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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

"COM A FÚRIA DOS VENTOS PORCELOSOS, NESTE ESTADO, E SEM LEME, E SEM PILOTO...Ó CÉUS PIEDOSOS!" c

Jorge Trabulo Marques - Jornalista - E antigo navegador solitário


  

L*

E lá parti de calções e descalço, sem dinheiro no bolso, sem relógio e despojado de tudo; confiante de que a canoa seria o meu único soalho e o meu único abrigo e não me deixaria ficar pelo caminho. Todavia, sem saber por quanto tempo e os trabalhos que haveria de ter pela frente....Certo, no entanto, de que (à semelhança das duas anteriores viagens: de São Tomé à Ilha do Príncipe e São Tomé à Nigéria), haveria de encontrar dias e noites de paz e de calma (momentos maravilhosos!) e outros dias e noites de sobressalto, de tormento e agitação.


Sim, o mar palpita e freme, tem muitos humores, não é um corpo sem vida e morto - e junto à costa ainda é mais turbulento e nervoso. Eu ia mentalizado para tudo... Até para aceitar o naufrágio e a morte, se fosse essa a vontade do oceano... Mesmo que estivesse aflito, a ninguém podia implorar auxílio.... Batia-me por propósitos, estava disposto a encarar os maiores sacrifícios; não era uma aventura gratuita.. Isso encorajava-me! - O que eu não esperava é que tão cedo viesse a ficar sem mantimentos, sem leme e sem remos. Afinal, em boa parte, o mar deu-me aquilo que lhe pedi... O de demonstrar que as canoas podem ligar as ilhas com o continente, tal como o teriam feito os seus primeiros povos e, ao mesmo tempo, viver as mesmas ansiedades, incertezas e privações do náufrago e chegar a terra são e salvo - Mas, oh Deus!...A que preço!... E os prémios?!...


Como se não bastasse o tormentoso calvário... Por três vezes onde aportei, fui preso e encarcerado por suspeito e perigoso! - O mar fez-me sofrer imenso mas poupou-me a vida. E, se alguma vez pecara, trazia o coração atormentado mas liberto, os olhos cansados de tanto perscrutar as noites cerradas ou os agitados horizontes mas puros de espaço e maresia, tinha a plena sensação de que o meu sofrimento me reconduzira à idade da inocência e me libertara de toda a mácula. Porém, em terra, foi tal a vil desconfiança que sempre se abateu sobre mim, que cheguei a pensar se não foi um castigo infame e maldito ter chegado vivo a terra.. se não teria sido preferível ficar para sempre - morto ou vivo - sobre as ondas ou no fundo do mar..


Ora subia ora descia numa vertiginosa ascensão e descida. Não havia horizonte à minha frente ou à minha volta. Senão névoas, chuva e mar revolto, vento e cristas espumosas que rebentavam e se desfaziam... Covas profundas e picos de montanhas que, com a mesma rapidez que me elevavam, assim me faziam deslizar...Mas lá ia a frágil piroga - o madeiro escavado - rumo ao desconhecido e superando a fúria das ondas... De vela feita de panos de sacos de farinha e presa a um pau cortado no mato. Com um tosco remo improvisado, cravado nas agitação das águas, soprado por rijos ventos, enfrentando a tempestade... Mas as dificuldades eram imensas... Insano o meu esforço. Horas depois era forçado a desistir e a deixar a canoa à deriva. Meu Deus!...Como pude resistir a tanta provação!...E como aquele mar revolto não me tragou... E foram tantas e tão duras as tempestades...

ASPECTO DA CANOA NA MANHÃ DO SEGUNDO DIA

Havia-lhe adaptado à popa um leme mas saltara juntamente com os remos - Assolado por um violento tornado em plena noite, e vendo que havia necessidade de reduzir a superfície da vela, ao abandonar a cana do leme e correr para enrolar um pouco mais o pano, a canoa atravessou-se, encheu-se de água e uma parte dos víveres e bidões de água tiveram de ser lançadas ao mar para evitar que se afundasse.


Foram momentos indescritíveis!... Mas nem assim cruzei os braços.... Já sem remos e o leme, que desapareceram naquele primeiro embate e enquanto me dirigia à proa, arranquei então o mastro e pulo ali atravessado para conferir algum equilíbrio à frágil embarcação. O mesmo fiz com outro que dispunha de suplente. Um dos bidões (meio de água) amarrei-o por uma corda à proa e lancei-o borda fora para servir de âncora flutuante e evitar que ficasse atravessada à vaga. Depois tirei o estrado do fundo da canoa, pu-lo sobre a pequena ponte e coloquei-lhe o colchão de ar para o que disse e viesse. Na esperança de pelo menos poder sobreviver mais alguns momentos, caso fosse tragada ou destruída, pois não dispunha de barco salva-vidas ou de bóias.

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Mas, oh vã esperança!... Que destino teria sido o meu se uma outra onda galgasse o simples casco que me transportava e a minha estrelinha - se bem que escondida na opaca penumbra dos astros - não tivesse de mim piedade!... Ao sabor dos mais violentos balanços e na mais completa escuridão: ora iluminado e cego pelo clarão azulado e branco dos relâmpagos que rasgavam e fulminavam os escuros céus e incendiavam a negridão do mar, ora envolvido sob a mais densa e agitada mortalha de trevas, por estampidos que atordoavam os ares, à mercê do marulho ameaçador de montões e montões de espuma que se levantavam e se desfaziam borbulhantes por baixo e em torno de mim, alvejando, como ruidosos fantasmas, por entre a massa fluída ondulante e a encharcada e nublosa cerração!


Não, não há palavras para descrever aquilo que ofusca os olhos, agita e assusta o coração, quase asfixia os pulmões e atordoa e deslumbra de espanto e aflição: a alma, o corpo, os sentidos...A vastidão dos mares, quando irados por porcelosos vendavais, em noite escura como o breu, oh desgraçados daqueles que forem surpreendidos sozinhos e em frágeis balsas, em meros esquifes flutuantes, oh! se outro inferno existe depois da morte, talvez melhor sorte terão as almas que já por lá se debatem! - Resta-lhe a resignação à fatídica hora, a imagem da assombrosa expiação, mergulhados na beleza bravia e selvagem do cenário que os ameaça ou já os devora , ou então lutarem, como bravos, até ao último fôlego e nunca se darem por vencidos. Sim, que o desespero nunca seja a última causa do termo das suas vidas.


Popa da canoa - os bocados que faltam foram usados para improvisar dois remos.Um dos quais está ao lado do contentor e outro é o que se poderá ver noutra imagem mais adiante. Dado ter perdido a maior parte dos apetrechos e víveres, devido à violência do tornado, com que inesperadamente me confrontei na primeira noite


VÁRIAS TRAVESSIAS E PROVAÇÕES, EM PROL DA HISTÓRIA, DA CIÊNCIA E DA HUMANIDADE

O vasto Golfo da Guiné é, sem dúvida, um dos mares mais inconstantes e perigosos do oceano e onde existe toda a espécie de fauna marinha: ou há calmarias podres ou violentos tornados. Tudo isso é desgastante. À medida que os dias passam, as resistências físicas, também vão enfraquecendo. Se ao menos me pudesse abrigar! - Mas tenho que apanhar no corpo o sol e a chuva e o arrefecimento da noite. Sinto um grande desconforto. Dormir exposto à maresia e de estômago vazio é terrível! É algo que não desejo a ninguém. No interior da canoa não há água potável nem existem quaisquer alimentos.Nada, absolutamente nada para comer. Quando chove bebo água das chuvas; quando não chove alguma água do mar. Não mata a sede mas alivia algum sofrimento. O sangue do peixe não é salgado mas nem sempre os consigo apanhar.

- Imagem ao lado: bebendo um pouco de água do mar para matar a sede, que tanto me afrontava, sob 0 inclemente sol equatorial. Enquanto não chovesse não dispunha de outro recurso. E houve uma semana em que não caiu do céu uma gota de água. Imagine-se numa praia todo o dia, sem beber água!... Em pleno Verão... E no Equador, quando o sol abre, é mesmo a pino! Todo o ano!... Ainda se ao menos me pudesse banhar!... Mas havia o risco de a canoa se afastar e os tubarões - presença quase permanente - me atacarem. Mesmo assim, de volta e meia, vinham dar as suas investidas e rabanadas!... E lá tinha que os sacudir à machinada!

Oh Deus a sede é tão penosa! e tanta água em redor... Cheguei a mascar pedacitos de madeira húmida para que a boca não me ficasse tão seca. Mas é cruel a secura que me invade o peito, me faz arder a garganta e me aflige!...E lá tenho que mergulhar a tigela no mar.Vou bebendo uns golitos de vez em quando para não desidratar. Não é agradável mas mais sufocante é a sensação de não molhar os lábios e atenuar a secura que me apoquenta.

Ao cabo de quinze dias, fico sem anzóis. Foram cinco os tubarões que ainda pesquei! Mas agora só os posso ver...As rémoras colaram-se com a sua ventosa no fundo da canoa e comeram os iscos todos. Trincavam a linha e levavam também o anzol. Vou-me valendo de alguma ave (quando aqui vêm pernoitar) e a consigo apanhar - só têm penas e ossos, são autênticas carcaças... É uma dor de alma sacrificá-las mas a necessidade assim me obriga - Vou-me também esforçando por apanhar algum peixe à mão.. Passo horas ajoelhado, com os braços recostados na borda da canoa, à espera dos que vêm catar os moluscos que se vão colando à madeira exterior. Espero a minha oportunidade como eles procuram a sua - mas, geralmente, eles são mais rápidos de que eu e levam a melhor... O mar é o seu meio natural e lá vão e vêm à sua vida...

Esta situação é também um sinal preocupante: como a canoa anda à deriva, as vagas, ao empurrarem-na, vão-na deteriorando. Será que vai resistir? - É a grande preocupação e incerteza de todos os momentos. Pois não disponho de remos, perdi-os: saltaram borda fora com a violência de um tornado e os que improvisei, com pedaços da cobertura da canoa e uns barrotes que extraí do estrado e de um mastro, exigem-me um esforço sobre-humano, extremamente penoso. De seguida, alguns passos do meu diário.Cujo gravador, felizmente, pude preservar no contentor



.Construção da piroga








Breves excertos do Diário nos últimos dias


TRIGÉSIMO SEGUNDO DIA


De noite choveu ligeiramente. O mar, a partir de certa altura, mostrou-se cavado! Tentei pôr uma vela mas, visto estar bastante agitado, tive que a voltar a tirar... Esta manhã verifiquei a existência de pequenas ervas e paus... Também observei a existência de uma garça... Portanto, tenho a impressão de que estou realmente muito próximo da praia.

Já comi qualquer coisa. Aliás comi a ave que ontem apanhei. Não tenho já o estômago tão vazio. Espero que a minha canoa continue a portar-se bem. Pois, como já disse algumas vezes, está desequilibrada, mete cada vez mais água, pois tem várias rachas.

Não sei neste momento que horas serão... Serão aí umas tantas da tarde...A verdade é que, desde há quatro ou cinco horas, enfrentei sucessivas chuvadas! Estou todo encharcado... Estava convencido que estava muito próximo de terra... Neste momento não sei onde me encontro... Não sei se a trovoada me favoreceu ou não...

Já tenho que comer, meu Deus!... Mas que coisa mais saborosa! ... Tão maravilhosa!... Isto é obra de Deus não foi outra coisa!... Eu vi-o realmente à distância!... Eu não acreditava que ele passasse junto da minha canoa!... e veio realmente a ter à canoa!... É um belo coco! Tinha água e tem uma bela amêndoa! Estou a comê-lo! Estou a tentar a matar a fome com ele!... Para mim foi a melhor oferta! ...Não podia ser outra coisa!... Não sei donde veio! Mas a verdade é que ele veio ao meu encontro! Ele veio ajudar a preservar a minha vida!... Estou muito satisfeito com este coco!...


Gulf of Guinea....38 days adrift in a canoe in the Gulf of Guinea


TRIGÉSIMO TERCEIRO DIA


Passei uma noite exaustiva!... De chuva!... E a manhã continua com um mar cavado! com muita ressaca!... Há vento!.... E eu sem ver a costa de África!... Estou muito fraco! Ainda não comi nada!... Estou cheio de fome!... Não vejo terra!...Estou realmente bastante.... não direi desmoralizado.... mas abatido moralmente..... Sim, não estou desiludido... Tenho fé que hei-de ir ter a terra! Mas, sinceramente, tenho tido tanta calma, tanta perseverança... no meio de tantos perigos! ... de tantas dificuldades... Se não fosse assim, talvez já não existisse!..







TRIGÉSIMO QUINTO DIA


Acordei com o barulho de uma enorme baleia aqui próximo da canoa...
Estou exausto! Bastante fraco!...Sinto realmente uma fraqueza muito grande... no corpo... dor de costas, dor do estômago... mas estou a ver se aguento, com toda a paciência, estes sacrifícios todos... O fundo da canoa está cheio de água!


Devem ser aí umas duas ou três da tarde do 35 dia.. .Estou completamente exaurido!... Não tenho nada na barriga. O meu estômago é um saco de fole! Há uma fraqueza geral em mim!... Eu sei que as palavras que tenho pronunciado são poucas... Tenho-me remetido a um autêntico silêncio mas há uma confiança inabalável em mim.




Ao sabor das ondas...


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Peregrino do mar e da terra - em demanda da claridade e do conhecimento.


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Quando me deitava no estreito fundo da canoa, era tal qual a imagem do Cristo que vêm no vídeo e que tomei a liberdade de aqui reproduzir.. Era também a imagem de um sofrimento de aceitação do meu calvário: de um tormento doloroso mas resignado, a que tinha que me resignar com suave, infinita e paciente aceitação....A beleza ou a fúria do mar - que também é bela - e os objectivos a que me tinha proposto, valiam todos os riscos e até o sacrifício supremo da minha vida.



Mar majestoso e ameaçador - Quanto maior é a nau, maior é a tormenta. A minha canoa era uma casca de noz à flor das águas. E lá ia subindo e descendo. Mas os grandes barcos são fustigados pelas vagas e nem sempre são poupados: Vi uma vez um barco no horizonte e pensei que ainda corria mais riscos de que eu.


NÁUFRAGO VOLUNTÁRIO - PROSSEGUINDO A EXPERIÊNCIA DE ALAN BOMBARD E DEMONSTRAR A POSSIBILIDADE DAS ILHAS DO GOLFO DA GUINÉ TEREM SIDO LIGADAS ATRAVÉS DE PIROGAS PRIMITIVAS, COM O POVOAMENTO ORIGINÁRIO DO VIZINHO CONTINENTE


Não levava meios de comunicação com quem quer que fosse. Nem tão pouco um foguete para ser sinalizado e pedir socorro. A missão assim mo impunha. Tal como tive oportunidade de referir em anteriores textos, foram três as aventuras marítimas: a primeira foi a travessia de São Tomé ao Príncipe. Larguei à meia-noite, clandestinamente, pois sabia que, se pedisse autorização, me seria recusada, dada a perigosidade da viagem, levando comigo apenas uma rudimentar bússola para me orientar. Fui preso pela PIDE, por suspeita de me querer ir juntar ao movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, no Gabão. Levei três dias e enfrentei dois tornados. À segunda noite adormeci e voltei-me com a canoa em pleno alto mar. Esta era minúscula e vivi um verdadeiro drama para me salvar, debatendo-me como extrema dificuldade no meio do sorvedouro denegrido das águas.


Cinco anos depois, numa piroga um pouco maior, fiz a ligação de São Tomé à Nigéria. Uma vez mais parti sem dar a conhecer os meus propósitos, ao começo da noite, servindo-me apenas de uma simples bússola. Ao cabo de 13 dias chegava a uma praia ao sul daquele país africano, tendo sido detido durante 17 dias por suspeita de espionagem, após o que fui repatriado para Portugal. Os jornais nigerianos destacaram em primeira página o feito.

O que leva um homem sozinho a enfrentar o Mar? - Largando numa piroga apenas munido de um bússola para se orientar e sem a menor possibilidade de comunicação com o mundo exterior?... - No meu caso, várias razões: o apelo da aventura, a necessidade de um profundo recolhimento de ordem espiritual: a convicção de que, posto perante a grande solidão do oceano, poderia sentir ainda mais de perto a presença de Deus, questionar-me, reflectir, ter a percepção mais lúcida e profunda da origem e o sentido da vida e os seus mistérios. Porém, o que pesou, essencialmente, foram razões de ordem de cientifica, histórica e humanitária.

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Conforme já tive oportunidade de referir em anteriores textos, os objectivos das várias travessias que empreendi, em condições de extrema precariedade, de todo exposto à bondade ou à cólera dos elementos, visavam demonstrar a possibilidade de antigos povos africanos terem povoado as ilhas, situadas naquele Golfo, muito antes dos navegadores portugueses, ali terem chegado, contrariamente ao que defendem as teses coloniais, que dizem que as ilhas estavam completamente desabitadas - E a verdade é que, entretanto, já foram encontradas antigas cartas em arquivos, do tempo dos árabes, que provam, justamente, esses contactos com povos que, de há muito, ali viviam.

Factos históricos que, de modo alguém, poderão pôr em causa o mérito dos arrojados marinheiros.
É que nem sequer se pode colocar a questão de que a história deliberadamente ocultou ou mentiu. Ainda hoje, quem se aproxime das ilhas, tal é a densa vegetação que as cobre que, a primeira sensação que se tem, é que são unicamente cobertas de florestas e que ninguém lá vive: e quem é que, vivendo tranquilamente numa ilha, se vai mostrar a intrusos, dos quais se desconhecem as suas reais intenções?!.... E, ainda para mais, completamente estranhos à cor da sua pele , ao seu modo de vida e à sua cultura - quais marcianos vindos de outros planetas! - E estranhos ainda aos meios de navegação com que se aproximavam!....Por outro lado, também é certo que a história foi sempre contada de acordo com os pontos de vistas e as conveniências de quem a narra.


Mesmo assim, a história deixa algumas pistas. Basta ver que, algumas décadas depois dos primeiros colonos ali se haverem estabelecido, estes foram de tal maneira repelidos pelos "angolares", que obrigaram que a capital fosse transferida para a Ilha do Príncipe. Trata-se de uma etnia, que nunca aceitou a miscigenação e a ocupação das suas terras, organizada e regida por rei, com fortes ligações ao mar e à pesca - que a colonização, sem fundamento e comprovação fidedigna, remete para as origens de um hipotético negreiro naufragado ao sul da ilha.


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Regressado a São Tomé, ainda no mesmo ano, e já com São Tomé e Príncipe independente, tentei empreender a travessia ao Brasil, com o propósito reforçar a minha tese, evocar a rota da escravatura através da grande corrente equatorial e contribuir para a moralização de futuros náufragos, à semelhança de Alan Bombard. Segundo este investigador e navegador solitário, a maioria das vítimas morre por inacção, por perda de confiança e desespero, do que propriamente por falta de recursos, que o próprio mar pode oferecer. Era justamente o que eu também pretendia demonstrar - Navegando num meio tão primitivo e precário, levando apenas alimentos para uma parte do percurso e servindo-me, unicamente, de uma simples bússola, sem qualquer meio de comunicar com o exterior, tinha, pois, como intenção, colocar-me nas mesmas condições que muitos milhares de seres humanos que, todos os anos, ficam completamente desprotegidos e entregues a si próprios - Porém, quis o destino que fosse mesmo esta a situação que acabasse por viver.


Nunca sabia em que ponto do mar me encontrava: apenas dispunha de uma modesta bússola para me orientar. E também do sentido das correntes, do percurso aparente do sol e da posição das estrelas, quando as nuvens não encobriam o céu - diurno ou nocturno.


Eu vos recordo e evoco! - Destemidos pescadores,
que, diariamente, na árdua faina
do vosso sustento e das vossas famílias,
sozinhos partis por esse mar de Cristo,
não olhando a dificuldades,
não olhando a adversidades,
arrostando incertezas,
enfrentando
toda a sorte de ameaças e perigos!


E também a vós, oh mares do sofrimento e acolhedores.
das epopeias anónimas e das tragédias ignoradas,
dos destinos sem rasto e sem história! - Quantas vidas,
quantas?! - Ó mares antigos e do presente! -,
Quantas, já não destroçastes a esses humildes pescadores?!...

LUÍS DE CAMÕES E OS LUSÍADAS - JÁ NO TEMPO DAS CARAVELAS O GRANDÍSSIMO GOLFÃO INFUNDIA OS SEUS TEMORES E INSPIRARA O GRANDE POETA ÉPICO...


Os bravos marinheiros que chegaram ao Golfo, em 1470, valeram-se unicamente da bússola e do sextante.Também não iam lá muito bem equipados...A costa africana já havia sido percorrida por fenícios e árabes e já então havia mapas com nomes da costa e das ilhas, sabe-se agora. O que se desconhece é se eram do conhecimento da coroa de Portugal. Ficando assim justificadas as razões que me levaram a questionar a origem do povoamento das Ilhas do Golfo. A demonstrar que as pirogas, mesmo frágeis e, até, com um só homem a bordo, podem resistir muitos dias e ligar as ilhas e o continente; sim, podem ir ao cabo do mundo: é terá sido através destes meios de navegação, que os primeiros povoadores, vindos do vizinho continente africano e bem mais próximos de que os europeus, ali terão chegado.


AS (RE)DESCOBERTAS E A COLONIZAÇÃO


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Claro que, quem patrocinou as navegações, não o fez movido simplesmente pelo espírito de aventura, mas na mira do ouro, de especiarias, madeiras e de outras riquezas - E, porventura, até já estaria informado - ou através de antigos planisférios ou por outras vias - de que existiam riquezas noutras paragens, a sul ou além das costas que bordejavam o pequeno território. E o continente africano não seria de todo desconhecido ao Infante Dom Henrique, escolhendo, justamente a ponta mais ocidental da costa algarvia, Sagres, para fundar a sua escola de navegadores. .


Obviamente que aqueles que partiam: uns forçados outros por vontade própria, ambos acalentavam os mais díspares sonhos. Do impulso da aventura, ao enriquecimento rápido e à fortuna fácil. À audácia destes, sim, mesmo que partissem apenas movidos por intuitos materiais, eles foram os grandes heróis: à coragem e temeridade de pilotos e marinheiros, ficaram a dever-se as grandes e arrojadas viagens marítimas: o terem dado a conhecer a Portugal e à velha Europa, a existência de novas terras, outras gentes e novos mundos! - Porém, o que depois sucedeu: o período da escravatura e da colonização, TRÁFICO DE ESCRAVOS o mais cruel sistema de exploração colonial e de esclavagismo, a que deram lugar as descobertas ou redescobertas, tráfico fomentado e explorado sob várias bandeiras, sem dúvida, embora já tivesse raízes bem fundas no passado, é a grande mancha negra na História da Civilizações e da Humanidade A escravatura.........História da Escravatura..

Resta, pois, enaltecer e admirar o espírito quinhentista: daqueles navegadores e marinheiros que, pela primeira vez, se confrontaram com o mar bravio e desconhecido, com a toda a sorte de ameaças e de perigos - Mais deles, jamais regressados aos seus lares, à sua pátria e por lá perdidos, tragados nos vendavais e remoinhos infernais das águas.
E o mítico golfo, quer hoje, quer nesses lendários tempos das naus e das caravelas, continua a ser o imenso palco, a grande e misteriosa amplidão, sulcada por fortíssimos tornados ou acalmada por vastas planícies liquidas a perder de vista, onde o belo e o maravilhoso, vivem a meias com a tragédia e destruição. - Camões, poeta e aventureiro, andou por lá, com os seus olhos rasos de mar, a sensibilidade solta e à flor das águas e a quem os feitos e as cousas ousadas, que tanto o maravilhavam, não passavam despercebidas: por isso, não deixou de o citar e cantar nas extraordinárias epopeias dos seus "Lusíadas"


"Sempre enfim para o Austro a aguda proa
No grandíssimo gólfão nos metemos,
Deixando a serra aspérrima Leoa,
Co'o cabo a quem das Palmas nome demos.
O grande rio, onde batendo soa
O mar nas praias notas que ali temos,
Ficou, com a Ilha ilustre que tomou
O nome dum que o lado a Deus tocou".
Os Lusíadas - Canto V.







OH! QUANTAS VIDAS ALI NÃO TERÃO MORRIDO! QUANTAS AS NAUS ALI NÃO TERÃO DESAPARECIDO!.... QUANTOS NAUFRÁGIOS DE PEQUENOS OU GRANDES BARCOS - DE PESCADORES E OUTROS MARINHEIROS, - JÁ NÃO TERÁ HAVIDO!...


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Fernando Pessoa
Não à guerra mas paz eterna a todos os marinheiros que perderam a vida nos mares... Desde as mais primitivas embarcações à actualidade. Para eles, as orações expressas neste vídeo.

No war but eternal peace to all sailors who lost their lives in the seas ... Since the earliest boats to the present. For them, the prayers expressed in this video.

SONETOS
de António Dinis da Crus Silva



XXVI


Agora que o Sol vai para o Ocidente
Os seus brilhantes raios inclinando,
E um doce e fresco Zéfiro apresento;


Agora que nas grutas, que a corrente
Do Tejo pouco e pouco vai cavando,
Os molhados chinchorros pendurando,
O lasso pescador dorme contente.


Saiam de perto as ânsias, que recata
Há tanto tempo nele o sofrimento,
Só por não ofender quem maltrata.


Mas onde me transporta o sentimento?
Se é tão sublime a causa, que me mata,
Que inda sou devedor ao meu tormento!.




.


XI


Vem, oh saudosa Tarde, vem voando
Suavemente pelo ar sereno
Com as compridas asas mitigando.


Por tuas vitrais auras suspirando
Estão as flores desde prado ameno;
E sem forças deitado sobre o feno,
Bala o gado por ti de quando em quando.


Toda a selva te aguarda impaciente;
Mas Elpino inda mais, que os resplendores
De Licori por ti verá contente:


Ah! Vem Tarde feliz, não te demores;
Que dum tenro cordeiro o sangue quente
Tua Ara banhará cheia de flores.

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