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sábado, 11 de agosto de 2012

20ª Dia Estou envolvido por enorme cardume! Que me está a arrastar!(...) Louvado sejais meu Deus!...Será Deus que me mandou este cardume para me salvar?!... Porque, hoje, já fui retardado por aquele tornado de manhã!...Fui muito empurrado para Sul!

Algures no Golfo da Guiné, 9 de Novembro de 1975

(imagem ao lado, bebendo água do mar)


Diário de Bordo  – 1  É manhã do 20º dia. Já estou mais a Norte da Ilha de Fernando Pó, agora completamente descoberta. Portanto, estou  aproximar-me da costa de África, mas ainda tenho um bocado a percorrer. O céu, a leste, apresenta-se bastante encoberto, e, do lado oeste, tem algumas nuvens, o que tudo indica que vai haver chuva. Pelo menos à noite. – Estas as minhas primeiras palavras, vertidas, de forma pausada e denotando um certo abatimento,  para o meu diário de bordo, registadas num pequeno gravador, guardado da fúria das ondas, no meu baú, um ex-contentor do lixo

Diário de Bordo  – 1 Esta noite apanhei uma ave que tinha pousado sobre mim. Tenho-a aqui para a depenar daqui a bocadito... - (Confesso que era o que mais me custava: sacrificar as avezinhas que me serviam de companhia - Além disso, eram só ossos. Mas a necessidade, assim me obrigava).


Como não chove, só estou a consumir água do mar!... Não sei a que distância me encontro de Fernando Pó. Sei que estou muito próximo  (quem está perdido no mar, o que parece perto, nem sempre é o que parece). mas não me interessa ir para lá, de maneira nenhuma!... (e tinha razões para não aportar lá) Como tal, vou aqui  a permanecer deitado no fundo da canoa.. – Mas  por pouco tempo, as condições atmosféricas, agravar-se-iam e voltaria a ser balanceado ao sabor de mais uma tempestade.






A canoa, fotograficamente falando, talvez possa parecer-lhe um iate - Sim, de 60 cm de altura por 1 metro de largura. Um pedaço de um tronco escavado, mais ou menos comprido, com umas ligeiras coberturas laterais e uma pequena ponte à proa e à popa


SENSIVELMENTE A MEIO DA MANHÃ – DEPOIS DE UM  TORNADO - Fazia o balanço do dia:


Diário de Bordo  2 – Hoje já tive muito trabalho!... De manhã cedo, estava muito próximo de Fernando Pó, entretanto, surgiu um tornado que me aproximou mais, depois afastou-me para Oeste!... Estou-me ainda a afastar!...Convenci-me que não tinha outra hipótese senão ir dar lá, mas felizmente que coloquei a vela e estou a afastar-me nitidamente da Ilha de Macias. Portanto, estou a dominar perfeitamente a minha canoa, depois de ter enfrentado mais um temporal!... Não foi muito violento, mas, enfim, deu-me algum trabalho. Neste momento, estou a dirigir-me para a Nigéria. Espero lá chegar hoje, com certeza.


Com a chuva, desta manhã, consegui  arranjar mais provisões de água. Portanto, esta manhã, já me consolei  com água doce, água das chuvas!...Estou mais satisfeito, pois já não tinha água nenhuma. Já estava a beber água do mar!... Enfim, tudo vai andando com um bocado de sorte, felizmente


Diário de Bordo  3 . As aves estão aqui a voar ao meu lado!... Sinceramente, agrada-me a cor desta água. Uma cor diferente!... Um azul límpido, transparente!...Tudo indica que não devo estar muito afastado da costa...


As aves continuam aqui a sobrevoar o mar ao meu lado e à minha frente. Parece que querem acompanhar  a minha canoa!...Os peixes, todos acompanham o ritmo do seu andamento... Enfim, tudo parece ir pelo melhor caminho!... Ainda não vislumbrei contornos de terra, o que, aliás, é compreensível, visto que a costa é normalmente baixa e só quase se avista, quando se está sobre ela, mas não devo estar longe. 


NOVO ATAQUE DE PERIGOSO TUBARÃO

Diário de Bordo  4 – Neste momento, a canoa voltou a ser investida por um grande tubarão!!... Já lhe dei umas tacadas com o remo e espero  que  ele me deixe em paz e se afaste!... É realmente um tubarão grande! Ele ainda anda aqui, talvez próximo da canoa!...


Diário de Bordo  5 – Já vi aqui alguns paus!... São vestígios, normalmente de  aproximação de terra. Mas a água mantém-se com a mesma cor... isto é, de um azul clarinho, embora com muita carneirada... Aguardemos, enfim, que a desejada praia chegue à vista.


Diário de Bordo  6 – Devem ser três e tal da tarde deste dia 20. Tive que tirar novamente a vela, pois o mar apresenta-se bastante cavado, não há vento e tornava-se bastante difícil velejar... Continuo, portanto, à deriva, já que não há outra solução. Com o leme (que lhe adaptei e perdi) , talvez pudesse fazer qualquer coisa. Tenho um remo tosco, uma coisa improvisada, que quase não serve para nada!.







Imagem registada num certo dia ao pôr do sol 


Diário de Bordo  6 Agora deixaram-se de ver as aves, pelo menos aqui nas cercanias... Ainda não vislumbrei qualquer contorno da costa africana... É uma costa muito baixa!... Já da outra vez, quando cheguei à Nigéria, apenas a avistei a uma duas ou três milhas. Desta vez, com certeza, vai ser a mesma coisa....É difícil o equilíbrio na canoa. O mar está muito cavaco, muito agitado!..


Tive que lançar hoje à água o peixe que tinha pescado ontem por já cheirar mal. Não foi preciso utilizá-lo porque tinha ainda o fígado do tubarão, que comi. Mas, se for necessário,  pesca-se e come-se peixe. Por enquanto, ainda tenho alguma comida. Não é muita mas ainda há alguma!... Quanto a água, arranjei mais um pouco das chuvas, que, misturada com a do mar, resolve o problema.





Diário de Bordo   7 – Seguidamente, vou-me entreter a comer qualquer coisa. Tenho muita fome!... Realmente, o apetite é bastante!...




ARRASTADO POR VÁRIAS HORAS  POR EXTENSO CARDUME – DESDE O  MEIO DA TARDE PELA NOITE A DENTRO


Diário de Bordo 8 – Neste momento, grande cardume de peixes! Estou envolvido num grande cardume de peixes! É indescritível uma coisa destas!... Há-os por todos os lados! Formam uma verdadeira corrente!...Não sei que possa ser isto!... Peixes!... São peixes!... é um cardume!.. São cardumes! Fazem autênticas vagas! Eu não compreendo isto!... É uma coisa estranha! Absolutamente estranha! O mar ficou agitado! Completamente agitado com tanto peixe! A  minha canoa continua a  tombalear!... É uma coisa que eu não percebo! Nunca vi tal fenómeno!... Os peixes são em quantidades monstras!... Paus, também, entre os peixes!... Agora dirige-se novamente para cá!... Ah!... Não posso!... Agora tenho de tomar cuidado com a minha canoa!...


Diário de Bordo 9 – Este ruído que se ouve  são as vagas produzidas pelo cardume!...Enorme!... Que tem uma extensão de mais de uma milha, talvez. É um fenómeno curioso este ruído (fervilhar) que continua a ouvir-se... Modificou a fisionomia do mar, completamente!... Faz vagas como se fosse  uma tempestade! É uma coisa que nunca vi!... Estranho não haver aqui aves, porque normalmente há aves quando  aparecem cardumes. O mar  toma uma agitação de ondas de todo o tamanho!... Pequenas! Grandes!.. Todo em turbilhão! Num autêntico turbilhão!...


Diário de Bordo10 – Ainda estou no meio do cardume! O cardume voltou para trás e voltou a cercar-me!...Os tubarões devem estar a ter um belo prato!... Nem num tornado teria tantas dificuldades  de me equilibrar  de como agora!...Prolonga-se por uma área enormíssima!... A canoa tem maior velocidade! Simplesmente há vagas que a galgam! É realmente um espectáculo!... Parece que me quer levar a terra; não me larga!...


Diário de Bordo 11 – Já passou mais de uma hora sobre o seu aparecimento e eu já andei mais em distância do que se tivesse  sido arrastado por um tornado. O seu maior comprimento está no sentido poente nascente e a sua  largura no sentido Norte/Sul. Umas vezes descai para Norte outras vezes descai para Sul. E eu estou a ser arrastado a uma velocidade impressionante!...Verifico pela posição da Ilha de Fernando Pó... Não há dúvida nenhuma que parece que foi Deus que veio ajudar-me a sair deste lugar, porque, hoje, já fui retardado por aquele tornado de manhã!...Fui muito puxado para Sul!... Agora estou a ser puxado nitidamente para Norte!...Umas vezes estou no meio dele, outras fora dele!... É coisa esquisita mas curiosa ao mesmo tempo!... Parece que há uma divindade!... Há algo superior que me está ajudar!... O cardume parece que tem alma! tem vida!...É impressionante!... Tem vida o cardume!... Parece que os animais têm descrição!.



 
(imagens da construção da piroga)


Diário de Bordo12 – Louvado sejais meu Deus!... Será Deus que me mandou este cardume para me ajudar?!... Para me salvar?!...O cardume continua... é já noite!... E ele a fazer-sentir! Umas vezes  descendo para Sul outras vezes avançando para Norte e a canoa deslizando... Agora, num movimento suave!...Há muitas ondas que  às vezes tentam galgá-la, mas ao deleve! Vai até num movimento mais equilibrado. É curioso!... Há qualquer coisa de especial nisto...


FINALMENTE, LÁ CONSEGUI LIBERTAR-ME DO CARDUME, COLOCANDO A VELA


Diário de Bordo 13 - Neste momento,  são cerca das dez horas da noite. Estou a navegar à vela. À minha retaguarda, a Sul, parece haver formação de uma tempestade qualquer. Depois de algumas horas, envolvido no cardume, lá consegui afastar-me, graças à ajuda da vela e do remo improvisado. Não é  nada prático. É extremamente difícil navegar nestas condições. Estou com uma atenção muito grande na bússola, que tenho aqui à minha frente, porque isto tem que ter o máximo de exatidão a fim de me aproximar quanto antes!... Ao meu lado , tenho o rádio (pequeno transístor a pilhas) com o qual tenho escutado a Rádio Nacional de São Tomé e Príncipe...Com certeza que só poderei navegar mais uma hora porque as condições não são nada favoráveis.


Diário de Bordo 14 – Realmente é uma situação muito difícil esta em que me encontro agora empenhado. Para dar equilíbrio à canoa é um caso sério! É preciso um sacrifício enorme!... Ainda não comi mais nada...Estou cheio de fome!... Mas, efetivamente, quero libertar-me  aqui disto, porque é uma chatice...Está para ali a formar-se um temporal à minha retaguarda, não me apanhe!...Mas, enfim, se me apanhar, ao menos seja em boa posição da canoa...Por vezes, é desfavorável..


 



VOGANDO À FLOR DO MAR, PERANTE UMA NOITE ESPLENDOROSA DE LUAR ...MAS POR POUCO TEMPO... HAVIA TEMPESTADE AO LARGO, QUE NÃO TARDARIA A FUSTIGAR-ME


Diário de Bordo 15 - A canoa ficou atravessada na corrente e agora é um caso sério para conseguir... Mas já está quase!... Os relâmpagos estão-se a ver... Portanto, é natural que, lá para a meia-noite, venha a ter aqui uma chuvazita... O mar está a ficar um pouco mais difícil. Até agora tenho navegado .Havia uma aragenzita e  o mar estava calmo.


Há luar! O céu está descoberto, pelo menos aqui nesta zona... Lá um pouco mais para a leste é que há nuvens e uns relâmpagos. Deve estar a formar-se para ali uma trovoada, com certeza.


Vejo as estrelas perfeitamente... É muito agradável!...Mas era bom que tivesse o leme (ou o remo); prendia-o ou amarrava (a cana do leme)  e navega de qualquer maneira... Assim, ando para aqui... desengonçado... É uma chatice... Enfim, vai-se fazendo o que se pode.


Há bocado o cardume deu-me que fazer.... Ah! mas também favoreceu, favoreceu!...Deu um bocado de andamento à canoa.... Oh santo Deus! Como é que eu consigo?!...Outra vez a  atravessar-se!....

Ver a lua é agradável!... O pior é se vem para aí alguma chuvada!...Põe isto numa banheira!... Daqui a pouco vou fazer umas papitas com água do mar


 ""Diante de mim, a escuridão. A voragem que não tem cimo e que nem sequer tem margem" - Victor Hugo

Diário de Bordo 16 – Não sei que horas são neste momento. É noite do dia 20 para o dia 21. Acabei agora de apanhar uma chuvada!... Estive  a tirar a água da canoa, porque estava toda alagada!...Está escuro! Muito escuro!... Não sei... mas devem ser aí uma duas da manhã...Estou aqui com uma lanterna... A canoa estava alagadíssima!... Portanto, neste momento, não me posso deitar... Tenho de estar a ver se a canoa seca um pouco... Mas a chuva continua a ameaçar! Continua a relampaguear e a trovejar! ... É o resto da noite de vigília!...

O mar, até ao momento em que choveu,  estava muito agitado; agora já está mais calmo... É uma noite bastante chata, esta.... O trovão, lá longe!...Os relâmpagos... É aventura, propriamente dita.

Diário de Bordo17 – Um pormenor que já ficava por dizer: é que eu reforcei as minhas provisões de água. Apanhei mais um bocado de água das chuvas para beber...Portanto, neste momento já não preciso de água do mar.



quinta-feira, 9 de agosto de 2012

19º Dia – Sinto muita sede (...) Estou deitado no fundo da canoa, com uma toalha sobre a cabeça para me proteger do sol, esperando o vento (...) Acabo de beber água do mar. E, sinceramente, confesso que não me parece muito salgada! Bebeu-se bem!... Vamos lá a ver onde isto vai parar!...

Algures no Golfo da Guiné, 8 de Novembro de 1975



Diário de Bordo  1 - Hoje é o 19º dia. Este é o meu calendário. Não sei qual será neste momento o de Terra - Dizia eu para o pequeno gravador que consegui preservar no interior do meu baú, um caixote de plástico.
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Mais uma noite de vigília. O temporal de ontem à tarde, manteve o mar ainda muito cavado pela noite adentro, embora, pouco a pouco, fosse ficando mais calmo. Mesmo assim, não consegui reconciliar o sono; estive toda a noite atento. Enfim, atento às águas e à proximidade de Fernando Pó ou até da Nigéria.

A manhã amanheceu com uma certa  bruma mas até certo ponto radiosa!... Quer dizer, muito sol, algumas nuvens, mas bastante sol!... O mar calmo! Completamente chão!... De uma calmaria podre, como soe dizer-se em linguagem marítima.



Diário de Bordo  2 – Durante a manhã, empreguei o tempo a pescar. Entretive-me a pescar e pesquei mais um peixe qualquer, um peixe esquisito, de que não seio o nome. Entretive-me também com os tubarões, pois são os peixes que mais se aproximam da canoa. Sobretudo o tubarão martelo, que é verde e o tubarão azul. Acontece que, hoje, eles andavam tão próximos e a fazer umas piruetas, que os marquei com o machim. Acertei-lhes em cheio!...Houve alguns que se puseram a penates!... Acertei-lhes na cabeça!... E é pena que o machim não estivesse mais afiado, quando não teria morto algum...Entretanto, mais tarde apareceu um dos escuros, um tubarão muito esquisito, que parece que é dos vorazes!... Dele, só me apercebi quando deu umas rabanadas na canoa!... Deu umas rabanadas na canoa e depois voltou a insistir!... Aí, acabei por lhe dar com o machim e depois desapareceu.


Diário de Bordo  3 – Pois tenho aqui  Fernando pó, bastante próximo!... Não sinto qualquer interesse em me aproximar da Ilha de Macías, não sei porquê!...Aliás, hoje  seria um bocado difícil, dada a posição, mas já tive a possibilidade de me aproximar de lá. Não tenho interesse. O meu desejo é a Nigéria. Talvez vá dar à Nigéria, dada a direção que as correntes estão a tomar....A canoa nem sempre vai pelas correntes. Quando aparece um tornado, toma a direção do tornado. E, se por um lado é mau, por outro ajuda bastante!... Pois, quando há temporal, a canoa desenvolve muito. Às vezes parece esqui aquático!
Diário de Bordo  4 – É meio-dia. Está um calor muito grande!... Sinto muita sede!... Ontem procurei aproveitar  mais um bocado de água das chuvas. Depois tive  o azar da rolha saltar do bidão de plástico eu fiquei sem essa água. Só estou  com um bocadinho, cerca de um litro, se tanto, que aproveitei anteontem. Até tem um  sabor esquisito... Mas, enfim, vai-se aguentando com ela. Portanto, estou cheio de sede!..
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CALOR DE MATAR: HAJA ÁGUA QUE PEIXES NÃO FALTAM

Quanto aos alimentos, tenho procurado fazer  um certo racionamento, porque já não são muitos. Até são poucos. Mas isso também não importa, porque há peixes. Ainda ontem, por exemplo, tentei fazer um bife de tubarão com álcool que aqui tenho. Quis assar o fígado do tubarão, mas depois não consegui... De qualquer maneira comi-o cru e soube-me bem!... Portanto, haja água que há aqui peixes à farta à volta  da canoa. Claro que, não sendo cozinhados, não se comem assim muito bem, mas aguenta-se, que é o que interessa fundamentalmente.

Diário de Bordo  5 – A principio, isto era tudo um caos. As coisas estavam todas a monte. Algumas a apodrecerem, a estragarem-se. Mas agora, enfim, embora um bocado desordenado, já tenho isto mais ou menos com uma certa decência...Eu já lhe chamei um hotel. Mas de hotel nada tem, pois não disponho de comodidades nenhumas!... Agora estou deitado no fundo da canoa, com uma toalha sobre a cabeça para me proteger do sol, esperando vento... Já está a sentir-se uma ligeira brisa, mas ainda é muito fraca!....Para o fim da tarde, vou ver se consigo pôr a vela. E vamos lá a ver se aproveito o vento para dar outro andamento a isto...

Diário de Bordo  6 – Quanto à segurança da canoa, algumas rachas ainda metem um bocadinho de água, mas estou esperando que vá aguentando até chegar a terra.


AS INEVITÁVEIS LUTAS COM OS TUBARÕES

Os tubarões é que me surpreenderam!... Porque eu habituei-me, logo desde princípio, a vê-los, mas quando eles começaram às rabanadas, então aí é que  eu comecei a ficar um bocado assustado!

Esta manhã dei-lhes mossa. Ao passarem por baixo da canoa, marquei uma data deles!.. Tem piada que continuaram ali marcados no dorso.

Diário de Bordo  6 – Agora falando da Ilha de Fernando Pó, que tenho aqui à minha direita, a leste. Direi que  é uma ilha montanhosa, com um relevo ainda mais recortado que o de São Tomé, com picos talvez ainda mais altos e eriçados mas igualmente  revestidos por espesso manto verde, que agora estão encobertos nas partes mais altas. Tem vários ilhéus e toma a direcção Sul-Norte no seu máximo comprimento.


BALEIAS OFEGANTES NA SUA HABITUAL ROTINA – E ÁGUA SALGADA PARA MATAR A SEDE

Diário de Bordo 7 – Curioso espetáculo neste princípio de tarde! Três bonitas baleias passaram aqui próximo, ofegantes, vomitando água, como é costume, aqui próximo da Ilha de Fernando Pó. É um pormenor que me apraz registar nesta tarde soalhenta, cheia de sol! Apenas com uma brisa muito leve.

Diário de Bordo 8 -  Dado os recursos de água já serem muito limitados, pois tenho apenas aí meio litro, acabo agora de beber água do mar. E, sinceramente, confesso que não me parece muito salgada! Bebeu-se bem!... Vamos lá a ver onde isto vai parar!... (sorrindo) Aliás, Alain Bombard , um médico francês,  que fez uma viagem também muito grande, provou que era possível sobreviver durante vários dias, bebendo água do mar. Portanto, se me faltar a água das chuvas, tenho água do mar aqui à fartura!

Diário de Bordo 9 - Fim de tarde do 19º dia.

Céu descoberto, muito azul, apenas com umas nuvens de onde em onde.. E a leste, a Ilha de Fernando Pó. As aves a fazerem-me companhia, em bandos, à procura  de peixes...

O mar, agora ao fim da tarde, princípio da noite – pois já se pôs o sol – está um bocadinho mais agitado, devido a uma pequena brisa....Devo estar muito próximo da Nigéria, porque, as correntes,  já não são tão fortes como lá mais a Sul. Aqui são de facto mais suaves.

Pois já não tenho água. Não chove; agora estou a utilizar água do mar. Ainda há pouco a bebi e fiz uma farinha. Não é assim muito saborosa mas também não é muito desagradável. 

NOITE SERENA DE LUAR EM MAR TRANQUILO

Diário de Bordo  10 – É noite do 19º dia.

Está uma noite serena! De luar!... Uma noite bonita!...Não há vento. O mar tem uma ligeira ondulação. A Ilha de Fernando Pó está completamente obscura!.... Já não se vê. Aliás, nota-se um ligeiro recorte, apenas entre o horizonte... Dá a impressão que é uma ilha sem vida!... Eu sei que há lá milhares  de pessoas a viverem... Mas não há sinais de vida nenhuns!... Nem um sinal luminoso, sequer!...

Farto-me de perscrutar, de vislumbrar o horizonte a ver se vejo algum sinal luminoso, mas nada, absolutamente nada!... Enfim é uma noite serena! Uma noite agradável!... Espero que entretanto não se altere., porque já tenho passado noites muito aborrecidas!... Tempestuosas!...

Peixes aqui?!... Tubarões?... Ou o que é?!.... Dão saltos!... Tenho que me resguardar, porque já várias vezes me aconteceu, estar sentado, aqui na canoa, e ter sofrido umas rabanadas! Umas investidas dos tubarões mais atrevidos!.

Agora não os consigo ver. Não vejo nada!... Às vezes, vê-se reluzir debaixo da canoa... Nunca se sabe se algum está aqui, mais próximo!... Aliás, nunca faltam... Enfim, não me interessa lá deles, o que eu quero é que não me chateiem!..
 ateiem!..


  




Portanto, é uma noite muito agradável!... De  serenidade!... Estou absolutamente longe de tudo!... Ao mesmo tempo sou um Zé ninguém mas também sou gente!...Gente!... Aqui no meio disto tudo!... É indescritível!...

Sinto-me abandonado mas ao mesmo tempo entregue a esta natureza, a estas forças todas!....Belas!...Puras!... Que aqui estão, ante os meus olhos!... Esta ondulação escura! Com reflexos luminosos, aqui atrás das minhas costas, do luar!....Mas há vida!!...Respira-se uma vida!!...Uma vida pura!! Uma vida livre!... Livre de tudo!... É agradável!...É agradável!...Muito agradável!...Viver  aqui, quando o mar se apresenta com esta face...Porque o mar tem muitas faces!.... Faces agradáveis! Belas!... Faces negras, sombrias e tristes!... E eu já por todas passei.... Enfim, é uma noite.... Espero que continue assim....

Diário de Bordo  11 – Ao mesmo tempo, eu sinto-me desprendido!... Sinto-me  livre de todas as pessoas que às vezes me chateiam!.... Sinto-me livre de tudo! De todo o mundo!...De todos os ódios! Invejas! Intrigas!... Aqui não há nada disso!... Aqui há horizontes vastos, apenas!....

Céu!.... Um céu magnífico!!!... Oh que beleza!!...Oh que largura!!...Oh que lonjura!!... Tudo aqui não tem dimensão!... O espaço livre! Absolutamente livre!!... O mar!!! Este ar fresco!...Ah quem me dera meter-me no mar!!... Mas não posso!...Mas quem me dera!!... Falta-me esse prazer!...

Sinto-me alegre! Sinto qualquer coisa  em mim que não me prende!!... Sinto-me liberto! Liberto de tudo!!...Ó mar!!... Ó mar!!... Força enorme!!... Eu estou aqui  sobre ti! Ó mar!!...Céu estrelado!!... Luar tão belo!!...Oh que beleza contemplar  este panorama!... Este cenário!...Não tenho palavras com que possa transmitir tudo o que sinto!..
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Diário de Bordo  12 – E a minha canoa vagueia!... Vagueia ao sabor das correntes!....Esta força invisível! Mas que existe!... Ela impulsiona-a!... E uma força! Uma força do mar! Das vagas que estão sob ela  a impulsioná-la!... E a minha canoa, suavemente, umas vezes, brusca, outras suavemente, desliza!...Sente-se que desliza!...

Aqui no mar há vida!... Muita vida!!... E há uma luta feroz, talvez mais feroz que na Terra. Uma luta de sobrevivência de umas espécies com as outras!...Ah!... Só aqui me sinto livre! Absolutamente livre!... Absolutamente independente de tudo!

UM FAROL NAS DISTÂNCIAS! – AO NÁUFRAGO A SUA LUZ, É COMO SE UM RAIO DE DEUS O CONTEMPLASSE,  

Diário de Bordo  13-  Alto lá!... Acabo de ver, pela primeira vez, um farol, o sinal de um farol!!... Parece que sim... que deve haver um farol.... Porque chega aqui um sinal luminoso, de lá de longe!...Deve ser , portanto, o farol de Fernando Pó...

(Depois canto ainda “A noite plácida!”, após o que me deito, acreditando que o amanhecer me aproxime definitivamente de terra.