EM LOUVOR E MEMÓRIA DE UM GRANDE POETA E SÁBIO
Peregrino
do mar e da terra - em demanda da claridade e do conhecimento. A minha singela Homenagem, ao imemorável poeta Johann
Wolfgang Goethe
Canto dos Espíritos sobre as Águas
A alma do homem
É como a água:
Do céu vem,
Ao céu sobe,
E de novo tem
Que descer à terra,
Em mudança eterna.
Ao céu sobe,
E de novo tem
Que descer à terra,
Em mudança eterna.
Corre do alto
Rochedo a pino
O veio puro,
Então em belo
Pó de ondas de névoa
Desce à rocha lisa,
E acolhido de manso
Vai, tudo velando,
Em baixo murmúrio,
Lá para as profundas.
Rochedo a pino
O veio puro,
Então em belo
Pó de ondas de névoa
Desce à rocha lisa,
E acolhido de manso
Vai, tudo velando,
Em baixo murmúrio,
Lá para as profundas.
No leito baixo
Desliza ao longo do vale relvado,
E no lago manso
Pascem seu rosto
Os astros todos.
Desliza ao longo do vale relvado,
E no lago manso
Pascem seu rosto
Os astros todos.
Alma do Homem,
És bem como a água!
Destino do homem,
És bem como o vento!
És bem como a água!
Destino do homem,
És bem como o vento!
Johann Wolfgang von Goethe(1779) – Tradução
de Paulo Quintela
E lá parti de calções e descalço, sem dinheiro no bolso, sem relógio e
despojado de tudo; confiante de que a canoa seria o meu único soalho e o meu
único abrigo e não me deixaria ficar pelo caminho. Todavia, sem saber por
quanto tempo e os trabalhos que haveria de ter pela frente....Certo, no
entanto, de que (à semelhança das duas anteriores viagens: de São Tomé à Ilha
do Príncipe e São Tomé à Nigéria), haveria de encontrar dias e noites de paz e
de calma (momentos maravilhosos!) e outros dias e noites de sobressalto, de
tormento e agitação.
Sim, o mar palpita e freme, tem muitos
humores, não é um corpo sem vida e morto - e junto à costa ainda é mais
turbulento e nervoso. Eu ia mentalizado para tudo... Até para aceitar o
naufrágio e a morte, se fosse essa a vontade do oceano... Mesmo que estivesse
aflito, a ninguém podia implorar auxílio.... Batia-me por propósitos, estava disposto
a encarar os maiores sacrifícios; não era uma aventura gratuita.. Isso
encorajava-me! - O que eu não esperava é que tão cedo viesse a ficar sem
mantimentos, sem leme e sem remos. Afinal, em boa parte, o mar deu-me aquilo
que lhe pedi... O de demonstrar que as canoas podem ligar as ilhas com o
continente, tal como o teriam feito os seus primeiros povos e, ao mesmo tempo,
viver as mesmas ansiedades, incertezas e privações do náufrago e chegar a terra
são e salvo - Mas, oh Deus!...A que preço!... E os prémios?!...
Como se não bastasse o tormentoso
calvário... Por três vezes onde aportei, fui preso e encarcerado por suspeito e
perigoso! - O mar fez-me sofrer imenso mas poupou-me a vida. E, se alguma vez
pecara, trazia o coração atormentado mas liberto, os olhos cansados de tanto
perscrutar as noites cerradas ou os agitados horizontes mas puros de espaço e
maresia, tinha a plena sensação de que o meu sofrimento me reconduzira à idade
da inocência e me libertara de toda a mácula. Porém, em terra, foi tal a vil
desconfiança que sempre se abateu sobre mim, que cheguei a pensar se não foi um
castigo infame e maldito ter chegado vivo a terra.. se não teria sido
preferível ficar para sempre - morto ou vivo - sobre as ondas ou no fundo do
mar..
Ora subia ora
descia numa vertiginosa ascensão e descida. Não havia horizonte à minha frente
ou à minha volta. Senão névoas, chuva e mar revolto, vento e cristas espumosas
que rebentavam e se desfaziam... Covas profundas e picos de montanhas que, com
a mesma rapidez que me elevavam, assim me faziam deslizar...Mas lá ia a frágil
piroga - o madeiro escavado - rumo ao desconhecido e superando a fúria das
ondas... De vela feita de panos de sacos de farinha e presa a um pau cortado no
mato. Com um tosco remo improvisado, cravado nas agitação das águas, soprado
por rijos ventos, enfrentando a tempestade... Mas as dificuldades eram
imensas... Insano o meu esforço. Horas depois era forçado a desistir e a deixar
a canoa à deriva. Meu Deus!...Como pude resistir a tanta provação!...E como
aquele mar revolto não me tragou... E foram tantas e tão duras as
tempestades...
ASPECTO DA CANOA
NA MANHÃ DO SEGUNDO DIA
Havia-lhe
adaptado à popa um leme mas saltara juntamente com os remos - Assolado por um
violento tornado em plena noite, e vendo que havia necessidade de reduzir a
superfície da vela, ao abandonar a cana do leme e correr para enrolar um pouco
mais o pano, a canoa atravessou-se, encheu-se de água e uma parte dos víveres e
bidões de água tiveram de ser lançadas ao mar para evitar que se afundasse.
Foram
momentos indescritíveis!... Mas nem assim cruzei os braços.... Já sem remos e o
leme, que desapareceram naquele primeiro embate e enquanto me dirigia à proa,
arranquei então o mastro e pulo ali atravessado para conferir algum equilíbrio
à frágil embarcação. O mesmo fiz com outro que dispunha de suplente. Um dos
bidões (meio de água) amarrei-o por uma corda à proa e lancei-o borda fora para
servir de âncora flutuante e evitar que ficasse atravessada à vaga. Depois
tirei o estrado do fundo da canoa, pu-lo sobre a pequena ponte e coloquei-lhe o
colchão de ar para o que disse e viesse. Na esperança de pelo menos poder sobreviver
mais alguns momentos, caso fosse tragada ou destruída, pois não dispunha de
barco salva-vidas ou de bóias.
Mas,
oh vã esperança!... Que destino teria sido o meu se uma outra onda galgasse o
simples casco que me transportava e a minha estrelinha - se bem que escondida
na opaca penumbra dos astros - não tivesse de mim piedade!... Ao sabor dos mais
violentos balanços e na mais completa escuridão: ora iluminado e cego pelo
clarão azulado e branco dos relâmpagos que rasgavam e fulminavam os escuros céus
e incendiavam a negridão do mar, ora envolvido sob a mais densa e agitada
mortalha de trevas, por estampidos que atordoavam os ares, à mercê do marulho
ameaçador de montões e montões de espuma que se levantavam e se desfaziam
borbulhantes por baixo e em torno de mim, alvejando, como ruidosos fantasmas,
por entre a massa fluída ondulante e a encharcada e nublosa cerração!
Não,
não há palavras para descrever aquilo que ofusca os olhos, agita e assusta o
coração, quase asfixia os pulmões e atordoa e deslumbra de espanto e aflição: a
alma, o corpo, os sentidos...A vastidão dos mares, quando irados por procelosos
vendavais, em noite escura como o breu, oh desgraçados daqueles que forem
surpreendidos sozinhos e em frágeis balsas, em meros esquifes flutuantes, oh!
se outro inferno existe depois da morte, talvez melhor sorte terão as almas que
já por lá se debatem! - Resta-lhe a resignação à fatídica hora, a imagem da
assombrosa expiação, mergulhados na beleza bravia e selvagem do cenário que os
ameaça ou já os devora , ou então lutarem, como bravos, até ao último fôlego e
nunca se darem por vencidos. Sim, que o desespero nunca seja a última causa do
termo das suas vidas.
Popa da
canoa - os bocados que faltam foram usados para improvisar dois remos. Um dos
quais está ao lado do contentor e outro é o que se poderá ver noutra imagem
mais adiante. Dado ter perdido a maior parte dos apetrechos e víveres, devido à
violência do tornado, com que inesperadamente me confrontei na primeira noite
VÁRIAS
TRAVESSIAS E PROVAÇÕES, EM PROL DA HISTÓRIA, DA CIÊNCIA E DA HUMANIDADE
O vasto Golfo da Guiné é,
sem dúvida, um dos mares mais inconstantes e perigosos do oceano e onde existe
toda a espécie de fauna marinha: ou há calmarias podres ou violentos tornados.
Tudo isso é desgastante. À medida que os dias passam, as resistências físicas,
também vão enfraquecendo. Se ao menos me pudesse abrigar! - Mas tenho que
apanhar no corpo o sol e a chuva e o arrefecimento da noite. Sinto um grande
desconforto. Dormir exposto à maresia e de estômago vazio é terrível! É algo
que não desejo a ninguém. No interior da canoa não há água potável nem existem
quaisquer alimentos. Nada, absolutamente nada para comer. Quando chove bebo
água das chuvas; quando não chove alguma água do mar. Não mata a sede, mas
alivia algum sofrimento. O sangue do peixe não é salgado, mas nem sempre os
consigo apanhar.
- Imagem ao lado: bebendo
um pouco de água do mar para matar a sede, que tanto me afrontava, sob 0
inclemente sol equatorial. Enquanto não chovesse não dispunha de outro recurso.
E houve uma semana em que não caiu do céu uma gota de água. Imagine-se numa
praia todo o dia, sem beber água!... Em pleno Verão... E no Equador, quando o
sol abre, é mesmo a pino! Todo o ano!... Ainda se ao menos me pudesse
banhar!... Mas havia o risco de a canoa se afastar e os tubarões - presença
quase permanente - me atacarem. Mesmo assim, de volta e meia, vinham dar as
suas investidas e rabanadas!... E lá tinha que os sacudir à machinada!
Oh Deus a sede é tão
penosa! e tanta água em redor... Cheguei a mascar pedacitos de madeira húmida
para que a boca não me ficasse tão seca. Mas é cruel a secura que me invade o
peito, me faz arder a garganta e me aflige!...E lá tenho que mergulhar a tigela
no mar.Vou bebendo uns golitos de vez em quando para não desidratar. Não é
agradável mas mais sufocante é a sensação de não molhar os lábios e atenuar a
secura que me apoquenta.
Ao cabo de quinze dias,
fico sem anzóis. Foram cinco os tubarões que ainda pesquei! Mas agora só os
posso ver...As rémoras colaram-se com a sua ventosa no fundo da canoa e comeram
os iscos todos. Trincavam a linha e levavam também o anzol. Vou-me valendo de
alguma ave (quando aqui vêm pernoitar) e a consigo apanhar - só têm penas e
ossos, são autênticas carcaças... É uma dor de alma sacrificá-las mas a
necessidade assim me obriga - Vou-me também esforçando por apanhar algum peixe
à mão.. Passo horas ajoelhado, com os braços recostados na borda da canoa, à
espera dos que vêm catar os moluscos que se vão colando à madeira exterior.
Espero a minha oportunidade como eles procuram a sua - mas, geralmente, eles
são mais rápidos de que eu e levam a melhor... O mar é o seu meio natural e lá
vão e vêm à sua vida...
Esta situação é também um
sinal preocupante: como a canoa anda à deriva, as vagas, ao empurrarem-na,
vão-na deteriorando. Será que vai resistir? - É a grande preocupação e
incerteza de todos os momentos. Pois não disponho de remos, perdi-os: saltaram
borda fora com a violência de um tornado e os que improvisei, com pedaços da
cobertura da canoa e uns barrotes que extraí do estrado e de um mastro,
exigem-me um esforço sobre-humano, extremamente penoso. De seguida, alguns
passos do meu diário.Cujo gravador, felizmente, pude preservar no contentor
.Construção da piroga
.
.
Breves excertos do Diário
nos últimos dias
TRIGÉSIMO SEGUNDO DIA
De noite choveu
ligeiramente. O mar, a partir de certa altura, mostrou-se cavado! Tentei pôr
uma vela mas, visto estar bastante agitado, tive que a voltar a tirar... Esta
manhã verifiquei a existência de pequenas ervas e paus... Também observei a
existência de uma garça... Portanto, tenho a impressão de que estou realmente
muito próximo da praia.
Já comi qualquer coisa.
Aliás comi a ave que ontem apanhei. Não tenho já o estômago tão vazio. Espero
que a minha canoa continue a portar-se bem. Pois, como já disse algumas vezes,
está desequilibrada, mete cada vez mais água, pois tem várias rachas.
Não sei neste momento que
horas serão... Serão aí umas tantas da tarde...A verdade é que, desde há quatro
ou cinco horas, enfrentei sucessivas chuvadas! Estou todo encharcado... Estava
convencido que estava muito próximo de terra... Neste momento não sei onde me
encontro... Não sei se a trovoada me favoreceu ou não...
Já tenho que comer, meu
Deus!... Mas que coisa mais saborosa! ... Tão maravilhosa!... Isto é obra de
Deus não foi outra coisa!... Eu vi-o realmente à distância!... Eu não
acreditava que ele passasse junto da minha canoa!... e veio realmente a ter à
canoa!... É um belo coco! Tinha água e tem uma bela amêndoa! Estou a comê-lo!
Estou a tentar a matar a fome com ele!... Para mim foi a melhor oferta! ...Não
podia ser outra coisa!... Não sei donde veio! Mas a verdade é que ele veio ao
meu encontro! Ele veio ajudar a preservar a minha vida!... Estou muito
satisfeito com este coco!...
TRIGÉSIMO TERCEIRO DIA
Passei uma noite
exaustiva!... De chuva!... E a manhã continua
com um mar cavado! com muita ressaca!... Há vento!.... E eu sem ver a
costa de África!... Estou muito fraco! Ainda não comi nada!... Estou cheio de
fome!... Não vejo terra!...Estou realmente bastante.... não direi
desmoralizado.... mas abatido moralmente..... Sim, não estou desiludido...
Tenho fé que hei-de ir ter a terra! Mas, sinceramente, tenho tido tanta calma,
tanta perseverança... no meio de tantos perigos! ... de tantas dificuldades...
Se não fosse assim, talvez já não existisse!..
TRIGÉSIMO QUINTO DIA Acordei com
o barulho de uma enorme baleia aqui próximo da canoa...Estou exausto! Bastante
fraco!...Sinto realmente uma fraqueza muito grande... no corpo... dor de
costas, dor do estômago... mas estou a ver se aguento, com toda a paciência,
estes sacrifícios todos... O fundo da canoa está cheio de água!
Devem ser aí
umas duas ou três da tarde do 35 dia.. .Estou completamente exaurido!... Não
tenho nada na barriga. O meu estômago é um saco de fole! Há uma fraqueza geral
em mim!... Eu sei que as palavras que tenho pronunciado são poucas... Tenho-me
remetido a um autêntico silêncio mas há uma confiança inabalável em mim.
Ao
sabor das ondas....Peregrino do mar e da terra - em demanda da claridade e do
conhecimento..Quando me deitava no estreito fundo da canoa, era tal qual a
imagem do Cristo que vêm no vídeo e que tomei a liberdade de aqui reproduzir..
Era também a imagem de um sofrimento de aceitação do meu calvário: de um
tormento doloroso mas resignado, a que tinha que me resignar com suave,
infinita e paciente aceitação....A beleza ou a fúria do mar - que também é bela
- e os objetivos a que me tinha proposto, valiam todos os riscos e até o
sacrifício supremo da minha vida.Mar majestoso e ameaçador - Quanto maior é a
nau, maior é a tormenta. A minha canoa era uma casca de noz à flor das águas. E
lá ia subindo e descendo. Mas os grandes barcos são fustigados pelas vagas e
nem sempre são poupados: Vi uma vez um barco no horizonte e pensei que ainda
corria mais riscos de que eu.
NÁUFRAGO VOLUNTÁRIO - PROSSEGUINDO A EXPERIÊNCIA
DE ALAN BOMBARD E DEMONSTRAR A POSSIBILIDADE DAS ILHAS DO GOLFO DA GUINÉ TEREM
SIDO LIGADAS ATRAVÉS DE PIROGAS PRIMITIVAS, COM O POVOAMENTO ORIGINÁRIO DO
VIZINHO CONTINENTE
Não levava meios de comunicação com quem quer que fosse. Nem
tão pouco um foguete para ser sinalizado e pedir socorro. A missão assim mo
impunha. Tal como tive oportunidade de referir em anteriores textos, foram três
as aventuras marítimas: a primeira foi a travessia de São Tomé ao Príncipe.
Larguei à meia-noite, clandestinamente, pois sabia que, se pedisse autorização,
me seria recusada, dada a perigosidade da viagem, levando comigo apenas uma
rudimentar bússola para me orientar. Fui preso pela PIDE, por suspeita de me
querer ir juntar ao movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, no Gabão.
Levei três dias e enfrentei dois tornados. À segunda noite adormeci e voltei-me
com a canoa em pleno alto mar. Esta era minúscula e vivi um verdadeiro drama
para me salvar, debatendo-me como extrema dificuldade no meio do sorvedouro
denegrido das águas.
Cinco anos depois, numa piroga um pouco maior, fiz a
ligação de São Tomé à Nigéria. Uma vez mais parti sem dar a conhecer os meus
propósitos, ao começo da noite, servindo-me apenas de uma simples bússola. Ao
cabo de 13 dias chegava a uma praia ao sul daquele país africano, tendo sido
detido durante 17 dias por suspeita de espionagem, após o que fui repatriado
para Portugal. Os jornais nigerianos destacaram em primeira página o feito..
O
que leva um homem sozinho a enfrentar o Mar? - Largando numa piroga apenas
munido de um bússola para se orientar e sem a menor possibilidade de
comunicação com o mundo exterior?... - No meu caso, várias razões: o apelo da
aventura, a necessidade de um profundo recolhimento de ordem espiritual: a convicção
de que, posto perante a grande solidão do oceano, poderia sentir ainda mais de
perto a presença de Deus, questionar-me, reflectir, ter a percepção mais lúcida
e profunda da origem e o sentido da vida e os seus mistérios. Porém, o que
pesou, essencialmente, foram razões de ordem de cientifica, histórica e
humanitária..
Conforme já tive oportunidade de referir em anteriores textos, os
objectivos das várias travessias que empreendi, em condições de extrema
precariedade, de todo exposto à bondade ou à cólera dos elementos, visavam
demonstrar a possibilidade de antigos povos africanos terem povoado as ilhas,
situadas naquele Golfo, muito antes dos navegadores portugueses, ali terem
chegado, contrariamente ao que defendem as teses coloniais, que dizem que as ilhas
estavam completamente desabitadas - E a verdade é que, entretanto, já foram
encontradas antigas cartas em arquivos, do tempo dos árabes, que provam,
justamente, esses contactos com povos que, de há muito, ali viviam.
Factos
históricos que, de modo alguém, poderão pôr em causa o mérito dos arrojados
marinheiros. É que nem sequer se pode colocar a questão de que a história
deliberadamente e ocultou ou mentiu.
Ainda hoje, quem se aproxime das ilhas, tal é a densa vegetação que as cobre
que, a primeira sensação que se tem, é que são unicamente cobertas de florestas
e que ninguém lá vive: e quem é que, vivendo tranquilamente numa ilha, se vai
mostrar a intrusos, dos quais se desconhecem as suas reais intenções?!.... E,
ainda para mais, completamente estranhos à cor da sua pele , ao seu modo de
vida e à sua cultura - quais marcianos vindos de outros planetas! - E estranhos
ainda aos meios de navegação com que se aproximavam!....Por outro lado, também
é certo que a história foi sempre contada de acordo com os pontos de vistas e
as conveniências de quem a narra.
Mesmo assim, a história deixa algumas pistas.
Basta ver que, algumas décadas depois dos primeiros colonos ali se haverem
estabelecido, estes foram de tal maneira repelidos pelos "angolares",
que obrigaram que a capital fosse transferida para a Ilha do Príncipe. Trata-se
de uma etnia, que nunca aceitou a miscigenação e a ocupação das suas terras,
organizada e regida por rei, com fortes ligações ao mar e à pesca - que a
colonização, sem fundamento e comprovação fidedigna, remete para as origens de
um hipotético negreiro naufragado ao sul da ilha.
.Regressado a São Tomé, ainda
no mesmo ano, e já com São Tomé e Príncipe independente, tentei empreender a
travessia ao Brasil, com o propósito reforçar a minha tese, evocar a rota da
escravatura através da grande corrente equatorial e contribuir para a
moralização de futuros náufragos, à semelhança de Alan Bombard.
Segundo este
investigador e navegador solitário, a maioria das vítimas morre por inacção,
por perda de confiança e desespero, do que propriamente por falta de recursos,
que o próprio mar pode oferecer. Era justamente o que eu também pretendia
demonstrar - Navegando num meio tão primitivo e precário, levando apenas
alimentos para uma parte do percurso e servindo-me, unicamente, de uma simples
bússola, sem qualquer meio de comunicar com o exterior, tinha, pois, como
intenção, colocar-me nas mesmas condições que muitos milhares de seres humanos
que, todos os anos, ficam completamente desprotegidos e entregues a si próprios
- Porém, quis o destino que fosse mesmo esta a situação que acabasse por
viver.
Nunca sabia em que ponto do mar me encontrava: apenas dispunha de uma
modesta bússola para me orientar. E também do sentido das correntes, do
percurso aparente do sol e da posição estrelas, quando as nuvens não
encobriam o céu - diurno ou nocturno..
Eu
vos recordo e evoco! - Destemidos pescadores,
que,
diariamente, na árdua faina
do
vosso sustento e das vossas famílias,
sozinhos
partis por esse mar de Cristo,
não
olhando a dificuldades,
não
olhando a adversidades,
arrostando
incertezas,
enfrentando
toda
a sorte de ameaças e perigos!
E
também a vós, oh mares do sofrimento e acolhedores.
das
epopeias anónimas e das tragédias ignoradas,
dos
destinos sem rasto e sem história! - Quantas vidas,
quantas?!
- Ó mares antigos e do presente! -,
Quantas,
já não destroçastes a esses humildes pescadores?!...
LUÍS DE CAMÕES E
OS LUSÍADAS - JÁ NO TEMPO DAS CARAVELAS O GRANDÍSSIMO
GOLFÃO INFUNDIA OS SEUS TEMORES E INSPIRARA O GRANDE POETA ÉPICO...
Os bravos
marinheiros que chegaram ao Golfo, em 1470, valeram-se unicamente da bússola e
do sextante. Também não iam lá muito bem equipados...A costa africana já havia
sido percorrida por fenícios e árabes e já então havia mapas com nomes da costa
e das ilhas, sabe-se agora. O que se desconhece é se eram do conhecimento da
coroa de Portugal. Ficando assim justificadas as razões que me levaram a
questionar a origem do povoamento das Ilhas do Golfo. A demonstrar que as
pirogas, mesmo frágeis e, até, com um só homem a bordo, podem resistir muitos
dias e ligar as ilhas e o continente; sim, podem ir ao cabo do mundo: é terá
sido através destes meios de navegação, que os primeiros povoadores, vindos do vizinho
continente africano e bem mais próximos de que os europeus, ali terão chegado.
AS (RE)DESCOBERTAS E A COLONIZAÇÃO
Claro
que, quem patrocinou as navegações, não o fez movido simplesmente pelo espírito
de aventura, mas na mira do ouro, de especiarias, madeiras e de outras riquezas
- E, porventura, até já estaria informado - ou através de antigos planisférios
ou por outras vias - de que existiam riquezas noutras paragens, a sul ou além
das costas que bordejavam o pequeno território. E o continente africano não
seria de todo desconhecido ao Infante Dom Henrique, escolhendo, justamente a
ponta mais ocidental da costa algarvia, Sagres, para fundar a sua escola de
navegadores.
Obviamente
que aqueles que partiam: uns forçados outros por vontade própria, ambos
acalentavam os mais díspares sonhos. Do impulso da aventura, ao enriquecimento
rápido e à fortuna fácil. À audácia destes, sim, mesmo que partissem apenas
movidos por intuitos materiais, eles foram os grandes heróis: à coragem e
temeridade de pilotos e marinheiros, ficaram a dever-se as grandes e arrojadas
viagens marítimas: o terem dado a conhecer a Portugal e à velha Europa, a
existência de novas terras, outras gentes e novos mundos! - Porém, o que depois sucedeu: o período da escravatura e
da colonização, TRÁFICO
DE ESCRAVOS o mais cruel sistema de exploração
colonial e de esclavagismo, a que deram lugar as descobertas ou redescobertas,
tráfico fomentado e explorado sob várias bandeiras, sem dúvida, embora já
tivesse raízes bem fundas no passado, é a grande mancha negra na História da
Civilizações e da Humanidade A
escravatura.........História
da Escravatura..
Resta, pois, enaltecer e admirar o espírito quinhentista: daqueles navegadores e marinheiros que, pela primeira vez, se confrontaram com o mar bravio e desconhecido, com a toda a sorte de ameaças e de perigos - Mais deles, jamais regressados aos seus lares, à sua pátria e por lá perdidos, tragados nos vendavais e remoinhos infernais das águas. E o mítico golfo, quer hoje, quer nesses lendários tempos das naus e das caravelas, continua a ser o imenso palco, a grande e misteriosa amplidão, sulcada por fortíssimos tornados ou acalmada por vastas planícies liquidas a perder de vista, onde o belo e o maravilhoso, vivem a meias com a tragédia e destruição. - Camões, poeta e aventureiro, andou por lá, com os seus olhos rasos de mar, a sensibilidade solta e à flor das águas e a quem os feitos e as cousas ousadas, que tanto o maravilhavam, não passavam despercebidas: por isso, não deixou de o citar e cantar nas extraordinárias epopeias dos seus "Lusíadas"
Resta, pois, enaltecer e admirar o espírito quinhentista: daqueles navegadores e marinheiros que, pela primeira vez, se confrontaram com o mar bravio e desconhecido, com a toda a sorte de ameaças e de perigos - Mais deles, jamais regressados aos seus lares, à sua pátria e por lá perdidos, tragados nos vendavais e remoinhos infernais das águas. E o mítico golfo, quer hoje, quer nesses lendários tempos das naus e das caravelas, continua a ser o imenso palco, a grande e misteriosa amplidão, sulcada por fortíssimos tornados ou acalmada por vastas planícies liquidas a perder de vista, onde o belo e o maravilhoso, vivem a meias com a tragédia e destruição. - Camões, poeta e aventureiro, andou por lá, com os seus olhos rasos de mar, a sensibilidade solta e à flor das águas e a quem os feitos e as cousas ousadas, que tanto o maravilhavam, não passavam despercebidas: por isso, não deixou de o citar e cantar nas extraordinárias epopeias dos seus "Lusíadas"
"Sempre
enfim para o Austro a aguda proa
No
grandíssimo gólfão nos metemos,
Deixando
a serra aspérrima Leoa,
Co'o
cabo a quem das Palmas nome demos.
O
grande rio, onde batendo soa
O
mar nas praias notas que ali temos,
Ficou,
com a Ilha ilustre que tomou
O
nome dum que o lado a Deus tocou".
OH! QUANTAS VIDAS
ALI NÃO TERÃO MORRIDO! QUANTAS AS NAUS ALI NÃO TERÃO DESAPARECIDO!.... QUANTOS
NAUFRÁGIOS DE PEQUENOS OU GRANDES BARCOS - DE PESCADORES E OUTROS MARINHEIROS,
- JÁ NÃO TERÁ HAVIDO!...
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Fernando Pessoa
AOS NÁUFRAGOS DE TODOS OS TEMPOS. -
VOGANDO A COBERTO DA NOITE E À FLOR DO MAR..
Eu, humilde navegante e aventureiro,
em
viagens sob azuis de além mar,
e
em águas erguidas em revolta,
ou
em podres calmarias de inquietar,
aqui
vos evoco, vos recordo,
como
quem conhece a ânsia da partida
e,
depois, em noite infinda, em noite morta,
apenas
tem por companhia mar e céu
em
negro mar de véu e tristeza infinita,
enfim,
a cruel certeza de quem não volta!
Náufragos!
Dos tempos idos e da actualidade
de
odisseias ignoradas e esquecidas!
Heróis
sem nome, sem pátria e sem fronteiras,
que
do fluxo e refluxo das marés fizestes as vossas veias!...
Viajantes
transitórios do mar passado e do mar actual!
Gente
tisnada e crespada por mil sóis, ventos uivantes,
diluvianas
chuvadas!
.
mas
cuja sorte a condenou ao suplício da mais atroz morte!
Gente
limpa de olhos e de alma de tanto olhar o mar e o céu!
-
Todavia, gente que a ira das tormentas e a audácia da aventura
fizeram
com que a fundura do abismo fosse a própria sepultura!...
Irmãos!
Aqui vos evoco e me vergo em turbado pranto
evocando
o plangente canto de poetas marinheiros
trinando
a dolente lira de tão triste ventura e negro fadário
Que,
em infindável rosário de mares estranhos, medonhos, irados,
vosso
corpo vivo arremessaram, sorveram, para sempre sepultaram!
Aqui
vos recordo com lágrimas de dor e mágoa pura
por
tão absurdo golpe e duro sofrer - por tanta desventura!...
Não,
não venho dizer-vos outros versos! Versos a valer?!...
Estes,
perderam-se-me no mar! - Ficaram-me por lá todos!
Além
disso, senti-os demais para agora os poder dizer!
Senti-os
no interior das trevas nas muitas coisas tristes que não vi
ou
vagamente descobri, mas profundamente senti! - Senti-os
também
nas muitas alegrias, que intensamente vivi
e
claramente vi com olhos de ver!
Tão
pouco, venho acalentar
vossas
tão martirizadas almas - Não!
Porque,
agora, o que as vossas almas mais querem,
é
que a memória não se apague, é paz e descanso eterno!
-
Bastou-vos o percurso lúcido através da voragem
daquele
rouco e tumultuoso inferno!
Aliás,
de versos, também, cada alma,
por
si e à sua maneira, os viveu
a
transbordar de mar e do céu!
Na
verdade, venho elevar as mãos aos céus ...
E
rezar as piedosas preces
que
não pudestes terminar! - As
mesmas
orações que, por tão sentidas
e
sofridas, estampadas ficaram para a eternidade
no
frio desvario do vosso último olhar
quando
o abismo já vos sorvia e fundia!
Mas
que, as longínquas estrelas do Universo,
atentas
e vigilantes no seu contínuo cismar,
imersas
no seu radioso brilho,
até
hoje, puderam guardar.
Vou,
pois, concentrar-me
no intransponível centro da imensa abóbada
no intransponível centro da imensa abóbada
que,
embora desmoronando-se, em diluídas formas,
permaneceu impassível, surda e silenciosa
permaneceu impassível, surda e silenciosa
nos
confins longínquos do amortalhado céu,
onde, ainda agora, sob os vultos do brumoso manto,
onde, ainda agora, sob os vultos do brumoso manto,
ecoam,
penso eu, sumidos brados, ecos dispersos,
vagidos e gritos do vosso exaurido pranto
vagidos e gritos do vosso exaurido pranto
Vou
pois escutar-vos e rezar!...
...por
todas as vidas que a fúria e o desamor do mar
em
fundas entranhas iradas, asfixiou e engoliu!!
E também agradecer ao Deus Criador,
E também agradecer ao Deus Criador,
com
exaltado reconhecimento e fervor,
de
alma e corpo escancarados, tal como,
então, perdido, no mar vogava, Louvando-O,
então, perdido, no mar vogava, Louvando-O,
Bendizendo-O,
em salmos esparsos
ou
simples palavras soltas e ditas,
apenas
pelo surpreendente milagre - Oh Olhar Divino!
de me levares a terra firme e ainda hoje estar vivo!
de me levares a terra firme e ainda hoje estar vivo!
Não
à guerra, mas paz eterna a todos os marinheiros que perderam a vida nos
mares... Desde as mais primitivas embarcações à atualidade.
BIOGRAFIA
O escritor, romancista, dramaturgo e filósofo alemão Johann
Wolfgang Von Goethe nasceu em Frankfurt, no dia 28 de agosto de 1749. Versátil,
ele atuou também na esfera da Ciência. No cenário alemão ele adquiriu supremo
destaque, figurando entre as personagens mais ilustres da literatura alemã
em fins do século XVIII e princípio do século XIX. Ao lado do filósofo e poeta
Friedrich Schiller ele liderou a corrente do romantismo alemão conhecida como
Sturm und Drang.
Johann Wolfgang von Goethe - 28
de agosto de 1749 - 22 de março de 1832) foi um escritor e estadista alemão.
Suas obras incluem quatro romances; poesia épica e lírica ; dramas em prosa e
verso ; memórias; uma autobiografia; crítica literária e estética ; e tratados
sobre botânica , anatomia e cor . Além disso, existem numerosos fragmentos
literários e científicos, mais de 10.000 cartas e quase 3.000 desenhos por ele
existentes.
Uma celebridade literária aos 25 anos de idade, Goethe
foi enobrecido pelo Duque de Saxe-Weimar , Karl August em 1782, após
estabelecer residência em novembro de 1775, após o sucesso de seu primeiro
romance, The Sorrows of Young Werther (1774). Ele foi um dos primeiros
participantes do movimento literário Sturm und Drang . Durante seus primeiros
dez anos em Weimar, Goethe foi membro do Conselho Privado do Duque, participou
das comissões de guerra e rodovias, supervisionou a reabertura das minas de
prata nas proximidades de Ilmenau e implementou uma série de reformas
administrativas na Universidade de Jena . Ele também contribuiu para o
planejamento do parque botânico de Weimar e para a reconstrução do seu Palácio
Ducal , que em 1998 foram juntos designados como Patrimônio Mundial da UNESCO
sob o nome de Clássica Weimar . [4]
A primeira grande obra científica de Goethe, a
Metamorfose das Plantas , foi publicada depois que ele retornou de uma turnê
pela Itália em 1788. Em 1791, tornou-se diretor administrativo do teatro em
Weimar e, em 1794, iniciou uma amizade com o dramaturgo , historiador e
filósofo Friedrich Schiller , cujas peças ele estreou até a morte de Schiller,
em 1805. Nesse período, Goethe publicou seu segundo livro. romance, aprendizado
de Wilhelm Meister ; o verso épico Hermann e Dorothea , e, em 1808, a primeira
parte de seu drama mais célebre, Fausto . Suas conversas e vários
empreendimentos comuns ao longo da década de 1790, com Schiller, Johann
Gottlieb Fichte , Johann Gottfried Herder , Alexander von Humboldt , Wilhelm
von Humboldt e August e Friedrich Schlegel , passaram a ser chamados
coletivamente de classicismo de Weimar . -Excerto de