Jorge Trabulo Marques - Jornalista e navegador solitário
"SÃO TOMÉ – OH QUE SAUDADES
DA MINHA LINDA ILHA!
Lá longe, ao sul e além do mar,
ó graciosa Ilha, meu coração me foge
e se perde, há quanto tempo! há quanto! choram
por ti os meus olhos, saudosos de poderem olhar-te!
Em cada dia, ao pensar em ti, só
ao lembrar-me de poder olhar para onde estás,
ó filha dos deuses do Jardim do Éden,
sinto que a minha alma se dissipa e aparta,
angustia, rejubila e sofre!...
Sim, estás muito longe de mim, ó formosa ilha!
Em cujas margens quentes sopram doces maresias!
Contudo, ó tufo pujante! ó frondoso incêndio de verdura!
Ao recuar no tempo, a beleza da tua alegria,
invade-me o peito, é saudade imensa e sofrida,
é doce paz e harmonia, que se perde em mim,
como a suave brisa que sopra do mar
e vem acalentar minha alma e abençoá-la!
Por isso, hoje, quero, no silêncio do éter, seguir calmo e tranquilo
o caminho mais fiel e directo que me conduza a ti e sentir a tua amável harmonia..
seja por via do pensamento, seja em corpo, seja pela imaginação ou fisicamente.
Eu, que um dia te busquei errante, qual peregrino que parte em navio fantasma
em demanda de um esquecido paraíso - que me servisse de pátria
enquanto fosse vivo, sim, hoje, quero deixar de ser o exilado
porque nem vivo já sob a luz do teu sol equatorial
nem permaneço sob o astro que brilha e ilumina
as quebradas e o planalto da minha aldeia.
- Esta é o meu dileto refúgio mas não a morada habitual:
talvez um dia, ó bela Ilha, eu possa ir ter contigo,
em pessoa, incorporado com todo o meu espírito.
Mas, por agora, gostaria de sentir a alegria, a emoção de revisitar-te,
ter a sensação de ir por oceano a fora e poder atravessar
o longínquo braço de mar que me separa de ti.
- Seria exigir-te muito?!... Com a mesma idade
que te conheci - Tinha eu dezoito anos, vê lá tu!..
Ver-te rodeada pelo mesmo azul do mar
e pelo claríssimo azul do céu,
com a mesma luz, a mesma claridade
com que desembaraçara do velho Uíge.
Contemplar-te, ó bela ilha, lá ao largo e ainda alguma distância do cais,
debruçado da amurada onde fundeavam os navios,
sobre um mar intensamente azul mas quase sempre revolto,
nas ondas das quais as ágeis pirogas dos pescadores, faziam prodígios de equilibro
enquanto os esqualos pequenos e graúdos andavam numa imparável azáfama
atrás da babugem e dos restos que eram vertidos às águas,
rodopiando de barbatana em riste num permanente corropio
- Oh, foi há tantos anos! e como eu ainda tão bem me recordo!...
Depois era a pequena aventura no "gazolina"desde o barco ao cais,
com ao farol e a velha fortaleza, como primeiros testemunhos coloniais,
e a bela surpresa da Baía Ana de Chaves, formando quase um semi-cícrulo,
com as águas de um azul de safira ou de turqueza (nem sempre tranquilas)
a separar o vasto oceano - e, da mesma transparência e cor,
também toda a margem da orla que dali se avistava.
.
Sim, ver os batelões atracados, serenos ou a balançar;
ver a Igreja da Sé, o Água Grande a desaguar a lodosa ou turva água
(causada pelas cheias ou poluída) e, em redor, os velhos edifícios, os chalés da cidade,
e, à medida que voltava a erguer o olhar desde a orla e por ali a fora e acima,
ó maravilhosa Ilha! - Que verdes tão verdejantes rescindiam
desde a margem marítima até aos mais elevados píncaros!
Que panorâmica mais exótica e surpreendente!...
Que beleza tão extrema e quão tamanha
se estendia por todo aquele espesso manto verde
que se erguia por florestadas encostas e serranias
revestindo e cobrindo todos aqueles
eriçados picos e montanhas!
E, já noite entrada, porque ali o dia começa cedinho - as humildes cubatas de madeira,
quase adormecidas e imersas na floresta - Oxalá, agora,
sem as privações, a miséria e o desconforto dos opressivas tempos de outrora.
- Enfim, percorrer os caminhos vermelhos e argilosos da roça,
aspirar aqueles perfumes tão intensos, as fragrâncias que exalavam
dos verdes húmidos dos cacauzais, do manto verdejante das erytrinas,
das matabalas, da verdura arbustiva e rasteira e do espesso arvoredo,
que se perdia e fundia por entre diluídas neblinas,
que, meus olhos surpresos e pasmados,
iam descobrindo, a cada troço,
a cada curva,da sinuosa picada,
continuamente refulgindo
reflexos de humidade e de verdura,
continuamente densa e arborizada.
Chegar junto de ti, ó minha linda Ilha! mas não em roteiro de viagem fastidiosa,
experimentar o humano mas também o sublime, chegar num pulinho, num voo etéreo
mas nunca na condição de colono, de servo e escravo da roça
e muito menos como um qualquer turista ou estrangeiro,
mas de olhar pasmado e terno, como o filho amado, o filho pródigo,
que ao seu lar querido e abençoado está de volta
ou que a um lar carinhoso e adoptivo, volve e regressa!
Ó luz maravilhosa do meus olhos! - Se eu não puder chegar
até onde estais, aos céus, aos mares e às paisagens
que me foram tão queridas e adoráveis!, aproximai-vos
vós de mim! vinde a ter comigo como visão mensageira de Deus,
iluminada de amor e gratidão, ó éter calmo e luminoso!
tirai-me do peito a melancolia deste indefinível ardor..
Oh! que vontade mais peregrina e religiosa!..
Que desejo mais sincero, incontornável!
Ó ânsia minha que palpitas intensa e irreprimível!.
Como látego de dor que vibra e revibra, quase desatina
como farpas o centro do meu coração, sem todavia a chaga antiga
que o fustiga, angustia e consome dar ares me de sarar ou me aquietar..
Oh ânsia que em meu peito, tanto me torturas!
Quereis a paz e a lassidão esplendorosa?!...
- E com justa razão te é merecida - Porque,
já tão cansado estais do pleito
em que em vão, me consumiste,
através do lastro, que em mim permanece,
em memória inapagável e fraterna,
daquela tão formosa e amada ilha,
ó Deuses bons e nobres, da juventude eterna,
não deixeis que minha alma, alguma vez soçobre
e não resista à dor, a cuidados e erros e à saudade!..
Quereis então, alma minha, que eu deixe tudo para trás
e não me importe de mais nada?!...
Oh, sim!...Possa eu lá ir num rapidíssimo voo! - Ir-me embora!...
Desprender-me de tudo e não pensar em mais nada!...
Virar as costas ao mundo, a tudo quanto me preocupa e escraviza
na fastidiosa rotina do dia a dia, parta rapidamente e já agora!...
De avião, de barco ou nas asas da esquecida
passarola do famoso Padre Bartolomeu de Gusmão
- Oh!..tanto me faz! ..Conquanto possa lá chegar e deslumbrar-me !...
Com os verdes multicoloridos que cobrem o magna
que irrompeu do fundo dos abismos, e, onde, só havia céu e água,
- Florestou e floresceu uma linda Ilha - Óh!.. duas lindas Ilhas!
Com as mais belas, variadas e frondosas espécies exóticas!..
- Quais jangadas do enegrecido basalto, que, Neptuno,
desejoso de engrinaldar suas vastas planícies azuis, seus mares,
rapidamente salvou do cataclismo diluviano de se afundarem...
Oh, sim!.. possa eu la chegar, rápido mas descansado!...
E, após maravilhado, posto que seja a planar sob o arco
da incomensurável abóbada - seja céu descoberto,
seja envolto por grossas ou esfarrapadas nuvens,
brancas,alvas ou mesmo escuras ou da cor da cinza,
esteja eu de vós, debruçado e já perto!.. - Sim, possa eu
vaguear por alturas infindas, alcançar as portas
que se abrem ao majestoso Universo,
debruçar-me da imensa janela que dá acesso
ao imenso e etéreo tecto de Deus!...
Possa em fulgurante ascensão,
abrir meus braços e transformá-los
em asas, qual ave a sobrevoar o paraíso,
as terras do melhor cacau e do melhor café,
onde os frutos estão ao alcance da mão,...
- Onde há árvores que dão a saborosa fruta-pão.
Talvez seja ousado sonho meu, soltar-me dessa aeronave . Pois é,...
Mas como contrariar esse meu fado, essa minha sorte ou sina
se, em boa verdade, é o sonho a comandar as linhas da vida?!...
.
Ah!..possa eu respirar o suave e lânguido bafo que envolve
a ramagem profusa e sonora das luxuriantes e frondosas margens!
Sentir a nudez e o carinhoso abraço das morenas e luminosas praias,
o doce enlevo das avermelhas línguas ardentes, arenosas e doiradas
onde as pirogas partem e vão ao mar e ali volvem e vão arromançar
balanceadas pelas ondas sucessivas que ali se estendem e vêm quebrar!...
O! voltar a mergulhar o corpo inteiro nas águas límpidas e cristalinas
envolver-me naquele doce azul turquesa, quase de cor do cobalto
que envolve os recortes, a quebrada linha verde e espumosa da ilha,
estender o olhar para além do vasto azul marítimo, escuro e ultramarino
que vai perder-se no mar alto do imenso círculo branco, esbatido e fino!...
Abeirar-me das frondosas palmas, coqueiros, rumorejantes e curvados
que se debruçam, ora balançando e tremeluzindo esbeltos e verdejantes,
cheios de cocos e opolentos, ora silenciosos, serenos, curvos e pasmados
nas cálidas manhãs e por tardes ensolaradas de areias desertas e brilhantes
ou mesmo nas noites prateadas de um luar leitoso, branco e tranquilo,
quais testemunhas vigilantes, que se debruçam ramalhudas e hirtas
em redor de discretas angras, praias finas recurvadas, lindas baías!
.
Oh!... maravilha dos mais belos jardins celestes!
- Meu Paraíso Terrestre Encantado! - Possa eu voltar
a ter o prazer de andarilhar, sentir debaixo dos meus pés
as areias macias mergulhadas nas quentes ondas que vão e vêm
no seu vai e vem perpétuo, a virem e a recuarem, a desfazerem-se
em marulhos de espuma efervescente - Ora sopradas por brisas mornas,
a espalharem-se e a desfazerem-se na fímbria branca e azulínea,
ora atiçadas pelas fortes ventanias dos tornados,
por rajadas de vendavais, seguidas de turbulentas e iradas vagas!...
- Sem dúvida!... Não há prazer igual!...Pisar as praias brancas de areia fina
das Ilhas de São Tomé e Príncipe - É mais de que uma sublime graça divina!
.
Deixar-me levar pela beleza e não me importar de mais nada...
Perder-me por largas manhãs, por longos dias inteiros que raiam cedíssimo!...
- Não há crepúsculos, nem prolongadas auroras que se antecipem ao romper do dia!
O sol mal se põe, assim escurece...É Equador! É a linha que atravessa o centro da Terra...
A noite e o dia, são irmãos gémeos: têm as mesmas horas e minutos...o que os distingue
é a rápida ruptura do negrume para a claridade ou desta a mergulhar nas trevas.
Só quando há luar é que o dia entra pela noite adentro e dir-se-ia
que a noite passa então a ser dia - Noites plácidas, iluminadas
por uma luz, tão clara e branca, que quase rivaliza
com a luz do próprio astro que no alto refluge e brilha!
Oh!.. esquecer-me de horários, de fusos ou de calendários!...
Não ter pressa de nada mas sentir-me sôfrego e ávido do que é maravilhoso, natural e belo!..
Fruir no seio daquela doce natura, a paz e a serenidade, a quietude e o brilho,
a delícia intacta do sopro grácil que se abre
e alarga através do espaço radioso e vasto!...
- Oh!, sim, que tudo em mim, ávido e saudoso de tão prendada dádiva,
seja reconfortado na plenitude de uma suprema graça,
por via das voltas e contra-voltas de errática vida,
oferecida por Deus ou por denodado sacrifício alcançada!
.
Oh como eu gostaria de lá voltar agora,
completar o sonho adiado e navegar mar fora!
Pegar no remo e remar na frágil piroga de ocá - partir sozinho!
Vergado ao remo o fazer dele de leme e ir à vela, de pé
ou sentado a meio do casco e numa das travessas
daqueles toscos madeiros - frágeis troncos escavados!
Desafiar as investidas das vagas,
as leis da gravidade e do equilíbrio!
Presto-vos, pois, aqui a minha rendida homenagem,
a Vós bravos homens do mar! - A vós heróicos
pescadores, testemunhos mártires de um povo antigo,
raízes sofridas em pavorosos naufrágios, sangue derramado e vertido,
na opressiva ocupação e domínio da vossa maravilhosa terra,
a vós, meus irmãos dos mares! - A vós meus amigos!
Eu me dirijo e vos saúdo, lídimos filhos das águas,
pioneiros de um longínquo e histórico passado,
legítimos herdeiros de uma ancestral memória...
Viajantes hábeis, mestre e corajosos marinheiros
vindos da Mãe-África, de lá embarcados, de lá idos,
sulcando estranhas águas, enfrentando violentos tornados
ou prolongadas e podres calmarias e sol abrasivo,
velejando e remando, noites e dias inteiros
navegando em mar aberto e desconhecido!
Aqui vos evoco: mares das epopeias anónimas
e das muitas tragédias sem glória e sem história!
De muito sofrimento, angústias, dores!
- Vós, mares do antanho e do presente,
sabeis, como ninguém, quantas vidas já destroçastes
a esses humildes mas arrojados pescadores!...
Quantas vezes, mesmo agitados e revoltos, eles vos encararam!
Foram ao vosso encontro, olharam-vos de olhar disponível e amigo,
deixaram a orlada praia mas já não voltaram!...
Todavia, não deixaram de vos abraçar
e avançaram, como se o vosso azul, lhes fosse irmanado,
absolutamente indispensável e inseparável das suas vidas!
Em cada alvorada que se ergue, la vão eles, hábeis e destros,
corajosos e tranquilos, elegantes, destemidos e aventureiros!
verdadeiramente intrépidos, alheios aos tornados e a todos os perigos!
Venham vê-los a navegar! - São os honrados filhos do passado!
São a herança mas viva de uma história
ainda por narrar, ainda por cantar!...
Ah, que saudades eu tenho desses mares que eles percorrem
e cruzam há milénios!... Que pena agora não poder deslumbrar-me
nas suas lindas praias, orladas por esbeltos coqueiros, beijadas
por azuis e glaucas águas!
Oh,sim, quem me dera poder aspirar os aromas perfumados,
Os sabores doces das suaves brisas daquelas ilhas encantadas!...
Espraiar o meu olhar, perdido no azul do firmamento e do mar infinito!
Inebriar-me com a luz espelhada nas ramagens, a claridade
que rejubila e tremeluz no brilho transparente e claríssimo das águas,
deslumbrar meu olhar, deleitar meu espírito, escancarar a minha alma!..
Por aquelas inesquecíveis manhãs ou tardes iluminadas - oh que saudades!
Daqueles dias claros de sol, de formosura inexprimível e brilho!
Rejubilados pela endémica policromia
do verde do coqueiros e do mato,
do azul a transbordar espanto,
maravilha, pasmo e calma!...
Não há outros mares
e outras paisagens
mais maravilhosas,
que aquela que se funde ou estende
em São Tomé e Príncipe,
sob os esplendorosos céus
de ambas as duas Ilhas.
Jorge Trabulo Marques