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quarta-feira, 20 de novembro de 2024

31º dia ia sendo engolido por tubarão gigante - Estava deitado no fundo da canoa.... e senti roçar!... Depois vi logo que era um tubarão! Pois investiu várias vezes contra a canoa!... À proa! À popa! Até que eu agarrei no machim e consegui dar-lhe umas machinadas na cabeça! E então fugiu!.....Não sei onde é que ele agora se encontra! Mas, efetivamente, é um monstro!!.. Uma coisa pavorosa!... Um monstro autêntico!... A acompanhá-lo havia uma série de peixinhos!





Diário de Bordo 1-  Hoje é manhã do 31ª dia. Passei uma noite incómoda. Não consegui conciliar o sono. Fiquei praticamente sempre acordado. O mar muito cavado, fortemente cavado! Devido possivelmente a trovoadas vindas do sul ou de outras bandas...Próximo da canoa apenas choveu ao fim da tarde de ontem...  A noite pôs-se normal, até com aberturas de luar muito bonitas!... Eu é que não consegui dormir em toda a noite. A pensar na minha vida... Até agora tenho pensado no mar, nas dificuldades a vencer no mar...mas esta noite estive a pensar  em terra.... Porque, efetivamente, eu tenho de ter um destino...certo... Comecei a pensar o que é que eu irei fazer agora... Portanto, esta noite os meus pensamentos ocuparam-se no que vai a ser a minha vida em terra.


Diário de Bordo 1 (continuação) Esta manhã  aparece com o mar relativamente cavado, com uma certa  carneirada. O céu nublado. Não totalmente mas com nuvens escuras que ameaçam chuva. ..Um pormenor curioso a que eu não fiz referência: na noite de ontem, eu tive oportunidade de observar um eclipse  total da lua.



A ideia   de que, dentro de pouco tempo, hei-de alcançar chão firme, já não é bem uma interrogação; a partir de agora é quase uma certeza. Talvez pelo facto de, quando em quando, se me depararem, aos meus olhos, no horizonte difuso, os seus  contornos. Claro que a vida a bordo não melhorou de maneira alguma. . Porém, o meu cérebro, que até agora tem vivido numa constante preocupação  com as dificuldades da minha sobrevivência no mar, estranhamente,  passou a ocupar-se mais no que será a minha vida quando chegar a terra. Havia-me esquecido de pensar em tais questões. Sinto-me mais na pele de    um vagabundo de que um náufrago e preocupa-me o meu futuro. 

De facto, tenho concluído que esta vida errante, não é nada boa.Terei que viver uma vida mais tranquila e menos sobressaltada. Mas como?!...O que é que eu irei fazer quando chegar a terra?!..Como irei ser recebido e que será depois a minha vida?!... 
 
Não tenho meios de comunicar com ninguém. Disponho apenas da orientação de duas bússolas: uma que trago no pulso, como se fosse o meu relógio, outra fixada  junto à ponte da proa. Se morrer afogado no mar eu tenho a certeza que ninguém vai saber  o que me aconteceu ou chorar nesse momento a minha falta.  Mesmo a família, da qual tenho estado bastante ausente. 
A minha mãe faleceu, dois anos depois de eu ter chegado a São Tomé . Sei que o meu pai, os meus dois irmãos e a minha irmã me não  esquecem. Mas a vida deles e de todos os meu familiares, é como se fizesse parte de outro mundo...Quem é que poderá imaginar onde eu agora estou e a fome que me tortura e a solidão em que  me encontro? 
 
Amo a natureza e vejo no mar a mais íntima  forma da sua aproximação. Cada vez mais me sinto atraído pelo seu misterioso canto. O isolamento é uma forma de o encontrar, de mergulhar na sua indescritível magia. Sim, fisicamente, sou para aqui um farrapo humano. Uma criatura desprezível,  as forças vão-me  faltando. Sem nada com que matar a fome. No entanto, talvez por isso mesmo, mais purificado, mais sensível e fortalecido espiritualmente. Sim, porque o mar não é só esta imensa vastidão. O mar é vida. Umas vezes meigo, suave, dócil, belo e acariciador; outras vezes, cruel, impiedoso, impaciente e infernal

Agora, nesta manhã acinzentada, não será bom nem mau, nem triste nem alegre: ondula, freme, move-se numa turbulência que nem me agrada nem me desagrada. Não me encanta nem desencanta.. É realmente terrível o seu poder. Não é egocêntrico. Não vive apenas para dentro dele. Transmite e afeta todo o meu estado de alma. É pena vê-lo agora encrespado, tão sisudo e não tão comunicativo como costuma ser. Mesmo assim, faz-me sentir próximo dele. Embora, com outras palavras, é o que vou já transmitir  para o meu gravador - O fiel registo dos meus sentimentos, que guardo como se fosse o cálice de um sacrário no meu baú de plástico, um velho contendor do lixo, que o meu amigo Germano Castela, fez o favor de me dispensar.

Diário de Bordo Devo estar mais próximo do continente africano. Já parece impossível, não é ?!...Depois de tantos dias de ter largado e não ter atingido a costa africana!... Claro que  as trovoadas têm-me feito andar para aqui às aranhas de um lado para o outro!.... Vou pôr  a vela, já. A ver se atinjo, hoje, finalmente, terra!

Quando o mar está calmo a canoa não tem tanta velocidade. É natural que a noite passada tenha andado bastante.... devido à força que as vagas lhe imprimiram.

Diário de Bordo 2- É quase meio-dia e ainda não consegui navegar nada! Já por três vezes tentei pôr a vela.... e não há vento!.. Quer dizer, aqui, quando há trovoadas há vento demais e é impossível  navegar! Quando não há trovoadas, há calmarias e o mar é um lago!... Agora o mar não dá qualquer hipótese, visto não haver força de vento suficiente para impulsionar a vela. É irritante!...Sinceramente!... Esfomeado que estou!...

Encontro-me para aqui próximo, muito próximo!... A canoa a meter água cada vez mais!.... Isso preocupa-me um bocado. A fraqueza a invadir-me o corpo...Não tenho anzóis que deem para pescar os peixes que aqui há. Os anzóis que disponho são para peixes muito grandes e o nylon é fraco. A situação não é desanimadora mas também não é muito agradável. Tenho que ter calma. Muita calma! Mas, sinceramente... Tudo tem limites... 

 Diário de Bordo 3 Agora, neste preciso momento,  talvez quatro horas  da tarde, apareceu um enorme! um gigantesco tubarão! Mesmo gigantesco!! Estava deitado no fundo da canoa.... e senti roçar!... Depois vi logo que era um tubarão! Pois investiu várias vezes contra a canoa!... À proa! À popa! Até que eu agarrei no machim  e consegui dar-lhe umas machinadas na cabeça!  E então fugiu!...Não sei onde é que ele agora se encontra! Mas, efetivamente, é um monstro!!.. Uma coisa pavorosa!... Um monstro autêntico!... A acompanhá-lo havia uma série de peixinhos!...

Diário de Bordo 4-  Acabei agora de pescar um peixe  à mão!...Andava aqui... Consegui!...O gajo, mesmo cortado, estava a escapar-se! Era o que faltava!... Claro que estou a comê-lo  cru!... Sabe-me perfeitamente bem!...

Diário de Bordo  5 -  Estou satisfeito!...Já comi o peixe cru  e soube-me bem!...Estou a ver perfeitamente contornos da costa africana, que ainda é um bocado distante.... 

Finalmente consegui pôr a vela e parece que há um ventozinho que me vai tocar para lá...Veremos quando...



Diário de Bordo  6 Esta é uma melodia (melodia africana) que eu gosto imenso!...Aqui no mar sabe tão bem!... Realmente, há trechos musicais que, nestas circunstâncias, são mesmo muito apreciados...
.
Diário de Bordo  7   É pura e simplesmente irritante!... Não há vento absolutamente nenhum!... Quer dizer, não posso velejar e tenho a costa, tão próxima! ...É realmente muito aborrecido!

Diário de Bordo  8. Já se pôs o sol do 31º dia. O dia esteve praticamente de calmaria!... Ligeiras brisas... que não deram para navegar...

Voltei apanhar uma ave. Pousaram duas: uma à proa e outra à popa. A outra fugiu!... Tenho-a aqui para a comer amanhã.... 

 A costa africana. sei que não fica distante... É natural que esta noite tudo se modifique... Há uma formação de nuvens muito escuras a sueste, que devem trazer chuva, com certeza...Portanto, é isto apenas que tenho agora a dizer.. E que amanhã outras novidades melhores possam surgi


Estive quase 13 anos em São Tomé. Tudo quanto ganhei foi gasto nos meus caprichos aventureiros. Não trago um centavo comigo. De resto, eu já estou habituado a uma certa forma de vida incerta e cheia de dificuldades e vicissitudes. Parti para São Tomé, com a idade de 18 anos.


A princípio fui para ali trabalhar numa roça mas comecei por não me adaptar, lá muito bem. O administrador da roça queria que eu tratasse os trabalhadores  negros por tu. Dizia ele que era "a maneira de guardarem respeito ao branco" e de eles trabalharem". Evidentemente que não me adaptei... E o dinheiro que me pagavam ao fim do mês, comparado com as promessas que me fizeram,  depois de feitos os descontos para alimentação e pagamento da viagem, não me ficava quase nada.  Claro que não fui para São Tomé com o objetivo de fazer fortuna, mas esperava que ao menos me atribuíssem uma compensação humanamente digna. E então os pobres  trabalhadores ?!... Autênticos escravos!.. 

Por força dessa minha inadaptação, o meu passa-tempo predileto, era então o mar...Praticamente, desde que ali desembarquei, vi nele uma espécie de refúgio. Qualquer coisa onde me sentia livre de todos os aborrecimentos. Um horizonte sempre aberto e imenso, que me abria as portas a uma incontível ânsia de ir mais além na procura de uma felicidade imaginária  que naquele meio ambiente eu não encontrava. 
  


Por isso, sempre que podia, frequentava as belas praias de São Tomé. Comecei por manter estreitos contactos com os pescadores, homens corajosos e simpáticos. Aprendi a equilibrar-me nas suas canoas, começando primeiro por dar pequenos passeios de praia em praia., até que por fim veio a paixão - E, a par disso, também outras interrogações: perguntava-lhes se já tinham ido de canoa à Ilha do Príncipe, respondiam-me que "só canoa de gente de feitiço" é que o tornado a levava ao Príncipe ou ao Gabão; "outra, vem gandú (tubarão), vira a canoa e come-lhe a perna" . Achava que era uma superstição, sem fundamento e  havia que desfazer esse fantasma: concluía que, se o tornado arrastava para lá a canoa, involuntariamente, também lá se podia ir por vontade própria. Face a essas lucubrações, comecei a pensar que, um dia, eu devia fazer-lhe essa demonstração - A par disso, questionava-me também sobre o seu passado longínquo: se não teria sido através das canoas que os seus ancestrais não teriam vindo do continente africano.

Foi, pois, graças a esses contactos  com os pescadores santomenses, quando trabalhei na Roça Ribeira Peixe,  que  iniciei a minha aprendizagem sobre a técnica da arte de navegar nas suas frágeis pirogas e que o espírito de aventura marítimo, se me foi desenvolvendo. E, alguns anos depois, simultaneamente,   o desafio da escalada ao Pico Cão Grande, que ali se ergue, numa zona onde existem várias aldeias dos hábeis pescadores "angolares".-  Na verdade, não é pois  a riqueza material que mais me interessa. Mas também não é o desejo de me tornar famoso, a razão pela qual tenho arriscado a vida. Sim, porque,  excetuando   esta última viagem marítima, tenho partido clandestinamente, sem dar conhecimento para  onde vou e o que vou fazer. Sem o apoio, aprovação ou a reprovação de quem quer que seja.






terça-feira, 19 de novembro de 2024

Perdido à flor do mar sob um um eclipse total da lua. Recordando a noite em que o céu e o mar se confundiram na mesma escuridão O céu e o mar ficaram mais negros que nem na mais negra noite de tempestade - Não se enxergava um palmo à frente do meus olhos - Nem sequer os contornos da piroga - Durante quase hora e meia foi como se o mundo não existisse.



O mar e o céu pareciam unidos nas mesmas sombras e pela mesma escuríssima cortina - Senti uma profunda solidão! - Tanto mais q
ue havia mais nuvens que abertas, que por sua vez iam também eclipsando as estrelas e tornando-as ainda mais longínquas - Além de que o mar permaneceu toda a noite muito cavado.

Mas não poderei dizer que fosse uma noite muito anormal - Pior teria sido se chovesse. Direi que a observação daquele Eclipse lunar foi apenas um episódio em mais uma longa noite de vigília e de reflexões na minha vida.

Referem registos que “O eclipse lunar de 18 de novembro de 1975 foi um eclipse total,[1] o segundo e último de dois eclipses lunares do ano. Teve magnitude penumbral de 2,1352 e umbral de 1,0642. Teve duração total de 40 minutos. Lua tinha 6% de seu diâmetro na sombra umbral da Terra, e possivelmente adquiriu uma tonalidade vermelha-alaranjada brilhante, mais escuro ao sul e visivelmente mais brilhante ao norte, que estava mais próxima da borda umbral. O eclipse parcial durou 3 horas e 29 minutos no total. h
Vem um vento grande lá fora,
Um vento cavo, triste e profundo
Vem soprando!
Vem soprando!.... Soprando!.
Varridos dos confins do Mundo!
Aqui vou sozinho e mudo
Esperando o instante que passa
Alheio a nada, desconfiando de tudo
Puro, como a sombra que esvoaça.
Mas serei eu porventura assim
Que por esta noite escura vou indo
Indo comigo e fora de mim
Preso a um desejo, sentindo?!...
É muito difícil a resposta
Impossível talvez responder
Sei que a tristeza me bateu à porta
Sei donde venho, é o que posso dizer
Não sei todavia onde estou
Não sei tão pouco a que venho
Não sei tão pouco onde vou..
Jorge Trabulo Marques – Por mares do Golfo da Guiné

A noite em que observei um eclipse total da Lua - Calculo que por volta  da meia-noite - - O céu e o mar ficaram mais negros que nem na mais negra noite de tempestade - Não se enxergava um palmo à frente do meus olhos - Nem sequer os contornos da piroga - Durante quase hora e meia foi como se o mundo não existisse. O mar e o céu pareciam unidos nas mesmas sombras e pela mesma  escuríssima cortina - Senti uma profunda solidão! - Tanto mais que havia mais nuvens que abertas, que por sua vez iam também eclipsando as estrelas   e tornando-as ainda mais longínquas  - Além de que o mar permaneceu toda a noite muito cavado. Mas não poderei dizer que fosse uma noite muito anormal - Pior teria sido se chovesse. Direi que a observação daquele Eclipse lunar foi apenas um episódio em mais uma longa noite de vigília e de reflexões na  minha vida.

Referem registos que “O eclipse lunar de 18 de novembro de 1975 foi um eclipse total,[1] o segundo e último de dois eclipses lunares do ano. Teve magnitude penumbral de 2,1352 e umbral de 1,0642. Teve duração total de 40 minutos.[2]

Um eclipse total raso viu a Lua em relativa escuridão por 40 minutos e 12 segundos. A Lua tinha 6% de seu diâmetro na sombra umbral da Terra, e possivelmente adquiriu uma tonalidade vermelha-alaranjada brilhante, mais escuro ao sul e visivelmente mais brilhante ao norte, que estava mais próxima da borda umbral. O eclipse parcial durou 3 horas e 29 minutos no total. https://pt.wikipedia.org/wiki/Eclipse_lunar_de_18_de_novembro_de_1975




OBRIGADO Ó DEUS POR ME TERES CONCEDIDO A SEMENTE DA LIBERDADE E DA GRAÇA DE SER TAL COMO SOU - HUMANO MAS ESPIRITUAL E TRANSCENDENTE




SIM, PROCURO O INDECIFRÁVEL DIVINO - A VIDA SÓ TEM SENTIDO SE FOR VIVIDA COM TRANSCENDENTE ESPIRITUALIDADE - VALE A PENA IR AO ENCONTRO DO SILÊNCIO ONDE A VOZ DE DEUS MELHOR SE PODE ESCUTAR - 

Sou o peregrino, e assim tem sido A MINHA SINA, num peregrinar constante: seja na imensidade e solidão dos mares, sob as suas violentas tempestades ou paralisantes calmarias, seja nos mais solitários, ermos e altos penhascos, procuro, não me canso de procurar, não propriamente o rumor de uma palavra marítima ou terrestre, mas algo que esteja para além de mim e até da minha própria compreensão e do espaço circundante.



Chãs de Foz Côa – Convívio de chanenses no Caravela de Oiro, em Algés, no tradicional jantar pré-natalício em Algés – Reunidos em calorosos momentos de fraternal confraternização

Jorge Trabulo Marques - Jornalista - Natural de Chãs - Video com sons iniciais de Amália Rodrigues - Um fado antigo. que me foi oferecido 


 

Decorreu  na noite de Sábado passado, 16 de Novembro, no típico restaurante Caravela de Ouro,  em Algés, propriedade do Sr. António Lopes, exemplar empresário de Santa Comba, do nosso concelho, que acolheu e proporcionou um alegre, entusiástico e amistoso encontro de várias famílias, com os pais, filhos, avós e netos, naturais  da aldeia de Chãs, que se reuniram com  os residentes em Lisboa e arredores,  bem como a outros aos quais se unem laços de amizade ou de familiaridade.



Uma vez mais organizado, graças ao dinamizo de Daniel Ferreira, a que se juntaram outras generosas vontades, pago por todos os participantes. Uma vez mais num amplo e excelente espaço que se ergue no
 Jardim de Algés, sobranceiro ao  estuário do Tejo, no qual se pôde desfrutar, a par do caloroso convívio, de muitos abraços e beijos, uma  saborosa ementa regional confecionada à moda antiga, acompanhada de ótimos legumes, vinho da nossa região, um branco e tinto Ladeiras de Santa Comba, ceia esta antecedida por tentadores aperitivos, um repasto de fazer arregalar o olhar e abrir o apetite, servido  com muita simpatia e familiaridade pelos seus diligentes e amáveis empregados, e, como não podia deixar de ser,  também pelo Sr. António Joaquim  Lopes,  que pessoalmente também se associou ao convívio, confraternizando  e   presenteando-nos  com a sua cordialidade e amizade, bem como o Presidente da Junta de Freguesia de Chãs, Carlos Sobral

Mais conhecido pelo  Sr. Lopes, sem dúvida, um homem que infunde natural simpatia  - Natural de Santa Comba, de uma freguesia vizinha a Chãs, do mesmo concelho, grande parte dos quais vividos na região de Lisboa, para onde veio ainda jovem e logrou subir a vida a pulso: sem dúvida, uma figura muito querida e admirada, quer na sua aldeia, onde tem sido um dos principais apoiantes da festa anual de Nª Senhora dos Remédios, bem como noutras louváveis iniciativas de cunho social, quer em todo o concelho de Foz Côa, Meda, Trancoso, sim muito conhecido e admirado em todo o Distrito da Guarda, bem como, naturalmente, em Algés, Cascais e em Lisboa, graças ao relacionamento humano e a excelente qualidade dos serviços prestados pelo seu restaurante, no qual se podem desfrutar os mais saborosos pratos da gastronomia portuguesa, num amplo espaço, com vários pisos, com uma magnifica vista sobre o Tejo. 



segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Perdido no Golfo da Guiné há 29 dias, que Camões cantou, Dez 1470, - Diário de Bordo em piroga 18-11-1975 - no mar dos tornados e tubarões Passei uma noite todo encharcado! Envolvido num plástico mas por fim até adormeci e acordei a falar!...Supondo que tinha chegado realmente a terra" ! -


                                                               Jorge Trabulo Marques 

"
"Sempre enfim para o Austro a aguda proa

No grandíssimo gólfão nos metemos,
Deixando a serra aspérrima Leoa,
Co'o cabo a quem das Palmas nome demos.
O grande rio, onde batendo soa
O mar nas praias notas que ali temos,
Ficou, com a Ilha ilustre que tomou
O nome dum que o lado a Deus tocou"
Luís de Camões.




Algures no Golfo da Guiné, 18 de Novembro de 1975, há 29 dias  -  - Mas ainda tinha pela frente mais 9 dias até alcançar chão firme 

Fui marinheiro mas também o poeta do sentir.  Quis sentir, com todos os meus sentidos e até à flor da pele  e à flor do oceano - olhos, língua, olfato, estômago, veias e tato,  na brisa marítima que respirei e na própria água salgada que bebi,  no deslumbramento das tardes serenas e noites plácidas de luar  ou mesmo no assombro da fúria das tempestades que vivi  - sustos, inquietações que o meu coração ainda hoje perpetua -    todas as emoções possíveis e imagináveis - E entendi  que só  nos horizontes esbatidos da imensidão do mar,  perdendo-me livremente à superfície das suas vagas,  no contínuo enrolar das soltas ondas, sobre a crista  ou no fundo da sua cava, as poderia sentir e encontrar.




Lembrava-me das façanhas dos pescadores são-tomenses, dos seus antepassados que demandaram as ilhas, dos barcos negreiros que ali aportaram e também dos nossos marinheiros (antes desse vil mercado) que por aquelas águas navegaram; imaginava quantos naufrágios e sofrimentos aqueles mares, já não teriam causado.
Sabia dos muitos perigos que me podiam esperar - não os desdenhava! - mas entregava-me ao oceano de coração aberto, possuído de uma enorme paixão, em demanda dos grandes espaços e de uma infinita liberdade, tal qual as aves migradoras! Olhava-o como se fosse já meu familiar e meu amigo. Embora sabendo que a sua face, quando acometida de irascível crueldade, havia sido palco de muitas tragédias, havia engolido muitos barcos e tragado muitas vidas. Contudo, eu não ia ali apenas movido pelo prazer da aventura: só por isso, não sei se compensaria... Mas orientado por razões mais fortes
Havia algo, no fundo de mim, impelido como que por um pendor sobrenatural inexplicável que me fazia acreditar que, mesmo que apanhasse alguns sustos, tal como já havia acontecido em anteriores viagens, lá haveria de sobreviver e de me safar!.
O mar também é generoso quando quer ... A sorte protege os audazes e acreditava que o mar haveria de compreender os objetivos pelos quais que norteava o meu espírito e a minha temeridade.

"Bem  sei que estou endoidecendo.
 Bem sei que falha em mim quem sou.
 Sim, mas, enquanto não me rendo.
Quero saber por onde vou"
 Fernando Pessoa - 15-9-1934










José Afonso - "Canção do Mar" do disco "Cantares de José Afonso" (1ª edição, EP 1964) 




"MAR PORTUGUÊS"

"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
" -  Fernando Pessoa



MESMO QUE NÃO CHOVA A CANOA METE SEMPRE ÁGUA POR ALGUMAS FISSURAS E PELA CARLINGA, ALÉM DE ALGUMAS VAGAS QUE A TREPAM


Diário de Bordo  - 1 
É manhã  do 29ª dia. Ainda não tive tempo de comer qualquer coisa. A manhã amanheceu brusca. De noite não choveu. Não há sol. Está um tempo enevoado e há um vento  no sentido de oeste este. 

Coloquei a vela para tirar partido deste vento, que parece estar a dar resultado. Veremos como é que será o dia de hoje....Aliás, já avistei contornos de África, desde ontem e se não fosse o tornado, com certeza que estaria já muito próximo, pois o tornado é que veio desfavorecer a minha aproximação.

Diário de Bordo  - 2 Devem ser aí umas 9.30 a 10 horas da manhã do 29º dia. Já tive que enfrentar mais uma trovoada; não muito violenta mas que me deu bastante trabalho. Agora volta a estar mais calmo, volta haver calmaria. Não há muito vento. embora o mar se apresente com uma ligeira ressaca...Veremos até quando isto vai durar...

 Diário de Bordo  -3  É provavelmente meio-dia do 29º dia. A manhã esteve bastante trovejada, choveu! A canoa ficou toda alagada!...Agora está enxuta e já volta haver uma certa calmaria. Não há vento. O céu está nevoado... Sinto fome!... Comi um bocado de tubarão mas sinto fome!...O tubarão sabe-me mal... Sinto uma certa fraqueza...

Meu Baú - Caixote do lixo onde guardei o gravador e máq. fot.

Voltei a ver a Ilha de Fernando Pó no horizonte. O horizonte ficou descoberto depois da chuvada e avistei ligeiros contornos da costa de África.... 
Entretanto, depois da chuvada, estive a fazer uma limpeza da canoa. Deixei-a limpa, sem água  e pus a roupa a enxugar. A canoa, neste momento, está um estendal autêntico! Com tudo a enxugar!... A aguardar, com certeza, outra chuvada (sorrio), que entretanto é capaz de aparecer.

Âncora flutuante
Apesar de todos estes trabalhos. De todas estas dificuldades, sinto-me otimista neste momento. Embora fraco e cheio de fome... Não consigo pescar. tenho deitado o anzol mas não pesco nada. Quando não precisava, eu pescava; agora não consigo. Mas estou otimista. Espero chegar a terra...Hei-de chegar a terra! Pois sinto uma esperança em mim; não estou desiludido...Apesar dos perigos a que me tenho exposto serem muito grandes...

 Os meus tubarões martelo continuam a guardar a canoa...Os outros, por enquanto ainda não apareceram.



Diário de Bordo  - 4 Serão neste momento umas quatro horas da tarde do 29º dia. A tarde tem estado muito serena. O mar apresenta-se ligeiramente ondulado. O céu coberto com uma ligeira neblina. No horizonte há nuvens que o limitam mas onde posso vislumbrar outros contornos da costa africana...Não totalmente, mas já se vislumbram perfeitamente, quer para norte quer para noroeste. Vê-se também a Ilha de Fernando Pó. Claro que só a parte mais alta... A Ilha de Fernando Pó (Bioko, situada na Baía de Biafra ) é muito alta. Tem picos com mais de 2000 metros de altura (Pico Basilé – com 3011 m de altitude).

 Passei a tarde a ler...Claro que tenho fome, evidentemente, mas procuro esquecer esse aspeto, ouvindo rádio...Música africana... Estou a ouvir rádio, enfim... a divagar.

Diário de Bordo  - 5 É já o fim de tarde do 29º dia. Passei uma tarde calma. Agora a minha preocupação começa a estar precisamente no local  onde irei aportar...Não sei...Será um local habitado?!...Pode ser desabitado...Enfim, o que me interessa é que seja terra, fundamentalmente, é que seja terra! Local seguro... Porque, em terra, há sempre muitas possibilidades de sobrevivência...Aqui, estou exposto  às tempestades... O que realmente me põe a vida em grande perigo...Portanto, estou com a moral bastante elevada, apesar de não comer...Tenho ali um resto do tubarão mas já cheira mal...Não estou desmoralizado de maneira  alguma. Estou até bastante e otimista.

 Eu ainda não fiz referência à noite passada: passei uma noite todo encharcado! Envolvido num plástico mas por fim até adormeci e sonhei..Sonhei e tive uns sonhos muito esquisitos, acordei a falar!...Supondo que tinha chegado realmente a terra. Tive assim  sonhos muito esquisitos...

Neste momento olho para o mar...Vejo o olhar para o mar sereno. Calmo! A cor é uma cor bronzeada. Agora não o receio ...Ontem eu estava realmente muito preocupado! Dizia-lhe: ó mar ! Tu não me leves! Ó mar não me voltes a minha canoa!..Eu quase falava com o mar...Realmente, ontem, o mar estava pavoroso.

À medida que o tempo ia passando, as vagas fortes iam avançando contra a canoa!...Eu via que a canoa, apesar dessas impetuosidades não se virava! Eu ia ficando mais tranquilo!...Mas sempre à espera!... À espera que alguma vaga mais alterosa, com maior força, me pudesse voltar a canoa...Eu não tinha qualquer hipótese!...Vi um tubarão grande! Enorme! Ás voltas da canoa. parecia que estava adivinhar que a canoa se ia voltar!...Mas isso, felizmente, não sucedeu! Não sucedeu!... Porque, eu apesar de tudo,  também mantive a minha calma! Fiz tudo por tudo por enfrentar a situação...Sim, realmente, uma pessoa nestas condições, nunca pode cruzar braços!...O nosso cérebro tem que estar sempre a pensar! Sempre a pensar!...Sempre a pensar em novas coisas!... Em poder  dispor dos modestos recursos precários que tenhamos connosco.. Essa deve ser a preocupação dominante.


Diário de Bordo  -6 Já se pôs o sol, do 29º dia. Finalmente, estou muito satisfeito! Em dois ou três minutos, acabo de pescar dois peixes! aqui debaixo da canoa...Arranjei outro anzol e consegui, num ápice, pescá-los! Vou pois assá-los, com um bocadinho de álcool que disponho...Já não preciso do tubarão...O tubarão está estragado e já o posso deitar fora.É da maneira que já não vou passar dieta!...Ah! eu tinha aqui o estômago a bater horas!...

Diário de Bordo  -7  Neste momento é já noite. Aparece ali a lua-cheia à minha frente!...Mas, tenuemente, visto  fazer uma certa neblina... Confesso que estou satisfeitissímo! Os dois peixes souberam-me que nem um pato!...Comi a carne deles crua e gostei! Gostei realmente!...E cheguei à conclusão que é melhor crua de que assada em álcool. Os dois peixes deviam pesar aí 200gramas. A carne era saborosa! Tinham a pele muito dura e foi preciso esfolá-los primeiro. Portanto, o novo anzol resultou. Aliás, eu insisti várias vezes, pois os tipos, cada vez que lançava o anzol, iam à procura da isca, comiam-na e não fiavam lá... Finalmente caíram!

A noite apresenta-se plácida! Absolutamente serena! O mar é um mar chão! Não há vento nenhum. Mas também não há calor...Corre uma ténue aragem apenas..

.Eu devo estar muito próximo da costa de África...Estão a reluzir os contornos...Por este andar, amanhã devo estar muito próximo, a menos que apareça alguma trovoada a puxar para outro lado....Mas não deve haver esta noite ou amanhã, com certeza, porque hoje não fez sol. Hoje o dia esteve brusco...Portanto, não houve evaporação... É capaz de não haver nenhuma chuvada! E, se houver, é muito fraca...Normalmente as trovoadas seguem-se a quando há períodos  de sol... Aparece logo uma trovoada ou um tornado.

Daqui a pouco vou-me deitar no fundo da canoa... O estômago é que não ficou assim muito bem...Estou satisfeito mas o estômago, com esta dose de carne, que não estava habituado... 
Tenho ainda ali um bocado do tubarão, que já está estragado, mas só o guardo para iscas para apanhar outros peixes, porque já não presta; já não está muito bom....Estou mais animado, visto estar próximo de terra e também por poder dispor  de peixe aqui à volta de mim.
 Tinha  dado tantas voltas à cabeça...Tinha inventado tantos processos!... Pus um anzol num pau. Experimentei tanta coisa e não resultou...Finalmente, lá encontrei um outro anzol mais pequeno e a coisa com esse anzol deu mesmo efeito. E ainda bem!... E que o mar fosse sempre assim...Com esta calma, com esta aparência tranquila...Ah! era muito agradável!... Mas o mar de vez em quando mostra a sua face!...O mar tem muitas faces...Uma face serena!..Suave!...Ondulante!..Depois, grave!...Violenta! Tempestuosa! Essa é que é a face mais dura!...Escura!... Torrenciosa!... Agora a  noite no mar ... mantém-se  plácida... A canoa, claro,  desequilibrada, está sempre a tombalear, o que é bastante chato, visto ter esse defeito. Se não fosse isso a coisa era melhor.

Há um pormenor muito importante que ainda não registei: é  que eu tenho medicamentos a bordo.. Tenho vitaminas... Claro que isso não dispensa a comida mas dá muito jeito. E isso graças à boa colaboração  do Dr. Epifâneo da Franca. Que me resolveu  realmente um grande problema...Até para a água doce...Quer dizer, eu apanhei água das chuvas.. Ele tinha-me arranjado um preparado químico, com o qual podia fazer água potável. E isso deu resultado. E ainda bem que contei com essa preciosa ajuda.

Cada um à sua maneira -  Os sonhadores chegam a ser revolucionários - Não é assim ó grande Che?...  - "Lutam melhor os que têm belos sonhos."- Tu com os teus, eu com os meus