Jorge Trabulo Marques - Jornalista
A vida escrava dos
africanos na capital do reino colonial após abolição da escravatura – Os tempos mudam mas a escravatura do presente,
será assim tão diferente da do passado?
- A narrativa do livro não a questiona mas o autor vê com atenção e preocupação a difícil
vida nas suas ilhas
“Escravos e Homens Livres”
– Este o título do terceiro romance de Orlando Piedade: o talentoso escritor
santomense, voltou a pegar em temas históricos, que marcaram alguns dos episódios mais duros e
desumanos da colonização – O lançamento foi apresentado, ao principio da tarde,
de ontem, na Feira do Livro de Lisboa,
no stand das Edições Colibre, com uma sessão de autógrafos pelo autor – Fomos ao seu encontro, justamente quando o escritor já descia uma das áleas do Parque Eduardo VII - Mesmo assim, ainda pudemos registar, com muito agrado, um breve diálogo com o romancista historiador, que temos o prazer de
aqui reproduzir, num vídeo, ilustrada com imagens da escravatura e outras dos tempos atuais.
Orlando Piedade, estreou-se,
com “O Amor Proibido, em 2011, baseando-se
na historiografia colonial das Ilhas Verdes do Equador. Em 2014 publicou “Os Meninos Judeus Desterrados - De Portugal para São Tomé e
Príncipe por Ordem Del Rei D. João II em 1493,
trazendo para a atualidade, o drama das crianças judias deportadas
para S. Tomé, e outras histórias relacionadas com essa horrível deportação, que
foram arrancadas do seio familiar e desterradas para São Tomé e Príncipe, nos
primórdios da colonização - onde a grande maioria acabaria por não resistir
quer às agruras da viagem quer às adversidades do clima e, sobretudo, devido ao
profundo trauma causado pela ausência do carinho maternal e paternal,
Embora a residir em Lisboa, nem assim esquece as suas Ilhas |
Emocionante obra pela qual seria distinguido com o prémio
literário Francisco José Tenreiro 2015 -
Agora, de novo a surpreender-nos com o
livro “Escravos e Homens Livres”, versando sobre a vida dos africanos em
Lisboa, expondo as duras condições de vida que tiveram depois da abolição da
escravatura em Portugal, decretada pelo Marquês de Pombal, em 1773” Ou seja, tendo como enredo factos da História
de Portugal oitocentista - como o liberalismo- - Traçando, para “melhor enquadrar a sua narrativa, a
história das relações entre africanos e portugueses, no quotidiano de duas
famílias lisboetas, uma de origem africana, vivendo em condições económicas difíceis
e marcada pelo passado esclavagista, e outra portuguesa, de estatuto social
elevado, integrada no quadro político do século XIX português.
Se o texto revela a presença
permanente e actuante do preconceito racial que desvaloriza os africanos e dá
como a da dureza da sua vida, pois mesmo livres perante a lei - depois da
abolição da escravatura em Portugal decretada pelo Marques de Pombal em 1773 -
estes homens e mulheres, 'os pretos', não só são rejeitados pela sociedade portuguesa
como se mantêm na esfera laboral mais degradante, fornece também os elementos
que permitem conhecer as estratégias de sobrevivência africanas e as suas formas
de integração e de pacificação nos
quotidianos portugueses.
Neste campo específico da
integração, o autor apresenta O bairro do Mocambo, o bairro africano de Lisboa,
hoje a Madragoa, onde viviam sobretudo africanos livres desde os finais do século
XVI e que é conveniente reter dado o
reter o seu carácter inédito no espaço europeu. Bairro da cidade - por
alvará régio de 1593 -, cuja designação significa “pequena aldeia de refúgio”,em
umbundo, uma língua de Angola -, era um
espaço urbano onde africanos coabitavam com portugueses, sobretudo gente
ligada às actividades do mar, desde o século XVII – Refere o prefácio, assinado
por Isabel Castro Henriques
ILHAS SACRIFICADAS E INGOVERNÁVEIS –
ONTEM E HOJE
Páginas igualmente impressionantes,
que reafirmam, não apenas os excelentes dotes literários de um escritor nadado
e criado nas tão sacrificadas Ilhas de
S. Tomé e Príncipe, como as suas preocupações em trazer à luz da atualidade, episódios que a memória
não pode esquecer, num tempo em que a esmagadora maioria dos africanos, nas suas terras, e sob outras formas, não deixam, porém, de viver o estigma da miséria
e de uma profunda exclusão social
Escreve o autor, na
página 123: “Apesar dos lamentos, tudo corria sobre rodas. Pelo menos no plano
pragmático, Portugal esqueceu-se de que São Tomé e Príncipe fazia parte do
império colonial português. Enquanto as cidades, vilas e aldeias do reino de
Portugal barulhavam, ora ao grito absolutista ora ao grito liberal, solitário,
o arquipélago ligou-se ao Brasil - via São Salvador da Baía através de um
cordão umbilical chamado tráfico de escravos. O cordão foi sendo solidificado
com a ex-colónia que, durante muito tempo, se revelou um São Salvador das
finanças das ilhas em função do comércio de escravos para ali dirigido. A alfandega
da Baía pagava à colónia uma renda anual, importantíssima para sobreviver ao
esquecimento, que a ligava a uma espécie de suborno à memória.
Uma renda anual pelos
direitos sobre os escravos para aí traficados e isso permitia um equilíbrio
financeiro bastante razoável sob a batuta de alguns notáveis que pautavam o
rumo a seguir e, assim, definiam o plano estratégíco. Um plano estratégico
moldado à medida do "eu", focado nas "minhas ambições", nas
"minhas vaidades" - o "eu" que impedia as ações de qualquer governador destacado para
as ilhas, sobretudo aquele que realmente abraçasse a missão de que era imbuído,
de dedicação ee zelo, sem lugar a duelo de titãs porque o governador o elo mais
fraco, logo rapidamente chegava à conclusão
de que as ilhas eram ingovernáveis.
Nenhum comentário :
Postar um comentário