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terça-feira, 12 de julho de 2011

36 ANOS DE INDEPENDÊNCIA - PARABÉNS SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE - MINHAS SAUDOSOS ILHAS - 58 ANOS DEPOIS DO MASSACRE DO BATEPÁ

Jorge Trabulo Marques - Jornalista

O texto que seguidamente vou escrever não pretende ser um poema - Contudo, vou procurar redigi-lo  em forma poética - Pois quero deste modo - de forma singela e com a saudade e o amor que guardo dos meus doze anos ali vividos - homenagear   o povo ordeiro e heroico de S. Tomé e Príncipe, no dia em que celebra a passagem dos seus 36 anos sobre a data da sua independência. Sem pretender alimentar ressentimentos ou ódios - (mas o passado, é isso mesmo, teve coisas boas e coisas más, e não se podem ignorar umas  a favor de outras), sim, evocando a memória  amarga do seu período colonial, o massacre do Batepá e outros

Estas imagens e a posição tomada a favor da libertação de S. Tomé e Príncipe, provocaria a  ira dos colonos e ficar-me-ia muito cara.  A maioria dos colonos portugueses eram explorados pelo regime colonial - mas não estavam preparados para aquele voltar de página histórico - Além disso, alguns excessos obrigá-los-ia a abandonar as ilhas. Ainda cheguei a fazer alguns alertas, junto da Associação Cívica para esse facto - Mas os radicais achavam que era preciso varrer com todos os colonos

AÃO TOME E  PRINCIPE 26 ANOS DEPOIS - 

Enquanto nas grandes roças, os feitores e os administradores podiam usar e abusar
a seu belo prazer do corpo sensual de joviais adolescentes
molatinhas ou negrinhas, as mais formosas da sua  juventude e puberdade, 
desvirginar e comer, saciar desejos recalcados, como cães esfaimados,
satisfazer a libido  nos seios dos  inocentes e violados"cabaços",
dispor de lautos mata-bichos, opíparos manjares: almoços e jantares;
darem-se ao luxo de oferecerem refasteladas ceias e repastos,
festivos banquetes  aos oficiais da tropa,  às altas entidades coloniais
e a outros compinchas amigos, seus iguais do regime e da mesma classe,
o povo, porém,  sofria! - No seu penoso calvário,
no mais duro e opressivo sofrer! Vivendo confinado
aos seus modestos quintais, ao mísero ganha-pão de cada dia!..
Tudo no Mercado Municipal era minguado e comercializado:
não a peso de balança mas em simples garrafas e latas velhas,
restringido a montinhos humildes, muitos pobres  e exíguos!

É natural que o tradicional hábito se conserve íntegro e não se esbata,
se mantenha vivo e dificilmente se apague de tão heroico e  estoico passado,
agora com oferta ainda talvez mais colorida diversificada:
com os variadíssimos montinhos de matabala, 
 de piripiri, montes de ananases,
cestas de mangas, tanta coisa boa! 
Tanta riqueza tropical!
 Cocos, jacas, safús, limões,  abacates, 
pau de canela e fruta pão, papaia ou  mamão, maracujá, 
pitanga, nona, carambola,sementes de izaquente, pimenta e baunilha, 
vinho de palma!- O dinheiro é vilão 
e  quem o não tem faz-lhe muita falta!

E, quem vai ao mercado, 
onde há muito por onde escolher
vai para ver e  comprar: tem ainda o peixe fresco,
seco ou fumado, banana prata, oiro, roxa ou banana-pão
azeite  engarrafado de dendém, abóbora, pimentos e pimentão, 

repolho,  mandioca, batata-doce, abobrinha, tomate e alho,
malaguetas, salsa  e quiabo – sei lá!
Quão profusa tela colorida e luzidia se lhe abre ao olhar!
Tela composta por  tantos e tão saborosos
produtos nascidos da terra vermelha e fértil!
Colhidos das hortas ou por baixo das eritrinas
que dão sombra aos  cafezeiros e cacauzais
ou mesmo no seio do  espesso mato florestal.
Pródigo de frutos exóticos, de majestosas e verdejantes árvores,
exuberante manto arbóreo, do qual  são talhadas  as frágeis pirogas
para os ágeis e corajosos pescadores partirem na aventura ao mar largo
e fazerem depois na praia  as suas pequenas lotas de pescado.

No mercado municipal ou mesmo cá fora, ao lado
é tudo a olho: não há medidas de peso, litro, decalitro ou decilitro.
-Não há balanças: é ao molho, molhinho, a púcaro, garrafa ou a copo:
tudo isso é variado, verdadeiro e genuíno, 
vem do azul do mar ou da terra húmida
e tudo é fresco, puro e casto.

É um hábito ancestral ! -  Frutos
e produtos hortícolas expostos em cestas,
sarapilheiras, cestos ou simples esteiras,
estendidos em panos brancos, já muito manchados
pela seiva acastanhada que escorre e os mascara,
dos pingos vertidos dos belos cachos amontoados das bananeiras.

É a antiga  tradição que prossegue - Só que agora,
toda essa  suculenta e apetitosa amostra que se espalha ,
se compra e vende, não é sinónimo dos tempos coloniais das roças
dos serviçais dos pés descalços,
maltratados, esfarrapados, chicoteados
do longo período das trevas, dos dias da  escravidão:

Agora o pescador “angolar” já não zarpa da borda da praia,
da sua humilde e pobre cubata, coberta por folha de andala
construída de cana de bambu, de madeira da floresta
ou coberta de chapa,restringido quase  à margem da praia:
a roça era senhora de tudo e só faltava empurrar 
os miseráveis casebres para o meio das águas:

Sim, agora as pirogas navegam livres e voam soltas,
como as aves que  esvoaçam os ares da densa floresta
ou sobrevoam o ventre ubérrimo da luxuriante  “capoeira”!
Vão a remos ou já de vela erguida,  desde a orla azul e cristalina,
desde a sua aldeia, mar fora! Vão pescar o peixe-voador, o cangá, a raia,
o  gandú (tubarão) a garoupa, atum, robalo, carapau, bonito,  malaguita, cherne, 
chinchi, concó, agulha, bacuda, gangá, lula, linguado, sêlê, mulato,
peixe-espada,choco, o polvo - e tantos outros variadíssimos frutos do mar ! –

Partem livremente: -  eles ou os “forros”!
Já não há os  humilhados e os reprimidos  como antigamente!
 A mando do todo poderoso capitão dos portos!
Ou vítimas de capatazes, de chicote na mão,  nos terreiros e senzalas 
à vergastada, ao pontapé  e à palmatoada - Oh! 
e logo irmãos contra irmãos, pelo serviçal  mais corpulento e servil

 


Tanta  vilania! Tanto sofrimento, humilhação  e tanta dor!
.Às ordens arbitrárias  do arrogante roceiro senhor  administrador, 
ou infligida pelo carrasco Zé Mulato nos campos de concentração
da praia de Fernão Dias e na cadeia de Morro Peixe 
- cárceres tenebrosos para justificarem a Salazar   - ao regime colonial -
a loucura e a vertigem de um  crime
hediondo e inqualificável, que jamais se apagará
na memória de um povo - o  massacre do batepá 


COMO A MORTE CEIFOU POR COMPLETO UMA PEQUENA ALDEIA E SE ALASTROU POR QUASE TODA A ILHA -  AS CONFISSÕES DO CRIMINOSO ZÉ MULATO  E DO "HOMEM "CRISTO"- O HOMEM QUE FOI CRIVADO DE BALAS E SOBREVIVEU (relato de um santomense que fora torturado - 20 anos depois - agora já lá vão 58 ).


Embora às trevas sucedam à luz e à morte
o crepúsculo dê lugar às trevas, 
há porém crepúsculos, 
que, por estarem tão raiados de  sangue,  
tão matizados de cores purpurinas
e de tão intensas memórias
perduram  pelo infinito,
não se esbatem nem morrem!
Entram pela noite adentro, como sentinelas vivas!
Vão pelos dias e noites adentro, vão por aí a fora
- Nem são a porta da noite mais escura e apagada,
nem o fim da janela aberta  à mais bela claridade.

O Massacre do Batepá, visto  agora
à distância, no espaço e no tempo,
mesmo tendo ocorrido há mais de meio século. 
Quem é que, entre os que conheceram e sofreram,
quem é que, entre os santomenses vivos,
poderá esquecer  tão aviltante adversidade?!..

Eu tinha oito anos e estava longe,
muito longe, dos horizontes
que marcaram esse terrível sofrimento, 
Frequentava a escola primária....era um inocente.
Quem havia de imaginar, que, dez anos depois,
haveria de ali ir parar aquela martirizada  ilha,
regada pela dor e pelo sangue de 

 
Escasseava a  mão de obra barata..
E o governador planeava construir grandes edifícios
à custa do trabalho forçado nas ilhas
 e  mandou o ajudante de campo 
armado em soldado nazi a comandar 
um grupo de milícias para  ordenar
o trabalho obrigatório..
num verdadeiro retorno aos primórdios
do ignóbil e duro esclavagismo,
até que,  numa remota aldeia perdida no mato, 
algures pela Vila da Trindade,
alguém se encheu de coragem e reagiu 
sobre o fogoso e arrogante alferes,
que teve a reação popular que merecia 
e à altura da leviandade
e do desprezo como olhava a  população 
e impunha  a sua vontade .

A partir daí o Governador  Gorgulho -  para salvar  a face 
dos seus desmandos e  prepotências,
e, como os grandes erros, nunca vêm sós,
para justificar uns cometia outros, cada vez mais graves. 
passou acusar os "rebeldes" de comunistas,
através da imprensa e da rádio.
E  não tardou que os colonos - incentivados  ao ódio à  dita   "hidra comunista", 
respondessem ao apelo dos muitos boatos propalados:
"Há notícias de que foram avistados submarinos soviéticos ao largo 
e descarregadas armas para apoiar a revolta  dos negros insurretos contra 
a integridade desta província ultramarina!"  - Foram detidos
e presos vários suspeitos. O governo promete firmeza 
e mão pesada aos criminosos! 
Por toda a ilha mobilizam-se milhares de voluntários."
- E, quilo que  poderia ter sido um caso isolado,
depressa é rotulado de rebeldia comunista.

Face a tais atoardas e  falsos alarmes, as roças  passam ao ataque:
empregados de mato e dos escritórios, 
feitores e administradores - e até capatazes negros -
  partindo em jipes de todas os cantos da colónia,
concentraram-se na Trindade, e, fortemente armados,  dirigem-se
através dos caminhos do mato ao Batepá, descarregando  tiroteio forte e feio, 
(naquela e noutras aldeias) sobre as populações indefesas e pacíficas
- mães com os filhos às costas,  homens,  mulheres e inocentes criancinhas,
e até porcos, cabras e galinhas -,
tudo é imediatamente alvejado e varrido!
Tudo quanto é vivo e apanhado pela frente,  é vítima
das maiores  atrocidades e dos disparos mortíferos
das velhas máuseres alemãs hitlerianas - herança do nazismo.
A  fúria assassina só terminou, quando, 
em escassos cinco dias,
rapidamente todas as munições se esgotaram na ilha
- Para trás, ficava um autêntico banho de sangue,
aldeias totalmente queimadas e destruídas
e inúmeros cadáveres estendidos
sobre o chão fértil e verde  da luxuriante floresta.

E a paz , que ali reinava dantes, 
dava lugar a um autêntico cenário de horrores: 
por todo o lado havia a imagem e o cheiro da morte!...
- E aqueles que conseguiram escapar,  feridos ou vivos,
onde quer que se encontrassem,
vertiam agora lágrimas de dor e de luto, de desespero e aflição.
Rara era a família santomense que não chorasse
um dos seus mortos.
 - Porém, o macabro crime não tardaria também a atingi-los 
da forma mais violenta e cobarde.
Enceta-se a caça aos "culpados" e outro cenário cruel
rapidamente vai ter lugar.

O governador ordena a matança  de  uma assentada 
e depois arrasa, em campos de morte e repressão,
outros tantos  milhares
para justificar o injustificável:
o  abominável crime, as incomensuráveis arbitrariedades

Ouvi as declarações e os desabafos de algumas das vítimas 
que sobreviveram  ao massacre do Batepá 
e às prisões  e  torturas de centenas de mortes que se seguiram.
Por fim,  também ouvi o principal carrasco, cujo diálogo
registei para um pequeno gravador . Recebeu-me na sua oficina, cá fora,
encostado à sua carrinha. Mas não foi fácil falar com o  corpulento Zé Mulato.
E até me dirigi a ele com alguma relutância e   medo,  receando
que pudesse ter a mesma atitude intempestiva 
dos colonos e me agredisse - Não o fez fisicamente
mas as suas palavras soaram-me a balas,
a extrema violência e a  fusis!

Não queria falar 
e vi que também estava zangado comigo: "Você é um parvo!!..
Tinha obrigação de conhecer  melhor o preto!!..
Eu sou negro e analfabeto e sei bem o que sou: conheço a minha rês!!" 
Mas depois de o deixar desabafar,
lá foi desfiando alguns dos episódios, 
revelando pormenores
do acontecimento macabro

Sei que não serei capaz  de o recapitular.
Embora me lembre, todavia, de tudo quanto me disse.
- Sim, já me haviam relatado os seus crimes,
mesmo assim não esperava tão inesperada confissão.
actos de tamanha impunidade e crueldade!
Descritos  com tão flagrante e  desbragada  sinceridade.
Tão crassa frieza,  impiedade e desfaçatez
Cujas palavras ainda  me não  saíram  
completamente dos ouvidos,
tal a impiedade com que as pronunciou 
e  a impressão com que ainda  hoje as recordo.
Mas vou tentar - vou ver o que consigo.

Sim, confessava-me ele num certo dia e com  palavras  de arrepiar:
numa entrevista que depois não chegou a sair na Semana Ilustrada 
Disseram-me de Luanda que era muito chocante e não podia ser publicada:

"Em Fernão Dias eu era o capataz 
e fui uma máquina bruta a matar!!...
Era eu quem mandava. Cumpria ordens!...
O que querem agora que eu faça?!..
Querem que eu me mate 
ou querem que eu me deixe  matar por eles?!...
Agora andam para aí a rondar-me a porta: 
o primeiro que aqui entrar, 
deixo-o aqui degolado, não sai daqui inteiro nem vivo!...
Querem que lhes dê o  mesmo trato?!... 
A uns matava-os a soco, outros a tiro, à paulada ou à machinada! 
Alinhava-os ao longo da vala para não me darem muito trabalho.
Alguns ainda gritavam lá dentro, mas calava-os imediatamente,
com umas quantas pazadas de terra. 
Nem era eu que as deitava,
mas a outra "empreitada"
que vinha logo  a seguir.

O campo estava vedado de arame farpado
Mas houve quem fugisse. Houve uns macacos que se puseram andar!!..
Por isso,  passei acorrentá-los para não se escaparem,
e, às vezes,  para não me maçar  muito,
mandava-os carregar água do mar em potes até se cansarem!..
E tinham que andar ligeiros, dar a volta pelos coqueiros 
e a despeja-la ali de novo à beira  da praia!
Dei muitos murros e pontapés até se cagarem!
Depois mandava-os abrir as covas 
para outros os enterrarem!
Não tenho pena de nenhum dos que matei!  
- Foram  uns  milhares de  "comunistas"  à  vida! 
Fui duro!... Bem sei... Tinha de ser...
E não me pergunte se  estou arrependido,
não senhor! Não estou!!.. - Outros amarrava-os  à cadeira
dos choques eléctricos: 
"até pulavam!...Até gritavam!... 
Eram uns tristes ... Coitados!...Passavam sede e fome!.. .
Andavam magros como os cães!... Alguns caiam já mortos!..
Eu sei...Foi duro!.. Eram meus patrícios!...
Mas quem é que os mandava ser comunistas?!..
Houve muitos que sempre  negaram a morte do alferes
por mais verdoadas que levassem!

Oh! mas quando o cacete lhe caía nas costas!...
Ou o chicote lhes zurzia na cabeça e no focinho!...
Não havia língua que não se soltasse!
Abria-se-lhe logo a boca p´rá  verdade!!... 
E os desgraçados até  me davam vontade de rir
quando de repente confessavam:
." - Perdoa-me Zé Mulato! Perdoa-me Zé Mulato!
Eu sou comunista! Eu sou comunista! 
Não me mates!!Não me  mates!!!
Estou arrependido!
não me meto mais noutra!!"
- Era então quando lhe dava mais porrada!
Virava pau em cima deles!... Pau até partir ou rachar cabeça deles!..
  Ainda mais os  espancava!!...

Comunistas? - pergunto eu. Sabiam lá os tristes massacrados
o que era o comunismo!- Nem  ele próprio sabia.
Mas, lá está... Zé Mulato era lesto e  mau!
Portava-se como todo o  mundo fosse seu. 
Cumpria as ordens que vinham de cima
por inteiro e ainda abusava!
Queria lá saber do sofrimento alheio!...
O verdugo  era impiedoso e não hesitava!

"Depois duns  valentes choques eléctricos, aos mais renitentes,
desapertava-lhe as fivelas, tirava-lhe os coletes e as correias,
soltava-os,  ficavam doidos e tontos, pareciam macacos esgazeados!
  Atiravam -se direitos às paredes às cabeçadas!
Até sangrarem-lhes os dentes!
Caiam no chão e  esperneavam!
E eu depois lá tinha de acabar com eles,
com uns pontapés na cara! - Esmagava-os!!...
O negro é rijo!... Custa a morrer! 
Eu também sou da mesma fibra.. 
e venha aí o primeiro 
que me queira dar alguma cacetada!
Senão os matasse nunca mais morriam e se acalmavam!
Dava em maluco!... Ainda ia ficar mais estragado do que eles!!..
Então era gritaria a toda a hora e  nunca mais se calavam!..

Mas Sô Zé Mulato tinha o perfil do carrasco ideal,
nem ia ficar louco nem minimamente  se impressionava!
- E, pelo que me disse, até achava muita graça e  piada - Porém, a tal cadeira 
- só de se ver - era mesmo real e  macabra.
Sim, ainda vi a imagem cruel e fotografada desse abominável suplício!
- Tive-a nas mãos mas não a pude publicar: o editor da Voz de São Tomé, 
(jornal do regime), essa e outras horrendas imagens não mas facultou
nem ele as publicou - espero  que estejam  guardadas em arquivo
- Um tal militar (um tenente fascista)  encarregou-se de limpar 
os arquivos da PIDE e o que não interessava.


Entrevistei sobreviventes 
e publiquei fotografias que me valeram  - por duas vezes -
 todos os  pneus do meu carro à navalhada,
- isto já depois de uma tentativa de ser abalroado na estrada,
posta uma forca de corda pendurada por colonos à porta de minha casa,
ainda voltei a ser alvo de  muitas cenas de ódio
e afrontosas  patifarias! - Uma ocasião invadiram o Palácio,
e, quando me viram, eram milhares  de colonos à pedrada atrás de mim:
salvou-me o facto de ver uma porta aberta e subir pelas escadas
e me esconder no telhado - Felizmente houve quem assistisse
à perseguição e visse o meu esconderijo: um santomense,
pela calada da noite, chamou-me
e levou-me para o seu humilde casebre,
algures fora da cidade,
onde me tratou dos ferimentos
e, durante duas semanas, me acolheu generosamente.
Quando voltei à minha modesta casa - um simples quarto alugado
num edifício de escritórios, o seu estado era irreconhecível:
partiram-me tudo - roupa rasgada,
máquina de escrever destruída,
de inteiro não ficara nada.. 

Falei  com o "Homem Cristo", o único sobrevivente
que, entre três dezenas de aprisionados,
numa  cela de polícia, irrespirável, minúscula e apertada,
logrou resistir e pôde  escapar-se  a uma saraivada de balas!
Pois, de  manhã, o carcereiro ao abrir a porta
munido de  uma arma,  vendo-o a fugir,
apresou-se a carregar  sobre ele toda  a metralha
crivando-o, quase completamente, com dezenas de disparos.

Mostrou-me, em sua casa, as calças completamente esburacadas
por onde cada bala  fizera a sua perfuração,
desde os pés, às pernas e quase  à cintura,
fora  os disparos que o atingiram noutras partes do corpo.
Confesso que fiquei incrédulo: nem queria acreditar
no mistério assombroso  que teria estado na sua salvação.
Mas a verdade é que ele estava vivo
e estava ali à minha frente.
Era de carne e osso como eu.
Era um ser humano. Não se sentia nem inferior nem superior a nada.
Nem era nenhum espírito de outro mundo, duende ou fantasma.

Interrogava-me de como teria sido possível resistir
ao despejar de carregadores de balas, suportar tanta metralha
e ficar vivo?!...- Oh, sim.. Pobre homem!... Foi um milagre!
Estou a imaginar o sofrimento
e a enorme aflição por que passou
na sua atormentada mas tão espetacular fuga!
- Claro que foi um homem de sorte!... Apesar de fortemente baleado,
foi um felizardo ter sobrevivido! - Um verdadeiro milagre que o salvou!
- Por esse motivo, por essa razão,
passaram a chamar-lhe o "HOMEM CRISTO"

Eu vi a franzina figura desse  CRISTO!
Desse pequeno grande homem, corajoso, simples e humilde.
e o mais surpreendente de tudo é que ele parecia
não alimentar o menor rancor, ódio ou mágoa
de quem quer que fosse!...No seu rosto
transparecia confiança  e uma espécie de  luminosa claridade!
- E até sorria, quase com infantil ingenuidade
quando olhava para as calças e me dizia:
"Veja a sorte que eu tive!... Veja como  as  balas
furaram as minhas calças, atravessaram
as minhas pernas  e não me mataram!..."
Espantoso! - Todas estas palavras
expressas com tão claríssima serenidade!
-
Sim, apesar de tudo, as malditas balas - que tudo perfuram - foram suas  amigas,
deixaram-lhe as pernas ensanguentadas  e  quase partidas
mas não o deixaram estendido e o atiraram para a sepultura
(tal como os demais companheiros que morreram horrivelmente asfixiados)
Ele estava ali à minha frente,
embora cheio de cicatrizes,
mas ainda bem lúcido e vivo!
Todavia, a testemunhar
e a gritar aos céus e a Deus,
tão gritante tirania
e maldade!


- Curiosamente, o saber perdoar aos seus algozes, 
não alimentar deles rancores nem ódios, 
dar a vida pelos homens de boa vontade,
não  ver inimigos em qualquer rosto 
e ser infinitamente bom e amoroso
é também a imagem, legada
do coração prenhe de uma infinita bondade,
exemplo pacífico e de caridade,
sim, é precisamente o que  transparece  
da vida e da morte, o coração generoso
de  Jesus Cristo - o  crucificado
 
 Na verdade, o desprendimento, o amor ao próximo, 
o ser humilde e saber perdoar
é o que define as virtudes e as qualidades
dos grandes espíritos  - E o HOMEM CRISTO,
era um desses raros espíritos
que o bom povo,
onde nasceu, viveu e cresceu,
tão cedo o esquecerá.


Também  vi chagas vivas  em alguns sobreviventes
  tal como as que foram provocadas pelos  pregos 
e as pontas de lança nas mãos e nos pés 
do filho de Maria e de José - iguais às do Cristo crucificado.
Causadas pelos argolas de ferro agrilhoadas nas  pernas
dos que foram brutalmente espancados
e barbaramente seviciados e acorrentados
- Vi e reconheci, estupefacto, que, passados 20 anos, 
e por força da  maresia, da humidade e do sal, 
durante o logo e brutal cativeiro  a que foram expostos,
ainda existiam feridas que não tinham totalmente sarado:
e não só eram bem visíveis como expunham bem as marcas 
deixadas pelas  correntes e as argolas,
como se o hediondo massacre 
tivesse ocorrido de véspera!

Mas, Sô Zé Mulato estava consciente da suas maldades 
e conhecia bem as vítimas.
E o que mais o incomodava não era o sentimento  de culpabilidade!..
Que parecia não ter  nenhum: mas saber que houve sobreviventes
e  estar desgostoso por  não os ter  matado a todos!
Eu vi esse desejo,  esse requinte,  esse ódio bem patente, no seu semblante! - 
Não suportava que lhe falasse dos que dele se queixavam:
dos que estavam vivos e haviam resistindo às suas atrocidades.
Vinha logo com as mais insólitas acusações!...  Que resumia, repetidamente,
nesta  mesma expressão:  "Esses pretos não prestam!,"São todos uns aldrabões!"
No seu ponto de vista, 
os criminosos eram eles! - Zé Mulato   o bonzinho.
Ele sabia que era mau, mas, por vezes, contradizia
 a confissão: "Eu nunca fiz mal a ninguém! 
Eu cumpria as ordens que me davam!!.." 
Porém, logo a seguir, recriminava-se, 
não do que fez mas do que não chegou a fazer.
Por não ter levado ainda mais longe 
a sede assassina dos seus instintos!..

Na verdade, no  perfil do grandalhão e insensível do Zé Mulato:
- De alto a baixo daquele seu enorme corpanzil - só havia maldade! - 
Que o passar dos anos ainda mais azedara e não erradicara.
A escolha  para capataz não foi obra do acaso:
O regime colonial foi buscá-lo à cadeia
onde cumpria pena grave 
por ter salsado e esquartejado
à machinada a sua infeliz companheira.

Pelo que depreendi, o colonialismo-fascista
- para levar a cabo com eficiência o plano de atrocidades -,
estava perfeitamente consciente dos riscos e do que fazia:
historicamente, é o grande réu e culpado
do vergonhoso e ignóbil massacre do Batepá.
Pois não podia ter escolhido
maior assassino e vilão,
maior  sanguinário e bandido!


Após, o 25 de Abri, reabriram-se processos e reviu-se o caso:
Procurou-se ressarcir-se algumas das vítimas.
Porém, por mais boa vontade que  houvesse
- eu não  acredito que tivesse havido -,
não há dinheiro algum, seja qual for a palavra justiça 
- seja lá, em qualquer ponto da Terra, seja onde for,
que possa  justiçar e redimir 
o sofrimento,  a morte, o  luto  e a dor
de tão horrenda e inqualificável carnificina
Não, não me arrependo de nada!.. 
 Rematava o Zé Mulato, ao questioná-lo: sem alterar
o semblante odioso e carregado,
sem esboçar o menor remoque de consciência,
sem alterar a mesma dura frieza
com que começar a desbobinar
o rol das atrocidades que havia cometido.
Sem exteriorizar o mais leve sentimento de arrependimento,
sem manifestar o menor pudor ou vergonha,
sem alterar o tom de voz e o mesmo ar de insensibilidade,
de quem faz mal, provoca  a dor o sofrimento e a morte
e parece passar completamente à margem de tudo isso.

Arrepender-me?!... Era o que me falava!!..
O que lá vai, lá vai! O que passou,  passou!...
O 3 de Fevereiro de 53 já  não é de hoje! (1)
Eu não olho para trás quando vou ao volante do meu carro!...
- Olho em frente!!...
Eram ordens, meu senhor!.. Ordens do  Governador!
Eu cumpri as ordens! Era meu dever cumprir as ordens!...
Tudo quanto fiz  foi em serviço!
Não tenho  culpa de nada 
e nada tenho contra o Gorgulho Governador!
Não sinto  remorsos de coisa nenhuma.
Não houve nenhum massacre!
Eu era apenas o capataz!
Não  era mais nada!

Será que a alma  desse vil assassino,  desenvergonhado algoz
- ele que abandonou a cidade disfarçado
de fato-macaco azul e entrou no avião à socapa,
(deixando para trás a oficina da carpintaria  para buscar refúgio na metrópole: 
na terra do pai mas longe da sua pátria),
- sim, esse vilão, que também já lá está - 
ele os outros que foram tão algozes como ele e lhe deram as ordens,
poderão algum dia ter ponta de perdão, descansar 
tranquilamente de tanta maldade!
Descansar sem remorsos no outro mundo em paz?!...
Deus é grande! Pois é... mas não morre!
E a morte dos que cedo partem  não é menor!... 


 A maioria dos colonos portugueses eram explorados pelo regime colonial - mas não estavam preparados para aquele voltar de página histórico - Além disso, alguns excessos obrigá-los-ia a abandonar as ilhas. Ainda cheguei a fazer alguns alertas, junto da Associação Cívica para esse facto - Mas os radicais achavam que era preciso varrer com todos os colonos. Foi um erro irreparável.


AS ROÇAS 

As roças foram privatizadas e dizem que já não são o que eram.
Mas ainda bem que já não são o que foram - Pois a memória 
que ainda hoje me ressoa das roças 
é a da prepotência, da afronta violenta e da escravidão!
E comenta-se também que o melhor que resta delas são os nomes - Sim, 
não vejo mentira nenhuma: - cada nome evoca ainda hoje uma carga muito simbólica:
os nomes de santos que ali nunca existiram,
os nomes de lugares que ficavam muito longe
e os estados de ânimo ou de alma
que só com "Milagrosa" "Caridade",
"Ilusão", "Esperança", "Amparo", "Esperança",
"Perseverança", "Generosa" "Fraternidade"
e uma grande "Aliança",  seria possível
constituir a "Eternidade" de um "Novo Brasil", uma "Boa Entrada",
num "Monte Café", num "Rio do Ouro", numa "Colónia Açoriana",
numa"Nova Olinda", " numa "Ribeira Peixe"
numa "Água Izé", "Ponta Figo", "Uba Budo", em "Vila Real", 
ou abrir um"Novo Ceilão",  em "Bombaim"
 na Índia e  por aí adiante:  por mais
rezas, rogas e preces  que se fizessem 
a "Santa Catarina", a "S. Miguel,  a "Santa Adelaide",
a "São Nicolau" e a "Santo António"
Por mais nomes sagrados, exóticos e pomposos que ostentassem,
elas representam ainda hoje a  herança mais brutal e violenta
da escravatura e da mais desumana e perversa exploração colonial

Fala-se de que foram entregues a familiares e amigos 
e aos amigos dos estrangeiros e seus amigos e afilhados.
Em parte, não me admira que assim seja:  na ilha do Príncipe, como em São Tomé, 
todos são parentes,  uma grande família.
O país é pequeno, o povo é solidário e todos se conhecem - O colonialismo 
era guloso e opaco por excelência,
só se reconhecia a ele nos tais almoços e  jantaradas
e, de  bons exemplos, não se herdou nada.
Não há um espelho de virtudes que sirva de referência.
E a ser verdade, que as roças estão desfiguradas,
o mais certo é que não terá sido esse o melhor caminho escolhido
- Mas também, em Portugal ,  depois do 25 de Abril,
houve procedimentos parecidos:
Também se destruiriam herdades
e se cometeram muitos erros,
houve algumas barbaridades.
Mas, em democracia  (agora já nem sei bem o que será)
com os erros  caminhando, se aprende a caminhar 
E, em ditadura, cometem-se tantos desmandos, erros gravíssimos!
Todavia, que justiça há?... E quem serve?..  E o  que se aprende?!...

Pois é,  mas  quem é que de boa memória se esquecerá,
que, no tempo do patrão da roça, só o  negro era senhor da fome,
- de toda a fome nas ilhas! Da muita fome que existia! 
- Ratazanas que se comiam! - Vi-as eu comer aos serviçais!
E o senhor grande patrão, sempre de barriga farta!
Ele não comia do armazém o peixe podre e o bicho do feijão,
carregado nos porões dos barcos de Moçâmedes
 -  que depois era guardado em lugares ainda mais húmidos e putrefactos
para distribuir em enormes filas  ao desgraçado serviçal -  
Não senhor! Barriga de patrão  era barriga fina,  muito especial!
Barriga de negro não engordava e andava sempre muito encolhida e  magra!
E a morrer em pé de tuberculose, malária e diarreias. 
- Oh quão elevada era a moralidade infantil! - Dos 70 mil habitantes 
que se contavam naquela na altura, hoje já são quase duzentos  mil.
Claro que também havia alguns negros (funcionários públicos)
que  não tinham tantas razões para se queixarem
- Mas era uma pequeníssima minoria,
privada igualmente de quaisquer direitos cívicos.
As roças ocupavam  a superfície das ilhas - E o administradores  
que representavam os patrões, com a sede e residentes em Lisboa,
eram os senhores donos do cacau e do café - os donos absolutos do mato!
 
Estão irreconhecíveis, as roças, é?!... Já não são como dantes?!..
Não deveriam estar! Mas que estejam!.. -Lá haverá de  chagar o dia 
em que é forçoso que a terra esteja bem cultivada! 
- Com os erros também se aprende 
e só não erra
quem não faz nada

Entretanto, que importa  
tal  heresia,  desleixo ou tal opção !
As ilhas, pertencem aos Santomenses
e às Gentes do Príncipe! Que importa que digam:
 sejam pertença dos “angolares,  sejam dos “forros” ou dos “moncós”
O país é soberano e  livre do seu destino! – A terra jamais será regada
como antigamente, pelo suor,  sangue, lágrimas e os braços magros da escravizada gente!
A 12 de Julho, é dia da Libertação Total!..
É desfraldada a bandeira nacional!
Ao toque do hino que agita e vibra  muitos corações,
trazendo à lembrança memórias antigas,
memórias da escravidade, os nomes dos cantores, 
artistas, poetas e escritores!
Dos heróis e mártires, dos libertadores da Pátria! 
- Episódios de luta e de morte!
- "O Homem pode ser destruído mas não derrotado!



Há  festa na cidade! - Juntam-se foliões  nas vilas, 
nas pequenas aldeias, junto às praias 
ou no interior do mato! 
Nos terreiros, exibe-se o danço congo, desfila 
o socopé ou bilanguá e o  tchiloli 
ao compasso de flautas, de ferrinhos e caixas,
junto a tufos de bananeiras, de coretes,
 cercados ou casas de madeira!
O ambiente do sol equatorial é de fornalha, os verdes das árvores vibram 
e misturam-se às  cores garridas dos trajes e vestuários! 
 Em todos os rostos, há muita satisfação, transborda alegria e muita animação!-
E, à noite - pela noite a fora - pela noite mais escura adentro, 
algures no mato, noutras ramagens mais densas e discretas, haverá ainda Puita
 com os tambores a rufar até ao frenesim dos corpos, 
até  ao êxtase e à sensual  loucura!...

- Na verdade, só eu me sinto infeliz e choro lágrimas de saudade!...
Vivo muito longe. Só a memória poderá agora ser a minha valia...
Não estou  ao pé da minha querida terra adotiva! -
- Pois, como poderei eu alguma vez esquecer-me
dos  meus verdes doze anos ali vividos?!...
- Ó ave do Paraíso! - lindo ossobó cantando a chamar a chuva na floresta!
Ó nostalgia das Pérolas do Atlântico! - Formosas Ilhas do Golfo da Guiné!
Ó Cascata de S. Nicolau, lá no alto da montanha verde, quase a raiar o Pico,
coroada por nuvens escuras ou por densas névoas brancas, lá nos visos 
da Roça Monte Café!... 
Ó Angra Toldo, Lagoa Azul, Praia das Sete Ondas,
Praia Lagarto e Praia Gambôa junto ao aeroporto! 
Ó Ilhéus das Cabras e das Rolas!
Ó Praia do Pantufo, Água Abade e lavadeiras do Água Grande!
São João dos Argolares, Trindade, Neves e Santana!
Ó largada dos pescadores a toda a pressa nas suas frágeis canoas, a abandonar
a palhota na orla copada e ramalhuda! - Mas depois não se sabe
ao certo se um tornado os não levará e se já  não poderão voltar  ao azul esmeralda
das cristalinas águas das suas lindas praias, bordejadas por frondosos palmares
em tons verdejantes, sacudidos por ventos e maresias em vibrações  de fogo



POVO GOSTA DE SE DIVERTIR, VEM PARA A RUA E FAZ A FESTA - MAS AGORA O QUE  O POVO QUER É INDEPENDÊNCIA ECONÓMICA E ESTABILIDADE GOVERNATIVA -   - .SÁ CUÁ CU PÔVÔ MÊSSÊ”. 

Dia de S. Avião e do Sum Padre sob o pálio à frente da procissão 
da festa S. Lourenço nas ermidas de  Santo António no Príncipe
ou de outros milagreiros santos e santas a sair  da igreja da sé 
e ao redor da Baía Ana de Chaves na  graciosa cidade!
 Ó eterna mas efémera vida!.... Ó minha  juventude!...
Como o tempo passa!....

- Ó Alda da Graça Espírito Santo!... 
Sim, mais de que a grande Musa e a Mãe das  ilhas!
Ó grande inspiradora poetiza  da beleza! -  A grande irmã da dor
e do amor 
do sentimento amargo
e mui dolorido sofrimento  colonial das Ilhas!... 
Que também já nos deixaste! ...Oh, como te recordamos!... 
- Ficaram os teus versos, é certo!... -
Ainda foi ontem...mas já existe 
uma  profunda saudade.


Ó virtuoso pianista Viana da Mota!...
Oh, e  quantas vezes as  teclas 
do teu piano não terão sido as radiosas pétalas 
nas doces e gloriosas manhãs e dos poentes rubros,
as cores vivas e os múltiplos verdes e matizes
vertidas da verbe e do espírito
do seu talento  mestre!...

 







Tributo ao poeta São-tomense Caetano Costa Alegre: 

Ó poeta das Ilhas maravilha! Sai da sepultura e volta à terra!

Ó saudoso poeta! Que tão cedo partiste na flor da idade!

Tu, que não pudeste conhecer a plenitude da liberdade!

Na ilha que amavas, onde foste gerado e ali te criaste!

Indo a estudar para outras paragens de coração a sangrar!

Escolhendo na faculdade medicina a vida que não gozaste!


Oh triste sina à tua, que ao teu paraíso, já não pudeste voltar!

A morte, que traiu os teus risonhos sonhos, foi ainda mais forte!

Partindo amargurado e triste prá outra margem da invisibilidade!

Mas não a poesia dos teus ousados versos que nos legaste!

Desejando que as cinzas do teu corpo se espalhassem ao vento!

De alma liberta e pura na vastidão dos mares e na celeste altura!

Por toda a Terra, na infinitude dos astros, por ilimitado tempo!


Oh, sim!.. Tu que desejavas poetizar a vida inteira!

E não querias a morte por estátua nem por companheira..


Ó beleza milenar das Ilhas! Ó sagrada Natura!

Ó morte traiçoeira, vil e aziaga!

Que tão cedo a vida lhe roubaste!

A nós restam-nos os seus belos versos!

E a ele, fazei-lhe ao menos a sua vontade!

Que as cinzas do seu corpo, sejam impelidas

pelo vaguear dos ventos no seu eterno sopro,

que não sejam como almas perdidas ou almas penadas!

Que subam e vagueiem muito acima e além dos etéreos espaços!

E, por um instante, jamais se quedem, se apartem ou se desfaçam!

E não fiquem calcinadas no gélido silêncio da sua humilde tumba!

No horror da fundura eterna da térrea e ignorada sepultura...


 


"Não quero! Tenho horror que a sepultura
 mude em vermes meu corpo enregelado.
Se no fogo viveu minha alma pura,
quero, morto, meu corpo calcinado.
 
Depois de ser em cinzas transformado,
 lancem-me ao vento, ao seio da natura...
 Quero viver no espaço ilimitado,
 no mar, na terra, na celeste altura.
 
E talvez no teu seio, ó virgem linda,
tão branco como o seio da virtude,
 eu, feito em cinzas, me introduza ainda."


Oh! e o grande Almada Negreiros?!.. 
Por onde ele andará a estas desoras?!... 
Em que vadiagens andará a vaguear a Sul ou a Norte?!... 
Que Manifestos inteiros andará ele a congeminar 
ao Dantas ou às gerações futuristas!
Que quadros ou morais andará ele agora a pintar?
-se tão cedinho (imaginem um menino de dois anitos) 
deixou a Roça da Saudade, 
a terra da sua naturalidade 
e, órfão de mãe,  transportado
para casa dos avós e tios maternos, em Cascais!..
E Vós Rei Amador cujo reino vos foi usurpado!...
 Ó cego e escravo mas corajoso herói Yoan gato!
E tu, meu bom amigo,  Pascoal Viegas,
que um dia me mostraste
os teus geniais quadros  na varada do teu casebre!
Ó Pintor Ingenuista! - Por que Céus, agora também andarás?!..
Como eram simples, coloridas  e belas as tuas telas!..
Com vulgares tintas das portas - retratavas o folclore, a tua querida terra, fazias prodígios!
Rotulavam-te os trabalhos de  pintura ingénua ou naif mas eram de um genial artista!
Imagino se fosse  hoje! - Outra bandeira  encimavas!... 
A este com que vos recordo - um pouco mais acima -  ficava desenquadrada.
...tive que lha cortar na fotografia:
- Eram outros tempos... Tenho a certeza que ainda ias ficar magoado!..
Oh! sim,   se fosse agora!... que maravilhosos quadros, não farias!!...
Ou então - e porque não - pondo as duas lado a lado!
São Tomé e Príncipe - Já  não é colónia é país irmão de  Portugal!
Ambos os países sofriam à sua maneira e foram libertados da tirania,
das maldições do colonialismo e do fascismo! 
- Ambos os povos - o zé povinho - sofria! 
Vivam as duas nações!
Vivam as duas Bandeiras!...


Festeja-se a soberania!
 Comemora-se a data da  liberdade!
- São Tomé e Príncipe é independente!
– A terra jamais será colonial ou estrangeira!
Agora é totalmente propriedade do povo pacífico e trabalhador! 
Vivam as mais belas Ilhas  do Equador, do Éden e do Paraíso!
Viva a  sua  gente, amável e ordeira!
Vivam os seus  governantes! 
Viva o seu alegre e amado  Povo! 
- Que o presente seja celebrado em saudável  harmonia e em paz 
e o seu futuro seja ainda mais alegre,
menos pobre, mais próspero e risonho!


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