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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Lisboa dos anos 50 – Marçano aos 12 – Recordações do Menino Escravo nas velhas mercearias da capital - De caixote sobre o ombro a subir ingremes escadas em caracol pra levar as compras aos clientes, de que dependia das gorjetas de centavos e a ter que dormir nos jardins, quando o patrão me dava o chuto

Jorge Trabulo Marques - Jornalista


Calçada de Santana Nº 75-  Aos 12 anos - Jamais esquecerei  este sítio

O meu primeiro trabalho, foi numa mercearia, situada na Calçada de Santana, Nº 75. E consistia em levar, num caixote, que transportava sobre um dos ombros,  as compras a casa dois clientes: desde o simples quilo de açúcar ou de arroz aos vários quilos das batatas, subindo e descendo as íngremes escadas em caracol, as chamadas escadas de serviço, já que, pelo elevador ou escadas da porta principal, tal não era permitido - Os antigos prédios de Lisboa, ainda mantém essa escadaria.




Subi muitas vezes estas escadinhas

O patrão fazia dos meninos marçanos-criados: - garantia-me a comida e a dormida numa tarimba mas não me pagava mais nada. Dependia apenas das magras gorjetas dos clientes, que era uns míseros centavos 


Depois conheci vários empregos. Era sempre a mesma coisa!... O marçano era o "moleque negro" colonial para todo o serviço - e a custo zero - Um dia, farto dos seus abusos e prepotências, despedi-me. Enquanto não arranjei emprego, passei fome de cão e dormi ao relento.Era Janeiro e estava muito frio: Na primeira noite fui-me deitar por entre os arbustos do jardim do Campo de Santana, porém, às tantas, tendo sido assediado por um mendigo, que queria abusar de mim, subi pela escada de serviço de um prédio e fui-me refugiar num terraço


Mais tarde, aos 18 anos, desembarquei em S,Tomé para uma estágio de técnico agrícola na roça Uba-Budo, cedo me apercebi que as diferenças entre o que se passava no velho continente - na chamada Metrópole - em nada eram diferentes do esclavagismo ainda reinante nesta maravilhosa ilha 



Era uma criança... e todavia já um escravo
Recordações daqueles meus tempos de menino escravo - Mal acabei a instrução primária, tal como muitos rapazes da minha aldeia, fui procurar a vida na cidade alfacinha, como marçano - O meu primeiro trabalho, foi numa mercearia na Calçada de Santana. E consistia em levar, num caixote, que transportava às costas, as compras a casa dois clientes: desde o simples quilo de açúcar ou de arroz aos vários quilos das batatas, subindo e descendo as íngremes escadas em caracol, as chamadas escadas de serviço, já que, pelo elevador ou escadas da porta principal, tal não era permitido - Os antigos prédios de Lisboa, ainda mantém essa escadaria.

O patrão fazia dos meninos marçanos-criados, garantia-me a comida e a dormida numa tarimba mas não me pagava mais nada. Dependia apenas das magras gorjetas dos clientes, que era uns míseros centavos. 


Depois conheci vários empregos. Era sempre a mesma coisa!... O marçano era o "moleque negro" colonial  para todo o serviço - e a custo zero. - Um dia, farto dos seus abusos e prepotências, despedi-me. Enquanto não arranjei emprego, passei fome de cão e dormi ao relento, tendo sido alvo de assédio sexual por um mendigo – pormenores mais à frente

Quando, aos 18 anos, desembarquei em S,Tomé para uma estágio de técnico agrícola na roça Uba-Budo,  cedo me apercebi que as diferenças entre o que se passava no velho continente - na chamada Metrópole - em nada eram diferentes do esclavagismo ainda reinante nesta maravilhosa ilha. 

Como me recusasse a seguir a severa  rigidez no relacionamento com os chamados serviçais,  tratando os trabalhadores por tu, ao velho estilo colonial, como consequência, o  patrão, um tal administrador, Sr. Pereira, não tardou a enviar-me de castigo para o sul da Ilha, na Roça Ribeira Peixe - a contar cacaqueiros velhos  numa área infestada de serpentes venenosas


 ESTA LISBOA JÁ NÃO  É A MESMA DOS MEUS TEMPOS DE CRIANÇA




Antiga mercearia,das crianças escravas -Web
Bairro Alto



Conheço o Bairro Alto desde rapaz. Guardo daquelas ruas velhinhas muitas recordações. Mas , desse tempo, pouco mais resta que o seu casario. Está tão descaracterizado! Tão diferente! Sou de uma pequena aldeia nortenha. 
A casa onde nasci

Mal acabei a instrução primária, vim procurar a vida na grande cidade alfacinha, como marçano -  Tinha que aprender a escola antiga dos patrões. Servir o cliente com subserviência mas ir-lhe ao bolso nas compras.. 

Todos queriam que roubasse uns gramas e eu não tinha jeito para isso. Andei lá pelos penhascos agrestes atrás das ovelhas do nosso pastor e as minhas mãos não estavam talhadas para maniganças aligeiradas(mas eficazes) nas balanças. Acabavam por me mandar embora ou era eu a despedir-me 


Calçada de Santana 
Marçano aos 12 anos nesta esquina
E lá voltava eu andar com o saquito da trouxa às costas até conhecer novo patrão. Dormi muitas noites no desvão das escadas ou nos terraços de cimento dos prédios mais altos(subindo pela escada de serviço para que ninguém me visse. 

Receava os vadios e envergonhava-me da vida humilhante que levava. Além disso, não tinha dinheiro para pagar nas pensões, pois o  pouco que me restava era para matar a fome com umas carcaças. E também não me queriam hospedar por ser menor. 

Uma manhã acordei de tal maneira enregelado, que, mal me levantei, logo caí! - Oh como eram longas e frias aquelas horas da noite e da madrugada!... Ouvia-as bater nas torres das igrejas... Custavam-me tanto a passar!...  Mas, uns dias depois , lá acabava por arranjar outro patrão.. Era quase de borla, sempre ao seu dispor e qualquer mercearia gostava de ter o rapaz-marçano.

Niccolò Cannicci (Florence 1846 - 1906)

Foto de Família - Chorei naquele dia...



Trabalhei perto da antiga Feira Popular, em São Sebastião da Pedreira. Agora jardim da Gulbenkian. Na Rua da Graça (na Mercearia Pérola de Lisboa - imagine-se que nome tão pomposo onde era tratado como escravo !) e em noutros sítios onde nada se alterava. 


Mas recordo um episódio, algo curioso, que julgo ter sido a minha primeira aventura marítima, ou seja, muito antes das minhas odisseias em canoas nos mares do Golfo da Guiné, a que me refiro noutro site - http://www.odisseiasnosmares.com/2012/10/28-dia-grandes-vagas-alterosas-entravam.html

Com o meu irmão José - Eu tinha 17 anos
Foi quando, por altura do Verão, num belo domingo de sol resolvi ir a pé até à praia de Algés  -  Em 1957, era das que estavam mais à mão (tanto assim que o rio ia limpo e ainda se viam golfinhos), - Claro que, quem tivesse mais tempo e mais dinheiro, podia ir até ao Estoril, não era o meu caso. Pensando eu que a outra margem, estava ao meu alcance, como a da Ribeira dos Piscos ou do Rio Côa, não é que me meto a nadar por ali afora. Não podendo voltar para trás, como a corrente só me levava para o lado de lá, toca de nadar, nadar, até que vem o guarda da praia, com um barquito para me levar. Eu, ali, não andava nu como as crianças que se vêem no quadro do pintor,  mas havia quem andasse -  Não faltava por lá  garotada ao leu e a espinochar. Eu servi-me das ceroulas, tendo-as cortado pelos joelhos, com uma navalha que pedi ali a um rapaz que só tinha ido ali para ver  a praia - Naquele tempo, os calções de banho, não eram moda; só os ricos.

Porém, o  meu primeiro batismo, com o elemento líquido, a valer, ou antes, a sofrer, ocorreu quando eu caí a um poço com a minha irmã  - Eu conto esta história em http://www.vida-e-tempos.com/2008/11/irma-lucia-minha-singela-homenagem.html


Agora está emparedado - resta o velho picanço 
Foi a um domingo, dia 13 de Maio. Regávamos a nossa horta no Vale Cardoso. Ela retirava a água do poço com ajuda do picanço; eu estava uns metros mais abaixo para afastar a vara e o caldeiro de uma pedra. Nisto, o picanço rebenta, ela cai e arrasta-me consigo para o fundo do poço. Este era fundo e com margens barrentas. 

A nossa aflição, como deverá calcular-se, era enorme. Nenhum de nós sabia nadar. Quando vinha ao de cimo, ela gritava por Nossa Senhora de Fátima; eu gatinhava junto à margem, estava aterrorizado e apenas cerrava a boca para evitar engolir mais água. O meu irmão Fernando, então com nove anos, que encaminhava a água, apercebendo-se, corre em nosso auxílio. A minha imã grita-lhe para ir buscar uma cana e para descer até um tufo de juncos que havia na margem, e é o que faz sem perda de tempo. Estende-lhe a cana, ela agarra-se à mesma e consegue gatinhar pela íngreme vereda. Depois, estende-me a mão e salva-me também a mim.


O Vale que maravilhou meus olhos em criança

Antes de regressar à minha aldeia, desiludido, empreguei-me na Rua da Atalaia, no Bairro Alto. Foi o melhor período que conheci em Lisboa. Gostei de ali viver! - As pessoas familiarizavam-se e conheciam-se rapidamente! Era tudo tão pacato!... que não havia quase grandes diferenças da terra onde nasci. Mulheres da vida também já eu as conhecia: de volta e meia aparecia por lá uma tal velha  Xuxa" desdentada na taberna do "Tio Timóteo"que punha os adultos em alvoroço (e em bicha - esperando impacientes cada um por sua vez) e a canalha num autêntico frenesim a espreitar o que os mais crescidos faziam. Só que, enquanto, na minha aldeia, era atrás de um penedo, no velho bairro fadista, era em casas de passe. E algumas até podiam passear-se pelas ruas como mulheres fatais!










Mas o Bairro Alto já não é o mesmo bairro típico daquele tempo!... Longe vão esses dias!... Hoje está muito diferente de quando andei por ali a calcorrear as suas calçadas. A subir e a descer escadas com o pesado caixote de madeira sobre o ombro para levar as compras aos fregueses que se haviam abastecido na velha mercearia – Bastava que até comprassem meio quilo de arroz ou meio de açúcar para terem direito a que o menino-escravo lhe levasse as compras a sua casa. Oh inocentes anos  da minha vida! E já a comer o pão que o diabo amassava! - As parcas gorjetas e mais uns tostões ao fim do mês! - Mesmo assim, as saudades são muitas!





Longe as manhãs dos pregões da varina com a canastra à cabeça Há sardinha linda ...olhó carapaaaaauuuu fresquiiiiiinho! E do leite que era vendido de porta em porta. 

Do apito do amolador das facas e das tesouras, do vendedor das mantilhas e dos capachos. E de tantas outras vozes de venda ambulante da fruta e hortaliça – olha a fava riiica! Olha o par de melancias e melões! Olha os moranngos de Siiintra! Rebuçados caseiros: A tostão, e é cada matacão!!! 

Era o apregoar dos mais variadíssimos produtos: do pão quentinho, acabado de sair do forno e dos Figos: Quem quer figos!!!, quem quer almoçaaar!!! Cujas vozes ecoavam pelas ruas, ainda o sol estava longe de assomar sobre as colinas da Graça e do Castelo ou de irromper sobre a planície que se estende além do estuário do Tejo. 

No entanto, já da Praça da Ribeira - aonde ainda mais cedo principiara o agitar de um bulício vivo e colorido, por entre os amontoados dos legumes e das frutas que rescendiam de cheiros intensos, frescos e perfumados , num misto de odores de verduras e de outros primores colhidos ou arrancados à fertilidade da lezíria – sim, já a laboriosa gente de vendedores e vendedeiras partira rua acima ( Rua do Alecrim, Rua das Flores ou pela íngreme Calçada da Bica), para se dirigirem ao típico bairro fadista. Fazendo ecoar os primeiros pregões, por entre sorrisos alegres, expressões risonhas , bem dispostas, que o esforço duro e vida pobre, pareciam não toldar!

Tipicas varias - Net


Todas essas vozes e imagens pertencem ao passado. Tudo ali se alterou e está completamente desfigurado. Nem as tascas típicas nem as velhas mercearias! Tudo isso já desapareceu. Até o fado é escasso, mudou de figurino e já é outro! Agora há os bares! - Muitos bares e uma estranha diversão noturna - onde os cheiros que vêm lá de dentro, misturados com os perfumes da moda dos habitués aos pestilentos odores da recolha do lixo, se tornam insuportáveis! Preferia mil vezes os cheiros de então. Não havia muito asseio nas ruas. Mas era tudo mais natural e bem mais tranquilo!... Não se corria o risco de ser assaltado por dá cá aquela palha. 



Já adulto, nos adoráveis  lugares que me criaram
Não havia liberdade de expressão.Mas isso era lá com os jornais... Eu ainda não compreendia muito bem essas coisas. Só me apercebia da escravidão... e dos patrões que me davam umas valentes caneladas - atrás do balcão - sempre a sorrir para o cliente, como quem faz uma finta sem se mexer - se não desse uns toques subtis na balança e desviasse umas gramazitas no peso do cartucho de cada compra ao freguês e à freguesa. Não se roubava tanto como agora mas roubava-se alguma coisa. 


A mais antiga mercearia da minha aldeia 
O pequeno comércio vivia para sobreviver! Não havia a violência e o descaramento de hoje. Confesso que já nem sei muito bem o que vale mais: se a miséria pacífica daquela altura ou se a liberdade de agora onde a pobreza anda à solta com o consumo da droga e a insegurança...Apesar de tudo, não queria voltar a conhecer o tempo do "botas"! - Sobretudo, já em adulto... Não é fácil deixar de me lembrar dos murros da PIDE!... Puta que os pariu!...

Depois de ter feito a travessia de S. Tomé  à Ilha do Príncipe, numa minúscula piroga de 40 cm de altura por 60 cm de largura, com pouco mais de 3, 5 de comprimento, pois, como se não me bastassem os riscos a que me expus nesses três dias e três noites, sozinho. tendo apenas para me orientar  uma modesta bússola, sim, e em que  numa das noites ao adormecer me voltei com a canoa naqueles escuros remoinhos de ondas, não é que, ao regressar a S. Tomé - agora de avião e detido pelas autoridades coloniais - , tinha à minha espera dois musculosos agentes da PIDE, que me deram vários murros e, depois me sovarem violentamente, me conduziram para os calabouços por suspeita de me querer evadir para o Gabão e juntar-me ao MLSTP, que não era o caso.

EM CRIANÇA EU ADORAVA AS PEDRAS - QUE APRENDI ADMIRAR QUANDO IA LEVAR A MARMITA AO NOSSO PASTOR DA QUINTA DO MURO  Do velho José Rebaldo, quando o meu par era ali caseiro, porém, longe de imaginar que mais tarde haveria de ali fazer tão  maravilhosos descobertas 




 O LASTRO DA  ADOLESCÊNCIA JAMAIS SE APAGA DA VIDA - E AS MINHAS MEMÓRIAS DE "MENINO ESCRAVO", EM LISBOA,  PERMANECEM  AINDA INALTERÁVEIS - COMO SE FOSSEM VIVIDAS ONTEM 

De igual modo não posso deixar de recordar aquelas misteriosas noites, no velho solar do Vale Cheinho, naquelas danças que ali se faziam por uma certa irmandade. Praticava-se o culto à Estrela da Manhã. O ritual tinha lugar de noite e à hora em que aquela estrela irrompia no horizonte. Era o que se podia dizer, um genuíno culto pagão. Manteve-se até meados dos anos sessenta. A quinta, entretanto, deixou de ser habitada e foi ficando em ruínas. E hoje é quase um lugar assombrado: depois do pôr-do-sol e à noite, poucos se atrevem a passar por lá. Obviamente, quem goste da noite, não falta - Sendo esta, a mensageira e a desbravadora de todos os mistérios, que o Supremo Artífice, concebeu na Terra e em Todo o Universo – Refiro-me em várias postagens neste site  http://www.vida-e-tempos.com/2010/11/halloween-mais-folia-que-memoria-aos.html






Por isso, não gosto de faltar à festa da padroeira da minha aldeia - E, todavia, não sou católico praticante.   Mas também guardo algumas más recordações -  Expulso do seminário, dois meses depois por alegada falta de vocação,  meu pai mandou-me então procurar a vida em Lisboa, como marçano, .
Mas oh! em que trabalhos eu me fui  meter!... Até porque, quem me levou para a sua mercearia - um conterrâneo - na Calçada de Santana, só lá me quis dois meses a "estagiar", visto não precisar de empregados  - Os merceeiros  faziam das crianças pequenos escravos, a troco de uma tarimba e comida. 

Tive um patrão que,      ao pequeno almoço, em vez de me dar uma chávena de café,  servia-me uma malga de pão amassado com um pouco das borras da cafeteira e sem açúcar - Café?!... Bebia-o ele. Nem um pingo!  - E, depois, lá  pelo armazém ou mesmo ao balcão, uns quantos tabefes e pontapés nas canelas ou no traseiro  por não roubar no peso - Forçado a subir as vertiginosas espirais das escadas de serviço! - Exteriores aos  prédios - Para levar as compras aos clientes, derreado com o caixote ao ombro,   a troco de um tostão ou  de coisa nenhuma. 

Sempre que por ali passo, me recordo daquela horrível noite
Farto dos seus abusos e prepotências, despedi-me. Enquanto não arranjei outro patrão, andei vagueando pela rua Não esqueço aquela noite em que me fui abrigar  por entre os arbustos do jardim do Campo de Santana, porém,  às tantas, tendo sido assediado por um mendigo, que queria abusar de mim, saí dali a correr e  fui-me refugiar num terraço. 

Não suportando o frio, pois era Janeiro, desci para o rês-do-chão e deitei-me no cimento: quando acordei, conforme ia a levantar-me, assim caí enregelado - Eu era aquele menino franzino que  se vê na fotografia.  Por fim, ainda trabalhei numa leitaria: éramos obrigados a mijar para as bilhas do leite, pois, se fosse água a fiscalização topava e a urina - dizia o patrão - tinha a mesma densidade do leite -Um ano depois, regressei à minha aldeia, tendo ido estudar para a Escola Agrícola  de Santo Tirso - Esta foi  a solução mais económica que o pai podia encontrar.

 PEDOFILIA RELIGIOSA  - TAMBÉM FUI UM DOS SEUS ALVOS

Para minha decepção, logo, no primeiro ano, um jovem sacerdote, da igreja que fazia paredes-meias com a nossa instituição, tentou violar-me.  Desde algum tempo que andava a fazer amizade comigo e mais dois colegas - Convidava-nos ao seu quarto e oferecia-nos chocolates. Um dia à noite, depois do jantar, apareceu por lá e convidou-me a dar um passeio pela marginal do rio, que faz confronto com as hortas e os campos da Escola. - Um lugar tão aprazível, tão belo! - Quando revejo as imagens dessa encantadora paisagem meus olhos toldam-se de lágrimas - Porém, subsistem duas más recordações:  o afogamento de um companheiro (oito dias para o duque da ribeira, varrer com as fateichas o açude desde o velho moinho, junto à ponte, até lá ao extremo norte da quinta, até que por fim lá o encontrou e ali bem perto onde se havia atirado à água do Rio Ave, preso a uns arbustos A outra é a dessa nojenta atitude.




Quando viu que não havia ninguém, vai daí de me tapar a boca, puxar as calças e me encostar violentamente à braguilha. Mordi-lhe a mão e escapou-se pela bouça. Ao mesmo tempo que eu lhe chamava todos os nomes do mundo que me vinham à cabeça. Se o vínculo já era frágil, quebrou-se definitivamente - E o mais caricato é que ele era um dos sacerdotes que ia dizer a missa aos domingos na nossa capela, onde, uma formatura da Mocidade Portuguesa, tinha de lá ir  prestar guarda honra à bandeira: de camisa e calça curta, no Inverno, era de arrepiar. Mas eram assim aqueles tempos do obscurantismo - A igreja de boa convivência com o Salazarismo - O mau é que os políticos de agora, ainda são mais desonestos, enquanto a miséria galopa como nunca.








Lá tive que gramar  a hipocrisia dele  e as formaturas de braço estendido.  Claro que não se pode medir tudo pela mesma fasquia.  Tenho bons amigos padres. Havia lá um que até pilotava avionetas e costumava fazer umas habilidades por cima da nossa Escola - Antigo convento de São Bento. Era lá professor e muito simpático. Contei-lhe o episódio mas tudo ficou por ali. Sim, é melhor não reviver mais o assunto.   Há pedófilos em todo lado. A igreja, não é excepção



segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Baía Ana de Chaves - Finalmente desobstruída dos fantasmagóricos esqueletos de ferro velho - Armador português procede à remoção de antigas embarcações – Na que é considerada uma das mais belas baías do continente africano, pese a poluição que ali continua a desaguar e o degradado estado dos seus passeios e corrimões. - O armador Carlos lixa têm ainda o encargo de limpar a costa de vários monstros meio submersos e de relançar importante projeto de apoio à pesca através da empresa luso-santomense, FUSOMAR - Defende doca para veleiros, um porto em Fernão Dias e maior fiscalização de frotas estrangeiras

Jorge Trabulo Marques - Jornalista  - - Entrevista ao Armador Carlos Lixa
S. Tomé – Armador Português limpa Baía Ana Chaves, bem como da costa das duas Ilhas de embarcações afundadas, aposta no apoio à pesca local e defende a criação de um porto para passageiros, mercadorias e cruzeiros, em Fernão Dias  e uma  fiscalização eficaz a frotas estrangeiras.

Alguns  esqueletos de ferro destes batelões,  permaneciam desde a era colonial, em consequência de um violento tornado que assolou a Ilha, lançando a pique as várias dezenas, que ali existiam fundeados, que serviam para transbordo  das mercadorias a transportar ou descarregar dos navios  que fundeavam ao largo, tal como, ali, ainda hoje sucede, devido à falta de um porto de acostagem.  - Tal situação sucedeu justamente na pavorosa noite em que eu largara, numa piroga, da Praia Gamboa para a Nigéria, no qual ainda fui envolvido.


Entrevista em Maio de 2019


Até que, enfim, o principal cartaz de quem visita S. Tomé,  a  emblemática Baía Ana de Chaves, está sendo desobstruida e limpa das monstruosas carcaças de ferro velho e conspurcador, que emergiam à superfície desde o tempo colonial: - Desfigurados fantasmas, que se assumiam como perigosos escolhos à navegação- Um justo procedimento dado ao nome da mitica  princesa ou dama da corte, Ana de Chaves, descendente  de judeus, residente em S. Tomé, na condição de refugiada das perseguições feitas em Portugal, que deixou indeléveis traços da sua existência na colónia, onde espalhou o bem a mãos largas, criando e subsidiando diversas instituições religiosas e de caridade.

Carlos Lixa, empresário português, nas áreas das pescas e da construção naval, radicado em S. Tomé, desde 2015, gerente da empresa, luso-santomense,  Fusomar, possuidora de estaleiros, que tem vindo a proceder  à limpeza e reciclagem de embarcações afundadas nas costas marítimas de ambas as ilhas,  nomeadamente da Baía Ana de Chaves, no leito da qual existiam esqueletos de vários batelões afundados, desde o tempo colonial, que tem vindo a ser removidos  para a sucata, de modo a proporcionar à emblemática baía a beleza e a segurança, tão desejáveis.

Carlos Lixa, sente-se perfeitamente integrado e confiante no futuro do povo de STP, que, em seu entender, merece todo o apoio  e esforço que se faz pelo seu progresso e bem-estar: “diz que as instituições têm colaborado, é uma terra pacífica, acolhedora, em que se lida facilmente com as pessoas,   que “se pode sair à noite, que se pode andar na rua, à vontade,  não há problemas”.

Em relação às pescas, diz que tem um projeto para um frigorifico inerte na Ribeira Funda, estando  já avançar com as obras, para o que espera contar com barcos vindos de Portugal, construídos no seu estaleiro, pensando também vir a construir outras embarcações em S. Tomé  e uma doca flutuante, para que os barcos também possam ser inspecionados pelas entidades competentes.

Quanto aos acordos, com potências estrangeiras, defende que os acordos deverão ser cautelosos, bem estudados e  equilibrados, com as cotas que devem pescar  e as paragens, que devem fazer para o pescado puder reproduzir-se, pelo que defende a necessidade de uma fiscalização, quer no alto mar, quer junto da costa, “porque eu vejo, muitas vezes, embarcações estrangeiras, a fazer cerco, muito encostadas à costa! Já cheguei a presenciar atuneiros a tirar isca, sardinha e carapau, muito encostados à costa”.
Referindo, que, com a vinda do navio “Zaire” já se impediu que, algumas embarcações, fizessem a limpeza da costa – Considerando, porém, a necessidade haver mais meios para uma mais eficaz fiscalização.


E apontou o caso dos Açores: “O atum, como se sabe, é uma espécie migratória,  e, quando o atum emigra de África para os Açores, são precisamente esses arrastões estrangeiros, com sistemas elétricos, que não deixam fazer a passagem das migrações, o que, além de  reduzir a sua  captura, acaba também por  não haver peixe que consiga reproduzir-se nas costas.
Quanto às baleias, nos mares de STP, considera que deviam ser protegidas  de modo a criar um santuário de baleias para promover o turismo.

Defende que o porto de Fernão Dias, reúne condições para um porto adaptável a passageiros e a um porto de carga: ”arranjar uma infraestrutura onde o porto de passageiros pudesse ter  uma sala de embarque e onde os passageiros pudessem ser controlados e onde pudessem receber mais cruzeiros!” -Exemplificando que, a sua empresa, que também está sediada nos Açores,  onde tem constatado que este arquipélago português, recebe muitos cruzeiros, com um grande pessoa  na sua economia local, o que poderia também suceder em STP.  
“Eu como empresário, olho para o mar, como uma potência e confessa que o mar de S. Tomé e Príncipe, é realmente uma potência


 Foi o que mais me chocou quando, 39 anos depois, ao voltar a S. Tomé, me depararei com uma tão bela Baía, sulcada por tão perigosos escolhos ferruginosos. Alguns desses esqueletos cravados de ferrugem e de conchas eram de batelões que foram afundados quando, em Março de 1975, parti de canoa rumo à Nigéria - Foi de noite, e ao aproximar-me do ilhéu das Cabras, comecei por ser atingido por uma violenta tempestade, que deitaria ao fundo vários batelões ali existentes, tal como pude confirmar quando regressei, a S. Tomé, nesse mesmo ano, num avião militar, para concluir a escalda do Cão Grande e tentar a travessia oceânica de canoa -

Embora sejam o testemunho  de um certo período  histórico, longe de constituírem peças de museu, pelo que o mais aconselhável era serem retirados, até porque estão a escassos metros da vedação da avenida marginal ou então puxados para o mar largo para servirem de corais aos peixes - Deste modo, creio revelarem algum desleixo e um mau contraste na panorâmica de uma baía geralmente  tranquila, que deveria transmitir uma imagem de serenidade, de paz e de beleza e não a de um  antigo cemitério de despojos naufragados  - Pelo menos quando não é assolada pelo mau tempo.