Jorge Trabulo Marques -
Jornalista - Fotos de minha autoria - Com excertos de
um interessante estudo de uma nova publicação
sobre a origem linguística dos nomes dos lugares em São Tomé e Príncipe -
Mais um importante contributo para o conhecimento das principais características dos topónimos e das expressões toponímicas da República Democrática de São Tomé e Príncipe (STP).
Refere o estudo que, “os topónimos, devido
à sua natureza motivada, além de identificar localidades, estão relacionados a
diversos aspectos físicos e antropoculturais de uma determinada comunidade
linguística. Por constituírem marcadores linguísticos de tempo e de lugar,
referindo a épocas passadas, na qual o ato de nomeação foi concretizado, os
topônimos concedem pistas acerca de fatos históricos, sociais e culturais de
uma comunidade, caracterizando a toponímia como uma área transdisciplinar, que
não somente pode contribuir para estudos de diversas naturezas, mas também
utiliza recursos extralinguísticos em suas análises (CARVALINHOS, 2009).
(…) A República Democrática de São Tomé e
Príncipe é um país da costa oeste africana, no Golfo da Guiné, cuja população é
de aproximadamente 180 mil indivíduos (INE, 2012)1 . Inicialmente desabitada, a
colonização inicial de STP favoreceu o surgimento de uma língua crioula
(FERRAZ, 1979, BANDEIRA, 2017, BANDEIRA, ARAUJO e FINBOW, 2019.)
Posteriormente, fatores como o isolamento, a remoção de certos grupos de falantes
das ilhas, as contribuições linguísticas de línguas africanas, a atuação
criativa dos falantes locais e o influxo constante de novos atores promoveram a
especiação dessa língua: ao longo do século XVI, o santome (código ISO 639-3:
CRI) se desenvolveu nos centros coloniais (urbanos e rurais) da ilha de São
Tomé, enquanto o angolar (ISO 639-3: AOA) é a língua dos descendentes de escravos
fugidos dos engenhos que formaram quilombos; outros grupos de falantes foram
levados à ilha do Príncipe e à ilha de Ano Bom, onde as condições locais
contribuíram para sua especiação dando origem ao lung’Ie (ISO 639-3: PRI) e ao
fa d’Ambô (ISO 639-3: FAB), respectivamente (BANDEIRA, 2017, ARAUJO, 2020).
Além disso, o kabuverdianu (ISO 639-3: KEA) também é falado no arquipélago, por
ser a língua de herança dos descendentes dos trabalhadores oriundos de Cabo
Verde, chegados no final do século XIX e ao longo do séulo XX. Apesar deste
cenário multilinguístico, em STP, somente o português goza o status de língua
oficial, marco estabelecido no momento da emancipação política de Portugal em
1975. De acordo com o censo do Instituto Nacional de Estatística de São Tomé e
Príncipe (INE, 2012), cerca de 98,4% da população se declara falante da língua
portuguesa.
São Tomé e Príncipe se configurou, desde a chegada dos portugueses
no século XV, como um lugar de convivência, nem sempre pacífica, entre
populações distintas do ponto de vista étnico e linguístico. Por conseguinte,
nesse cenário multilíngue, a toponímia local reflete essa diversidade. Dessa
forma, uma descrição do perfil toponímico santomense pode contribuir com os
estudos sobre a realidade multilíngue do país, como também fornecer pistas
acerca da presença dos grupos étnicos do arquipélago, bem como das línguas
faladas por tais grupos. Por fim, além de esclarecer aspectos relacionados à
constituição demográfica de STP, o estudo dos topônimos do arquipélago pode
alimentar a discussão a respeito do status social reservado às línguas
nacionais ali faladas e auxiliar a proposição de questões de política
linguística do país.
É preciso considerar, no entanto, que a despeito das
semelhanças promovidas pelo compartilhamento da língua portuguesa pelos países
africanos de língua oficial portuguesa e pela história desses países, não é razoável
pressupor que o perfil toponímico santomense seja equivalente a uma simples
reprodução dos perfis toponímicos de Portugal ou dos países africanos de
colonização portuguesa. Há outros fatores linguísticos e extralinguísticos,
como a constituição de seus grupos étnicos e suas línguas, o contato
linguístico, acontecimentos políticos e históricos, entre outros aspectos, que
atuam na formação de topônimos e caracterizam a toponímia local como única.
Desse modo, além das semelhanças esperadas entre a toponímia santomense e
portuguesa, conjectura-se, também, a possibilidade de que topônimos sejam
criados conforme a realidade geográfica, social, histórica e linguística de
STP, sendo, por isso, um locus privilegiado da memória e da ecologia
linguística santomense. O texto está organizado da seguinte forma: na seção 2,
apresentamos a abordagem metodológica e nosso corpus. Na seção 3, propomos uma
análise do perfil toponímico santomense, seguida pelas considerações finais na
seção 4.
(---)
Os topónimos em línguas autóctones podem ser atribuídos, principalmente,
ao santome, embora haja, na Região Autónoma do Príncipe, topónimos em lung’Ie.
Em (3) e (4), podemos observar alguns topónimos formados com itens lexicais do
santome e do lung’Ie, respectivamente4. (3) a. Cabalo Molê b. Ubua Coconja c.
Libadoque (4) a. Ximalô b. Lentá Piá [kaˈbalu moˈle] [ˈubwa koˈkõdʒa] [ˈliba dɔˈke]
[ʃiˈmalo] [lẽˈta ˈpja] lit5. ‘cavalo morto’ lit. ‘cerca de coqueiros’ lit.
‘cimo’ lit. ‘topo’ lit. ‘entre e olhe’ Em (3), os itens do sintagma toponímico
foram recuperados do Dicionário santome-português/português-santome (ARAUJO
& HAGEMEIJER, 2013), ao passo que, em (4), a classificação dos topônimos
provém de um glossário do lung’Ie (AGOSTINHO, 2014). Em (3.b), por exemplo, piá
[ˈpja] equivale a ‘olhar’ em lung’ie e em santome, e lenta [lẽˈta] é atestado
como ‘entrar; entrada’ (cf. AGOSTINHO, 2014) em ambas as línguas (ver Araujo
& Hagemeijer, 2013, p. 58). Considerando que o topônimo Lentá Piá é
empregado na Ilha do Príncipe, assumimos Lentá Piá como um topônimo construído
a partir de itens lexicais do lung’Ie. No que diz respeito à estrutura dos
topônimos nas línguas autóctones, é possível observar que além de
corresponderem a nomes comuns toponimizados, podem ser formados por um item
genérico mais uma palavra específica, caracterizando um sintagma toponímico, ou
também ser constituído por itens lexicais reduplicados na língua fonte. Os
topônimos compostos por apenas um substantivo comum, no geral, equivalem a um
genérico toponimizado (5.a), a um substantivo abstrato (5.b), ou, de modo mais
recorrente, fazem referência à flora local (5.d-f). – Pormenores em
https://zenodo.org/record/4059056#.X3YKKWhKi00
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