Peregrino da Terra, dos Mares e da Luz
Algures no Golfo da Guiné, 15 de Novembro de 1975
PERDIDO NO MAR - Não tenho água potável... e, todavia, tanta água à minha volta!...Tanto espaço, tanta liberdade e tanto azul a inundar-me os olhos!...Tanta coisa em excesso e tanta coisa em falta!... – Que suplício!... Que tormento mais duro, meu Deus!... Até quando?!....
Algures no Golfo da Guiné, 15 de Novembro de 1975
Sem
água potável e sem comida!... Às desoras da noite eu ouvia a voz do
vento a chamar-me e sem cessar! Sem cessar!... E a mandar-me esperar!...
Esperar!... Esperar!... Naquele turbulento e escuro mar!... Sozinho no seio das
trevas mais fundas da escuríssima e medonha noite!... Á flor das vagas, a
coberto dos infinitos céus!... Abandonado de todo o Mundo menos sem a Luz da Fé
e da Esperança de Deus.
Sê Integro,
pacifico e verdadeiro – Mas não conivente com as injustiças … E, se não puderes
seguir o exemplo e os passos daquele que se deixou matar em nome da sua palavra,
ao menos constrói o teu altar em lugar abençoado e escolhido por ti – Sê
paciente mas não resignado e não te importes
de levar com persistente tenacidade a cruz que terás de levar até ao fim da tua
vida. Pois este mundo é apenas uma mera passagem veloz e fugaz
PERDIDO NO MAR - Não tenho água potável... e, todavia, tanta água à minha volta!...Tanto espaço, tanta liberdade e tanto azul a inundar-me os olhos!...Tanta coisa em excesso e tanta coisa em falta!... – Que suplício!... Que tormento mais duro, meu Deus!... Até quando?!....
A pouca água do mar
que bebo aos golinhos de vez em quando,
em vez de matar-me a sede,
ainda mais agrava o meu mal-estar
e torna muito penosa, demasiado penosa,
talvez mesmo impossível, a minha sobrevivência!...
Mesmo assim, não me sinto desanimado!...
E vou lutando com os precários meios que disponho
e conforme posso... Mas já não chove há uns dias!...
que bebo aos golinhos de vez em quando,
em vez de matar-me a sede,
ainda mais agrava o meu mal-estar
e torna muito penosa, demasiado penosa,
talvez mesmo impossível, a minha sobrevivência!...
Mesmo assim, não me sinto desanimado!...
E vou lutando com os precários meios que disponho
e conforme posso... Mas já não chove há uns dias!...
Pela primeira
vez na minha vida masquei
uma lasquinha de madeira como um chiclete!...
Arranquei-a da borda da canoa...
Tinha a garganta tão queimada e a boca
já tão ressequida e os meus lábios tão secos,
que a sede se me tornava já um suplício insuportável!...
E, com o sol tão intenso, até parecia que o desespero
começava a tomar conta de mim!...
Com a sua frescura, consegui aliviar
um pouco o meu tormento!...- Mas é cruel!
É terrível a sede!... – E nenhuma nuvem no céu!!..
Até este ar quente já me sufoca!...
Tenho que voltar a beber mais uns golinhos de água do mar...
A ver se aguento...
uma lasquinha de madeira como um chiclete!...
Arranquei-a da borda da canoa...
Tinha a garganta tão queimada e a boca
já tão ressequida e os meus lábios tão secos,
que a sede se me tornava já um suplício insuportável!...
E, com o sol tão intenso, até parecia que o desespero
começava a tomar conta de mim!...
Com a sua frescura, consegui aliviar
um pouco o meu tormento!...- Mas é cruel!
É terrível a sede!... – E nenhuma nuvem no céu!!..
Até este ar quente já me sufoca!...
Tenho que voltar a beber mais uns golinhos de água do mar...
A ver se aguento...
Oxalá venha
uma grande chuvada!...
Mas geralmente surge quando menos se deseja
e quase sempre antecedida de fortes ventanias
e agitação das águas!... – É assim o tempo
nesta região do oceano!... – Podres calmarias...
que até parecem eternidades por tão prolongadas e mortas!...
Logo seguidas de grandes tempestades que, de tão rápidas
e enfurecidas, parecem destruir tudo à sua à sua passagem....
Mas geralmente surge quando menos se deseja
e quase sempre antecedida de fortes ventanias
e agitação das águas!... – É assim o tempo
nesta região do oceano!... – Podres calmarias...
que até parecem eternidades por tão prolongadas e mortas!...
Logo seguidas de grandes tempestades que, de tão rápidas
e enfurecidas, parecem destruir tudo à sua à sua passagem....
Não tenho
água potável... e, todavia, tanta água à minha volta!...
Tanto espaço, tanta liberdade e tanto azul a inundar-me os olhos!...
Tanta coisa em excesso e tanta coisa em falta!... – Que suplício!...
Que tormento mais duro, meu Deus!... Até quando?!.
Excerto do poema SÓ A VOZ DO MAR..
Tanto espaço, tanta liberdade e tanto azul a inundar-me os olhos!...
Tanta coisa em excesso e tanta coisa em falta!... – Que suplício!...
Que tormento mais duro, meu Deus!... Até quando?!.
Excerto do poema SÓ A VOZ DO MAR..
Algures no Golfo da
Guiné, 15 de Novembro de 1975
Diário de Bordo - 1 É manhã do 26ª dia que viajo
numa canoa. Passei uma noite quase sempre acordado. Havia ameaças por todo o
lado. Travejou mas na canoa não choveu. Eu precisava que chovesse.
Esta
manhã ainda se apresenta bastante cinzenta, com nuvens espessas no horizonte. O
mar muito cavado, com bastante carneirada! Muito agitado!...Continuo sem ver
quaisquer contornos de terra...Não tenho comida e não tenho água senão do mar.
Entretanto,
vou ver se pesco mais qualquer coisa.... Não tenho outro recurso senão pescar.
Quanto ao facto de beber água salgada, sinceramente, já há quatro dias que o
faço e o estômago já não está lá muito bem!...Sinto dores de
cabeça. Tenho assim umas certas perturbações... Efetivamente, pode beber-se
água do mar mas durante um determinado período de tempo.
Diário de Bordo - 2 São 10 horas da manhã. O mar
apresenta-se bastante azul mas muito cavado! Com vagas bastante fortes!... Está
com aspeto bonito, as vagas muito azuis e brilhantes, mas está ao mesmo tempo
perigoso, na medida em que provoca na minha canoa movimentos desencontrados...
E, por vezes, chega a galgar o próprio interior da canoa.
(imagem
fotográfica da popa da canoa e do caixote de plástico, onde pude guardar a
máquina fotográfica e um gravador, com o qual fiz o registo do meu diário - as
partes arrancadas, foram
utilizadas para construção de um remo improvisado - Na imagem de cima,
registada com uma das mãos, estou bebendo golos de
água salgada)
Diário
de Bordo Desde ontem que deixei de ver os tubarões, os meus fiéis companheiros,
digamos, assim, tubarões martelo. E a verdade é que hoje já tive aqui a visita
de um tubarão dos escuros!, que é o voraz que costuma atacar a canoa e que
andou aqui às voltas. Um tubarão muito grande! Um tubarão gigante!...Realmente,
não sei porque é que os outros deixaram de aparecer...Espero não vir a ter
problemas com estes.
Não
posso colocar qualquer vela neste momento, é demasiado perigoso!...É preferível
deixar a canoa andar à deriva, apesar, de, enfim, ser muito arriscado...De
qualquer maneira prefiro ir assim, até porque não tenho perfeito domínio da
minha canoa, visto não ter leme e o remo principal.
Já
choveu aqui na zona, próximo!...Aqui apenas chegaram umas pequenas gotículas...
Trovejou mas nem sempre quando troveja chove em toda a parte do mar.... O mar
está fortemente agitado!, devido às trovoadas que se desencadearam
noutras partes...Noutros lugares.... Não consigo ver qualquer sinal
de terra. Deixei completamente de ver a Ilha de Fernando Pó (Bioko)...Farto-me
de mirar o horizonte para noroeste, mas não há qualquer sinal.
Não tenho comida. Água também não
tenho. Estou a beber água do mar. Sinto-me um bocado fraco...Vou suportando,
com um bocado de paciência até ver... Já estive à pesca mas não pesquei
nada...Continuo aqui com o tubarão... Já ontem aproveitei um bocado dele mas
hoje já tem um aspeto um bocado deteriorado...Vamos lá a ver...Vou conservá-lo
de qualquer maneira. Pois, se não pescar outra coisa, vou aproveitá-lo...Fome é
que não hei-de passar... Enfim, alguma hei-de passar mas guardo-o até ver....
A
canoa continua a meter água da parte da carlinga...Não sei porquê... Continua a
meter cada vez mais água; isso preocupa-me imenso, porque, realmente, não sei
até que ponto se pode manter ou agravar.
Diário de Bordo - 3 São 3 ou 4 horas da tarde.
Direi que o mar continua muito agitado, bastante mesmo agitado!...É quase
difícil equilibrar-me na canoa... As trovoadas ameaçam de todos os lados!...
Devem estar muito próximas... Devo ser atingido, dentro de pouco tempo por
alguma trovoada...Ainda não vi terra... Tenho fome. Sede também, porque
ainda não choveu... Deve chover daqui a pouco, com certeza.... A situação é
bastante incerta!... O mar bastante agitado e difícil. A canoa continua a meter
água!... Realmente, é preciso ter uma moral e uma confiança muito grande! Para
conseguir levar a bom termo a minha empresa....Os tubarões martelo já
apareceram! Vi dois ou três.
Aliás,
eu esta tarde coloquei um bocado a vela mas tive que a tirar porque era
impossível continuar a velejar!... A canoa ameaçava virar-se a todo o
momento.... Eu não tenho leme ( nem
remo adequado) e tive que deixar-me andar de novo à
deriva! À mercê das vagas e daquilo que elas quiserem fazer de mim.
Diário de Bordo - 4 Devem ser cerca das 5 horas
da tarde do 26º dia. Finalmente, surgiu uma chuvada!...Não direi uma trovoada,
embora o mar esteja bastante agitado mas não houve muito vento...Choveu
bastante!...Consegui arranjar aí uns seis ou sete litros de água!...Portanto
estou satisfeito!...Já tenho água doce...Aliás, tinha aqui uns produtos
químicos que me foram oferecidos pelo Sr. Dr. Epifâneo da Franca, em São
Tomé, os quais adicionei para fazer água doce. A água das chuvas é água
destilada, é água pobre. Consegui, portanto, arranjar água doce!... Estou mais
satisfeito, porque com água potável é possível sobreviver durante mais
tempo...Muitos dias!...Quer dizer, sem água não é possível sobreviver muito
tempo. Sem comida é que se pode sobreviver mais dias....Portanto, eu tendo água
posso sobreviver à vontade, aliás, eu vou pescar...Ainda tenho o tubarão, o
qual vou comer cru; não tenho outra hipótese...
O
fim de tarde está brusco, o mar está muito cinzento. Está agitado, com certeza.
Cheio de carneirada (de lembrar que o sol, nestas regiões
equatoriais, nasce e põe-se à mesma hora - às 05.30;17.30)
A trovoada já passou. Aliás, apareceram duas chuvadas, uma vinda do sul, outra
vinda do norte. Os ventos dominantes continuam a sentir-se para nordeste, o que
facilita bastante...Estas trovoadas agitam bastante o mar, pois dão mais velocidade à
canoa...Espero que não esteja já muito afastado...Aliás, não sei porque é que,
depois de ter visto Fernando Pó, esteja a demorar tanto tempo em relação ao que
demorei desde lá de baixo (da Ilha de Ano Bom, onde fui largado). Já estou mais satisfeito, estou mais otimista!..Vamos
ver como é que vou passar a noite...
Agora
não desejo a chuva...Enfim, quero passar uma noite agradável... Está molinhando
ainda mas isso há-de passar . Porque, o mar, aqui, quando vem uma
trovoada, fica muito agitado, mas um bocado depois já está calmo...
Ainda
não há qualquer vislumbre de vestígio de terra !... Mas... eu não devo
estar longe, com certeza....Estou animado, sinto-me mais satisfeito!...
Há bocado, estava um bocado aborrecido porque não tinha água!... Estava a
beber água do mar, água salgada, claro. Também não tenho comida. A comida que
disponho é só do tubarão (já
estragado) mas lá me hei-de remediar...
Continuo
a ver aqui debaixo da canoa, uma barracuda. As barracudas também são perigosas!.... (Barracuda).Os tais tubarões
martelo, desopilaram; não sei para onde é que foram...Portanto, é tudo por
agora.
Diário de Bordo - 5 Aliás, poderei dizer que a canoa está toda molhada, encharcada mas o que me continua a preocupar é a entrada da água pela carlinga (o buraco onde assenta o mastro), visto os pregos terem atingido o fundo. Portanto, a madeira foi apodrecendo e a água continua a entrar. Mas espero que aguente até chegar a terra.
Mar
sonoro
"Mar
sonoro, mar sem fundo, mar sem fim.
A
tua beleza aumenta quando estamos sós
E
tão fundo intimamente a tua voz
Segue
o mais secreto bailar do meu sonho.
Que
momentos há em que eu suponho
Seres
um milagre criado só para mim."
Sophia
de Mello Breyner Andresen
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