontrássemos, num abraço fraternal e amigo, tal como o testemunha  o vídeo, gravado junto de sua casa, na companhia da sua mulher, e dois dos seus irmãos e do jornalista Adilson Castro.  



(atualização – apenas a nivel de algumas imagens - 39 e 40  anos depois) 

39 e 40 anos depois,  pude finalmente  reencontrar-me com velhos amigos e o com o nosso amigo comum  - O Cão Grande  - Com o Chico, um dos meus guias - Nov. de 2014 e com o Cosme Pires dos Santos - em 05-08-2015 Com o Constantino Bragança, esse também amistosos reencontro pude ser possível, por várias vezes, em Lisboa, dado ter emigrado para Portugal  - Um abraço especial  também a Victor Monteiro e à equipa da TVS por me terem acompanhado nesta romagem de saudade









FINALMENTE DESCOBERTA  À CURIOSIDADE INTERNACIONAL - A MAIOR TORRE NEGRA  DO MEIO DO MUNDO, UMA DAS MAIS IMPRESSIONANTES AGULHAS VERTICAIS DO PLANETA   - MAS, PELOS VISTOS, TAMBÉM À DESFLORESTAÇÃO DESTA MAGNIFICA ÁREA.
(imagens da Web)

BIG DOG IN SÃO TOME - THE GREAT PEAK CLIMBING THE VERTICAL "This is one of the highest needle-shaped "volcanic plug" peaks on Earth  -In The Dark Tower: Found!


"Este é um dos picos mais altos em forma de agulha "vulcânica" na Terra (300 m), talvez ainda mais impressionantes do que a Torre dos diabos em Wyoming"


le pico Cao Grande. Une merveille de la nature très peu connue mais à mon sens une des plus belles manifestations de la nature que j’ai vue. -- Gabon > Sao Tome depuis Libreville - Accueil






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"This is one of the highest needle-shaped "volcanic plug" peaks on Earth (300 m), perhaps even more impressive than the Devils Tower in Wyoming (386 m)"

Maybe you've read Stephen King's huge fantasy epic "The Dark Tower", or perhaps the Tower of Mordor from "The Lord of the Rings" more readily comes to mind? In any case, you'll be surprised to find the fantastic huge black tower actually exists... on a small island near Africa. More precisely, on the São Tomé island in the Gulf of Guinea. It's called Pico Cão Grande, or the Great Dog peak"


Majestosa e imponente agulha: Cão Grande, o pico que sai do coração do obó, da floresta virgem! - Rasga as densas nuvens ou se envolve em novelos de etéreas neblinas como se um enorme falo estivesse em contínuo coito a penetrar o éter donde caiem copiosas chuvadas sobre o denso e deslumbrante verde, que exalam aromas e perfumes intensos, perenes de vida, inebriantes, exultam a opulência, o milagre e a pujança viçosa do manto arbóreo que assim é fecundado pela estreita simbiose equatorial  que permanentemente se estabelece entre o húmus da  fértil terra vermelha e os ardentes céus azuis ou nublados  de chumbo ou prata - Sendo, por isso, simultaneamente, o guardião de uma prodigiosa vegetação, que floresce e se expande, desde o lume da espumosa e negra orla marinha aos mais altos e verticais penhascos, tão frondosa, bela e  luxuriante, como  a do Éden no  primeiro dia, em que Deus Supremo,  concebeu a  mulher e o primeiro homem , face aos olhos do Maravilhoso,   Universo

Nas margens do rio Côa 
MONSTRUOSO PÁRA-RAIOS - EM DIAS DE TEMPESTADE, É DE TAL MANEIRA FUSTIGADO POR FAÍSCAS E RELÂMPAGOS, QUE MAIS LEMBRA A  TORRE NEGRA E INCENDIADA DO INFERNO

A sua forma, quase esférica e pontiaguda, funciona como um portentoso para-raios! - Várias vezes vi esse espetáculo pirotécnico noturno  da Roça Ribeira Peixe, quando ali trabalhava, como empregado de mato - Dizia-se lá: "Olha lá está o Cão Grande a ser bombardeado pela fuzilaria do diabo!!...  - Não tarda a  trovoada a vir por aí abaixo!...Curiosamente, mais das vezes, as nuvens faziam por lá a descarga e a chuva não atingia o  terreiro da roça, que ficava ali junto ao mar - É, sem dúvida, a zona onde chove mais! - Em São Tomé há cinco micro-climas - Que vão desde os 300mm na cidade São Tomé, até aos 5000mm, onde se situa aquele pico.




No centro culminante da sua crista, embora mais circular e maior do que aparenta na fotografia(também não se julgue que é a ponta de algum cinzel, pois, Cão Grande, é gigante dos pés à cabeça!) mas impensável  lá permanecer-se de pé! -. Só  num dia excepcional de bom tempo. Sob pena de  se  ser imediatamente varrido!   - Por isso, era humanamente impossível fixar lá fosse o que fosse, devido à força das correntes de ar (e do vento) e das condições em que se encontra a pedra, bastante rachada e muito  laminada! No entanto, há por lá pequenos arbustos que milagrosamente vegetam e resistem, graças à intensa humidade! -  Estávamos envolvidos por névoas e densos nevoeiros, que oram ficavam completamente cerrados ora se enrolavam  e fugiam de nós como trapos . Nem sei como logramos sair daquele  terrível sítio!



Quando iniciei a escalada fui alertado pelo comandante do Aeródromo de São. Tomé, da perigosidade das fortíssimas rajadas, devido às baixas pressões  e fortíssimas  correntes de massas de ar quente(que, em contacto com as mais frias descendentes) envolvem-se ou giram em torno dele, provocando chuvas inesperadas,  tornando-o  num centro aglutinador de imprevisível  turbulência e instabilidade atmosférica, dificultando e pondo em perigo qualquer avioneta que se aproxime.  Ou por via de  ficar instantaneamente encoberto, podendo ser  arrastada  para o eixo da sua acção centrifugadora ou estatelando-se às cegas contra a vertigem do negro e fusiforme rochedo  -  Tendo-se recusado a lavar-me lá para  fazer um reconhecimento aéreo. Por esse facto, escolhi a face menos exposta




"Quem tiver o singular privilégio de visualizar esta rara pedra preciosa certamente ficará repleto de variadíssimas e agradáveis sensações"  - In Património de S. Tomé.: Roça Porto Alegre



"This is one of the highest needle-shaped "volcanic plug" peaks on Earth (300 m), perhaps even more impressive than the Devils Tower in Wyoming   (386 m), as it rises above the landscape in an equally unexpected and even bluntly obscene way. It is however more difficult to photograph than Devils Tower: its top is often hidden by clouds or precipitation, not to mention that it's harder to get to the tiny country of São Tomé and Principe (though I'm sure it's worth the effort).

The Dark Tower by Stephen King have been inspired by Pico Cão Grande? This “volcanic plug” is in Obo National Park in the tiny island country of São Tomé and Principe off the coast of Africa. Photographs of this tower are hard to take because the top is usually in the clouds, but you’ll find some good ones at Dark Roasted Blend. Link. - In The Dark Tower: Found!
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The heavy mist and humidity over the surrounding jungle (the rainfall varies between 4500 mm to 5000 mm per year) adds to the mystery and the foreboding feeling of the Great Dog Peak, as its rocky presence rises and darkly glistens Pico Cão Grande - Neatorama


EM DEZENAS DE ESCALADAS - 1970 -1975 - UM PORTUGUÊS (O AUTOR DESTE POST) E MAIS QUATRO SANTOMENSES, ARRISCARAM A VIDA  NAS PAREDES APRUMO DESTA TORRE:  UM DOS MAIS DIFÍCEIS E IMPONENTES PICOS DO MUNDO








CONSTANTINO BRAGANÇA, UM DOS VALOROSOS MEMBROS DA EQUIPA - ENTÃO COM 19 ANOS  - Imagem à direita, nos degraus de uma escada  para vencermos uma superfície, dura e lisa, onde não era possível cravar cavilhas e que, se resvalasse, nos atiraria para o fundo do abismo nublado - REENCONTRO COM UM GRANDE AMIGO - A ESCALADA É ISSO MESMO:  UMA SÓLIDA AMIZADE E UM PROFUNDO COMPANHEIRISMO. - JÁ LÁ VÃO  37 ANOS,  AS BOAS RECORDAÇÕES MANTÊM-SE INALTERÁVEIS 


Auto-retrato - do Peregrino da luz - por  mares,  montes e picos
 
NÃO PERMITAS QUE NO MEIO DO CAMINHO DA TUA VIDA HAJA UMA PEDRA  QUE TE IMPEÇA DE SONHAR E DE TE TRANSCENDER -  MAS QUE SEJA O MARCO QUE TE ABRA OS HORIZONTES DE ESPERANÇA E DE LUZ 

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra



 Sim, um dia eu vi  uma enorme pedra no meio de uma linda floresta  - Atraído pelo seu fascínio, fui ao seu encontro - E, quando me apercebi, parecia  que essa pedra se atravessava no meu caminho - E só havia uma forma de impedir que essa pedra esmagasse os meus sonhos, escalá-la - E foi o que fiz:  inicialmente sozinho, depois com outros companheiros - Pois vi que era demasiado grande para as minhas possibilidades - A vida também nos ensina a ser solidários e a mostrar que a união faz a força - Foi o exemplo que depois tomei. E julgo que do mesmo modo, assim pensaram os meus companheiros que seguiram os meus passos.


Perdoem-me se veem nas minhas palavras autoelogio - Mas, a certeza dos nossos actos, quando bem sucedidos, porque não reconhecermo-los?.. -  Sim, poderei dizer, que, enquanto ao monte mais alto do mundo, acorrem, todos os anos, uns largos milhares de desportistas  - e é porque há limites ao número de expedições, mesmo tendo de desembolsar em equipamento, viagens e taxas aí uns 100 mil dólares, mais deles vão lá apenas para o ver de perto - não são autorizados -  (Everest By the end of the 2010 climbing season, there had been 5.104 ascents to the summit by about 3.142 individuals)- e já foi escalada por alpinista cego e outro com próteses nas pernas) aos picos, às agulhas de pedra, a essas anónimas torres verticais, mais delas continuam ignoradas, muitos torcem o nariz - Parece ser o caso do Cão Grande: até hoje, além de minha equipa,  não houve alguém, antes ou depois de nós,  que ateste  ter subido as suas rochosas escarpas  As nossas fotos é que já foram reeditadas para sites da especialidade, extraídas da publicação que tínhamos noutro espaço, que para aqui transferimos - Mas soubemos que já houve quem lá fosse com esse propósito: uma equipa de italianos e outra de japoneses. Viram, contemplaram, admiraram, deram meia volta e foram-se embora - para desfazer dúvidas, fizemos o registo no site apropriado, em: - peakery No qual constam os picos de todo o mundo e as escaladas -: até agora fomos os únicos e os primeiros.  Não é motivo para nos pormos nos bicos dos pés - isso fizemo-lo lá muitas vezes -  mas para humildemente reconhecermos que no ser humano moram insupeitáveis forças capazes de superar as maiores adversidades e de o transcender.

ACIMA DOS 200 METROS ERA DE CORTAR A RESPIRAÇÃO


- Se a corda rebentasse ou uma cavilha se desprendesse (e era tudo tão improvisado e tão artesanal) estatelávamo-nos imediatamente no sopé. Talvez amortecidos pelas copas  da floresta que o cercam, mas apenas o tempo para a queda ser ainda mais horrível: de tomarmos consciência da morte que nos esperava sobre os blocos  de basalto em  redor - Numa das escaladas, o meu companheiro, que seguia uns metros acima, só teve tempo de me dizer: pedra!!! E eu encostar a cabeça à rocha. Ainda me tocou na orelha. Ele, foi menos feliz: uma lasca que se desprendeu apanhou-lhe o pulso, fez-lhe um grande golpe - Ainda hoje me custa a crer como ele se   aguentou e não cedeu à queda.  

A chuva era o maior  constrangimento  - quando chove a pedra fica como uma  enorme garrafa de vidro - E onde há musgos,  pior ainda! E, ali, no sul, chove quase todos os dias (pelo menos naquele tempo), e nós não não nos conformávamos por tão prolongada espera. A neve é o tapete ideal para se cravarem os pitões das botas na alta montanha, mas numa rocha lisa, deseja-se o mais seca possível. 

CÃO GRANDE: ESCALADA  APRUMO E SOB O FIO DA NAVALHA

No período da Gravana, que corresponde aqui ao Verão no Hemisfério Norte, chove um pouco menos. E, tal como em toda a ilha, não há praticamente crepúsculo. Logo que o disco solar se esconde no oceano, rapidamente anoitece; o mesmo acontece ao alvorecer; passa-se rapidamente da noite mais espessa à claridade mais radiosa. Quem anda na floresta ou faz uma escalada, já sabe que não se pode descuidar - Eu naquele dia descuidei-me.

Enquanto me aproximava do exíguo abrigo, uma trovoada  tornou repentinamente a parede basáltica  numa gigantesca garrafa de vidro - fiquei praticamente pendurado, e, nessa altura, estava sozinho sobre o abismo e fora do lugar de segurança - Foi uma noite horrível! A bem dizer, também não estava só: do fundo do arvoredo, ouviam-se muitos sons.E o que, hoje eu  mais recordo, é o cheiro do musgo húmido e da pedra (aquela pedra parece que ainda tem o cheiro da incandescência dos  magmas) e os perfumes inebriantes que vinham lá das copas e da folhagem. Onde os macacos faziam geralmente uma enorme algazarra e, quando por lá se passava (com o Sebastião abrindo caminho com o machim, a zagaia e as suas matilhas para capturar os porcos bravos) por entre fetos gigantes e lianas, não havia vez alguma que não deparássemos com as temíveis cobras pretas! - Mas ali também não há leões nem tigres ou outras feras selvagens

 Raras eram as noites ali bem passadas, mas aquela, de facto (e eu naquele  dia eu estava sozinho) afigurava-se ser de todas a mais dramática. A mente teve que funcionar a duzentos por cento. Impondo ao meu corpo a firmeza e a robustez de uma estátua. Envolto em espessas neblinas, chuva diluviana tropical e densas trevas, era impossível arredar pé. Era uma situação muito perigosa e desconfortável. O Ilhéu das Rolas, fica ali ao largo, não muito longe, frente a Porto Alegre - Estava quase sobre a linha do equador, mesmo assim, exposto todo à  noite, chuva, senti um grande desconforto,  devido arrefecimento do corpo..

Não dormi um minuto.  Abraçado àquele negro penedo, como que pedindo-lhe protecção. O que me valeu foi que havia uns esporões debaixo dos meus pés que me impediram de escorregar. A rocha estava escorregadia como óleo sobre mármore.

QUANTAS VEZES DESEJEI SER HOMEM PÁSSARO! - NO ENTANTO, NÃO PODENDO ALCANDORAR-ME A ESSA METAMORFOSE -   POR ALEGRIA OU TRISTEZA E IMPOTÊNCIA  -  , DEI MUITOS GRITOS COMO OS "GABÕES" DO MATO!... 

Quando era garoto eu adorava ir para a ladeira do nosso Lavor do Ferro, lá para os lados do Côa e correr por ali abaixo, abrir os braços e ter a sensação de voar. Depois, nas veredas da  boiça da Escola Agrícola, em Santo Tirso, ainda mais testei essa tentação de pássaro voador. Às tantas da noite, vendo-me ali pendurado, pensei mesmo nisso; algumas dessas recordações afloraram-me à mente... Apetecia-me ser um homem pássaro, ter asas de condor e voar ou ser o falcão que persegue os papagaios -Mas dei muitos berros.. À índio ou à gabão do mato. Cada ascensão mais difícil conquistada, era encher pulmões e extravasar a alegria! - A macacada no obó da capoeira, dava logo sinal e ficava em alvoroço! - Era uma coisa que eu fazia muitas vezes... De dia e de noite, sobretudo nas minhas escaladas solitárias.

De noite era mais para espantar fantasmas ou comunicar com os meus companheiros ermitas. Naquela altura, havia trabalhadores que fugiam das roças(devido aos maus tratos - sobretudo moçambicanos e cabo-verdianos) que se refugiavam no mato - chamavam-lhe os gabões; viviam da caça, que trocavam com outros bens alimentares nas aldeias. Eu imitava o grito deles. E, por vezes, eles correspondiam: dos arredores e lá do fundo do arvoredo, em torno do  Cão Grande

 Oh! sim, mas ali no meio daquela escuridão alagada de chuva, se despegasse os braços da rocha e os abrisse, a queda era fulminante como o chumbo. Mais tarde pedi ao meu grande amigo Pires dos Santos para me tirar ali uma foto. Queria recordar aquela noite que poderia ter sido a última da minha vida - Tudo era escuro e viscoso. Mas eu tinha que zelar pela minha vida: não queria precipitar-me no abismo e morrer;  lá fui resistindo, conforme pude. Só Deus, sabe como..

DESDE AGOSTO DE 1970  (17 ANOS APÓS A CONQUISTA DO EVAREST  - Ainda quase nos alvores do alpinismo - PRINCIPIAVA UMA DAS MAIS ARROJADAS AVENTURAS DA  MINHA VIDA - Que iria prolongar-se por quase cinco anos de sucessivas tentativas - Sem os recursos técnicos da atualidade -  para os quais não há impossíveis! Em dezenas de escaladas de ascensão livre, subidas a pulso, excepto dois  lanços com escadas, servindo-nos dos meios mais artesanais. Quem lá for ao sopé, só ali poderá admirar o nosso esforço épico.

 Pois, mesmo  recorrendo às mais modernas técnicas, o Cão Grande continua a ser um desafio à altura das grandes escaladas mundiais do alpinismo extremo e vertical -  Quem tiver dúvidas, vá lá: experimente encostar a barriga à pedra,  suba-o, que ele é grande mas não faz mal.



 EQUIPA: Eu próprio, Jorge Trabulo Marques; Cosme Pires dos Santos - pai de uma criança, arriscando a vida e pondo em causa a sobrevivência familiar; o Constantino Bragança, que, por algumas vezes,  também chegou a pernoitar por baixo da cume do pico, onde mal cabiam duas pessoas sentadas  e tínhamos de ficar com as pernas ao dependurão, amarradas por cordas a frágeis arbustos e a cavilhas. Pois era ali que pernoitávamos e se fazia o último assalto ao cume.  Os guias, Sebastião, Banga e o  Chico, que era capataz na Ribeira Peixe. Além de nos  ajudarem a transportar o equipamento até ao sopé, um deles, o Sebastião, chegou mesmo a acompanhar-nos na escalada   até ao acampamento base, situado, sensivelmente, a dois terços da crista.


Claro, envolvidos por nuvens e denso nevoeiro. Raramente havia uma aberta. De facto, tanto o Constantino, como Pires dos Santos, foram  valorosos e destemidos alpinistas - Porém, foi na companhia do Constantino que iniciei as  primeiras escaladas  - E, obviamente,  com os meus inseparáveis guias: o Chico, trabalhador da Roça Ribeira Peixe, que nos acompanhava, sempre que podia, especialmente aos fins de semana. E o Sebastião,  morador na pequena aldeia dos "angolares" da Praia Grande,  companheiro, sempre voluntarioso, quer para nos orientar na floresta, quer para nos ajudar a transportar o material. Caçador de javalis - abria caminho e, por vezes, também lá ia na lâmina do machim uma serpente. Sobretudo as que estavam dependuradas nos ramos do nosso trilho, não escapavam.

NO DIA 12 DE OUTUBRO DE 1975, NO BORDO DA CRISTA, VOLTADO A NASCENTE E PRESA A UM RAMO, FOI HASTEADA  A  BANDEIRA NACIONAL DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE  - de que não temos imagem  - Oferecida pela Associação Cívica Pró-MLSTP, no princípio desse ano.

 É da tradição alpinista içar a  bandeira, quando se conquista pela primeira vez um cume  -  Da nacionalidade de quem faz a escalada e também do país onde se vence o cume do pico ou da montanha - E assim procedemos. Hoje é já um hábito, quem escale o Evarest levar um pendão do seu país -  Eis o número de visitantes, em Julho de 2008: "40 000 pessoas fazem a escalada pelo lado chinês e 20.000 pelo lado nepalês. O Nepal, que não divulga cifras sobre o lixo em sua face do Everest, diz que não pretende limitar o número de turista" - E o resultado é Um Everest de lixo




OS ARBUSTOS QUE SE VEEM NA FOTO E ACIMA DA CABEÇA DO PIRES É O CUME DO CÃO GRANDE - PARA LÁ  COLOCARMOS A BANDEIRA NACIONAL DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE, FOI QUASE MAIS DIFÍCIL DE QUE O RESTO DA ESCALADA. - Infelizmente, não tenho as imagens - Saí de São Tomé para atravessar o oceano  numa canoa. E deixai lá o meu espólio.
Vencidos os maiores obstáculos, com as escadas  que o Constantino logrou construir nos estaleiros do meu amigo Germano Castela (o principal colaborador  e onde também  cortávamos as cavilhas, sim, graças às cantoneiras que eu levara de Lisboa, no seguimento da travessia de canoa à Nigéria), também os pontos mais altos atingidos foram balizados, agora pelas duas bandeiras: a  portuguesa,  uns metros abaixo da crista e a do jovem pais, já nos arbustos do cume. Onde, só com muita dificuldade, se logrou  hastear a bandeira de São Tomé e Príncipe - E que bem ali ficou! com os seus verdes e amarelos a drapejar! Aliás, qualquer delas. Ambas foram lá colocadas pelo  Pires dos Santos; eu encarregar-me-ia de fazer a foto para a posteridade  -  Veja onde ele assenta os pés: não mais de um palmo! Estava descalço e na ponta dos dedos  era o abismo. - Os arbustos que se vêem acima da sua cabeça, são já os da crista


 
A bandeira portuguesa foi içada no Pico Cão Grande, em Março de 1974 - antes do 25 de Abril  - no ponto máximo então atingido - Imagem à direita - Mais tarde,  com as novas conquistas, hasteámo-la a escassos metros abaixo da crista, presa a um ramo. - imagem acima à esquerda.  A de São Tomé e Príncipe, num dos ramos do cume. - Mas, antes de ali a desfraldarmos, já, em Janeiro de 1975, a havíamos içado junto à bandeira portuguesa -  Era a primeira bandeira a ser publicamente desfraldada  num dos pontos mais inacessíveis do arquipélago! -Não pudemos levar para lá o tubo,  onde era costume assinalarmos o ponto máximo conquistado. Usámo-lo no apoio da última escada, que ficou ligeiramente horizontal para vencermos uma enorme concavidade. . Tiveram  de  ficar lá presas a frágeis  ramos de arbustos.


ÚLTIMA ESCALADA  - Desprovidos dos recursos técnicos usados nas grandes escaladas, sem calçado adequado,  descalços, com os pés apenas cobertos por vulgares meias,  a bem dizer a  conquista do cume era o culminar de uma proeza ao velho estilo dos macacos da floresta, com que nos deparávamos quando caminhávamos pela floresta ao encontro do enorme falo basaltico

Depois de dezenas de escaladas, iniciadas solitariamente por mim, por altura da gravana de 1971,  no período  em que chove menos e coincide com o verão no hemisfério Norte – eis que, finalmente, lá surgiu a tão desejada conquista – Ocorreu em 12 de Outubro de 1975, a escassos dias de partir para outra aventura – sim, para tentar a travessia oceânica de piroga, que se saldaria por um longo tormento de 38 dias à deriva por via de uma tempestade.

No entanto, direi  que a escalada final do Pico Cão Grande foi uma conquista celebrada com mais preocupação de que com alegria; de  abrimos os braços e darmos largas de  satisfação – Até, porque, o Constantino, que, nesse dia, havia ficado abrigado no interior de gruta de uma pala, uns metros mais abaixo, não se calava de nos chamar, devido à trovoada que estava eminente, receando que já não pudéssemos voltar a casa.

Uma vez mais, lá nos livramos de nos termos estatelado – Pelo que, após esta  nossa subida e descida,  com sucesso, ao chegarmos ao sopé, não houve tempo a perder, senão calçar os sapatos, pormos a mochila às costas e  pormo-nos a caminho.  

Só parámos uns momentos para dizer adeus ao Pico e agradecer-lhe por nos ter poupado à vida, quando deparámos com uma clareira que nos permitiu observar a nossa conquista, mas sem qualquer ponta de festa. O mesmo fizemos quando voltamos a casa – Estrávamos bem conscientes da nossa façanha mas ainda meios atarantados por termos regressado vivos, por via da chuvada que ainda nos atingiu numa parte da nossa descida e durante parte da caminhada de volta.  


No dia em que nos preparávamos para  desfraldarmos a bandeira  no centro da crista (pois já tínhamos o último lanço vencido) houve uma ameaça de chuva, e, fazendo-se tarde e para não sermos surpreendidos pelo mau tempo e ficarmos encurralados, dada a ventania que então já soprava, só tivemos tempo de a fixar a um ramo (em área abrigada da crista, no bordo a nascente)  não ao centro, como seria nosso desejo, onde, devido à ventania, também não seria possível segurá-la.  Pois a  rocha estava (está) toda lascada e fragmentada pela erosãodevido aos raios, que ali caem com frequência, que provocam fissuras e desmoronamentos - Meu Deus! E que tremenda sinfonia de estampidos, ali não cheguei a ouvir, sozinho num dia à noite, em que fui surpreendido por copiosa trovoada! Com os relâmpagos a fuzilarem as paredes de alto abaixo, o estrondo do trovão a repercutir sobre o escuro tecto - Mais parecia  a Torre do Inferno, em que o diabo andasse por ali de forquilha incendiada à solta!- O que vale é que é basalto maciço, senão o pico há muito não existia! - Mesmo assim, vêem-se  por lá muitos blocos rachados, em vias de se desprenderem.

Assistimos a alguns desprendimentos e derrocadas, com enormes estrondos na floresta - E é nos dias de maior calor que se soltam! - Mas não é caso para se pensar que o Cão Grande tem a morte anunciada ou os dias contados: nada disso! O fantástico monstro canino está ali como sentinela para resistir e se perpetuar! - Sabe-se lá que por milénios! - Oxalá a  Humanidade o possa continuar a merecer. - Pois,  mais de que um espantoso testemunho da Mãe-Natureza,  sobressaindo majestoso do seio da verdejante floresta, em toda aquela maravilhosa vasta área  do sul da Ilha, doado  pelos supremos deuses ao seu generoso e pacífico povo, é, indubitavelmente, uma das mais impressionantes jóias negras do Património Natural da Humanidade!



QUANDO O SILÊNCIO FALA MAIS ALTO  DE QUE TODAS AS PALAVRAS OU PICOS DA TERRA...


Rastejamos como as cobras...que evoluem nos troncos e pernadas, sejam  de casca dura ou mole e em qualquer posição.   Não se distingue outra paisagem que as névoas que nos envolvem e quase apenas os escassos palmos de rocha negra e agreste que temos debaixo do corpo e dos pés. Paira sobre nós e à nossa volta, não a sensação  de liberdade (que tanto desejávamos) aquele  sentimento de nos sobrepormos aos flancos de um perpendicular e inóspito monumento  à  natureza, mas um tremendo vazio, algo que mais nos aprisiona à sua dureza de que nos liberta dele.  

Naquela altura, em que ali nos encontrávamos, os nossos nervos estavam tão ou mais maleáveis que as cordas de nylon (que, aliás, nunca dispusemos) e talvez  tão duros e flexíveis como fibras de aço. A nossa sensibilidade  era tal qual as cordas de uma arpa que reagem conforme a humidade atmosférica.Quase não falávamos e não festejamos a nossa conquista. O Constantino é que de volta e meia insistia para nos retiramos e não sermos apanhados pelo tornado. No entanto compreendíamos perfeitamente a ansiedade ou serenidade que ia no coração de um e do outro.  Só nos concentrávamos na nossa única obsessão. Concluir a escalada e abandonar aquele lugar (fantasmal) o mais cedo que pudéssemos. Sairmos dali vivos!..  E era essa certeza que não tínhamos. 

Confesso, porém, que hoje me arrepio, ao lembrar-me dos riscos a que nos expusemos.  As névoas e o nevoeiro, que rodopiavam e se  envolviam em grossos rolos movediços, embora nos poupassem da vertiginosa visão do abismo, quase nos arrastavam no mesmo turbilhão, tornando a rocha escorregadia e fazendo-nos redobrar os cuidados!. Foi na segunda semana de Outubro de 1975 - Já em plena época das Chuvas.Mas, em qualquer altura do ano, ali o tempo é muito instável. Apesar de tudo, no ponto onde desfraldamos a Bandeira Nacional de São Tomé e Príncipe, também ficou bem. Consideramos, por isso, vencida a escalada. E não voltámos lá - Não arriscámos a vida por medalhas - (e também ninguém no-las daria) foram escaladas solitárias, longe das vistas de toda a gente e dos holofotes de que gozam as montanhas famosas - No entanto - e falando por mim - haverá maior alegria de que não depender de ninguém e vencer o impossível?!...


Nesta última escalada, poucas fotografias fizemos, além da tiradas à bandeira, envolvida em novelos de espessas névoas num dos arbustos do cume. - Mas eu tinha muitas fotos de outras escaldas - e das duas Ilhas. -  Possuía várias  centenas de negativos, mas não os levei comigo, receando que se pudessem estragar com a água do mar.  Foi pena: de véspera,  eu tinha-os recortado e metido em várias caixinhas. Mas, ao abandonar  a casa da minha companheira, hesitei... E por lá  ficaram.. Infelizmente, já faleceu. .Tudo o que tenho é de fotos de um álbum e de um antigo postal, que pessoa amiga (o Sr. Afonso Henriques),  mais tarde, me fez o favor de me trazer. Estive doze anos em São Tomé e o que de lá trouxe, pouco mais foi que algumas peças para me vestir.  - E se não fosse o apoio que tive de algumas generosidades, nem sequer tinha dinheiro para mandar  abrir a canoa num  tronco da floresta  - E que longos e atribulados não foram aqueles 38  dias!... A maioria dos quais sem água potável e alimentos

A ÚLTIMA ESCALADA:  FOI DE COROAÇÃO MAS NÃO DE GLÓRIA  - POIS BEM PODIA TER SIDO  O ÚLTIMO DIA DA NOSSA VIDA - ESCALARMOS E DESCERMOS, JÁ NOS DÁVAMOS POR FELIZES.

 A derradeira escalada não foi para nós o  motivo do júbilo que esperávamos - As condições atmosféricas agravaram-se e, devido à força do vento e à chuva iminente, deparámos com imensas dificuldades na retirada (estávamos a ver que éramos varridos) e foi  tremendamente difícil hastear a bandeira num dos ramos dos arbustos que despontam nos bordos da crista. Nesse dia,  a sensação foi mais de apreensão de que glória e alegria.  Mas estivemos lá. Não  podíamos era descolar o corpo da rocha.  Foi tal o risco a que nos expusemos, que, nem mesmo já depois de estarmos a caminhar tranquilamente na floresta, quebramos o   silêncio  profundo a que nos remetemos - 

De regresso, por vezes, parávamos e assomávamo-nos  por alguma clareira  para lhe darmos  a última olhadela,  em jeito de despedida. Como se olhássemos para um amigo que, apesar de tudo, nos  havia protegido e poupado a vida.   Caminhávamos calados e algo confusos.. O Sebastião, nosso guia, daquela vez, ousou subir até ao acampamento base para nos ajudar a puxar algum material. Na primeira noite ficámos ali todos juntos, recostados às reentrâncias da rocha. E foi até ele, recordou-me o Constantino, que, com os seus olhos argutos de experimentado caçador,  se apercebeu de uma cobra preta, pouco antes do pôr do sol. Nas duas noites seguintes, ele ficou sozinho e o resto da equipa, pernoitou junto ao cume. Os cães ficaram por lá, em redor do pico, à caça dos porcos bravos.  

JUNTO AO CUME, ESTÁVAMOS ENVOLVIDOS NUM  TAL TURBILHÃO DE NÉVOAS, QUE A REALIDADE TAMBÉM ERA DISTORCIDA  -  QUE O DIGA O CONSTANTINO - MESMO 37 ANOS DEPOIS - A MEIO DA ESCALADA (NA SUBIDA) A SERPENTE DA PREMONIÇÃO -  EPISÓDIO QUE ELE TAMBÉM NÃO ESQUECE - Video editado no Yotube -https://www.youtube.com/watch?v=2zUMvTbzpUQ



CONSTANTINO BRAGANÇA

 COBRA PRETA DO BOM AUGÚRIO NO MEIO DO PICO...NAQUELE DIA DEU-NOS TUDO: ASSOLOU-NOS  COM UMA VIOLENTA TEMPESTADE, FEZ-NOS APANHAR ALGUNS SUSTOS E ABRIU-NOS AS PORTAS PARA CONCLUIRMOS COM ÊXITO  A NOSSA ESCALADA

De regresso, o Constantino, naquele dia  - avaliar pelas perguntas que nos fazia -, parecia não estar ainda certo se havíamos atingido o cume - É que ele deu também lá uma escorregadela, que por pouco não o atirou para  os pés do pico. Vendo que o mau tempo se agravava, abrigara-se numa pequena gruta que as névoas cobriram completamente. E insiste para nos retirarmos. Ele fala de um altar, como se fosse a morada de alguma entidade sobrenatural. Era certamente o efeito visual, a distorção que lhe produziriam as cerradas  névoas que nos fustigavam em permanente convulsão (a que ele hoje chama de neve) que certamente lhe daria essa sensação ou imagem distorcida. Se não fosse ajuda dele, já não conseguia lembrar-me da misteriosa gruta: e também já não me recordava da cobra preta, que vimos a meio da escalada - a única até então naquelas vertentes rochosas  -Ele fala de um sinal - Pelos vistos, um sinal com várias leituras

"A serpente é uma antiga divindade da sabedoria no Médio Oriente e na região do mar Egeu,  sendo, intuitivamente, um símbolo telúrico. No Egipto de Rá e Àton "aquele que termina ou aperfeiçoa") eram o mesmo deus. Áton o "oposto a Rá," foi associado com os animais da terra, incluindo a serpente.In Serpente (simbologia - Eu e Pires preparávamos-nos para o assalto à crista, estávamos  um pouco mais a cima do ponto onde ele se encontrava - Mas relativamente próximos. Não o víamos. E ele, também,  só com muita dificuldade nos podia ver.  Mas era mais fácil ver-nos de que nós a ele. De volta e meia insistia para que nos retirássemos, devido à tempestade que nos atingia. Ventania e névoas - com iminência de chuva. Mas, enquanto não prendemos a bandeira num arbusto da crista, não arredamos dali pé. 

Porém, a maior chuvada - felizmente - só foi a meio da descida - De regresso, pelo espesso obó, as nossas mentes ainda não tinham serenado complemente; não nos sentíamos ainda refeitos do  desgaste e da ansiedade.  No entanto, o Constantino,  não sei onde é que ele ia buscar tanta coragem e tanta energia, era sempre o que parecia  denotar menor cansaço; caminhava mais folgado  de que nós. Foi sempre um bom amigo e muito solidário - Distribuía-me a revista Semana Ilustrada, editada em Luanda. Foi em casa dele que eu estive vários dias refugiado - quando os colonos, abandonaram as roças e invadiram o Palácio do Governador,  quiseram fazer de mim o bode expiatório da conturbada e precipitada descolonização. Salazar e Caetano, tiveram todo o tempo do mundo para o fazer mas perderam o comboio da história -  Evitava-se uma guerra estúpida e o derrame de tanto sangue -  Mesmo assim, em São Tomé, embora com muitas privações, apenas  houve uma vítima. Numa manifestação, embora acalorada mas pacífica, uma bala da tropa, colheu uma vida.




O Pires dos Santos,  que sempre se revelara um extraordinário escalador, naquele dia, regressava um bocado afectado: a queda de uma pedra, não sei como não atirou de ali abaixo. De volta e meia, saía-se sempre com a mesma observação: - parece que estava a delirar: "Jorge: a bandeira de São Tomé e Príncipe tem de lá ficar hasteada num ferro cravado; assim, a  chuva e o vento vão arrancá-la...Nos derradeiros lanços, só estávamos os dois...  Numa parede vertical, cheia de afiados esporões!  Imersos em tão cerradas névoas, quase perdemos a noção donde nos encontrávamos. Pelo menos eu,  ainda não seria nos dias seguintes que ficaria complementarmente recuperado - Andei várias noites, acordar com pesadelos. Aliás, ainda hoje os tenho: às vezes acordo a gritar, que vou cair por  ali abaixo. E comovo-me muito..  Muitas  destas linhas, que já revi por várias vezes, estão cheias de lágrimas.

Mas, voltando ainda à forma como nos sentimos na nossa retirada, após alcançado o cume: oh Deus!... Que vertigem!...Não víamos nada, mas pairava aos nossos pés um imenso vazio!...Descer, ainda chegava  a ser bem mais difícil de que a subida, sobretudo quando não víamos onde apoiar a ponta dos pés . E o Pires vinha ainda possuído da mesma obsessão da bandeira... "Onde tens a bandeira, Jorge?!.".. Lá só me perguntava pela bandeira.. Queria ver a bandeira como se fosse  hasteada no topo da torre do campanário de  uma igreja.... - Também eu alimentava a mesma  determinação... Mas onde a desfraldarmos?!... Senão num dos frágeis ramos  descaídos. Era o vento e não havia como!... E os relâmpagos, que riscavam o cerrado manto nublado, com os seus flashes incandescentes, dávam-nos sinais sinistros e preocupantes   Pressentíamos os riscos e tínhamos consciência de que nos devíamos imediatamente retirar. 

Porém, ao mesmo tempo, algo de luminoso e de terrível nos de seduzia e  nos fazia quase perder a noção da realidade. Sim, a nossa escalada ao cume do Cão Grande, era mais de que uma ideia fixa: uma porfiada e obsessiva imagem! - À medida que subíamos, sentíamos o prazer da conquista e deslumbrávamos-mos com a paisagem, mas  o nosso maior desejo era vermos desfraldada a bandeira no cume (drapejando  acima de todos os ramos), essa era a nossa grande meta - o nosso  maior sonho! - Vê-la apenas hasteada ao resvés da ramagem,  era muito pouco para quem arriscara tanto. Mesmo assim, acima dos nossos olhos e à nossa volta, só havia um mar de névoas!
 ....
Ele que  chegara a hastear a bandeira portuguesa, lá num ramo, próximo da crista (eu fazia as fotos) via, porém,  na bandeira do seu jovem país, o grande motivo de orgulho da sua escalada, parecia ainda não estar conformado. Eu partilhara com ele do mesmo entusiasmo mas respondia-lhe: "Está tranquilo. No sítio  onde hasteaste  a tua bandeira,  ela ficou lá muito bem colocada!..Agora vou pensar noutra aventura" " - Pois, mesmo que fosse içada numa verga de ferro, também não tardaria  a ficar só o ferro. E, este, por sua vez,  a desaparecer com a corrosão.  A bandeira não era para ficar ali perpétuamente mas para assinalar um momento - E  esse momento, quase nos ia custando a vida. 

Nesse dia, uma pedra desprendeu-se e voltou a feri-lo num braço. E  já noutra escalada havia apanhado um enorme lenho num pulso e a mim quase me ia caindo uma na cabeça, que ele desprendeu. O Constantino também escorregou -  Eram riscos permanentes: o de nos cair uma pedra, não tínhamos capacete (e havia constantes desmoronamentos de lascas) o perigo de escorregarmos e nos estatelarmos ao fundo do abismo, eram situações que moravam lado a lado connosco. Não havia uma escalada, em que não  conhecêssemos um instante, em que não pensássemos... "Ai meu Deus!... Por pouco!..." - E, desta última vez, tivemos muitos desses instantes... Daí,  nem sequer  depois me atrever  a exprimir as emoções a  ninguém. Optei pelo silêncio. Chegando mesmo a dizer (para abreviar a conversa) que ainda lá tínhamos que voltar, que nos faltavam uns metros. Quem nos tomaria a sério?!...Se calhar, ainda agora. E, na verdade, eu próprio, ao relançar a memória nas várias tentativas por aquelas alucinantes escarpas, ainda hoje mal acredito  do que fomos capazes. Mas fomos!


COBRA PENDURADA NUM RAMO, QUASE ME IA PICANDO - POR ALI ANDAM AOS MOLHOS - A FLORESTA ESTÁ INFESTADA POR SERPENTES NEGRAS, QUE BRILHAM COMO ESPELHOS  E DE  ACASTANHADAS E PELUDAS TARÂNTULAS DE ENORMES PATAS

" Jorge! Baixe-se!" - Naquele dia eu ia à frente e o cães, nossos habituais batedores, andavam entretidos em farejar os porcos bravos:  e, sem me aperceber, parado e olhando para trás,  tinha uma enorme cobra dependurada pelo rabo e meia enrolada quase a tocar-me na cabeça . Nesse dia era a única que vimos, mas podia ser fatal. Num golpe fulminante de mestria, cortou-a junto a um palmo da língua.  

De facto, ali  é necessário algum cuidado: o obó mais denso é o ninho preferido delas. À volta do Cão Grande, andam aos molhos. Não é uma imagem  muito agradável Ver-lhe aquele brilho negro brilhante metálico, cabeça achatada a lembrar a dos patos e umas excrescências amarelas no pescoço. Com os porcos,   mal os presentem, deslizam  logo para os buracos  ou pelas árvores.  Se lá for, faça como se fosse ao jardim zoológico: veja-as e deixa a bicharada selvagem em paz.

 Hoje reconheço que não é preciso  matá-las - Porém,  quem se depare com tão arrepiante imagem, a tentação de as eliminar, é quase irresistível. As cobras pretas comem os ratos, os maiores roedores do cacau.E só mordem se forem pisadas ou tocadas.E tantas as vezes que por lá passámos!... Só por muito azar...  Quem se submetia mais a esses riscos eram os pobres trabalhadores nas roças, que andavam descalços. E até à mordedura de enormes centopeias e tarantulas De facto, alguns, também  foram vítimas de mais essa adversidade. Pessoalmente testemunhei um caso.

 
- Dobragem de perigosa saliência - no ataque à crista.Enquanto não prendemos la uma corda (com um arame fixo a uma cavilha, para maior reforço) era uma autêntica jogada de roleta russa.

Na zona da garganta, em que o "Cão" levanta altaneiro  a sua cabeça,   ficávamos sempre com os pés e as pontas dos dedos das mãos a sangrar. Escalávamos descalços, em meias, para uma maior adesão à pedra.Não dispúnhamos de calçado adequado. A rocha, corroída pela erosão, sendo a mais exposta aos ventos, nevoeiros e às chuvas, estava laminada como navalhas.

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 A escalada ocupava-nos sempre três dias: o primeiro para chegarmos ao sopé e atingirmos o único abrigo - e tínhamos de largar da aldeia dos "angolares", na Praia Grande,  cedinho, onde, aliás, pernoitávamos; o segundo dia era para progressões e o terceiro para descida e o regresso. Mas houve várias escaladas de quatro dias. Cada tentativa ao Pico Cão Grande,  era o recomeçar de novo pelas mesmas paredes rochosas e escarpadas arestas, apoiar os pés nas mesmas cavilhas e ter por baixo dos olhos, a vertigem do abismo abrupto. 

Foram dezenas de idas e vindas - de persistentes e perigosas escaladas -No abrigo, junto à crista, numa pequena reentrância que ali existe, pernoitávamos apenas com o espaço de nos podermos sentar, com os pés soltos sobre a grande vertigem., amarrados pela cintura a uma corda que pendíamos a uma cavilha de um lado e do outro. Era praticamente uma noite inteira de vigília: - imersos em cerradas trevas de névoas, era-nos  muito difícil adormecer e pregar olho.

As horas eram infinitas, uma sensação horrível!... Aí  respirávamos mais humidade (nevoeiro)  de que ar atmosférico. Passávamos o tempo a tossir.  Houve um dia em que fui apanhado pela noite na floresta. Pois nem sempre o Pires dos Santos ou o Constantino, estavam disponíveis E o Sebastião, levava-me lá mas depois ia-se embora. Lá ficava eu entregue ao meu silêncio e à minha sorte. E, nesse dia, eu não esperei por ele, choveu e a rocha estava muito escorregadia, tive que me vir embora - Mas anoiteceu-me no caminho.. Surpreendido pela  escuridão, comecei andar por um ribeiro abaixo, como um tolo: no emaranhado da floresta era impossível caminhar. Mas desisti, pois escorregava, caía e mergulhava nos pequenos açudes a cada passo. Queria era fugir aos mosquitos, que os apanhava na cara às mãos cheias e quase me devoravam vivo. Mas lá tive que os suportar até que amanheceu, sentado na boda da linha de água, que às tantas (devido a uma trovoada a montante) engrossou de caudal e me ia arrastando.

Cavilha que nos soltasse das mãos, não mais a víamos O equipamento rudimentar e todo improvisado. Cada  um dispunha de uma verga de ferro, com cerca de dois metros de comprimento (das  usadas no betão da construção civil), recurvada num dos extremos e pontiaguda, com o ferrão da  qual, por vezes, nos elevávamos para escalar ou transpor faces das rochas ou outros obstáculos onde não nos era possível fixar cavilhas ou estribos de corda. Aliás, graças à mestria do Constantino, era com essas vergas que também fazíamos as cavilhas.  No entanto, não nos davam muita confiança. O risco era permanente: mas tínhamos que nos habituar a conviver com ele. O apelo ao cume, era maior - O Pico  fascinava-nos!

NO DIA EM QUE,  AO SUBIR  A ESCADA, SENTI TREMURAS NUMA DAS PERNAS  E TIVE DE ME ABRAÇAR AOS DEGRAUS PARA NÃO ME ESTATELAR LÁ  AO FUNDO!

Falando, por mim: houve momentos em que cheguei a recear que não ia aguentar: que podia voltara a ter mais alguma cãibra . Eu já as havia tido no degrau de uma escada, de 20 metros, com secções de cantoneiras de 3m em alumínio, que lá montámos, para vencermos uma rocha maciça sem fendas regulares onde não conseguíamos meter uma cavilha. Que fixámos por arames e com uns apoios do mesmo material . Os degraus eram muito finos. Às tantas, deixei de ter resistência numa das pernas e senti  tremuras. Valeu-me o Pires dos Santos, que já tinha subido e me mandou uma corda, à qual me amarrei à escada, até atenuar a cãibra. Enquanto, no sopé, era segurada pelo Constantino. Os últimos cinco metros eram inclinados, o que impelia a escada a dessoltar-se a cada instante e a projectar-nos no espaço - Sempre que pisávamos esses últimos degraus cimeiros e nos desviávamos da vertical, era uma sensação que provocava  alguns calafrios

Nunca subíamos ao mesmo tempo, receando que, com o peso dos dois, se  desprendesse. Enquanto, um subia, o outro ficava a segurá-la na base. Depois do primeiro subir, este aguardava lá em cima, com uma corda pronta para qualquer emergência. A nossa sorte é que, a partir dali, havia quase sempre nuvens ou nevoeiro e não víamos nada lá para baixo. Mas era sempre uma sensação estranha de abismo e de vazio.

Era preciso ter muita serenidade e presença de espírito. Nada de pressas!...Era a nossa vida que estava em risco...Cada movimento era feito com muita calma. Requisitos que fomos adquirindo com o tempo e à medida que nos íamos adaptando à convivência com as alturas. Porém, só Deus sabe!... O risco era constante e exigia-nos muita agilidade, paciência e um enorme esforço. Os nossos olhos só viam o cume... e parecia-nos sempre tão perto!... Até parecia que nos desafiava: vinde, amigos a ter comigo! Eu sou a ponte no meio do Mundo entre a Terra e o Céu!... Deus vos abençoará!...

Fazia desse desafio um desígnio, uma missão (e também uma bofetada, sem dor, a quem me tinha humilhado ali na Roça) e incuti esse entusiasmo e essa vontade aos meus companheiros. O Pires dos Santos, trabalhara ali na Ribeira Peixe, subindo às palmeiras do dendén  e sabia o castigo que me haviam dado por eu me ter recusado a tratar os trabalhadores por tu,  segundo os velhos hábitos coloniais: - E o Sebastião, fora ali capataz.


O CONSTANTINO BRAGANÇA VEIO PARA LISBOA - E, TU, PIRES DOS SANTOS, ONDE TENS ANDADO E COMO TEM SIDO A TUA VIDA?...

Nunca mais soube nada de ti, amigo!... Já lá vão muitos anos.. Espero que estejas bem de saúde e que recordes como eu as aventuras que partilhámos juntos. E tu sabes quão difícil nos foi transportar as cantoneiras pela floresta e depois puxá-las uma a uma lá para cima. E também quanto nos custou montá-las naquele sítio!... Claro, com a preciosa ajuda do teu conterrâneo, Constantino Bragança. Óptimo amigo e companheiro.

Como te recordarás, houve dois grandes obstáculos: o da primeira escada e um outro (lá junto à crista) em que tivemos que dobrar aquela perigosa saliência!... Meu Deus!... Como conseguimos!... Mas este também não ficava atrás... a escada era realmente muito vulnerável.!... A superfície das travessas magoava. Mas tu ali eras mais ágil do que eu e subias a escada como se estivesses a trepar a uma palmeira.... Lembras-te daquela vez.... quando me viste atrapalhado?!... E tu insistias: Jorge!... Sobe!... Tem calma!... Tem calma! ...Não olhes lá para baixo!... Olha para mim... Jorge!...Olha para mim!... Mas... dessa vez... não sei como... comecei a tremer a tremer... Um dos meus pés começou a tremer-me cada vez mais... E, enquanto tu não me lanças-te a corda... eu tive que enfiar os braços nos degraus e apertá-los contra o peito. Obrigado, companheiro! ... Lá me vales-te!... Estava a ver que dessa vez não me controlava.


 SE NÃO QUER FIGURAR NO ROL DOS LAMENTÁVEIS EXEMPLOS DO CONSUMISMO DESREGRADO E A QUALQUER PREÇO, AINDA HÁ UM PARAÍSO TERRESTRE QUE ESPERA POR SI - SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE!

 Se é saudável a convivência com a natureza, não menos importante é a consciência da sua preservação - Todos os anos, a montanha mais alta do mundo é invadida por  toneladas de resíduos abandonados por alpinistas ávidos de emoções mas sem escrúpulos e respeito para com o ambiente e até para com  outros escaladores, que não se importam de abandonar pelo caminho,  transformando-a numa triste montanha de lixo Por isso mesmo,  e tal como já se receia - por culpa dessa e de outras agressões, que não tarde a que Alpinistas vão escalar Everest sem neve

 Nepalês escala o Everest em 12 horas e bate recorde  **** Nepalês sobe 20 vezes o Everest Daí a morte de muitos, por falta de experiência, excesso de pressa e egoísmo. . Quererem ser mais papistas de que os sherpas e estatelam-se por lá. 

Se quiser desembolsar uns milhares de dólares, levam-lhe a mochila e até o levam ao colo - "Pessoas que pagam até US $ 50.000 para escalar o Monte Everest muitas vezes o fazem por motivos egoístas, diz um estudo" Selfishness drives people to climb Everest  Mas não foi o caso do corajoso - Alpinista cego escala o Everest  Um dos mais extraordinários exemplos de coragem, companheirismo e força de vontade
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Na pequena mas maravilhosa ilha de São Tomé, situada no meio do mundo, existe uma curiosa mas imponente torre, formada por  uma gigantesca e sólida pedra basáltica, que o aguarda! Talvez única no Planeta, no seu género! – Se é amigo da natura , de tirar dela o melhor partido, sem a agredir,  sim, se  está a pensar ser um dos seus pacíficos aventureiros, faça dessa  paixão a mais bela experiência da sua vida:  prepare a sua bagagem, a  mais adequada aos seus desejos, ao clima e às condições do terreno. E parta, logo que lhe for possível, pois não lhe faltarão surpreendentes motivos – Eu, que vivi durante 12 anos, e sei como a sua gente é generosa e hospitaleira - e  tão encantado fiquei pela beleza de São Tomé e Príncipe, sugiro-lhe então este desafio: - vá a São Tomé.

Se ainda não esteve lá - espero que um dia tenha essa feliz oportunidade: que mais não seja para o ver da estrada e se maravilhar com a beleza ímpar daquelas luxuriantes  paisagens equatoriais,   já que para lá chegar através da espessa floresta é um bocado mais complicado.

 Entretanto, se tiver a bondade nos acompanhar em torno da nossa memória às recordações da  nossa escalada, não perca os pormenores mais adiante, que temos para lhe relatar


DOBRAGEM DA ARESTA QUASE IMPOSSÍVEL -  DE TODAS A MAIS ARRISCADA!

Na imagem ao lado, o Pires dos Santos, na dificílima dobra do cotovelo - Veja-se como a corda se afasta para a perpendicular

CÃO GRANDE: UM PICO QUE NUNCA SE APRESENTA COM A MESMA ROUPAGEM - O CÁLCULO DA SUA ALTURA, TAMBÉM  DEPENDE DA VERTENTE EM QUE FOR OBSERVADO  - O PERÍMETRO ONDE ASSENTA É ENORME E MUITO IRREGULAR 
- Imagem antiga - Web -

 - Não é possível fazer duas imagens iguais ao Cão Grande - até no mesmo dia e do mesmo sítio - É raro ele manter-se totalmente descoberto num dia inteiro. Depende das condições atmosféricas e do ângulo. Por  vezes, parece mais inclinado - Chega a dar a ideia que, se caminha por ele,   como quem sobe um monte. Também tive essa ilusão. Mas é falsa - E, se o vir, da estrada, até lhe  parece que vai lá em três tempos. - A parte em que afunila, é uma parede vertical e com algumas saliências. Se o vir ao perto, até lhe poderá parecer que  os ramos   da "capoeira" lhe tocam - No sopé, quase lhe dá a sensação de lhe poder pegar  pela crista.  Mas vá lá, com um guia: contemple-o  ou experimente. Só pelo passeio, fica maravilhado!


3D Google Earth Map of the Cao Grande

ALTURA DO CÃO GRANDE NÃO É IGUAL A TODA A VOLTA - TEM FACES MAIS FUNDAS DE QUE OUTRAS E CERCAM-NO ENORMES ÁRVORES, QUE ENCOBREM GRANDE PARTE DA SUA BASE, ACIDENTADA E MUITO IRREGULAR

    Assenta e descai num desfiladeiro, que se confunde com o próprio pico  - Pelo que  existem algumas discrepâncias quanto à sua verdadeira altura - Tudo depende da vertente em que for feita a medição - Há vertentes que se afundam, perpendicularmente, várias dezenas de metros do nível do monte onde se levanta.  Se for fotografia área, é muito difícil a sua mediação, visto estar rodeado de espesso manto verde - Impenetrável à objectiva fotográfica.  Os dados oficiais apontam para 300 metros  The Pico Cão Grande (Great Dog Peak) is a landmark volcanic plug peak, located at 0°7′0″N 6°34′00″E in southern São Tomé. It rises dramatically over 300 m (1,000 ft) above the surrounding terrain and the summit is 663 m (2,175 ft) above sea level.- Geography of São Tomé and Príncipe - Wikipedia,

Estas duas imagens não são de minha autora -  A da direita é do Instituto de Investigação Cientifica Tropical,




Há, no entanto, quem refira  824 pés / 251 m - E o caso do conceituado site http://peakery.com/pico-cao-grande - Depende da vertente. Algumas das suas faces, creio que excedem à vontade os 300 metros. 

Há flancos que não é fácil distinguir onde termina o morro e se destaca o Cão Grande.  - Devido ao cerrado tecto do gigantesco arvoredo, que o abraça e se cola a ele, desde lianas, arbustos e árvores de toda a espécie, depois dessolta-se ergue-se triunfante! - De resto, essa leitura é patente nas curvas de nível da carta de Pico Cao Grande - Sao Tome and Principe • peakery  Para desfazer dúvidas, não há como ir lá e encostar o corpo a ele e escalá-lo para se calcular  o fosso do abismo: não é vê-lo cá de baixo ou dos lados, mas olhar a vista aérea que se estende lá de cima


DE PICO DO “CARALHETE” A PICO “CÃO GRANDE OU PICO "CAUÉ" - QUASE CINCO ANOS ATRÁS DELE PARA O ESCALAR

Situado dentro dos limites do Parque Nacional Ôbó de São Tomé  , mesmo assim,  parece-me que seria importante declará-lo monumento nacional - tal como sucedera ao seu irmão Devils Tower National Monument- É uma rocha quase ponteaguda de enormes dimensões, formada por um bloco maciço, vertical, escorregadio e escarpado – Autêntico dedo gigantesco apontado aos céus!- que se destaca do coração da floresta mais densa e exuberante da zona meridional da ilha, próximo da linha do Equador, onde a queda pluviométrica oscila, entre 4500 a 5000mm anuais  – Monólito  de origem vulcânica com  663 metros de altitude, com um perímetro na base, talvez superior à  superfície rochosa que se levanta aprumo, sobre o manto verde, que se calcula acima dos 300 m de altura  - ou mais, conforme a vertente que se escalar -   Algumas das suas escarpas, além de encobertas pela floresta, confundem-se  com o próprio monte donde emerge, desnudam-se dele e vão quase até à  linha das águas, que correm ou jorram junto dele,  excedendo muito além das três centenas de metros calculados, que é possível medir em área livre e aberta. 

Imagem de The Dark Tower
Relativamente próximo, e desafiando as leis da gravidade, ergue-se o Cão Pequeno, ligeiramente tombado, igualmente escarpado e num perpétuo desafio.. Constituem o que se chamam "pães-de-açucar" ou "tores-de-penedo", ambos originários das   primitivas convulsões telúricas da  Linha vulcânica dos Camarões cujas formas acabaram por ser moldadas por copiosas chuvas, num ambiente quente e húmido, praticamente durante todo o ano, salvo um  curto período seco  e ventoso, nos três meses na gravana. - Por força de poderosas Correntes de convecção,  estes e outros picos de ambas as ilhas permanecem permanentemente escondidos nas nuvens, rodeados de linhas de água e de uma vegetação luxuriante.

Geograficamente, poderá dizer-se que, o Pico Cão Grande - o mais caprichoso e impressionante - fora implantado  no meio do mundo, dividindo – qual monumento à fecundidade e à fertilidade da zona mais ubérrima da Terra! – a separar os dois hemisférios, uma vez que se situa na pequena e luxuriante Ilha de São Tomé, dentro das coordenadas do meridiano zero e precisamente sobre o paralelo zero do Equador - Pois, o Ilhéu das Rolas, está ali mesmo em frente
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 Foto extraída de File:São Tomé - Pico Cão Grande.jpg - Wikipedia, the free encyclopedia

O Pico Cão Grande, que começou a ser baptizado  de “Pico do Caralhete", porém, a dada altura do período colonial  (não se sabendo  porquê) passou a ser conhecido por “Pico Cão Grande”ou Pico Caué, por ficar situado nas margens onde nasce o Rio Caué  – O outro pico, sim, esse parece mesmo um cão sentado a espreitar a sua presa por cima da floresta. - O Cão Grande tem tudo menos a forma de Cão. Só se for pela aspereza ou por natural associação ao outro! - Acredito que sim. Ou, então, devido à existência das  matilhas de cães selvagens, que proliferam naquela zona e,  algum, deles, por demasiado raivoso, ter atacado alguém..Não havia necessidade, pois leitões, grande diversidade de ruidores e frutos silvestres, não lhes faltam!... Andam às dezenas e costumam ladrar e fugir!...Nunca se me constou que constituíssem qualquer ameaça. Desconhece-se pois a explicação.

Porém, o que torna este pico, extraordinariamente singular, é, sem dúvida, o seu formato, a sua impressionante agulha de pedra, que mais se assemelha a uma gigantesca garrafa de que ao dum morro, duro como o ferro, agreste e vertical, cujas paredes, quando batidas por copiosas chuvas, que durante nove meses do ano, o fustigam, tornam as suas vertentes, tão viscosas como o vidro ou musgo molhado – Dificultando, assim, a sua ascensão e fazendo dele uma  prodigiosa luta entre o homem e a natureza

PICO CÃO GRANDE CONTINUARÁ A SER O SÍMBOLO PÉTREO  COM DUPLO SIGNIFICADO  - O MONUMENTO A UMA NATUREZA FÉRTIL, PUJANTE E SELVAGEM E O DOS IGNOMINIOSO TEMPOS DA ESCRAVIDÃO

Quando terminámos a última escalada do Pico Cão Grande, em Outubro de 1975 ,  uns dias antes da minha largada para a grande aventura, fui recebido, no Palácio do Governo, a meu pedido  – Mas devia ter esperado mais uns dias - ainda andava um bocado algo atordoado com a escalada -Uma tempestade no Cão Grande, não é episódio que se esqueça facilmente.  Daí (e e toda a equipa) nos sentirmos inseguros e confusos do  nosso sucesso.Sim, não há escaladas - sejam em que pico forem - que não deixem as suas marcas para o resto da vida - boas e más.  A ideia da bandeira não ter ficado a flutuar, como desejávamos, mas preza a um arbusto num dos bordos da crista, por impedimento da ventania e da ameaça iminente de um tornado, deixar-nos-ia algo abalados e frustrados -E só, com o tempo, fomos reconhecendo o sucesso da nosso  êxito e da nossa coragem.

Era, então, Presidente da República, Manuel Pinto da Costa  - agora reeleito; Primeiro-ministro, Miguel Trovoada   - Com os quais tive o grato  prazer de falar da nossa aventura (e da travessia marítima que pretendia realizar de canoa ao Brasil), tendo-lhes  comunicado que havíamos hasteado a bandeira de São Tomé e Príncipe, no Pico Cão Grande – Mas foi com Leonel Mário d'Alva com quem me detive mais tempo (devido ao cordial relacionamento que já anteriormente mantinha com ele, como jornalista da Semana Ilustrada, enquanto Primeiro-ministro do Governo de transição, e a quem sugeri que o Pico Cão Grande passasse a ser conhecido como Pico Independência.. Estava presente José Fret e creio que  também Carlos Graça e outros elementos do M.L.S.T. .

Acharam a ideia interessante  e elogiaram-nos a coragem. Mas a sugestão do Cão Grande mudar de nome., creio que ficou por ali. - Porém,  mais importante de que isso, é  que seja classificado como  Património da Humanidade, tal como a sua área envolvente. - Até porque, aquele pico, é também  a testemunha silenciosa do sofrimento dos trabalhadores que foram escravizados nas plantações do Cacau, numa zona fortemente pluviométrica.

José Freet - E cópia da mensagem que me salvou a vida – passada  a 27 de Setembro de 1975  - Mas  ainda voltaríamos ao Cão Grande para a derradeira escalada, nos dias 10, 11 e 12 de Outubro a fim de vencermos os cerca de uns 15 metros que nos faltavam



Três semanas depois, deixaria São Tomé a bordo do pesqueiro Hornet para ser largado numa piroga na Ilha de Ano Bom, com uma mensagem de José Fret dedicada ao Povo Brasileiro, onde se diz: "Salientamos o espírito aventureiro que preside à iniciativa do Camarada  Jorge Marques, que, depois de uma viagem experimental , e bem sucedida de S. Tomé à Nigéria, também de canoa, propõem-se avançar, desta feita, mais significativamente, programando o percurso S. Tomé- Brasil."

No parágrafo seguinte, faz-se referência à escalada, salientando que "O camarada J.Marques havia escalado, também, aqui em São Tomé, o "Pico Cão Grande", hoje "Pico Independência", que naquela altura se supunha rondar os 450 a 500m   –  Admiti que  se situasse nos 485 m   - Aliás, referido ainda na própria mensagem. Mas, pelos vistos,  agora fala-se em 300m ou mesmo menos - Mas julgo, que, se se tiver em linha de conta as vertentes da colina, que são indissociáveis do pico, a altura vai além das três centenas.. De altitude, calcula-se em 663m, contra os 623 de então.   Mas, para nós, a vista lá de cima, era a mesma que andar de avião.

De facto, a altura  do Cão Grande, continua a ser um enigma - Uma pedra que se solte lá do alto, não vai parar ao fundo do morro, donde se ergue, por ser travada pelas árvores. E eu acho que é isso que faz com que o Devils Tower National Monument: , sendo descoberto no sopé, tenha 386 meros.Não me parece mais alto que o Cão Grande.  Na verdade, só quem lá estiver em cima, é que poderá ter uma ideia do que é escalar aquela torre vertical. Há montanhas e picos bem maiores - até em São Tomé e Príncipe. Mas ali os metros escalados aprumo, assumem um carácter ciclópico. É realmente a gigantesca  e monumental vigia da vasta e densa floresta virgem!




DESAFIOS PARA HOMENS VALOROSOS E ONDE POUCOS PÕEM OS PÉS! - MAS O ALPINISMO EXTREMO E LEAL, JÁ NÃO MORA NAS   MAIORES MONTANHAS DA TERRA  MAS NOUTROS MONTES E PICOS DESCONHECIDOS -  Os maiores obstáculos estão assegurados por cabos  e escadas fixas, ali deixadas pelos organizadores das expedições, que funcionam como empresas de turismo, extorquindo avultadas somas.

Diz Eric Shinpton. no livro " A Conquista do Evarest": "Ouvia-se, com frequência, a afirmação de que, infelizmente, após a conquista do Evarest, não restaria qualquer ponto da superfície da terra que o homem não tivesse pisado. Nenhum explorador concordou jamais com tal afirmação; e, para um montanhista, ela constitui um disparate" (...) "Parte dos que foram vencidos pertencem ao grupo dos que menos dificuldades oferecem.Muitos, de tantos que restam, exigirão muito mais trabalho e perícia." (...) Há milhares de outros. A grande maioria não tem nome. Nem se lhe conhece a altitude.(...) Alguns deles são bem mais difíceis de qualquer dos gigantes."

"Branca a espuma e negra a rocha,
Qual mais constante há-de ser,
a espuma indo e voltando,
A rocha sem se mexer?"

Excerto de poema de Caetano da Costa Alegre  - Nasceu em São Tomé, a 26 de Abril de 1864, faleceu em Lisboa, a 18 de Abril de 1890....CAETANO DE COSTA ALEGRE – POESIA AFRICANA - SÃO TOMÉ
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.NO DIA 15 DE FEVEREIRO DE 1975,  PARTI CLANDESTINAMENTE, À VELA E A REMOS  NUMA MINÚSCULA PIROGA - Munido apenas de uma bússola, sem outros meios de orientação e de comunicação, rumo à Nigéria, onde aportei 13 dias depois de ter deixado a Ilha de São Tomé  - Deportado para Portugal (depois de 17 dias preso por ter sido tomado por espião - regressei a São Tomé para concluir a escalada do Pico Cão Grande e empreender a travessia de São Tomé ao Brasil: evocar a antiga rota dos barcos negreiros (dos escravos) e prosseguir a experiência de  Alain Bombard - Acabando por ficar à deriva 38 dias, devido à violência de um tonado.
 
Há os que se deixam morrer na clausura de um convento, eu cheguei a pensar que - por amor ao mar e a outros desafios com a Natureza e  superiores objectivos - não me importaria de morrer a escalar o mais difícil pico ou sob a fúria das vagas e do vento - Graças a Deus, ainda estou vivo e sinto-me quase com a mesma juventude daqueles tempos - Mas, admitindo que Deus existe e olha o mundo de lá de cima, julgo  que estive mais perto d'Ele que se  olhasse Cristo Crucificado numa Igreja. - Pois, só quem enfrentou a violência de um tornado, envolto por trevas convulsas e cerradas, numa casca de noz- e eu enfrentei vários -  pode compreender o que são essas infindáveis horas de angústia, pesadelo e de abandono!  - Larguei clandestinamente, à noite da Praia Gamboa, pois sabia que não seria autorizado a fazer tal viagem . Na travessia de S.Tomé ao Príncipe, em 1971, onde aportei numa praia da Roça Sundy,  com o objectivo de demonstrar a possibilidade das Ilhas do Golfo da Guiné, poderem ter sido ligadas e povoadas por hábeis pescadores do continente africano - a que já me referi noutras postagens  - pois, como prémio, até fui preso e espancado pela PIDE. Era assim aqueles tempos.

Deportado da Nigéria para Portugal, regressei  a São Tomé, uns dias depois da Independência, a bordo de um avião militar, tendo levando comigo várias cantoneiras de alumínio (que me foram oferecidas por uma fábrica em  Santiago do Cacém, graças ao apelo no  Jornal Novo), com as quais desejava construir uma escada para vencermos  dois lanços onde não tínhamos possibilidade de fixar  cavilhas e vencer esses grandes obstáculos - Foi, assim, que logramos melhores progressos e alcançamos o cume.

CAMINHAR NO MEIO DA FLORESTA NÃO É  FÁCIL MAS VALE A PENA

  Não sei como está actualmente o trilho que por lá existia. Mas, quando andava por lá a caminhar com a minha equipa, o que nos valia era o nosso guia, o Sebastião. Que tinha a tarefa de  andar sempre a puxar pelo machim a desbravar. Oxalá ainda seja vivo. Morava ali num aldeia de pescadores da Praia Grande - Ele era fantástico. Conhecia muito bem o mato. Era especialista da caça aos javalis. Mesmo sob a  floresta cerrada, nunca se desorientava: - sabia perfeitamente como localizar todas as grotas, os melhores acessos e linhas de água.. Lá nos levava pelos melhores  caminhos.

De volta e meia, lá tinha que se desembaraçar da cobra pendurada ou estendida na clareira soalheira. Gostam muito de apanhar sol: cuidado com essas clareiras.  Os cães espantam-nas; não lhe tocam: ladram e obrigam-nas as escaparem-se. Geralmente, quando pressentem a presença humana, afastam-se: os porcos bravos perseguem-nas e comem-nas: só morrem se forem picados nas orelhas: a gordura impede a passagem do veneno. Vi cenas dessas. Fazem delas um excelente pitéu. Fui lá dezenas de vezes nunca tive problemas.Não é por esse motivo que deve deixar-se de ir ao Cão Grande: naquele tempo, o nosso maior dilema não eram as cobras mas o trilho: por mais que se desbastasse, estava sempre renovado e obstruído.

 CÃO GRANDE A TESTEMUNHA SILENCIOSA DE TANTO SUOR, MALÁRIA E LÁGRIMAS

De referir que os palmares e as plantações de cacau , de café e cana do açúcar, chegaram mesmo a  fazer-se nas imediações - Quando fui enviado da Roça Uba Budo para a Ribeira Peixe, em 1964, de castigo por não me subordinar às normas do esclavagismo colonial, impuseram-me a tarefa de  proceder à contagem de cacaueiros em áreas abandonadas dessa roça (também conhecida de Perseverança  e do Novo Brasil (da mesma companhia agrícola - a  C.A.U.) -  À qual pertencia o Cão Grande - Acompanhado de um "serviçal" cabo-verdiano, igualmente castigado - Para ver se "domávamos" as cobras pretas - Pobre infeliz: ele andava descalço, eu de galochas .

Corri a montar o cavalo (era o único luxo que possuíamos para nos deslocarmos numa extensa propriedade) e dirigi-me à sede da Roça para o socorrerem, mas já era tarde demais: o seu rosto estava desfigurado e mais roxo de que negro.  Passávamos todo o santo o dia, de um lado para o outro, a percorrer e a devassar hectares e hectares de capim que nos encobria, que já era mais floresta que velhos cacauzais, alguma vez o azar nos iria bater à porta...Ainda hoje, quando me recordo, não posso conter a emoção pela sorte desse desafortunado escravo. Era a zona da paisagem mais exuberante e espantosa da ilha, mas também  a mais doentia e maldita, para colonos e trabalhadores.

Agora, o clima parece que já mudou um pouco e, felizmente, também já acabou a escravatura colonial da roça. E, pelos vistos, também algumas roças: cuidadas, cheias de aromas, flores e de frutos! - Mas, ao menos assim, vale mais deixar crescer naturalmente a natureza de que regala com suor do trabalho escravo, as lágrimas e a morte causada pelas mais cruéis adversidades.

SERVIÇAIS ESCRAVIZADOS - A MAIOR PARTE JÁ NÃO REGRESSAVA ÀS SUAS TERRAS E  OS COLONOS DO MATO TAMBÉM NÃO TINHAM MELHOR SORTE

Quem lucrou com as grandes plantações, foram os donos das roças. Que  viviam refasteladamente, em bons palacetes, em Lisboa, os tais "turistas da Gravana", que raramente ali apareciam, esperando  o avultado soldo do cacau e do café que os escravos (brancos e negros) quase graciosamente lhe produziam.

De polainas ou galochas, chapéu colonial ou de aba larga, "caras de impalustrados malavindos, olhos escurecidos e fundos da febre e barba negligentemente crescida. Não sei que presença inquietante têm estes homens que são, digam o que disserem, expatriados, lutando baldadamente, numa luta esgotante de adaptação e de impossível amoldamento. Falam com particular azedume e arrogância. No seu sangue gira qualquer venenoso humor que lhes tira a alegria; nos seus olhos há uma intraduzível dureza metálica que é o espelho da sua alma doente."

"Para estes homens a salvação seria a Europa, aonde a ida deveria ser obrigatória no fim de curtos espaços de permanência. Mas a ilusão do africanista português é fatal: só quando lhes bate à porta a perniciosa , é que ele geme, ainda com indecisão: "Preciso de ir a Portugal" - Gastão de Sousa Dias - Muitos já não voltavam. Mais deles morriam em São Tomé - Dos serviçais negros, nem se fala: de mil contratados ou forçados, sei lá, só talvez umas duas ou três dezenas regressavam às suas terras de Angola, Moçambique ou Cabo Verde. Sabiam quando chegavam mas depois dificilmente sabiam quando voltavam e se voltavam..

Eis-me de novo a contas com a minha parede.

O  meu guia deseja-me boa sorte, com um expressivo aperto de mão. Depois, pega na zagaia e no machim, assobia aos seus cães e regressa à pequena aldeia dos "angolares", próximo à Praia Grande. Eu fico sozinho, com a minha mochila e os meus sonhos, livre da curiosidade de toda a gente, entre uma densa  floresta, que me submerge e uma rocha que se ergue como enorme fortaleza negra mas cujas faces reflectem o brilho da incidência do sol equatorial, lá muito acima dos ramos das mais desgarradas árvores - Fico só e totalmente entregue aos riscos e às surpresas do meu desafio e da minha ambição. 


Estou ensopado de suor até aos ossos. A caminhada foi penosa. Debaixo das árvores não se apanham os raios solares mas a atmosfera está saturada de calor e de humidade. O nevoeiro dissipou-se e parece que hoje, excepcionalmente, o dia me vai brindar com um radioso céu descoberto.

Da estrada até aqui, ainda são uns bons quilómetros - Se fosse em linha recta era um pulo. Mas têm que se contornar muitos acidentes do terreno e desbravar mato. Mesmo assim, sinto-me leve, com forças e coragem bastante para o que der e vier. Aconchego o saco às costas, aperto-o bem ao cinto, com alguns cordéis, tiro  as botas e fico em meias. Subirei descalço. Irá ser doloroso mas assim os pés aderirão mais à rocha.

Minutos depois, empreendo a escalada pelo primeiro lanço da vertente leste. É um abismo com 70 metros - Mal se dá por ele: uns arbustos, aqui e além nalgumas fendas mais húmidas onde há depósitos da erosão, quase me impedem ter a noção  de que estou a escalar o monstro rochoso.


Levo comigo  uma verguinha de ferro, com sensivelmente 2 m de comprimento, recurvada e pontiaguda num dos extremos. Na outra extremidade, formei um pequeno anel no qual amarro uma corda com que me prendo à cintura. É com ela que me sirvo para progredir, cravando-a, ora numa calha ora no tronco ou raiz de um arbusto. Disponho ainda, dentro do saco,  de uma boa porção de pregos grandes e de cavilhas feitas em verga de ferro, sem argola, onde só posso pôr a planta de um dos pés. Por isso, será a verga que irá revelar-se o engenho mais útil no conjunto de todo o material improvisado.

Sei que esta minha escalada é uma heresia: destinada a subverter  as regras mais elementares  da prática deste desporto. Todas as outras actividades implicam competição, o alpinismo rege-se por outros princípios: pelo espírito de equipa, mas a verdade é que eu estou sozinho. Estou à margem disso tudo. Mas também estou convencido de que não seria com outro material que faria a progressão mas rápida. Esta pedra negra é dura como aço. As fendas são irregulares, não aparecem nos sítios mais convenientes e furar a pedra, nem pensar. Só talvez com ajuda de possantes berbequins ou  cravadores especiais. Mesmo assim, duvido que resultasse. Além de que não seria muito prático nem muito desportivo.O recurso a materiais demasiado aperfeiçoados tira  um certo mérito à escalada. Há que jogar livremente mano a mano com a natureza.

 Noto que ainda agora estava ali colado à pedra áspera e a uma altura que começava a dar-me os primeiros ares de vertigem - Sim, sinto que preciso de familiarizar-me um pouco mais com a rocha. Hei-de conseguir... Vai com o tempo...Zigazeio de um lado para o outro como a cobra preta no mato - Aliás, não tenho espelho para me mirar, mas, além das  mãos negras e da  roupa , também devo ter a cara toda negra do musgo e da pedra. Parece que só, assim, confundindo-me como este penedo, camuflando-me com a sua pele, lhe disfarço a minha afronta ou ele me tolera a minha ousadia.

Hoje o tempo está lindo, sem nuvens, magnífico!... Parece que as neblinas só vão encobri-lo quando a noite se aproximar.   São quatro da tarde. Deste lado do pico só já há sombras, mas a floresta, em redor, brilha verdejante! Cá em cima, tudo é novo! Cada metro conquistado é uma novidade. No fundo, agrada-me sentir-me sozinho, enche-me de forças e entusiasma-me.

Faço uma breve paragem...e fixo o meu olhar bem para o alto... Ao longo de toda a sua face voltada para mim e até aquela silhueta que se espelha sob um fundo azul muito clarinho. Fico com a sensação de que o cume está ali ao alcance de lhe deitar a mão, bem pertinho... Mas não é verdade.. Já vi que há-de enganar-me muitas vezes, é ilusão.. Vou subindo e a distância que me separa parece ser sempre a mesma e que eu não passo do mesmo sítio. Só noto a diferença quando olho para o fundo na floresta. Calculo que devo ter atingido, o nível acima  dos cem metros de ascensão livre .Agora a rocha vai-se tornando mais difícil de escalar.É altura de começar a espetar as primeiras cavilhas.

Cada passo que agora for dando vai ser mais lento. Volto a olhar para o abismo que tenho aos meus pés e tenho a percepção nítida de que há uma cilada de morte em cada ponto onde me suspendo. Mas, por hoje, já não posso fazer mais nada. O fim do dia aproxima-se e aqui, mal o sol se põe, anoitece rapidamente. Vou anichar-me ali naquele cantinho.Lá mais acima, terei que ficar amarrado. Mas aqui ainda encontro um sitio para me recostar e pernoitar

Desço uns metros e aproximo-me então do pequeno abrigo. Desembaraço-me do saco e mastigo uns bagos de cola colhidos no fertilíssimo obó e bebo uns golos de água, que extraí de uma nascente do próprio rochedo para o meu cantil. Os trabalhadores na roça é a única coisa que comem, ao levantarem-se e  antes de deixarem a sanzala.. É o seu mato-bicho e é com que se aguentam até regressarem a casa.  O meu guia diz-me que a água do Cão Grande  tem propriedades especiais. Sim, já sei que ali há maroteira...É por isso que o vejo apanhar o pau três.... E não é de qualquer ramo... Mal se despede, vai logo direitinho a um certo regato... Mas não faz só isso...

Quando aqui chega, apressa-se logo beber água do Cão Grande  e  permanece alguns momentos com as mãos encostadas... Ele tem muitas mulheres e já não lhe basta oferecer-lhe um leitão ou um porco, que os seus fiéis amigos lhe proporcionam, para o golpear à zagaia. Quer refazer-se do esforço e não chegar a caso e adormecer como um prego. Mas a mim, a pedra rugosa provoca-me é arranhões e golpes nas mãos e nos pés e  o que agora  me interessa é matar a sede com água fresca. Depois abro uma lata de sardinhas de conserva, que acompanho com uma fatia de pão.

De seguida, recorto uns ramos de uns arbustos para me servirem de colchão e envolvo-me numa modesta capa de plástico. Anoitece. Relanço mais uma vez o olhar à minha volta e só vejo escuridão. Tudo se confunde num silêncio calmo e rumorejante.Sinto uma sensação de paz como nunca experimentei. E, assim, ali me recolho até que adormeço, sob o efeito mágico  do poder telúrico  desta pedra fantástica e da aragem suave e crepitante que chega até mim em lufadas de sons e de perfumes vindos, lá do fundo, daquele mundo oculto de verdura,  que por vezes me dá a sensação de uma massa que ondula de rumores e de sombras, que parecem querer vir ao meu encontro e sugar-me. Porém, antes que o sono me invada, penso na minha aldeia - E também no meu pai e nos meus irmãos,  que já não vejo há uns anos.E na imagem de minha mãe, que faleceu quando estava na tropa. Mas nem eu sei como eles estão nem eles imaginem onde eu agora estou. 

Na verdade, neste momento, nem sei bem se sou inteiramente livre. As trevas submergem-me e eu nem sequer  posso dar um passo em frente. Será que eu estou mesmo a  escalar um pico ou a  procurar encontrar um lugar para me precipitar num abismo e cavar o meu suicídio?!... Será isto mesmo desporto alpino ou loucura e teimosia minha?!...Tido como perigoso devaneio, nele a obediência ao mínimo de condições de segurança é fundamental - Mas que poderei eu fazer?!... - Não tenho por agora ninguém que me acompanhe -e, sinceramente, pressinto que a tarefa que me espera é ciclópica e bem  desejava ajuda de um amigo.

Se um dia tiver um acidente, de quem me posso socorrer?!.. Mas o  melhor é nem penar nisso, não perder a fé  e adormecer na paz dos anjos...Senão amanhã nem poderei subir bem descer. A noite já está mais silenciosa e talvez não chova.. Nunca se sabe... O Cão Grande, nunca mostra a mesma face:  tanto de noite, pode ter vários pesadelos, como, quando acorda, estrebuchar batido pelos ventos, ser assolado por fortes chuvadas, ficar completamente encoberto para o resto do dia ou simplesmente contentar-se em  fumar  um charuto, tal qual a chaminé do Vaticano, quando  anuncia um novo Papa, com o seu fumo branco às lufadas.


SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE - O PARAÍSO VERDE DE ESPÉCIES ÚNICAS NO MUNDO! - A PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE 

 ."Em 1988, os cientistas classificam as florestas de São Tomé e Príncipe como a segunda mais importante em termos de interesse biológico em 75 florestas da África, a maioria das espécies encontradas nas ilhas são encontradas no parque nacional. [1] O WWF tem listado nas florestas do parque nacional como entre os Global 200 , as 200 mais importantes áreas biológicas do planeta e da floresta de Obo está listado como uma Important Bird Area (IBA) da África. (..)As florestas tropicais contêm 100 orquídeas únicas, [4] e mais de 700 espécies de flora. [5] fauna do parque inclui o peixe-boi Africano , bem como Grassland Newton Frog, São Tomé gigante Treefrog, São Tomé Caecilian, Frog Moller do Golfo, e Peters 'Sapo do rio"

 "Desde os contactos preliminares com S. Tomé e Príncipe, as instâncias lisboetas manifestaram uma óbvia curiosidade pela realidade local, especialmente pelos elementos da sua natureza susceptíveis de rendibilização.  -Excerto de EVOLUÇÃO DO CENÁRIO NATURAL E DO PANORAMA...Lúcia Leiria Tomás


 "O Pico Cão Grande está localizado na parte sul-central do parque, na ilha de São Tomé e aumenta drasticamente em forma de agulha, como mais de 300 metros (980 pés) acima do terreno circundante e da cúpula é 663 metros (2.175 pés ) acima do nível do mar"  - In .Obo National Park

 SE HÁ PATRIMÓNIO NATURAL NO MUNDO QUE MEREÇA SER ESTUDADO E PRESERVADO, É O DAS MARAVILHOSAS ILHAS DE SÃO TOMÉ E PRINCIPIE


Sem dúvida, belo motivo para juntar a investigação, a arte e as letras, o desporto,  ao convívio da mais bela natureza e do meio ambiente, preservando-o, sem o agredir  - Para que não suceda o mesmo que na montanha maior da terra:  Um Everest de lixo
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Imagem: Pico do Cão Grande - Olhares.com

Atendendo à sua extraordinária singularidade,  e ao  facto de  se erguer numa das florestas mais exuberantes da Ilha de São Tomé, onde se desenvolve um património natural endémico riquíssimo, uma biodiversidade com espécies vegetais únicas no mundo, que muito podem contribuir para o enriquecimento da medicina,  bem como a existência de uma fauna que nela se abriga e  dela depende, igualmente importantíssima - .porque não propor às competentes instituições internacionais (UNESCO) que seja declarado Património Natural  da Humanidade?  - Pois, o  Pico Cão Grande, é como que o guardião,  o testemunho fidelíssimo dessa valiosa herança natural

ENVIÁMOS O APELO A VÁRIOS JORNAIS E PERSONALIDADES - OXALÁ SEJA UM PONTO DE PARTIDA - PORÉM, A PRIMEIRA PALAVRA CABE AOS SANTOMENSES, AO GOVERNO E ÀS SUAS INSTITUIÇÕES -

- Levando ali estudiosos, amigos da natureza,  numa saudável convivência com a arte e outras disciplinas do saber e do desporto. Creio que não seria nenhum exagero pugnar pela salvaguarda desse múltiplo património e aprofundar o seu conhecimento: pois nunca se sabe se, um dia qualquer, na esteira do petróleo, do oiro negro das profundidades do solo,  não vai também o oiro vegetal da superfície - Vi lá tantos atentados à natura! 

Veja-se o que acontece na Amazónia e como agora estão as roças. - Compreendo que a herança colonial, era de muito má memória. E que a grande propriedade não podia continuar  com o mesmo feudalismo que dantes. À margem das populações.  Servindo apenas os grande senhores. Havia que dar  um novo rumo. E ter a coragem de devolver as terras que foram roubadas ao povo. Ao que parece a experiência não resultou lá muito bem. Não era de estranhar... Alguma vez, algum natural das ilhas, foi chamado para empregado de mato, feitor geral ou administrador?... Além da condição de capataz ou de mero escravo?!... Não é tarefa fácil.  Alguém se importou de o preparar para o futuro?!...

Cão Grande peak / pico Cão Grande, Caué ... - Travel-Images.com 

Já não vou a São Tomé há muitos anos. E tantas já são as minhas saudades!... Não sei o que vai por lá. Mas nunca é tarde quando  há força de vontade. Com os erros também se aprende. Com esforço e  determinação. E creio que o povo destas maravilhosas ilhas, que já deu provas de saber resistir às maiores vicissitudes ao longo dos séculos, reconhecerá, certamente, que  ao homem, tanto faz falta a natureza trabalhada, como a no seu estado mais selvagem - No fundo, o que me levou a escalar aquele pico, não foi para  exibir artes de malabarismos circenses a ninguém, mas para poder  admirar  - no mais íntimo coração da  prodigiosa floresta e nos  maiores píncaros que dele emergem - a extraordinária vibração de verdes viçosos que ali prosperam, como no primeiro dia da Criação. E concluí que aquilo que  é belo é para ser admirado, devidamente preservado e partilhado. 


APICULTOR - DOMADOR DE ABELHAS AFRICANAS - TENDO CHEGADO A FAZER UMA BARBA DE MAIS DE CINCO QUILOS, COM ELAS PENDURADAS NO QUEIXO

Foi na Brigada de Fomento Agro-Pecuário - Naquela altura, só havia mel de abelhas bravas, dos enxames nos buracos das árvores.  E pretendia-se criar algumas colmeias, não tanto com o objectivo da extracção do mel - Pois, embora sendo de primeiríssima qualidade, produzem muito pouco. Não lhes faltam flores todo o ano, pelo que  não estão habituadas a fazerem grandes reservas. Mas era sobretudo para facilitar a polinização dos coqueiros e do café. Que é cruzada, através do vento e dos insectos - Ora, coqueiro que tenha enxame no fundo do tronco, enche-se de cocos. Apanhei muitas ferroadas. As abelhas africanas, são quase do tamanho das moscas, mas são endiabradas, perseguem as pessoas e, se for perto das habituações, quando incomodadas, atiram-se à cabeça das galinhas, perus e patos, a todas as aves domésticas, matando-as imediatamente - Um dia deu-me para fazer uma barba de abelhas - Lá vi , nesse dia, que uma colmeia estava de bom humor, e, com ajuda do meu auxiliar, resolvi fazer a habilidade, que se vê na imagem. Como vê o leitor, quem doma as abelhas, também pode trepar e domar os maiores cães de pedra. O que eu nunca consegui domar foi a mentalidade colonial nas roças - A outra imagem, sou eu acompanhado por um trabalhador santomense, no regresso  a casa, nos palmares de Fernão Dias, da Roça Rio do Ouro. Tempos de escravidão...Se calhar agora é só mato... É pena ...que não se tenha sabido dar a volta...

FUI EMPREGADO DE MATO, POLINIZADOR , APICULTOR, CAPATAZ DOS JARDINS DA CIDADE, ALPINISTA, NAVEGADOR SOLITÁRIO, FURRIEL MILICIANO DOS COMANDOS, APRENDIZ DE FEITICEIRO, JORNALISTA E TÉCNICO DE RÁDIO - Na qual (pese algumas contrariedades, pois fui excluído de passar ao quadro, devido a um artigo que publiquei na imprensa de angola,  a que já me referi noutro post) encontrei também  uma  excelente camaradagem e bons amigos, que muito me estimularam nas minhas deslocações e escaladas ao Cão Grande - Para eles, um grande abraço, com a foto do casamento do nosso camarada  Manuel de Sá, com a Misse de São Tomé e Príncipe. 


MINHA LINDA ILHA VERDE - LONGE DE TI MAS PERTINHO DO CORAÇÃO

Depois que deixei são Tomé, senti-me sempre como que um náufrago e um prisioneiro. num país desconhecido - e, todavia, este , onde estou, é o país onde eu nasci. Só naquela linda ilha equatorial pude conhecer o que era o mais genuíno e verdadeiro prazer da aventura com a natureza. Fui para lá muito jovem - talvez, em parte, isso explique o meu grande afecto por aquelas ilhas. Pese as várias adversidades com que me defrontei com a, então, ainda reinante mentalidade colonial. Mas é de lá, da extensão daqueles mares azuis e do coração ubérrimo daquelas florestas, ricas em variedade e de multicolores luxuriantes, que eu guardo as melhores memórias. 

A dificílima conquista do Cão Grande, faz parte desse extraordinário acervo. Foi lá: naqueles mares do sul, naquelas longínquas ilhas verdejantes, que eu vivi a emoção da aventura plena. Quer navegando através de mares de bonança e de tempestades. Quer escalando picos nunca dantes escalados. Sim, amo o mar solitário pleno de azul e de luz e a vertigem de trepar pelas mais íngremes escaladas. Creio que não há maior prazer que o da conquista de um pico ou de uma montanha nunca dantes pisada - Eu já tivesse esse privilégio. E foi num tempo em que não havia os meios técnicos que há hoje: tudo era feito quase a pulso e à força da vontade.

 “MAR DO SAL DA VIDA E DAS SEPULTURAS POR ABRIR MAS SEMPRE PRONTAS"PORQUE ME ACEITASTE NAS TUAS ONDAS SE NASCI MAIS PERTO DOS RIOS E TÃO LONGE DE TI?!.

NÃO PROCUREM OS ALTARES MAIS FAMOSOS, SÓ PORQUE VOS PARECERÃO OS CAMINHOS MAIS ACESSÍVEIS ÀS PÁGINAS DOS JORNAIS E DA Và E ILUSÓRIA FAMA  - 

Hipotecam a vossa dignidade ou exigem-vos avultadas verbas pelo preço da vossa glória, que desvirtuam e ensombram o risco que correis. Há muito que, essas "excursões turísticas" à montanha, foram dessacralizadas  através de  gananciosas agências ou  de poderosas máquinas comerciais - Não se deixem embalar por slogans publicitários! Por aqueles que  cultivam o hedonismo, o exibicionismo, a  vaidade, a via fácil do lucro  - Não queiram ser meros instrumentos de famas efémeras e fictícias  - Pugnem e partilhem valores mas elevados.

O montanhismo "foi propaganda imperialista britânica no século XIX, serviu para enaltecer o patriotismo perdido dos franceses no pós-guerra, passou a ser patrocinado por empresas no período neoliberal e hoje certamente o que mais o afeta é o paradigma da crise ambiental que é um dos maiores desafios do homem para o século XXI.In .AltaMontanha.


TOCAR A PEDRA DO CÃO GRANDE COM AS DUAS MÃOS NAS VERTENTES DO ENORME FALO (melhor talvez seja trazer uma lasquinha) E BEBER ÁGUA DAS SUAS NASCENTES  - É MELHOR QUE O VIAGRA OU QUE ÁGUA DE FÁTIMA .

Diziam por lá, velhos feiticeiros "angolares", que tinha efeitos afrodisíacos.Fazendo um chã com uns pedacinhos de pau três (o popular estimulante afrodisíaco),  bebido um pouco antes de deitar, era noite campeã! - E então com a energia recebida do "Cão" ainda mais é a genica!

Quebrados os supersticiosos  enguiços da ancestral maldição, de que, quem o escalasse,  despedaçar-se-ia  desfeito e desfigurado aos seus pés,  sim, fantasmas e medos que desde outrora  o tornavam danado e inacessível, mas sempre acreditando nas propriedades  altamente afrodisíacas a quem lhe tocasse na sua pedra, pois bem, quebrada a maldição, perpetua-se o lado positivo - Dizem que as pedras são potentes acumuladores de energias telúricas -  Agora vejam a que vai naquela gigantesca pilha!   Leva corrente no corpo capaz de o fazer pular do colchão ao tecto!  
Por isso,  levando dali os órgãos carregados de electricidade, e fazendo, em casa, para uma garrafa de boa "maceira" (ou do uísque) uma mistura de pau três (cortado nas imediações do insólito penedo), a que se juntassem depois uns pedacitos de bagos de cola, igualmente apanhados ali na área, era apenas uma questão de deixar passar uns três dias: - Aviavam-se três "mualas" numa assentada! . Ingeridos uns goles da divina beberagem (por acaso, até foi a minha companheira que  primeiro experimentou, que ficou doida pró caneco!), não há que recear a terceira idade.  Há tuso para toda a vida.


Eu tinha, porém, ainda outro segredo, à  base dos frutos silvestres e as ervas do mato, que guardo para mim (aliás, não tem nada que saber,  nem se trata de nenhuma droga - mas de umas nozes e grainhas que mastigava quando ia a caminho do Cão Grande. Tudo o que a Natureza oferece, tem a sua função: o instinto dos animais, sabe perfeitamente   distinguir o que lhe faz bem.  Um dia apercebi-me  que era a dieta mais apetecida dos macacos no obó: não largavam os arbustos; estavam de tal maneira a mastigar os frutos, que nem sequer fugiam à minha aproximação.  E os que não comiam, pulavam, saltavam e gritavam, varridos de contentes.  - Ora, quem entra no coração da floresta não tem que andar com os olhos bem abertos?!..De facto, confirmei que era um bom estimulante... Mas apenas isso...   Não aprecio o álcool nem nunca precisei dele para fazer as minhas aventuras - E muito menos as drogas artificias.

Oh! e que aromáticas bagos de cola não há por lá na floresta! - Não é preciso trepar à árvore da coleira, as castanhas espalham-se pelo chão e não cabem por entre as mãos!  - Sendo assim, e uma vez que  esta segunda recomendação continua a ser benigna e incontestável (melhor de que qualquer Viagra!) a outra,  que era a mais temida,  já ruiu! Está completamente desacreditada:  acredite, que, se escalar pelo mesmo sítio por onde nós subimos, pelo menos, ao nível das copas do arvoredo, poderá chegar, podendo assim contemplar a magnífica paisagem envolvente. 

 Claro que, caminhar ou subir morros numa floresta, não é o mesmo que  andar  por uma estrada: e então numa selva virgem equatorial! - Houve um tempo em que foi violada mas já deixou de ser...  Há que ter o cuidado de não escorregar (a base está geralmente muito húmida) e com os arbustos ou  lianas a que se agarra,  podem facilmente desprender-se das suas raízes e ter que o irem buscar de padiola .

 Mas esse cuidado também já o teve no ensaio, a que se submeteu, desbravado e abrindo clareiras, ao longo da própria caminhada - Podendo, ainda no regresso, trazer a sacola, embora esvaziada da merenda mas cheia de deliciosos frutos da selva, plantas aromáticas e medicinais  ou de caracóis,  que pesam mais de um quilo! -  Em São Tomé, não é costume comê-los: não sabem o que perdem: nas roças comia. Mas servi-me algumas vezes dos caracolões, assados e prontos a consumir! - Pois podem-se juntar uns paus e fazer-se uma fogueira, em qualquer aberta, que não há perigo de incêndio.

 
Temido, noutros tempos, mas hoje deve ser dos "cães" maiores do mundo o mais pacifico! - Por isso, admoestada que foi a "rebeldia inicial" do Cão Grande, vale a pena que outros olhos o acarinhem e o contemplem e voltem abraçar-lhe o corpo: a sua pele negra, ora lisa e lustrosa como o veludo, ora áspera e rugosa. Mergulhar nas neblinas e alcaventas névoas envolventes, escutar os seus rumores, aspirar os perfumes que rescendem e pairam em seu redor e das entranhas da viçosa floresta


Oh! e que diversidade de aves e de flora! - Além dos irreverentes gritos da macacada! Que musicalidade, que sinfonia de verdes e de cores! - Manto frondoso, ubérrimo e soberbamente virgem! Do qual continua a ser o majestoso guardião do luxuriante e misterioso obó  - Emerge  como enorme falo a glorificar a Mãe-natureza, a fertilidade e a pro-criatividade.

Não façam como eu e a minha equipa, que perdemos imenso tempo a sujeitarmo-nos a muitos dos seus mil humores desnecessários e transformamos o nosso desafio num longo e tromentoso calvário! – Quais cavilhas de argolas, cordas dinâmicas ou estáticas, caderinhas de rapel e cintos de segurança, capacetes para não ter que levar com uma pedra na cabeça, sapatilhas de aderência, mosquetões e pitões, freios, martelos perfuradores, estribos, cunhas metálicas, talhadeiras, tendas ou agasalhos à prova das intempéries – Não dispúnhamos de uma única peça dessa panóplia. E grande parte do percurso, era em ascensão livre – tal como os macacos que víamos a trepar pelos troncos ou a saltar de galho em galho. Aliás, o Pires dos Santos, já estava exercitado a subir às palmeiras da roça.

Se forem bem equipados, a vossa tarefa (sem deixar de ser arriscada) será bastante mais simples, aliciante e facilitada - No entanto, se não quiserem pegar-lhe na trela e acarinhar-lhe a insólita cabeleira (arborizada! – imagine-se, cão petrificado para toda a vida, num único bloco de rocha e a dar-se ao luxo de ter cabeça com crista de galo!) desloquem-se ao sopé: as cobras negras ficarão em paz e não o incomodam se forem cuidadosos

O meu guia levava sempre uma matilha de cães para as afastar, aproveitando para trazer um porco de volta – Cercavam-no, e vai daí zagaia ao pobre javali. Se pensarem lá ir, claro, com guia e cuidado: não deixem que o sol se ponha no caminho, pois, o crepúsculo é rápido e a floresta é já de  si cerrada, num instante para o outro passarão do reino  vegetal ao reino das trevas!  E também não é aconselhável dormir na floresta, os mosquitos, devoram-no -  Se respeitarem o meio ambiente e cumprirem as normas mais elementares,  verão que a caminhada compensa: é simplesmente fabulosa, regressarão maravilhados!


"Sempre o homem primitivo procurou pelos deuses nos cumes das montanhas. Lá em cima queria estar mais próximo das suas divindades, lá queria observá-las. assistir à sua chegada e à sua partida para o céu."  - "Quando Moisés desceu do Monte Sinai, trazendo nas mãos as duas tábuas do testemunho, Moisés não sabia que a pele do seu rosto resplandecia, por haver Deus falado com ele.".Êxodo 34:29-30.


SE QUISERES SABER SE OS DEUSES EXISTEM OU CONHECER A SUA  FACE, MAIS VISÍVEL, ABRAÇA  O MUSGO DA ÍGNEA NEGRA PEDRA - CONTEMPLA E DILUI-TE COM AS IMACULADAS NÉVOAS OU AS NEVES PERPÉTUAS QUE POUSAM NAS ROCHAS DOS ALTOS CUMES  - MESMO ANTES DE EXISTIREM AS ÁGUAS, JÁ EXISTIA O MAGMA - A PEDRA FALA A LINGUAGEM PRIMÉVIA DAS ORIGENS DA TERRA E DO UNIVERSO! - É A PRÓPRIA ESSÊNCIA DO VERBO E DA  ETERNIDADE!

Sobe aos altares das mais altas montanhas ou aproxima-te do sopé dos mais eriçados picos – Depois, não hesites: - escala-os até à sua crista mais difícil,  aspira os puríssimos ares e alarga o teu olhar  pelos espaços que alcançares.

Se és dos que arriscas a vida por amor ao que tem de mais belo e adverso a Natureza,  verás como são mesquinhos os ódios e os egoísmos daqueles que apenas se  regem pela ganância, o lucro e a vaidade e nem sequer se dão conta de quão maravilhoso e imenso é o Universo mas efémera e transitória a passagem de cada ser humano por esta vida – Satisfeita que for a tua curiosidade  e o teu pasmo, recolhe-te, por fim, no mesmo silêncio  e, com o idêntico  espírito de companheirismo  e de camaradagem, com que partilhaste a alegria da tua conquista,  redobra os teus cuidados na decida, por forma a que possas regressar da tua aventura e com os teus companheiros,  pacificamente a casa e com alma em festa! Concluirás que valeu a pena fugir à rotina
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INÚMEROS PICOS ANÓNIMOS CONTINUAM  A SER O MAIOR DESAFIO A CORAJOSOS E NOBRES AVENTUREIROS!
 
Oh! tantos  são ainda os desafios o confronto, com a montanha ou dos cumes mais inacessíveis, que esperam pelos praticantes do mais arriscado e nobre desporto alpino - A que milhas já não está o Evarest do pioneirismo de . Edmund Hillary e Tenzing Norgay  - Com a sua morte, ficou a legenda mas perdeu-se o verdadeiro espírito aventureiro.  - Se bem que, para eles alcançarem o cume, seguia à retaguarda um enorme pelotão de dezenas de sacrificados e explorados sherpas, de mulas carregadas de equipamento. Naquela altura, também o que contava era o nacionalismo e a glória exacerbada  imperial. 


NUNCA TE ESQUEÇAS: O PODER DA FÉ É UMA FORÇA INVISÍVEL QUE MOVE MONTANHAS
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Everest A MAIOR MONTANHA DA CORDILHEIRA DO HIMALAIA E DO MUNDO - UM GRANDE DESAFIO PARA OS ALPINISTAS (ALGUNS JÁ LÁ PERDERAM A VIDA!) MAS NÃO A MAIS DIFÍCIL DE ESCALAR - TODOS OS ANOS A ESCALAM PARA UNS LARGOS MILHARES DE DESPORTISTAS.

O CUME JÁ FOI ALCANÇADO POR DOIS EXTRAORDINÁRIOS ATLETAS:  UM CEGO E UM OUTRO CALÇANDO UMAS PRÓTESES, POR AMPUTAÇÃO EM AMBAS AS  PERNAS. 

- Para os cultivadores do individualismo exibicionista, deve ter sido um tremendo golpe ou balde gelado. Daí partirem para outro tipo de exibicionismo - Desvirtuando o espírito desportivo e o culto da natura, passaram a coleccionar os maiores cumes da terra, com altos  apoios publicitários - Sabe-se lá como - O que interessa é que mostrem a foto da marca com fundo de neve. Longe, pois, de  significar o confronto com as maiores dificuldades.

 - Promovem-se marcas, bancos, os narcisistas, a farsa (porque, geralmente, mais deles são feitos para a fotografia do cenário (planos que é possível manipular)  apenas com os guias pagos, e bem pagos, ninguém lá está nos cumes - independente - para lhes certificar as  metas), cultiva-se o egoísmo e a vaidade mas não os verdadeiros valores espirituais: a generosidade, a saudável amizade, a confraternização, o desprendido contacto com a natureza  e o  companheirismo.


A TERMINAR A NARRATIVA DA MINHA ESCALDA AO PICO CÃO GRANDE -  - E TENHO TANTO QUE CONTAR QUE, SE CALHAR, AINDA VOLTO AO MESMO TEMA -  O MEU TRIBUTO À CORAGEM DO ALPINISTA BRUNO CARVALHO - O MALOGRADO FILHO DE UM GRANDE AMIGO, QUE JAZ NAS NEVES DE UMA DAS MAIORES MONTANHAS DA TERRA -  CREIO QUE POR FALTA DE SOLIDARIEDADE E COMPANHEIRISMO DA EQUIPA ONDE IA INTEGRADO





O mesmo abraço extensivo aos valorosos Homens da Montanha - como Erik Weihenmayer  e  Mark Inglis - Um cego e outro com próteses nas pernas - E que, mercê da sua extraordinária determinação, ambos já venceram vários picos e montanhas, incluindo   o próprio Evereste! - Assumindo com humildade a sua coragem ou pagando cara  com a morte, a sua temeridade, o seu grande amor à difícil escalada- tal é o caso do Bruno Carvalho. 

Não tive o prazer de o conhecer pessoalmente mas conheço o pai, de quem sou amigo. E sei que ele era realmente um verdadeiro amante da natureza. Um perfeccionista na sua vida pessoal e nas escaladas em que se envolvia.
 
Sabes, Bruno: constatei que, mesmo sozinho e abandonado pelos teus companheiros, nem assim deixaste de conquistar o cume da montanha do teu lindo sonho. Bravo Bruno! - A morte é que, às vezes, nos prega partidas, quando menos se espera.Mas, deixa lá: os deuses chamam cedo para sua companhia, aqueles que verdadeiramente amam. E eu tenho a certeza que estás em boa companhia.

Perdeste o direito à vida terrena, é certo e muito jovem. Mas já vistes qual é o vazio de alguém, que, nesta vida, viva muitos anos e nunca seja capaz de dar sentido à vida? .- E tu deste um nobre exemplo e um extraordinário sentido! Escalaste uma das maiores e mais belas montanhas da Terra! - Mas que extraordinária aventura!.. Quem me dera que os meus olhos se tivessem maravilhado com essa oportunidade. Não me importava de não viver mais... 

Sim, o alpinismo é algo que se ama - a vertigem é a nossa adrenalina- mas em que não pode haver nenhum tipo de competição.Numa escalada, a segurança de um, depende a do companheiro ou de todos que compõem a expedição. A prática do alpinismo é forçosamente perigosa e todo cuidado que se põe é pouco" O Pires dos Santos, um santomense,  era mais de que um amigo,  um irmão: e eu chegava a recear muito a vida dele, porque ele era pai. E a filha era ainda uma menina. No caso de João Garcia , ele parece-me que aquilo que mais pretende, é dar nas vistas; é mostrar currículo, não se importando de pôr  em risco a sorte dos companheiros

Um pai que dificilmente se conformará com a perda brutal do seu amado filho - E, naturalmente, toda a família. Ainda para mais quando prevalecem evidentes sinais de descoordenação e de egoísmo.

"Jorge Carvalho procura juntar ideias. "Versões do que aconteceu, já ouvi três. Só quero estar com as pessoas, cara a cara, conversar calmamente, saber como tudo aconteceu. E recuperar o corpo do filho. "  

ATÉ SEMPRE...

PARA MEU QUERIDO IRMÃO BRUNO CARVALHO Para além de ti tudo continua no seu lugar Mas qualquer coisa te fez ficar a guardar montanhas Na solidão do vento, que ouves soprar, cada vez mais brando, Tudo está branco e branco permanece com a tua presença. Eu, que habito hoje o país da sombras, Por ti e contigo partilho o ar rarefeito no peito E o frio que te guarda o sono e te aprisiona. Tudo continua no seu lugar, mas persiste o absurdo da tua ausência. João Frazão Couvaneiro

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