Algures no Golfo da Guiné, 8 de Novembro de 1975
.
Diário de Bordo 1 - Hoje perfaz 18 dias que ando na
canoa “São Tome” (Yon Gato) . Estou próximo da Ilha de Fernando Pó. Vejo-a
perfeitamente. Estou a evitar, tudo por tudo, para não ir dar lá. Aliás, se
pusesse a vela, o vento arrastar-me-ia, inevitavelmente. Também as correntes me
estão a puxar na mesma direcção. Estou aí a umas 15 milhas,
possivelmente.
De noite, não
choveu mas o mar esteve muito agitado. E eu tive de estar muito atento para
evitar ser abalroado por algum barco ou para ver se me aproximava de terra
Esta manhã,
pesquei mais um tubarão. É o terceiro que pesco até agora. Outros iscaram e
comeram a isca mas este foi pescado. Também apareceu aqui um gigantesco!. Ainda tentei afastá-lo
com um pau mas pouco depois desapareceu.
Pois a ilha
está ali mesmo à minha frente.... As conjeturas que eu posso fazer neste
momento, não são nenhumas... Quer dizer, tanto posso ir parar à Ilha de Fernando
Pó, que estou a ver ali à minha esquerda (a bombordo), como passar ao lado dela
e convergir para os Camarões ou continuar para Norte em direção à Nigéria. Por
isso, neste momento, limito-me a aguardar. Aliás, é o que tenho de fazer, já que não consigo navegar. Ontem, por acaso,
consegui navegar um bocado, com auxílio do remo que improvisei, mas, efetivamente,
não adiantei nada, porque, em vez de navegar para Norte, naveguei para Leste.
Era só empatar tempo
AS PODRES
CALMARIAS, CHEGAVAM A SER MAIS DESESPERANTES DO QUE OS TORNADOS – ESTES AINDA
ARRASTAVAM A CANOA PARA QUALQUER PONTO - NAS CALMARIAS, COM O SOL DO EQUADOR A
PINO E O MAR TRANSFORMADO NUM IMENSO AÇUDE, SEM A MENOR BRISA E SEM ÁGUA
POTÁVEL, ERA MESMO DE ENLOUQUECER.
Diário de Bordo – 2 Como não posso navegar, o que é
que eu vou fazer?!....Vou-me deitar no fundo da canoa... Pois, o que é que
estou para aqui a fazer a secar ao sol?!... Não tenho água já... Tenho ali um
restinho de água das chuvas, que é choca e mal saborosa!... Pus-lhe uns pós que me tinham dado para fazer água doce,
mas, afinal, fica muito doce, demasiado doce e estraga-se rapidamente....
Ah!...mas pelo menos mata a sede, é o que importa.
Um objeto
curioso que trago aqui comigo é um apito de uma boia de salvação (que me fora
oferecido, pelos marinheiros do pesqueiro americano, Hornet). Vou dar aqui umas
apitadelas (que ficaram também registadas no pequeno gravador) – Quer dizer
que, se chegar junto de terra e houver por ali gente, pode ser que me ouçam com
estas apitadelaszitas (não trazia nenhuma boia de salvação, mas levava pelo
menos o apito)
VIOLENTO
TORNADO AFASTA-ME PARA LONGE DA ILHA DE FERNANDO PÓ
Diário de Bordo 3 – É
extremamente difícil fazer previsões no mar, principalmente quando se anda á
deriva!...Há bocado, encontrava-me relativamente próximo da Ilha de Fernando
Pó. Pois, de um momento para o outro, fui atirado por um violento temporal e já
me encontro noutra posição. Portanto, fora de qualquer possibilidade, penso eu,
de lá chegar. A menos que surja outro tornado e me arraste para lá!.
Este tornado
aproximou-me mais para Norte, Noroeste. Devo estar agora mais próximo da costa
nigeriana... Foi um tornado, violentíssimo!... Ainda continuam a fazer
sentir-se os seus efeitos.
Ondas bastante alterosas!... O mar ainda muito cavado e ameaçador! (ouve-se na
gravação, o rugido das vagas)
Realmente
tenho tido muita sorte!... É algo que está comigo e me leva a bom destino,
quando não, já tinha desaparecido!...
MAIS UM BARCO
QUE SEGUIU O SEU RUMO – A CANOA ERA UM MADEIRO COMO OUTRO QUALQUER - IGUAL A TANTAS TORAS QUE ANDAVAM À
DERIVA E NÃO PRODUZIAM QUALQUER SINAL NO RADAR OU ENTÃO NÃO LIGAVAM – Para
justificar a deceção, que me cavava a alma, eu arranjava sempre uma explicação,
que mais não fosse para que o sentimento de abandono, não fosse maior.
Diário de Bordo 4 – Vi um barco! O barco viu-me
perfeitamente! Mas o barco devia ter também as suas dificuldades... Não sei se
me viram, eu vi-o nitidamente!... Devia estar a umas duas ou três milhas. De qualquer
maneira, uma vez mais um barco passou,
indiferentemente a mim!
Diário de Bordo 5 – Estou a vislumbrar os contornos da
Ilha de Fernando Pó! Agora
ficou completamente descoberta!... Tem lá uns picos muito curiosos...
Altos!....Talvez mais altos do que o Pico de São Tomé (e era verdade, o Pico de São Tomé tem 2024 m, enquanto em Bioko, existe o Pico Basile com 3012) Neste ponto é difícil as
correntes levarem-me para lá. O mar está com uma forte calema!...
Diário de Bordo 6 – Fim de tarde do 18º dia! Esta tarde
(um pouco mais calma) a contrastar com a manhã que esteve muito tempestuosa!...
Violento tornado assolou aqui esta zona onde me encontro. Estou relativamente
próximo da Ilha de Fernando Pó, que agora tenho à minha direita a leste. Não
sei precisamente a quantas milhas, mas muito próximo!
A costa de
África ainda continua misteriosa. Ainda não se descortina nada!... Não deve
estar longe, mas só amanhã é que a poderei visitar, se entretanto a viagem
decorrer normalmente... Não está a chover mas o mar continua bastante agitado e
a dificultar-me!... Quer dizer... favorece, favorece o andamento da canoa.
Imprime-lhe outra velocidade, tem essa vantagem.... Mas, francamente, é penoso!
é penoso viajar assim!... Porque é necessária uma vigilância constante a cada
vaga, para controlar os movimentos da canoa. Às vezes há vagas que chegam a
galgá-la e molhar-me completamente.
ESTE DIÁRIO
SÓ FOI POSSÍVEL GRAÇAS À TRANSCRIÇÃO DO REGISTO NUM PEQUENO GRAVADOR - QUE PUDE
RESGUARDAR DO MAR NO CAIXOTE DE PLÁSTICO, QUE SE SE VÊ NA IMAGEM - IGUAL AOS DO
LIXO
Diário de Bordo 7 – Esta tarde, tive umas lutas com
uns tubarões, que andavam aqui em volta!... A um gigante, que andava aqui a
ameaçar-me, consegui dar-lhe umas machinadelas e já acabou por fugir....
Realmente, só visto!... A figura que eu fazia aqui, sozinho, neste vasto
oceano, lutando, enfim, pela minha sobrevivência...
Se me
perguntassem, ao ver assim o mar e eu estivesse em terra, se eu iria?...
Não!!... Não me sentia com coragem!... Mas, estando eu no mar, sim, sinto
coragem para o enfrentar! O mesmo aconteceria se estivesse num paquete, como aquele, que há
bocado vi!... Também se me dissessem se
queria ir numa canoa, em tais condições de mar, não aceitaria. Mas eu acabei
por me resignar e tenho enfrentado a fúria do mar e do vento!...
Diário de Bordo 8 – As aves continuam aqui sempre à minha frente, não sei
porquê.... É curioso este aspeto!... Sempre aves, desde há quatro dias que vejo
as aves aqui à minha frente....Os peixes, há momentos em que eles desaparecem.
Se calhar são os tubarões que os afugentam. Mas normalmente andam sempre aqui em volta... Até há uma
qualidade de peixes que acabou por me tirar todas as conchazinhas que já tinham
nascido no costado da própria canoa. Fizeram uma limpeza radical. Ainda bem - (eram
as rêmoras, peixes parasitas, com a sua ventosa na cabeça, que se colam aos
tubarões ou no costado das embarcações e que acabariam também por me devorar
todos os anzóis e iscas e nunca lá ficavam, pois os seus dentes são talvez mais
afiados de que os dos ratos ou dos coelhos)
Diário de Bordo 9 – A noite está-se aproximar. Vai ser
uma noite mais escura, com certeza. Não obstante, já estarmos com a lua em
quarto crescente.
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