(atualizado em 19-8-2014 Morreu Pires Veloso, o “vice-rei do Norte” - PÚBLICO
Alvorada da revolução do 25 de Abril, de 1974, não foi praticamente notada neste dia em S. Tomé e Príncipe, senão para quem acompanhava as emissões estrangeiras de rádio, que não era, naturalmente, o grosso da população mas quando raiou foi como um rastilho que se ateasse a um foguete – Mesmo assim, houve quem quisesse ofusca-la – E pouco faltou para que os roceiros provocassem um banho de sangue e Movimento das Forças Armadas ali fosse abortado – Ou antes, um pouco retardado, já que a população, galvanizada pelas manifestações populares, não o ia permitir
Ainda entrevistei algumas das vítimas - "Prenderam-me durante 45 dias. Houve a ideia de arranjar mão-de-obra gratuita. E daí surgiram as prisões, mais prisões sem quaisquer razões para isso. Procurava-se emprego e não se encontrava. No entanto, as rusgas sucediam-se e as pessoas que encontravam eram presas. É claro que houve um ou outro que reagiu sobre essas atitudes." Declarações de Bartolomeu Cravid
AS ROÇAS DE MÁ
MEMÓRIA - FEUDOS DA ESCRAVATURA À INDEPENDÊNCIA
Imagem extraída de Dona Augusta « É tudo gente morta
Jorge Trabulo Marques - jornalista
Alvorada da revolução do 25 de Abril, de 1974, não foi praticamente notada neste dia em S. Tomé e Príncipe, senão para quem acompanhava as emissões estrangeiras de rádio, que não era, naturalmente, o grosso da população mas quando raiou foi como um rastilho que se ateasse a um foguete – Mesmo assim, houve quem quisesse ofusca-la – E pouco faltou para que os roceiros provocassem um banho de sangue e Movimento das Forças Armadas ali fosse abortado – Ou antes, um pouco retardado, já que a população, galvanizada pelas manifestações populares, não o ia permitir
Mas eu soube
da notícia ao raiar dessa alvorada. Era operador na rádio local e
correspondente da revista angolana, Semana Ilustrada. A estação encerrava à
meia-noite e abria (se a memória não me falha) às cinco e meia da manhã.
Nesse dia, eu era o técnico escalado para abrir a estação e pôr o Hino Nacional no ar, seguido de um programa de música variada – era mais uma das bobines gravadas que recebíamos regularmente da extinta Emissora Nacional. Poucos depois, chega o Raul Cardoso, que, na redação, passava ao papel as noticias transmitidas, em onda curta, por aquela estação, para depois serem lidas nos noticiários da "província". Pois não dispúnhamos de fax.
Nesse dia, eu era o técnico escalado para abrir a estação e pôr o Hino Nacional no ar, seguido de um programa de música variada – era mais uma das bobines gravadas que recebíamos regularmente da extinta Emissora Nacional. Poucos depois, chega o Raul Cardoso, que, na redação, passava ao papel as noticias transmitidas, em onda curta, por aquela estação, para depois serem lidas nos noticiários da "província". Pois não dispúnhamos de fax.
“Houve um golpe militar!!... Há uma revolução em Lisboa!", Confessava-me, mal pôs
os auscultadores à escuta. Porém, as notícias dos acontecimentos em
Lisboa, foram encaradas com reservas e a sua divulgação, começou por ser
bastante lacónica - Só, depois do pôr-do-sol. já noite, às 19 horas, é que O Emissor Regional difunde o seguinte comunicado da Repartição do Gabinete e distribuído pelo C.I.T
A ABOMINÁVEL Polícia Internacional e de Defesa do Estado NÃO DESMOBILIZA E CONTINUA ACTIVA EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
"Perante notícias de alteração da Ordem Pública na Metrópole, o Governador informa que o Governo Central está em pleno exercício das suas funções. A população tem dado um magnífico exemplo de calma e tranquilidade que o Governo e as Forças Armadas da Província continuarão a assegurar."
Enquanto, na Rua António Maria Cardoso, capital do
Império Colonial, os PIDES se entrincheiravam, metralhando quem se lhe opusesse
ou eram presos e humilhados onde fossem localizados, em São Tomé, nada parecia
perturbá-los: mesmo depois de já não existirem dúvidas, quanto ao êxito do
Movimento dos Capitães de Abril, a PIDE teimou manter-se em atividade por
algumas semanas, fazendo de contas que a situação na colónia não se ia alterar:
porém, à cautela, houve o cuidado (com a conivência das secretas do CTI de
STP)levarem os arquivos para aquele quartel e limparem os cadastros.
Vi lá um Tenente, daqueles serviços, muito lesto à frente
do edifício a conduzir as operações da remoção e transporte do recheio, que
lhes interessava apagar. Fotografei a situação mas os negativos, infelizmente
(tal como algumas centenas) ficou-me um colono com eles. Depreendi
imediatamente que havia por ali marosca.
Não me enganei. Pois, logo que foi permitida a consulta
pública dos arquivos da
PIDE/DGS, na Torre do Tombo, me
inteirei de que o meu processo levara sumiço: só lá encontrei as
capas do dossier. Fora espancado e preso pela PIDE (na sequência da minha travessia
de canoa ao Príncipe) e tinha a certeza que deveria lá ter alguns registos.
Constatara que haviam limpado tudo. Restavam as capas e o nome. Creio que
fizeram o mesmo em todos os arquivos da PIDE/DGS naquelas Ilhas. Duvido
que tivessem deixado quaisquer folhas com os relatos dos seus abusos . E não
foram poucos.Era uma questão que gostaria de apurar..
Por seu turno, a velha raposa do inspector (Nogueira Branco), ao
dar-se conta de que o curso da revolução era irreversível, receando perder o
comboio da história, quis armar-se em democrata e foi um dos primeiros
subscritores do chamado Partido Democrático. - Um felizardo!... De regresso a Portugal,
foi-lhe retido o "bago" mensal. Mas um oficial superior (seu amigo
pessoal e conterrâneo), que havia ali comandado a
Companhia de Caçadores de São Tomé e Príncipe
, intercedeu e, a ovelha carneira de cabeleira branca, lá continuou a
receber a avultada mesada por "honrosos serviços prestados à pátria"
- Foi-me dito, recentemente, pelo próprio oficial.
Por sua vez, os agentes também não pareciam nada
preocupados. Na esplanada do Rialto, continuavam a refastelar-se com
cervejas, tendo-lhes ouvido dizer que "o novo governo vai precisar
de nós". Passeavam-se ao estilo dos mesmos figurões do costume.
Todavia, um artigo de minha autoria, na Semana Ilustrada,
desmoronar-lhes-ia quaisquer ilusões. “PIDES À SOLTA! QUEM OS RECOLHE?” Logo
que o escândalo veio a lume, foram enviados para a Quinta de Santo António.
Essa gente era perigosa; os seus dias, já pertenciam ao passado. Eles e a quase
generalidade dos colonos, continuavam a pensar, como se nada tivesse
acontecido. Recuavam-se a compreender a nova realidade!
A 25 de Abril de 1974, os acontecimentos do Massacre de Batepá, de Fevereiro de 1953, ainda estavam muito vivos na memória do Povo de São Tomé e Príncipe.
Ainda havia quem
tivesse feridas nas pernas por cicatrizar das pesadas grilhetas - Fora as que
sangravam no coração!....que dificilmente se apagam... Vi com os meus próprios
olhos essas feridas - Ainda em chagas vivas por sarar! ...
Provocadas por longo cativeiro, no campo de concentração de Fernão Dias,
acorrentados a bolas de ferro, tal como aos escravos nos barcos negreiros. Vi
também a fotografia da cadeira elétrica e outras macabras imagens
Ainda entrevistei algumas das vítimas - "Prenderam-me durante 45 dias. Houve a ideia de arranjar mão-de-obra gratuita. E daí surgiram as prisões, mais prisões sem quaisquer razões para isso. Procurava-se emprego e não se encontrava. No entanto, as rusgas sucediam-se e as pessoas que encontravam eram presas. É claro que houve um ou outro que reagiu sobre essas atitudes." Declarações de Bartolomeu Cravid
.(...) "Desconhecem o lealismo dos filhos de um Império, desconhecem os aviões e os navios, e todo um arsenal de história, de espírito humano e real metralha, que Deus pôs à disposição dos portugueses" - In FORROS, PRETOS E BRANCOS, do jornal A VOZ DE SÃO TOMÉ - 12 de Fev. 1953 - Um dos artigos sobre o MASSACRE DO BETEPÁ
PROPAGANDA COLONIAL-FASCISTA NOS MASSACRES DE FEV. DE 1953.
MASSACRE DO BATEPÁ (desencadeado a 3 de Fev. de 1953) - PODERIA TER-SE REPETIDO, CASO RICARDO DURÃO, LOGRASSE SAIR DO AEROPORTO E JUNTAR-SE AOS ADMINISTRADORES DAS ROÇAS -
EM Fevereiro de 1953 - MULHERES E HOMENS, CRIANÇAS, VELHOS E NOVOS - ALDEIAS INTEIRAS VARRIDAS E, OS QUE NÃO MATARAM, FORAM OBRIGADOS A APRESENTAREM-SE NAS REGEDORIAS COLONIAIS, SOB
O FUZIL DAS ARMAS! - PARA SEREM ENVIADOS PARA O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO
DE FERNÃO DIAS E BARBARAMENTE ABATIDOS OU TORTURADOS - TAL COMO OS
NAZIS FIZERAM AOS JUDEUS.
SE O ENTÃO TENENTE-CORONEL, RICARDO DURÃO, TIVESSE TIDO RÉDEA SOLTA, CERTAMENTE TERIA HAVIDO MAIS UM OUTRO Massacre de Batepá - .
O GENERAL PIRES VELOSO (ENTÃO TENENTE-CORONEL) AGIU BEM, AO OBRIGAR, RICARDO DURÃO (DA MESMA PATENTE E TAMBÉM JÁ PROMOVIDO A GENERAL) A NÃO SAIR DO AEROPORTO E A VOLTAR NO MESMO AVIÃO A PORTUGAL -
ATITUDE SENSATA E INTELIGENTE QUE EVITOU UM BANHO DE SANGUE – –
Talvez mais grave que o massacre de 3 a 7 de Fevereiro de 1953 - .(muito antes da guerra colonial), levado a cabo por milícias, fortemente armadas, dirigidas pelo próprio governador, constituídas por colonos, militares e alguns serviçais, que os roceiros e governo, atiraram contra os naturais da Ilha. Só pelo facto de se recusarem ao trabalho forçado nas obras públicas e nas grandes plantações do cacau e café. Houve quem reagisse e, não tardou, que um caso isolado, fosse tomado por "rebeldes" de uma "revolta comunista". Foi tudo a eito...Quatro dias a ferro e fogo. Com massacres que se prolongariam, com prisões, torturas e largas centenas de mortes num campo de concentração - Num procedimento similar ao das SS do Nazismo
PARA TRÁS FICAVAM SÉCULOS DE OBSCURANTISMO, DOMÍNIO E DE EXPLORAÇÃO - O DESMORONAR DE UMA GRANDE MENTIRA - AQUELA QUE CONSIDERAVA QUE PARA IMPOR A SUA VERDADE "ficariam perfeitamente justificadas as perseguições aos judeus e os massacres políticos" -- NOMEADAMENTE O MASSACRE DO BATEPÁ - - In VOZ DE SÃO TOMÉ FEV.1953
Com a revolução dos
cravos, caíam as algemas, renasciam novas esperanças; soavam outros ventos:
soprados pelo movimento libertador das Forças Armadas, que também rapidamente
ali encontrava eco nas duas ilhas – Os colonos receberam-no com apreensão e jamais
se mentalizaram para o alcance das transformações que rapidamente se iam operar. E, na população negra
– aquilo que inicialmente fora tomado com bastante desconfiança e
incredulidade, depressa a galvanizava e a levaria a pôr-se inteiramente ao lado
do programa e dos ideais independentistas, defendidos pelo (MLSTP)
Movimento para a Libertação de São Tomé e Príncipe , fundado em 1972 por
Manuel Pinto da Costa, cujo
secretário-geral e demais dirigentes, desde logo desenvolveram intensificada
acção mobilizadora
PIRES VELOSO ALUDE, NO SEU LIVRO: “VICE-REI DO NORTE – Memórias e Revelações” À INESPERADA INVASÃO DOS COLONOS AO PALÁCIO DO GOVERNADOR
PIRES
VELOSO, AGIU BEM, EM OBRIGAR O TENENTE-CORONEL RICARDO DURÃO A
VOLTAR NO MESMO AVIÃO – ATITUDE INTELIGENTE QUE EVITOU UM BANHO DE SANGUE – E
REFORÇOU A CONFIANÇA JUNTO DOS DIRIGENTES NACIONALISTAS
Faltou-lhes lá o
Tenente-Coronel Ricardo Durão a liderar a revolta, que, uns dias antes, desembaraçara no
aeroporto de São Tomé. Se o
Tenente-Coronel Pires Veloso (hoje General), não o obrigasse a voltar no mesmo
avião, estou certo de que, as águas que correm nas pacíficas Ilhas de São Tomé
e Príncipe, ter-se-iam toldado por muitas manchas de sangue. E, sobretudo, se o
Governador, não apelasse à calma dos manifestantes: os quais se rebelaram por
motivos absolutamente injustificáveis, pois ninguém os molestou - Seguiram,
depois, para o quartel da Polícia Militar e Cinema Império. Porventura,
na perspectiva de que, Ricardo Durão, os viesse comandar - Já que a o
episódio do seu regresso forçado não fora tornado público.
"Assim,
ficariam perfeitamente justificadas as perseguições aos judeus e os massacres
políticos" - In A VOZ DE SÃO TOMÉ -
12 de Fev. 1953
SE O ENTÃO TENENTE-CORONEL, RICARDO DURÃO, TIVESSE TIDO RÉDEA SOLTA, CERTAMENTE TERIA HAVIDO MAIS UM OUTRO Massacre de Batepá - .
O GENERAL PIRES VELOSO (ENTÃO TENENTE-CORONEL) AGIU BEM, AO OBRIGAR, RICARDO DURÃO (DA MESMA PATENTE E TAMBÉM JÁ PROMOVIDO A GENERAL) A NÃO SAIR DO AEROPORTO E A VOLTAR NO MESMO AVIÃO A PORTUGAL -
ATITUDE SENSATA E INTELIGENTE QUE EVITOU UM BANHO DE SANGUE – –
Talvez mais grave que o massacre de 3 a 7 de Fevereiro de 1953 - .(muito antes da guerra colonial), levado a cabo por milícias, fortemente armadas, dirigidas pelo próprio governador, constituídas por colonos, militares e alguns serviçais, que os roceiros e governo, atiraram contra os naturais da Ilha. Só pelo facto de se recusarem ao trabalho forçado nas obras públicas e nas grandes plantações do cacau e café. Houve quem reagisse e, não tardou, que um caso isolado, fosse tomado por "rebeldes" de uma "revolta comunista". Foi tudo a eito...Quatro dias a ferro e fogo. Com massacres que se prolongariam, com prisões, torturas e largas centenas de mortes num campo de concentração - Num procedimento similar ao das SS do Nazismo
Ouvi
algumas das vítimas e também a versão, fria e cruel do carcereiro e
principal carrasco, um tal Zé Mulato. Musculado presidiário que cumpria
longa pena por ter assassinado a mulher e que foram buscar para chefiar
o campo da morte de Fernão Dias.
.PALAVRAS COMO LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE, ERAM PALAVRAS OBSCENAS PARA O COLONIALISMO -
"Não se
encontram dois indivíduos perfeitamente iguais" - Mas
existem milhões a desejarem quase um pouco de nada dos privilégios concedidos
aos que têm muito.
PARA TRÁS FICAVAM SÉCULOS DE OBSCURANTISMO, DOMÍNIO E DE EXPLORAÇÃO - O DESMORONAR DE UMA GRANDE MENTIRA - AQUELA QUE CONSIDERAVA QUE PARA IMPOR A SUA VERDADE "ficariam perfeitamente justificadas as perseguições aos judeus e os massacres políticos" -- NOMEADAMENTE O MASSACRE DO BATEPÁ - - In VOZ DE SÃO TOMÉ FEV.1953
Pondo-a em prática através de duas frentes: pela antena do
“Povo Livre”,
uma estação de rádio que passou a emitir de
Libreville –, capital do Gabão, no programa "A
Voz do Povo de São Tomé e Príncipe",
com o total apoio do Presidente
Omar Bongo . E, no interior das
ilhas, com manifestações de protesto e acções de esclarecimento, intensa
actividade política, protagonizada pela Associação Cívica – pró MLSTP, que
entretanto fora criada com a instauração das liberdades
democráticas. Formada, sobretudo, por jovens estudantes e
outros elementos nacionalistas.
Que se saiba, nunca chegaram a pôr em risco a
integridade dos colonos - aliás, estes, nas roças até dispunham de
apetrechado arsenal, com armas já anteriormente distribuídas pelo
exército colonial, havendo formação e treinos regulares, em campos
de tiro.
Cartaz
com que foram dadas as boas vindas ao então Tenente Coronel Pires Veloso - O
Primeiro e o último governador pós 25 de Abril - Este o aviso de que a vontade
do povo santomense era soberana e imparável, por mais obstáculos que
existissem.
Os ativistas – pró-independência - não enveredaram pela
luta armada mas causaram forte
contestação e instabilidade, não dando tréguas a qualquer ideia ou projeto que
não visasse a total libertação do povo oprimido do arquipélago. Promovendo uma
constante onda de agitação política e social. Não deram hipóteses a que os
movimentos federalistas ou neocoloniais, conquistassem adeptos e se
implantassem.
“Independência-Já” era a palavra de ordem mais ouvida nos
comícios e manifestações de rua. E, nos cartazes, os slogans mobilizadores pautavam-se,
sobretudo, por um claro e único objetivo, expresso em linguagem popular : “Independência total, çà cu pôvô
mecê ” - Independência total
é tudo o que povo quer. Os jovens ativistas da Associação Cívica, foram a principal força interventiva e conciencializadora
durante o processo de descolonização –. Sem a sua coragem e o seu dinamismo,
porventura, ainda hoje as duas ilhas, eram colónias, tal como sucede a outros
territórios que estão nas mãos de 61 países.
INVADIRAM
O PALÁCIO, INSULTARAM O GOVERNADOR – E NO FINAL – QUANDO ME VIRAM ALI PRÓXIMO –
CORRERAM ATRÁS DE MIM PARA ME LINCHAREM
Uma
manhã, ao saírem do palácio, depois de insultarem, o Governador, Pires Veloso –
mal me viram sentado na esplanada do Restaurante Palmar, – onde pretendia
inteirar-se daquela estranha ocorrência -, imediatamente correram furiosos
atrás de mim! E eram umas largas centenas. Se me apanhassem, naquele
momento, estou convencido que me tinham esmagado e linchado. - Mesmo
assim ainda levei com uma pedra na cabeça. E o que me valeu foi ter subido por
umas escadas e me ter refugiado num telhado. À noite foi socorrido por um
santomense que me levou para sua casa, onde estive escondido quase duas
semanas.
Fugi
para uma escada até que caísse a noite para me escapar para qualquer sítio,
pois sabia que já tinham assaltado a minha casa e espatifado tudo. Era
demasiado arriscado ali voltar. Foi um rapaz negro (que me distribuía a
Semana Ilustrada) que, tendo-se apercebido da minha entrada naquela
escada (onde por acaso pude esconder-me sem que fosse visto pelos moradores)
que veio, mais tarde, em meu auxilio. Os colonos (muitos deles, em vez de
regressarem às suas casas), optaram por se aquartelar com a tropa portuguesa.
Nessa altura, as ruas à noite ficavam praticamente desertas e eu tive então
oportunidade de escapar dali. Tendo passado quase duas semanas na casa dos pais
desse generoso jovem, num autêntico esconderijo, algures no mato.
PIRES VELOSO ALUDE, NO SEU LIVRO: “VICE-REI DO NORTE – Memórias e Revelações” À INESPERADA INVASÃO DOS COLONOS AO PALÁCIO DO GOVERNADOR
A
manifestação podia ter acabado numa tragédia: havia o desejo de pegar em armas
e atacar os defensores da Independência Total. Estes depressa galvanizaram as
populações e o movimento do pró era imparável. Só se matassem o povo inteiro.
Houve quem estivesse quase a perder as estribeiras.
Adicionar legenda |
Mal
me apercebi da sua presença, e, vendo-o de camuflado, semblante sisudo,
pressenti imediatamente que não vinha para fazer coisa
boa. Não chegara a passar para o exterior do aeroporto:
estava sozinho, junto a uma porta fechada, do lado direito do edifício, voltada
a sul e nos limites ainda da área reservada.
Eu
costumava ali ter acesso para ir buscar o volume das revistas que a
redação me enviava semanalmente, de Luanda.. E, ao regressar, foi quando me
apercebi da sua presença - Estava nitidamente com olhar de caso: “Passa-se alguma coisa, Sr. Tenente-Coronel?! - Esboça
uma sorriso amarelo e diz: “Não, obrigado!..Não há problema nenhum!!... Vim cá só a
passear!.. E não estou autorizado, não sei porquê!.... Que eu saiba, a
Ilha ainda não é dos pretos."” – Vi logo que havia por ali tentativa de
golpaça e não insisti. Pires Veloso Governador de S.
Tomé e Príncipe, alertado para a sua presença, trocou-lhe as voltas.
Obrigando-o a regressar no mesmo avião. E lá foi de volta o
grandalhão oficial com uma verdadeira chapada sem dor, mas com muita humilhação
e muito bem dada!
No
seu livro de memórias ( “Vice-Rei do Norte - Memórias e Revelações) o agora
General Pires Veloso, faz uma breve referência, mas é omisso em apontar o nome
do oficial - Diz apenas o seguinte: “Sentindo que a minha atitude em recusar
receber um oficial superior, enviado especial do Presidente da República,
general Spínola – que fiz regressar no mesmo avião que havia trazido, sem o
ouvir – havia obtido a aprovação entre os meus adversários, sabia ter
conseguido com isso algum crédito.”
Sem
dúvida, um procedimento sensato e inteligente de Pires Veloso; de outro
modo, dificilmente apaziguaria as tensões existentes entre colonos e os
dirigentes da Associação Cívica. Porque, o mais certo, era que os colonos
(sentindo-se encorajados e comandados) passassem deliberadamente ao ataque,
podendo desencadear a contra-revolução, de imprevisíveis consequências.
O então
Tenente-Coronel Ricardo Durão (hoje general) – homem forte do
Comando Militar de S. Tomé e Príncipe não
esperava que, o brioso oficial Pires Veloso, lhe desse uma grande tapona.
Peão
de confiança de Spínola (não entrara na aventura contra-revolucionária
spinolista de11
de Março de 1975 , porque não calhou, tal como outros, que viram o
tapete sair-lhes dos pés .
O ex-comandante do Comando
Territorial Independente de São Tomé e Príncipe (CTISTP), conhecia bem o arquipélago, as
roças e os roceiros, com os quais convivera em altas jantaradas e
almoçaradas, nas sedes das administrações: pois era já um costume enraizado que
a elite económica, há muito, mantinha com a tropa. Mas, agora, de certeza que
não vinha com esse propósito – Os tempos eram de revolução. E os roceiros
opunham-se ostensivamente! Já tinham invadido o Palácio do Governo e dir-se-ia
que só faltava pegarem nas armas que possuíam nas arrecadações. O que não
dispunham era de quem os apoiasse ou de um comando operacional. Supõe-se que
deveria ser a missão que trazia na manga o velho amigo das altas comezanas e
das festanças.de fatiota branca. Só que nem sequer chegou a sair da gare do
aeroporto.. Saiu-lhe o tiro pela culatra - E ainda bem:
O bom senso de Pires Veloso, uma vez mais
esteve à altura das suas responsabilidades, evitando mais uma enorme
confusão - Ah, sim, não tenho a menor dúvida, teria havido muitas mortes em
São Tomé: de parte a parte, eu seria uma delas. - Fui tomado pelos
colonos como o bode expiatório de todos os problemas. E a única arma
que dispunha era a máquina de escrever, que ma escaqueiraram por
completo, - Tive de pedir uma emprestada a pessoa amiga. Sabe Deus
as adversidades por que então passei..
“Sentindo
que a minha altitude em recusar receber um oficial superior, enviado
especial do Presidente da República, general Spínola – que fiz regressar no
mesmo avião que o havia trazido, sem o ouvir - havia obtido a aprovação
entre os meus adversários, sabia ter conseguido com isso algum
crédito"
"Aproveitando
esse crédito, organizei uma reunião, no Palácio do Governo, com dirigentes da
Associação Cívica para tratar do assunto das armas da Organização
Provincial dos Voluntários"
Tentei
convencê-los a serem eles próprios fazerem a entrega dessas armas
no Quartel-General, o que fizeram, nesse mesmo dia.
Poderá
imaginar a sensação de alívio e bem-estar quando, ao cair da tarde, o coronel
Cardoso do Amaral, me comunicou que tudo tinha corrido muito bem e que o
armamento havia sido recebido!
Foi
uma fase no processo da descolonização, decisiva e marcante, fundamentalmente
porque havia conseguido, além do controlo de grande quantidade de armas
dispersas pelo Território, ter as Forças Armadas disciplinadas, para além de um
entendimento com respeito e confiança mútos entre autoridades portuguesas,
dirigentes do MLSTP, Associação Cívica e população em geral”
(...)
nós tudo procurámos fazer para que a
passagem de S. Tomé e Príncipe, de colónia a pais independente, se fizesse com
suavidade, tolerância, compreensão, ora criando um mínimo de estruturas que
ajudassem ao funcionamento de uma nova Democracia, ora denunciando erros e, na
medida do possível, corrigindo-os do passado.
“Porém, esta minha atitude de tolerância”
– refere o agora General Pires Veloso - , “compreendendo o estado de uma
larguíssima maioria do povo (que não pensava noutra coisa
que não fosse a Independência
Imediata), fechando os olhos, por vezes, a pequenos incidentes provocatórios e
procurando o diálogo, não foi bem aceite por algumas centenas de brancos ainda
no Território.
Confusos, não tendo entendido bem quão
profunda havia sido a revolução de 25 de Abril, um dia invadiram o Palácio
querendo falar comigo.
Em tom de crítica, acusaram-me de actuar
como um verdadeiro Governador, ser mole demais, sem capacidade de decisão e
pedindo protecção para essa noite, pois tinham informações de que os pretos iam
massacrá-los.
Tranquilizei-os na medida do possível,
garantindo-lhes que eu, nessa noite, pessoalmente, iria patrulhar a cidade, o
que fiz, conduzindo um VW, por vezes acompanhado com o meu ajudante de campo.
Nas casas dos portugueses não apagaram as
luzes e, quando ouviam o motor do meu carro (era o único a circular), abriam a
janela. Eu dava-lhes a Boa-Noite e eles correspondiam.
Preservar
o nome e a presença de Portugal
Viveu-se
então a fase final do processo, em ambiente de boas relações entre autoridades
portuguesas e são-tomenses, num clima de tranquilidade e compreensão, que
culminou, a 12 de Julho, com uma festa de dignidade ímpar, com um respeito
total entre todos”.
O COLONIALISMO E O ESCLAVAGISMO, EXISTIRAM E AMORDAÇARAM OS POVOS
AFRICANOS AO LONGO DE SÉCULOS!
- NÃO ERAM PALAVRAS DESTITUÍDAS DE SENTIDO. PESSOALMENTE AINDA PUDE TESTEMUNHAR OS ASPECTOS MAIS FAMIGERADOS DESSA VIOLÊNCIA E DESCRIMINAÇÃO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE.
- NÃO ERAM PALAVRAS DESTITUÍDAS DE SENTIDO. PESSOALMENTE AINDA PUDE TESTEMUNHAR OS ASPECTOS MAIS FAMIGERADOS DESSA VIOLÊNCIA E DESCRIMINAÇÃO EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE.
O
colonialismo e a escravatura há muito foram condenados pela história. Houve,
porém, regimes que não abdicaram dessa ignominiosa exploração humana. O regime
ditatorial Salazarista, ainda encarava os negros (nas grandes plantações de
café e do cacau, onde a mão-de-obra era quase a troco de nada e tolerava as
mais infames arbitrariedades) como massa bruta ou carga para canhão. Assisti a
muitas chibatadas. E não eram só os negros as vítimas. Na imagem ao lado, como
empregado de mato na roça Uba Budo, numa curta pausa para o almoço - Formava-se no terreiro da roça às 05.30.
Pegava-se às 06.00 e só se largava ao pôr do sol chovesse ou fizesse sol.
Quem diz o contrário é porque não viveu de perto com a
dura realidade do colonialismo. E também a não sofreu no corpo e no espírito –
porque não atingia apenas negros mas também os brancos mais indefesos, os
empregados de mato nas roças e do comércio, modestos funcionários públicos,
intelectuais e todos aqueles que de algum modo se lhes opusessem ou não
pactuassem com o sistema.
As ditaduras fascistas e colonialistas, apoiavam-se (apoiam-se
ainda) numa propaganda retrógrada, opressora, disfarçada e hipócrita: - Não
esclarecem, reprimem, exploram e embrutecem. O progresso que ostentam serve
minorias privilegiadas e não as populações. Para muitos dos colonos das roças “o preto” tinha que ser mandado, sem ele “era um animal à solta” ou
de carga; não tinha “capacidade para ser
independente.” Era uma mentalidade brutalizante, demasiado arreigada. Nada
os fazia mudar. As manifestações populares (com que o povo exteriorizava o seu
“grito de “Independência Total”) eram tomadas como agressões. E, espante-se! – Muitos desses brancos, eram outras
tantas vítimas da exploração e dos abusos dos roceiros. Coitados, não
tinham culpa: era fruto do seu analfabetismo e também da mentalização
Salazarista que lhes havia sido incutida.
O ex-comandante do Comando
Territorial Independente de São Tomé e Príncipe (CTISTP), conhecia bem o arquipélago, as roças
e os roceiros, com os quais convivera em altas jantaradas e almoçaradas,
nas sedes das administrações. Spínola, não queria a independência desta ex-colónia,
alegando que as ilhas estavam desertas, quando foram descobertas pelos
portugueses (estafado argumento para justificar
o domínio sobre as populações autóctones),
tendo-o enviado com a missão de se juntar aos roceiros e liderar um golpe
contra-revolucionário.
Mas não chegou sequer a transpor a alfandega do aeroporto. Teve
de aguardar, junto à aerogare, mas do lado voltado para a pista e fora das
vistas do público, até que fosse recambiado no mesmo avião. Humilhação bem feita e à
altura das circunstâncias.
Desta vez não vinha de farda branca, como era costume
pavonear-se pelas roças nos jipes dos patrões. E nas suas jantaradas.
Envergava o camuflado de operacional. Vinha pronto para liderar a
revolta.
Cumprimentei-o
e perguntei-lhe o que se passava - pois vi logo, pela sua cara e
traje, que havia ali sinais de golpada à vista.
Ele conhecia-me, sabia bem que eu não estava do
lado da sua barricada e foi parco de palavras. Que eu saiba, até hoje, o
caso nunca chegou a ser notícia.
E tão pouco a informação foi conhecida naquele momento pelos nacionalistas (mas
foram informados, ainda nesse dia) pois, se o vissem por lá, teria
havido, logo ali, uma grande confusão...E talvez tivesse sido ele a primeira vítima. A aerogare estava
cheia de gente, era dia de "São Avião!". Da maneira que
andavam os ânimos tensos, de certeza que não se safava de um valente aperto.
Simpático com a burguesia roceira, que o obsequiara, na sede
das administrações, na "Casa Grande" ao pomposo velho estilo colonial
- cínico com quem lhe conviesse, e, nos meios do exército, era tido como
um duro... Amedalhado por "altos feitos" pela sua manifesta
lealdade ao império colonial, via-se que era dos tais que não deixava os seus
créditos entregues por mãos alheias. Os roceiros, haviam-no obsequiado com
lautos banquetes e ele não lhes queria ser ingrato. O que não toleravam é que os
defensores do 25 de Abril, lhes falassem em independência e em liberdades
democráticas. Certamente
que eu teria sido um dos que fazia parte das suas listas, dos traidores e
indesejáveis brancos a abater. Já em Lisboa, não podia passar frente ao
PIC NIC no Rossio. Era o ponto de encontro dos colonos.
Um dia, uma dúzia deles, apanharam-me no Metro e voltaram agredir-me
traiçoeiramente, como se estivessem na selva em São Tomé. Tal como fizeram na então
chamada "Praça de Portugal", quando me dirigia a minha casa, por volta das oito da noite. Aguardavam-me emboscados
no interior de um carro estacionado. Não havia luz na cidade, e, mal me viram,
encadearam-me com os faróis e atiraram-se a mim como lobos. Tendo-me deixado, quase
morto e prostrado no asfalto.
Não me mataram, porque, entretanto, viram os faróis de outro carro e puseram-se
na alheta. Noutra ocasião, arrombaram-me a casa, escaqueiraram com todas as
minhas coisas e puseram-me uma forca pendurada à entrada da porta. Por
duas vezes, furaram-me à navalhada os pneus dos meu carro. Entre outras
patifarias.
CLUBE
MILITAR NA CIDADE - POUSO HABITUAL DOS OFICIAIS, GOVERNADOR, ALTOS,
FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS, SEUS FAMILIARES E OS ROCEIROS
- Os únicos negros que lá se viam, eram os
criados. Debruçado sobre o mar e num palacete a condizer com os convivas, era
demasiado chiquérrimo para que a raia miúda ali entrasse... Bailes, banquetes e
comezanas - Numa das imagens (o do lacinho) é o velho patrão Fonseca (António
Joaquim da Fonseca) antigo
administrador-geral da Sociedade Agrícola Vale flor, com sede na Roça Rio do
Ouro: autoritário: solteiro contumaz, mas ávido de cabaços, pois, de quinze em
quinze dias, lá tinham que lhe levar uma donzela.
SORTE PARA O POVO SANTOMENSE E PARA O PRÓPRIO LÍDER DO ABORTADO
GOLPE CONTRA-REVOLUCIONÁRIO
Se, Ricardo Durão (agora general) ou algum militar aceitasse
comandar os roceiros, como aconteceu no Batepá, teria havido outra
mortandade!...
Ainda maior!... Milhares de são-tomenses teriam sido baleados!... Até porque
muitos dos implicados naquele massacre, ainda por lá por lá se passeavam à
vontade...
Pessoalmente, também achei prudente não lançar o alerta, sobre a
presença de Ricardo Durão, uma vez que ia ser recambiado. Não havia
interesse em gerar mais tensões das que já existiam. Teve sorte.. E também o
povo de são-tomense, que se livrou de uma séria ameaça à sua integridade. Teria
havido muitos mártires!...E já bastava de sangue derramado por séculos de colonização.
Pirou-se quase da mesma forma que o Zé Mulato, o capataz do sinistro
campo da morte de Fernão Dias, outro dos grandes assassinos no massacre do
Batepá, que, para não se expor a eventuais represálias, teve de embarcar
para a terra do seu pai (antigo colono, natural da região de Viseu), tendo
entrado no aeroporto pela porta do "cavalo" disfarçado. Quando alertei Pires Veloso, da presença
do inesperado oficial, ele já lhe tinha dado instruções para regressar no mesmo
voo. "Já sei que ele aí está: vai já no mesmo avião. Não se
preocupe".
O movimento pró-independentista apreciou atitude do Governador, que até então não acreditava nas boas
intenções de Pires Veloso, pois via-o com desconfiança - Os são-tomenses olhavam
os militares portugueses, como tropa de domínio colonial. Porém, a partir daquela
altura, o Governador passou a ser visto como um dos seus e com outros
olhos. No seu livro “Vice-Rei do Norte - Memórias e Revelações, o agora
General Pires Veloso, faz uma breve referência, mas é omisso em apontar o nome
do oficial - E alude também à inesperada invasão dos colonos ao
Palácio do Governo -
PIRES VELOSO, O GOVERNADOR CERTO PARA LEVAR A CABO – E
PACIFICAMENTE - UM PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA, QUE COMEÇARA DA FORMA MAIS TENSA
E ATRIBULADA
Repito:
não fosse a serenidade, firmeza e sensatez de Pires Veloso, nem quero
imaginar o que poderia ter acontecido!
Não se constava que algum negro tivesse molestado fisicamente qualquer
branco! Mas, de facto, havia colonos que continuavam a agir como
se nada tivesse mudado. A palavra independência era algo impensável e que
lhes custava admitir.
Os
roceiros estavam fortemente armados e constituíam uma séria ameaça! Nas
propriedades agrícolas, havia muitas armas: as velhas Mauseres,
que foram usadas pela infantaria Nazi.Com que, os colonos, habitualmente se
treinavam. Também eu, aos 18 anos, fui obrigado a participar, nesses
treinos - A imagem ao lado, sou eu, à entrada da Praia Roça Uba-Budo, e
um pouco mais ao fundo, ficava o campo de tiro ao alvo, onde, aos
Domingos de manhã, cada branco fazia para ali a fogachada que quisesse.
.Através
do seu livro de memórias, “Vice-rei do Norte”, alude às reações do
Secretário-geral das ONU, Kut Waldheim e o dirigente da OUA, Salim,
Salim, junto do nosso embaixador na ONU, face às queixas apresentadas pelos
independentistas. No entanto, o antigo Governador e Alto-Comissário, considera
que a questão havia sido empolada. E que, mais tarde, foram as mesmas
personalidades a reconhecerem que não se justificavam as tais razões
invocadas com “ a falta de
liberdades democráticas”.
PIRES
VELOSO, USA O TERMO DE “A GUARDA PRETORIANA DOS DONOS DAS ROÇAS” –
NÃO ESTAVA ENGANADO
E não
exagera. Os colonos nas roças estavam armados e bem armados. Refere, ainda, em
“Memórias e Revelações”, que, “era notória a apetência dos
responsáveis da Associação Cívica por terem armas em seu poder, talvez para
dizerem ao mundo, como os da Guiné, Angola e Moçambique, que também eles haviam
alcançado a independência com luta armada” – Não creio que fosse este o
desejo dos ativistas da Associação Cívica Pró-MLSTP – O são-tomense é por
natureza pacifico. E, Pires Veloso, julgo que se apercebeu bem desse
facto. As suas ações nunca foram além de comícios e manifestações. Não vi que alguém ali
tivesse pegado numa arma ou levantasse sequer essa questão. Participei em
algumas das reuniões dos seus dirigentes e ninguém ali falou em pegar em
armas.
É um
facto que existiam por lá alguns elementos mais fundamentalistas, que Pires
Veloso cita no seu livro, e com posições, mais extremistas, com as quais eu
próprio discordei à sua frente, que achavam que o fim do colonialismo no
arquipélago, só poderia terminar "com a saída completa dos colonos”
– E, de facto, atendendo ao comportamento irredutível destes, em boa parte até
tinham fundamentas razões. Mas longe de desejarem pegar em armas. – Quem queria
pegar nas armas eram os colonos - E só não aconteceu, uma tragédia,
porque, à última hora, lhes faltou o comandante dessas operações
“
A SITUAÇÃO ERA PERIGOSÍSSIMA” DIZ PIRES VELOSO – SE ERA?!...AS ROÇAS FORAM
ARMADAS PELO EXÉRCITO COM MÁUSERES , MAS O ROCEIROS FIZERAM ENTRAR NA ILHA
METRALHADORAS CLANDESTINAS - QUE CERTAMENTE AINDA ESTÃO POR LÁ ENTERRADAS E NÃO
FORAM DEVOLVIDAS COM AS MÁUSERES
Além
das velhas máuseres, alguns até possuíam metralhadoras. Ao sul da Ilha, na
Praia Grande, em 1964, foi encontrada uma baleeira abandonada. Eu vi essa baleeira branca e a
PIDE por lá a investigar o caso. Foi admitida a hipótese de ter
havido um descarregamento de armas por parte dos soviéticos (mais uma vez os
comunistas à baila) para fins subversivos. Mais tarde ouvi bichanar
ao feitor geral da Roça Ribeira Peixe, onde trabalhava, o seguinte desabafo
para o chefe dos escritórios: “Agora já podemos dormir
descansados!... Estamos na selva do inferno mas já temos
metralhadoras para matar o preto que se atreva a fazer-nos o que fizeram em
Angola!. Enganámos os PIDEs. O exército só nos quis dar as máuseres, que nem
para matar pássaros já servem, mas agora já temos com que nos
defendermos”.
Pires
Veloso, refere que “ a situação era perigosíssima” –
inteiramente de acordo: – há muito eu sabia que as roceiros estavam armadas até
aos dentes. (...) Esclarece que “tratava-se de material distribuído à
chamada Organização Provincial dos Voluntários que, no fundo, constituía a
guarda pretoriana dos donos das roças”
“Em
determinado momento, para mim, a situação ficou altamente preocupante” – refere
o ex-governador,
“ quando, ocasionalmente, tive conhecimento de que, nalgumas roças, havia
arrecadações com material de guerra, melhor do que o exército dispunha. Apesar
dessas roças estarem já sob controlo dos “guerrilheiros”, estes ainda não
haviam mexido nesse material”
SE OS
ACTIVISTAS PRÓ-INDEPENDÊNCIA, QUISESSEM PEGAR EM ARMAS, TÊ-LO-IAM FEITO –
QUANDO OS ROCEIROS ABANDONARAM AS ROÇAS - MAS NÃO O FIZERAM PORQUE ESSE
NÃO ERA O SEU OBJECTIVO
Os roceiros
abandonaram as roças e alojaram-se no quartel militar e no Cinema Império
– Se os militantes da Associação Cívica, quisessem enveredar pela via
armada, não teriam devolvido essas armas, que foram lá buscar – E
fizeram-no, não porque quisessem fazer uso delas, mas para evitar que as mesmas
os matassem.
FALA-SE DO Quinto Império - MAS LONGE DE SER O IMPÉRIO COLONIAL -
ESTE FOI UMA PERDA DE TEMPO. UM DESPERDÍCIO E UM VERDADEIRO DESASTRE PARA PORTUGAL E PARA OS POVOS QUE
OPRIMIMOS - Será que a maioria da população
portuguesa, vivia melhor ou estava mais desenvolvida que os povos que
escravizámos?... Quando nos servimos da mão-de-obra escrava?!... Seguramente
que não: "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça / Desta
vaidade a que chamamos fama!" - Luís de Camões
Em 1492 centenas de crianças judaicas são arrancadas à força dos
lares dos seus pais e enviadas a povoar São Tomé.
Se, em vez de colonizarmos e ocuparmos, nos tivéssemos
dedicado exclusivamente à navegação e ao comércio, através de meios pacíficos e
da reciprocidade, respeitando os costumes e o modo de ser dos povos, se não
éramos hoje a língua mais falada do mundo, éramos, pelo menos, o povo mais
viajado e, por certo, o mais sabido: teríamos aprendido muito e
influenciado também ainda muito mais o Mundo. ..
...................
E,de facto, rezam alguns documentos que, as instruções
régias iam no sentido de se manterem boas relações com os africanos,
nomeadamente com os chefes das tribos - pois, sem as quais, se tornaria
impossível qualquer género de trocas ou de negócios. O exemplo dessa
preocupação é o facto de, mesmo na fase inicial da colonização destas ilhas, se
encontrarem diversas cartas de alforria, concedidas para libertação dos
escravos a homens livres - Mas eram exceções, pois, até que a escravatura fosse
completamente abolida e alforria um dado definitivo, ainda haveriam de decorrer
alguns séculos. Veja-se o que defendia a Constituição Política de 1822:
"Todos os portugueses são cidadãos e gozam desta qualidade..." -
excluindo os escravos
«Os trabalhadores negros de angola enviados para São Tomé eram tratados como gado - cada um tinha ao pescoço um colar metálico com o nome do plantador de São Tomé a quem era destinado". A bordo dos navios negreiros, atulhados e fedorentos, "a comida era-lhes dada em grandes caldeirões, dando lugar a lutas em que metade se perdia; só os mais fortes se alimentavam. Os passageiros comentavam: "Que animais e que brutos são estes escravos." » Observações de Heli Chatelain, linguista e missionário protestante que viajou a bordo de um vapor português, juntamente com 200 angolanos recrutados no interior.
Nenhum dos países europeus, que se entregaram à
colonização, deixou de se servir da desumana mão-de-obra escrava e está
isento de culpas, porém, há historiadores que defendem que o protestantismo dos
Holandeses era mais prático que o catolicismo. "Não se importavam em levar consigo tantos
sacerdotes , o seu objetivo era o comércio e não a conversação dos bárbaros ao
cristianismo" - "Quem quer que se proponha descobrir novas terras e
novas tribos, precisa de ser paciente sofredor, não propenso a exaltar-se com
facilidade, antes desejoso de conciliação" - Esta era uma das normas imposta
aos marinheiros e colonizadores - É claro que de boas intenções, esteve sempre
o inferno cheio: - Palavras e atos, quem não conhece as diferenças?..
.Sim, mas se se tivéssemos seguido a conduta do
pacifismo, a das relações amigáveis e não a do domínio e da subjugação,
podíamos não ser uma potência colonial, mas éramos, seguramente, o império da
universalidade e da espiritualidade
- Infelizmente, os tempos eram de trevas, quer para o grosso da população
portuguesa, quer para os martirizados povos africanos, que
colonizámos.
"Os
portugueses mais inteligentes...atribuem francamente a presente ruinosa
situação da África Oriental Portuguesa, no fundamental ao comércio de escravos,
que afastou a população europeia da agricultura ou de qualquer outra fonte de
riqueza" - Livingston
Abandonavam-se os campos e alguma coisa
que se fazia era com trabalho escravo: "Um escravo mouro, encontrado
em Lisboa, de noite ou de dia, sem uma cadeia de ferros de 12 arreteis
será confiscado, devendo a metade do seu valor caber aos Hospital de
Todos os Santos. Os escravos são proibidos de jogar. O testemunho dos seus
acusadores faz sempre prova contra eles(...) Um escravo que fira o seu amo será
condenado à morte." Pedro Ramos de Almeida
António Vieira, ..... Fernando Pessoa......,Agostinho da Silva
e outros pensadores, acreditaram que ainda podíamos descobrir um outro
império... - Oxalá que sim - Então, agora, que não há meio de sairmos da
era da turbulência e do vazio. De uma crise marcada pelo egoísmo, pela
violência e ausência de valores - Venha ele!...
Pois vale mais tarde de que nunca...
MAS VEJA SÓ POR ONDE ANDÁMOS PERDIDOS...VEJA A MENTIRA QUE ANDÁMOS APREGOAR E A
DEFENDER - SIM, SERÁ ESTA A CULTURA DE QUE NOS DEVEMOS
ORGULHAR?... VEJA O FERRETE, QUE O COLONIALISMO ATRIBUÍA
AOS FILHOS DE SÃO TOMÉ - ESTE É APENAS UM DOS MUITOS MAUS EXEMPLOS - SÓ
PELO FACTO DE SE RECUSAREM A SER ANIMAIS DE CARGA
"...Que
o pobre "fôrro" tem falta de qualidade de trabalho, tudo o revela (...).Que ele
não conhece a gratidão, nem a sente para com os que o arrancaram da barbárie
primitiva e fizeram seu igual, especialmente quando usa gravata,
ficamo-lo sabendo agora."
"Eis porque há forros e forros... E se não
enxergarmos distingui-los e tratá-los conforme a distinção que assim fizermos,
corremos o risco de, endémica e periodicamente, assistirmos à repetição deste
«destoar» de S. Tomé"
"(...)alguém
vive em casas iguais às nossas, diz
aos nativos que o avô deles já aqui estava quando os portugueses chegaram,
o que toda a gente sabe ser falso pois as ilhas eram desertas"
(..)"Esse
alguém, é inimigo a enfrentar, sob pena de ter sido inútil o sangue dos
mortos!".
ANTIGAS ROÇAS DE CACAU E CAFÉ – AUTÊNTICOS FEUDOS (UM ESTADO DENTRO DE
OUTRO ESTADO), ONDE TODO O PODER SOBERANO ERA PERMITIDO – ATÉ A CHIBATADA! MAS A MELHOR HERANÇA QUE SOBEJOU FOI NACIONALIZADA
E DESTRUÍDA – A MAIORIA DAS ROÇAS ESTÃO HOJE IRRECONHECÍVEIS!
“Todos recordam que as roças eram exploradas
por colonos portugueses que conseguiam melhores proveitos à custa da
mão-de-obra barata dos nossos ancestrais contratados (que de facto eram
escravos, visto que não podiam regressar aos seus países de origem). Em segundo
lugar, a maioria das roças funcionava como um autêntico feudo (Estado dentro do
Estado), onde o patrão detinha todo o poder sobre as pessoas que nele viviam,
onde o poder e a justiça da Metrópole nem do Governador na Colónia não se
aplicavam. Nas roças foram cometidas talvez as maiores injustiças da era
colonial. Muita gente defende o Marco de Fernão Dias e por vezes esquece que o
nosso passado também está marcado em cada pedra das nossas roças. Por
outras palavras, cada roça é um monumento e devia ser preservado como tal.”
–17 jul. 2009 Tluquí Sun Deçu: Porquê que nós sempre persistimos nos mesmo
erros?
Palavras
que subscrevo inteiramente – pois conheci essa negra realidade. Mas também
poderia estar de acordo com a sua crítica aos erros que posteriormente se
cometeram após a independência E que são apontados no seguimento do mesmo
texto: “volvidos 34 de independência,
após repetidas tentativas de viabilização falhadas com várias empresas e a
famigerada distribuição de terras, os nossos dirigentes e a maioria dos
são-tomenses ainda não perceberam que o modelo das roças é um modelo falhado.
Nós temos de reinventar as roças e adaptá-las à nossa realidade actual.” E,
pelos vistos, era justamente o que deveria ter acontecido: “Não deu os resultados almejados, a reforma
agrária não foi acompanhada da necessária ruptura e substituição do
antigo modo de produção por outro mais moderno” – É o que se conclui noutro texto de autoria de Maria da
Graça do Espírito Santo Costa.
Tenho pena que
se tivessem cometido tais erros. Não me surpreendem: são erros de um jovem país
que parte em busca da sua identidade e da sua afirmação. O colonialismo
explorou a terra e o povo durante séculos e nunca se importou em preparar
quadros e apontar-lhe o rumo da sua auto-determinação. – A Revolução de Abril,
cometeu também muitos erros mas não tem propriamente culpa, pois não fez mais do
que pôr cobro a uma situação caduca e intolerável. Mas como fazer melhor,
quando a herança que se tem em mãos, é consequência do obscurantismo e da
opressão?!... Era de prever, que, um dia, à força do Salazarismo querer
tudo, nos ia deixar sem nada – Nos lançaria para uma enorme crise social e
económica e nos deixaria arruinados – Daí que tenham sido muitos os escolhos ,
desde que o nosso país e os povos que subjugavam, se abriram a novos rumos na
senda de uma saudável convivência, tolerância e espírito democrático. .
O 25 de Abril devolvera a liberdade ao Povo
Português e a promessa da libertação dos povos sob o jugo colonial. A censura
foi erradicada e a imprensa passou a publicar livremente os seus artigos,
reportagens e a exprimir as opiniões. A minha experiência na Roça, fora
suficiente dura e dececionante para me alertar e a tomar consciência de
que o colonialismo, não servia nem os povos das ilhas nem sequer muitos dos
pobres colonos, que para ali iam na esperança de uma vida melhor. Também
fora enganado. Por isso, não vi outro caminho que não fosse o de apoiar o
movimento libertador.
Graças
ao relato da minha primeira aventura marítima – a travessia de canoa de São
Tomé ao Príncipe – na Semana Ilustrada (a que já me referi em anteriores
postagens) lograra ser correspondente desta revista angolana, e,
posteriormente, vir a colaborar como operador na então única estação de rádio, das
ilhas. - O que aconteceria mas por um preço elevado, dado ter sido espancado
e preso pela PIDE e pago pesada coima à capitania.
O diretor
da referida publicação, apreciou a história, que foi editada em sucessivos
capítulos, e, tendo descoberto em mim alguns dotes para a escrita,
convidar-me-ia a colaborar. Dada a inexistência de outras publicações - à exceção
do quinzenário A VOZ DE SÃO TOMÉ (órgão oficioso do regime) - não me foi
difícil conquistar leitores. E também muitos problemas. Mesmo antes do 25 de
Abril. Com artigos censurados e algumas patifarias.
Só pelo facto de ter feito uma pequena crítica a um membro
do Governador Silva Sebastião, ao Director de Turismo, foi-me levantado
"um sumário inquérito" por um tal fascista Eng. Freire - O
bastante para o Diretor da Estação (sob pressão daquele alto quadro da E.N.,
que ali se encontrava em comissão de serviço, e era vizinho e amigo do
dito funcionário superior) enviar um telegrama à EN(conforme documenta a
imagem) para suspender a minha admissão nos quadros da empresa pública, tendo
continuado como mero colaborador - Vá lá que podia ser pior. Se não fosse a
revista gozar de implantação, tinham-me posto na rua.
De
facto, a palavra independência – pese os ventos sopraram desfavoráveis ao
colonialismo – era ainda uma blasfémia. E as reações não se fizeram esperar.
Não por parte da população negra (de quem tivera sempre o maior
apoio, carinho e compreensão) mas por ações agressivas de grupos de colonos,
que não aceitavam que se denunciassem certas arbitrariedades perpetradas pelo
regime derrubado, tal como não viam com bons olhos qualquer artigo em que
se desse voz ao movimento libertador da descolonização e
independência. Cedo comecei a compreender que a toda a sua ira era descarregada
sobre mim!
Custavam-lhe aceitar as mudanças que o espírito de Abril
desencadeara, quer no continente quer nas colónias. Não vou aqui relatar os
episódios das suas lamentáveis agressões, a que, aliás, resumidamente, já me
referi – a forca de corda que me penduraram à porta de casa ou recordar as
navalhadas, com que, por duas vezes, furaram todos aos pneus do meu
carro, e tantas outras patifarias. Pertencem ao passado e dariam muitas
histórias.
Muitos
portugueses (colonos) foram vítimas das prepotências e da exploração dos
roceiros – Pessoalmente, fui um dos muitos escravos nas roças - não eram
só os africanos; também eu trabalhei naquela roça grande!- Na Roça Rio do
Ouro, hoje conhecida por Roça Agostinho Neto Estive lá até que
fui mobilizado para a tropa, tendo ido tirar o curso de sargentos milicianos,
em Angola, seguido do curso dos comandos e regressado ao CTI de STP, onde
conclui o serviço militar.
Desempregado
e desiludo com a malvadez e as prepotências do administrador Roça Uba Budo, fui
lá pedir trabalho - Apanhei um velho autocarro, desde a cidade até
Guadalupe e apresentei-me lá manhã cedinho. Esperei que o administrador se dirigisse
aos escritórios, tendo-o abordado pessoalmente: "O que é que você faz aqui?"...
pergunta, mal me aproximo dele. "Estou
desempregado e venho pedir-lhe trabalho, Sr. Fonseca....Vim fazer um estágio na
Roça Uba Budo, depois fui mandado para a Ribeira Peixe. E não me dei lá
bem"... "Já sei quem é você... Já
sei o que se passou... O Pereira, já me falou de você.... Não sabia o que lhe
havia de fazer e mandou-o para a Ribeira Peixe!... Aqui tudo se sabe... Ele diz
que o queria mandar embora, porque fala muito com os pretos!... Que dá muita
confiança aos serviçais... Mas eu não me importo que fale com eles!... desde
que acabem as empreitadas!..."
.......................
"Então você é o técnico agrícola?!...Ele falou-me
disso.... Sabe... nós aqui somos todos técnicos!!.. O que precisamos é de
práticos!... Aqui, todo o branco, tem de começar por empregado de mato -
Imediatamente, chamou
o Chefe de escritórios, o Sr. Menezes e disse-lhe: "tome
nota do nome dele, entregue-lhe, já um machim e que vá já ter
com o feitor-geral para ir com uma "formatura" colher cacau no mato.
Ponha o capacete e não se demore!" - Sim, porque eu tinha-o na
mão, quando falei com ele. Nem podia ser de outro modo. Ele era o grande senhor.
Dizia-se que a roça tinha 150Km2 de área: era um estado dentro de outro estado.
E lá fui despachado em três tempos.
Apesar
de tudo, ainda não era dos piores: o
Pereira, da Roça Uba Budo (administrador-geral da Companhia Agrícola
Ultramarina) era ainda mais prepotente - e, sobretudo, racista. O Fonseca
(administrador-geral das três roças, Rio do Ouro, Bela Vista e Diogo Vaz) ainda
dormia com as negras (com as meninas!..) e era capaz de dar uma sonante
gargalhada, com outros roceiros, depois de um almoço bem regado. Quando se
passava dos carretos, nunca alteava a voz... Se alguém, vinha junto dele
queixar-se...Toca a andar... toca andar!.... Vai ter com com o Sr.
feitor-geral... Não dizia mais nada. Virava as costas e ninguém lhe
desobedecia. Com o Pereira, era impensável alguém vir reclamar à sua
frente... Era o diabo em pessoa. Gritava e era capaz de desatar à
bofetada a qualquer empregado de mato.
Não se lhe conhecia senão a
postura do típico "militarão roceiro", insensível, duro e
implacável. Era casado com uma branca (casos raros nos costumes da roça,
que impunham a samou), mas ele fora sempre um dos protegidos dos
proprietários, que viviam refasteladamente em Lisboa e só lá iam de avião, na
Gravana, quando o clima é mais ameno e fresco, fora dos grandes calores da
época das chuvas, dos nove meses quentes e húmidos, tendo-o autorizado a levar
a mulher. - Azedo e autoritário, via-se mesmo nele, na selvajaria grotesca das
suas palavras e na rudeza estampada no rosto, o ódio que ostentava contra
os escravizados trabalhadores, sendo, por isso, incapaz de dormir com
uma negra!-
Olhava os serviçais com desprezo, exigia que
fossem tratados "todos por tu e abaixo de cão!" - Não se
importando, absolutamente nada, que lhe fosse distribuído, de
ração, o peixe seco de Moçâmedes, azulado e podre, tal como o feijão,
bichoso e furado, que era retirado dos armazéns húmidos e fétreos:
argumentava ele: o que não mata, engorda!.. E não se contentava,
que o trabalhador completasse a empreitada: no termo da capinagem ou da
colheita dos sacos de cacau, exigia ainda que cada um apanhasse umas quantas
ratazanas e as apresentasse aos capatazes no terreiro. Dizia que o
veneno não chegava e era "preciso pôr cobro às maiores pragas dos
cacaueiros" . Porém, tal era a carência de proteínas, que havia
sempre quem levasse algumas para a senzala...
Além disso,
fechava os olhos aos brancos que ainda usavam a chibata e a palmatória, tal
como um tal Inspetor do Trabalho(que em vez de zelar pela defesa dos empregados
e serviçais, punha-se ao lado dos patrões) uma espécie de "girafa"
magricela (era de tal têmpera, que a comida nunca o engordava) mas era useiro e
costumeiro nas habituais galas de sábados, na "Casa Grande", fazendo
assim vista grossa a todos os desmandos e prepotências - procedendo-se, quase à
semelhança dos tempos do anterior administrador, um tal Amorim, que se
suicidou. Um facínora, que mobilizara, toda armada das três roças,
nos Massacres do Batepá - E do qual se contavam as histórias mais
bizarras e as arbitrariedades, mais incríveis.
Pois bem, eis o que me ordenou, esse tal Pereira
, administrador-geral da CAU (Roça Uba Budo, a sede, Ponta Figo e Ribeira
Peixe) quando fui apresentado na administração: ele, sentado por trás de uma
enorme secretária, eu jovem de 18 anos, para quem tudo era ainda uma descoberta,
mas também para quem cedo, tudo começava por ser uma grande desilusão, sim, eu
plantado no meio da sala, de pé e em sentido, tal como um soldado à
frente de um general, atento mas constrangido, pois nem sequer se dignara
estender-me a mão, enquanto ele passa imediatamente ao responso:
"é o Sr.
Jorge Marques?!...Pois então ouça o que lhe digo!... Julgo que o
sr. Agostinho, já lhe explicou a disciplina da roça. Aqui toda a gente trabalha
e cumpre as minhas ordens!...Ouça-me e não se esqueça o que eu lhe digo: O negro é
molengão e não se lhe pode dar confiança!...Nada de conversas!... Esses
mandriões não fazem nada se você não se impuser!... Não se lhe pode chamar por
você!... É tudo por tu e abaixo de cão!. Disciplina de ferro!!... Ouviu o que
lhe disse?!... Se não for assim, não se faz nada deles!! Não trabalham!!.... Por
agora, fica na sede da Roça, depois irá para uma dependência. Pode ir
embora!...Levem-no lá..."- Foram estes os termos que empregou,
quando o feitor-geral e um empregado do escritório, me encaminharam à sua
presença, no dia seguinte ao meu desembarque em São Tomé.
- Como não respeitei as suas instruções, uns
meses depois marchava para a Ribeira Peixe, ao sul da ilha e na zona mais
quente e húmida, mais insalubre e pluviosa, para um
"estágio" nos cacauzais abandonados, já encobertos por
capim e "capoeira", numa área que já não se distinguia da
floresta do obó, infestada pela temível cobra preta. Missão:
contar cacaueiros decrépitos, que um pobre trabalhador cabo-verdiano
(igualmente de castigo) ia marcando com cal - Não havia dia algum, que
não nos deparássemos com meia dúzia das tais perigosas serpentes. Eu ainda
andava de galochas, o pior é que ele andava descalço. Um dia vi morrer um
serviçal... Em menos de meia hora passou de negro a roxo!.. Tanto suor e
tanto sofrimento naquelas roças!... Cabo-Verdianos, Moçambicanos, Cabindas,
Angolas, uns mártires! - Também os Forros, os Tongas e os Angolares
- uma etnia da ilha, constituída essencialmente por pescadores - Só que, aos
nativos, quando os chateassem demasiado, viravam-lhes as costas e já não
apareciam...Foi por isso que houve o massacre do Batepá.
Claro que o Fonseca também tinha as suas paranoias: pois qual o
colono, que ascendia a administrador-geral da roça, que não fosse autoritário,
por tramar este e aquele branco e tratar os negros através da
dureza, da prepotência e da selvajaria verbal?!.. Um dia caiu-lhe um izaquente
no ombro, ordenou imediatamente o abate de todas essas árvores, cujas sementes
substituíam o feijão e eram fundamentais na alimentação dos povos das ilhas -
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE PLANTAS E Povos.
Espero que, esse senhor Ricardo Durão, que conviveu à
grande e à francesa, com estes e outros gulosos e arrogantes colonialistas, mas sobretudo que teve o
desplante de ir da metrópole (Portugal) para se juntar aos golpistas,
sinta alguma vergonha em voltar aquelas maravilhosas ilhas. As gentes são
generosas e pacificas e sabem perdoar - Mas há atitudes que não podem ser
branqueadas. Não me admiraria, no entanto, que já o tivesse feito: pois, aqueles que mais se
opuseram ao processo da descolonização, nas ex-colónias, são os que agora
estão na mó de cima. Os mais bem vistos!... Não é com eles
que os novos ricos africanos, fazem os melhores negócios, dirigem a banca e
promovem as coligações políticas preferenciais?!...
Muitos dos dirigentes, em África, parece que já se
esqueceram da exploração e das brutais diabruras dos colonialistas: deixaram-se influenciar e
corromper pelas "maravilhas" do capitalismo global e
pouco ou nada se importam com o passado, estão-se marimbando para o povo(que se
debate com a miséria e carências de toda a ordem) e tornaram-se incomensuravelmente
ricos, eles e os seus. Em muitos casos, piores que o antigo colonizador. Por sua vez, a
maioria dos retornados, em Portugal, são racionários e continuam
agarrados a preconceitos Salazaristas e coloniais. Eles lá sabem quem
melhor os serve...E
os que não foram retornados, mas cobiçam as riquezas de África, também
não se perdem e até são recebidos de braços abertos...
Imagem extraída de Dona Augusta « É tudo gente morta
Fui encontrar na
Casa da Imprensa, durante vários
anos, como assistente social, a mulher do roceiro da Dona
Augusta - Uma dama habituada a tratar "os pretos por tu",
foi isso que me impuseram, quando me mandaram desterrado para o sul da Ilha, lá
para a Ribeira Peixe, onde também aquela roça se situava - E foi isso que constatei
numa visita que ali fiz a um domingo: "Então são horas de vires a fazer o
almoço!!"
Mas, afinal, o que que é que essa senhora
percebia de assistência social?!..Qual
a sua formação para ir apoiar os jornalistas?!..Foi por essa e por outras - por, certas direções
que por lá passaram, olharem mais nos empregos políticos de conveniência
e não no futuro da instituição, que hoje, a Casa da Imprensa , está de pantanas... Um dia dirigi-me ao gabinete da dita assistente social
- na sequência do despedimento coletivo da Rádio Comercial (sim, apenas
os que não dispunham do cartão dourado .Jobs for The Boys), reconhecendo-me, fui recebido como se ainda fosse empregado
de mato na roça - Era esposa de um tal "Sr.Patrão Caldeirinha": ambos viveram ao belo estilo colonial na Casa Grande da
imagem ao lado. Retornaram mas desenrascaram-se bem: Um dia encontrei-o,
no Largo Camões, confessou-me que estava ligado a contabilidades e
militava num partido - Pelos vistos, devia estar na maior. E ela não ficava
atrás, pois arranjaram-lhe um bom tacho.
COLONIALISMO: O QUE PODERIA TER SIDO UMA OPORTUNIDADE INTERESSANTE DE
INTERCÂMBIO COMERCIAL E DE CULTURAS - ENTRE
CIVILIZAÇÕES -
RAPIDAMENTE SE TRANSFORMOU NA MAIS IGNÓBIL EXPLORAÇÃO HUMANA, EM PILHAGEM
E DOMÍNIO, EM DESBRAGADO COMÉRCIO E MÃO-DE-OBRA ESCRAVA - POR
EUROPEUS:
portugueses e espanhóis, seguido de ingleses, franceses e holandeses, entre
outros.
HÁ, PORÉM, QUE RECONHECER A CORAGEM DAQUELES QUE SE
AVENTURARAM AO MAR...
ADMIRÁVEL A GESTA ÉPICA DOS PRIMEIROS NAVEGADORES PORTUGUESES QUE SINGRARAM MARES QUE
DESCONHECIAM (se
bem que, em boa parte, mapeados, embora rudimentarmente ou com escassa informação) NAVEGANDO NAS CONDIÇÕES MAIS PRECÁRIAS E ADVERSAS - FEITOS
TÃO MARAVILHOSAMENTE CANTADOS NOS VERSOS DE CAMÕES. EM Os
Lusíadas -
HÁ PORÉM QUE DISTINGUIR A EPOPEIA MARÍTIMA DA COLONIZAÇÃO, QUE SUBJUGOU E TIRANIZOU OS
POVOS.
Uma coisa é a verdade histórica (e foi essa que eu procurei
através de várias travessias em pirogas e que ainda hoje questiono), outra, as omissões ou a
que convinha ao Reino.. Todavia, há que realçar a coragem dos marinheiros
lusitanos, que se fizeram ao mar apenas munidos de um mero astrolábio - Não dispunham de sextante, nem
de cronómetro ou sequer de almanaque náutico que lhes possibilitasse algum
rigor da navegação - Embora dispondo de alguma informação, iam à
aventura!..
Quantos naufrágios!... Quantos se perderam!... "Ó mar salgado, quanto do
teu sal /São lágrimas de Portugal!/Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
/Quantos filhos em vão rezaram! In
-Pessoa: MAR PORTUGUÊS
"O mar e o vento faziam tamanho estrondo, que quase nos não
ouvíamos, nem entendíamos uns aos outros" (...) E vendo-se todos
em tão grande perigo, ficaram assombrados, e fora de si, julgando ser esta a
derradeira hora de vida" - In História Trágico Marítima
- Sou português e não descuro os feitos marítimos dos meus
antepassados. Mas também não quero fazer como a avestruz. Nem fazer dos
compêndios coloniais, uma bíblia sagrada. Sem deixar de admirar a coragem dos antigos
navegadores, busco outras interpretações. Eu próprio me desloquei de
canoa, em Dezembro de 1970, desde a Baía Ana de Chaves ao recanto de Anambó local onde terão aportado
pela primeira vez, João de Santarém e Pero Escobar -
Curiosamente, (confrontando as imagens) vejo que o sítio está
agora mais bem conservado do que estava naquela altura,
onde passei uma noite horrível, com as costas sobre lascas e
gogos de todos os tamanhos e feitios (pois ali não existe praia de areia),
mesmo quase sobre a margem onde as ondas vinham bater, embrulhado pelas palmas
dos coqueiros mas constantemente a ser espicaçado e mordido por enormes
caranguejos do mar e da terra, que não me deram um minuto de descanso -
Não me deitei no mato, receando as cobras negras. E, ao alvorecer, perante
aquele vetusto e simbólico padrão, rodeado de palmas, tão belas, sonoras
e verdejantes, não me importei de homenagear os marinheiros de
quinhentos, com a bandeira portuguesa.
Não sei se com ambiente igual ao do antanho, talvez muito
próximo. Mas
muito diferente do que agora está - Julgo que foi transformado num local
turístico. Vêem-se castanheiros bravos, que não existiam, mais palmeiras de que
coqueiros e fizeram por lá um terreiro e instalações, que não havia. E talvez
melhores acessos. O padrão estava rodeado de erva e capim (em semi-abandono) e
era quase ao rés-vés da praia. Até parece que foi removido. Compare a imagem de então
com a actual,
em:**Padrão
dos Descobrimentos - Anambó,***e ainda em :Anambó
Não é seguro que aportassem, naquela pequena enseada, tal como
não é segura a data, quando ali desembarcaram. Pessoalmente, nunca acreditei
(desde que, em 1963, meus olhos viram tão formosa ilha) que
os portugueses tivessem sido os primeiros seres humanos a pisarem aquela
ilha - Desde logo fiquei com a convicção de que, de há muito, há
muitos séculos ou talvez milénios, as ilhas do Golfo da Guiné, já eram
conhecidas e haviam sido povoadas. por povos do litoral africano
Todavia, quer os portugueses, nas frágeis caravelas, quer os
primeiros povoadores, nas suas toscas pirogas, foram lobos do mar e heróis
desbravadores à sua maneira.
À semelhança das grandes migrações no Pacífico: considerados os
"navegadores supremos da história": velejando em linha,
cada uma à distancia da visão da canoa que lhe seguia atrás, até qualquer
delas divisar uma ilha habitável, atravessaram vastas extensões daquele imenso
oceano, colonizaram as mais remotas ilhas, algumas a milhares de milhas, umas
das outras, não dispondo sequer de uma bússola ou de qualquer outro instrumento
náutico
MAS, SE A EPOPEIA PORTUGUESA, É ADMIRÁVEL, PENSO QUE O MESMO
NÃO SE PODE DIZER DO COLONIALISMO DURO E CRU - PORQUE ELE AMORDAÇOU E
OPRIMIU OS POVOS INDEFESOS E PACÍFICOS. EXPLOROU-LHES
AS RIQUEZAS NATURAIS À CUSTA DE MÃO DE OBRA ESCRAVA - CLARO QUE NÃO FO A PLEBE
QUE ENRIQUECEU, MAS UNS QUANTOS PRIVILEGIADOS.
O 25 DE ABRIL É CONSEQUÊNCIA DO COLONIALISMO E DE UMA DITADURA INCAPAZ DE PÔR
TERMO A UMA GUERRA CRUEL E DE DAR UM RUMO DIGNO A PORTUGAL E ÀS COLÓNIAS
Portugal perdeu a sua oportunidade histórica. Nem sequer soube dar às
colónias a auto-determinação e independência, quando o poderia ter feito - Foi
o primeiro a instalar-se em África e o último a sair... Mas devia ter sido o
primeiro a dar o exemplo.. Quando, em todo continente africano, se erguiam
as bandeiras nacionalistas da independência, o Salazarismo e Marcelismo,
insistiam na guerra... Um guerra injusta e cruel!.. Depois, tudo se
precipitou.. -
Deixando atrás um trágico balanço de milhares de vitimas para ambas as
parte.
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