\1
.
AOS NÁUFRAGOS DE TODOS OS TEMPOS.
Eu, humilde navegante e aventureiro,
em
viagens sob azuis de além mar,
e
em águas erguidas em revolta,
ou
em podres calmarias de inquietar,
aqui
vos evoco, vos recordo,
como
quem conhece a ânsia da partida
e,
depois, em noite infinda, em noite morta,
apenas
tem por companhia mar e céu
em
negro mar de véu e tristeza infinita,
enfim,
a cruel certeza de quem não volta!
Náufragos!
Dos tempos idos e da actualidade
de
odisseias ignoradas e esquecidas!
Heróis
sem nome, sem pátria e sem fronteiras,
que
do fluxo e refluxo das marés fizestes as vossas veias!...
Viajantes
transitórios do mar passado e do mar actual!
Gente
tisnada e crespada por mil sóis, ventos uivantes,
diluvianas
chuvadas!
.
mas
cuja sorte a condenou ao suplício da mais atroz morte!
Gente
limpa de olhos e de alma de tanto olhar o mar e o céu!
-
Todavia, gente que a ira das tormentas e a audácia da aventura
fizeram
com que a fundura do abismo fosse a própria sepultura!...
Irmãos!
Aqui vos evoco e me vergo em turbado pranto
evocando
o plangente canto de poetas marinheiros
trinando
a dolente lira de tão triste ventura e negro fadário
Que,
em infindável rosário de mares estranhos, medonhos, irados,
vosso
corpo vivo arremessaram, sorveram, para sempre sepultaram!
Aqui
vos recordo com lágrimas de dor e mágoa pura
por
tão absurdo golpe e duro sofrer - por tanta desventura!...
Não,
não venho dizer-vos outros versos! Versos a valer?!...
Estes,
perderam-se-me no mar! - Ficaram-me por lá todos!
Além
disso, senti-os demais para agora os poder dizer!
Senti-os
no interior das trevas nas muitas coisas tristes que não vi
ou
vagamente descobri, mas profundamente senti! - Senti-os
também
nas muitas alegrias, que intensamente vivi
e
claramente vi com olhos de ver!
Tão
pouco, venho acalentar
vossas
tão martirizadas almas - Não!
Porque,
agora, o que as vossas almas mais querem,
é
que a memória não se apague, é paz e descanso eterno!
-
Bastou-vos o percurso lúcido através da voragem
daquele
rouco e tumultuoso inferno!
Aliás,
de versos, também, cada alma,
por
si e à sua maneira, os viveu
a
transbordar de mar e do céu!
Na
verdade, venho elevar as mãos aos céus ...
E
rezar as piedosas preces
que
não pudestes terminar! - As
mesmas
orações que, por tão sentidas
e
sofridas, estampadas ficaram para a eternidade
no
frio desvario do vosso último olhar
quando
o abismo já vos sorvia e fundia!
Mas
que, as longínquas estrelas do Universo,
atentas
e vigilantes no seu contínuo cismar,
imersas
no seu radioso brilho,
até
hoje, puderam guardar.
Vou,
pois, concentrar-me
no intransponível centro da imensa abóbada
no intransponível centro da imensa abóbada
que,
embora desmoronando-se, em diluídas formas,
permaneceu impassível, surda e silenciosa
permaneceu impassível, surda e silenciosa
nos
confins longínquos do amortalhado céu,
onde, ainda agora, sob os vultos do brumoso manto,
onde, ainda agora, sob os vultos do brumoso manto,
ecoam,
penso eu, sumidos brados, ecos dispersos,
vagidos e gritos do vosso exaurido pranto
vagidos e gritos do vosso exaurido pranto
Vou
pois escutar-vos e rezar!...
...por
todas as vidas que a fúria e o desamor do mar
em
fundas entranhas iradas, asfixiou e engoliu!!
E também agradecer ao Deus Criador,
E também agradecer ao Deus Criador,
com
exaltado reconhecimento e fervor,
de
alma e corpo escancarados, tal como,
então, perdido, no mar vogava, Louvando-O,
então, perdido, no mar vogava, Louvando-O,
Bendizendo-O,
em salmos esparsos
ou
simples palavras soltas e ditas,
apenas
pelo surpreendente milagre - Oh Olhar Divino!
de me levares a terra firme e ainda hoje estar vivo!
.de me levares a terra firme e ainda hoje estar vivo!
Partida da piroga para
ser carregada a bordo do pesqueiro americano Hornet, onde seria pintada de azul
e vermelho pelos marinheiros, com vista a reforçar a sua resistência. E
ser largada a sul de Ano Bom, na corrente equatorial. O que não aconteceu. O
comandante deixou-me junto a esta ilha e um pouco a Norte, colocando-me neste perturbador dilema: ou ficava a trabalhar a
bordo e deitava a canoa borda fora ou íamos os dois - Optei por irmos os dois,
por não abandonar a minha canoa. À noite surgiu a tempestade, tendo perdido
quase tudo. Acabei por viver a situação de um náufrago - Na verdade,
também era o que pretendia, um dos objectivos dessa minha aventura era
juntamente reforçar as de teses de .Alain
Bombard, o náufrago voluntário .. Por isso, aqui dedico estes
versos a todos quantos sofreram o mais absoluto abandono e solidão do mar .Mais
deles perdidos para sempre
.
Nenhum comentário :
Postar um comentário