O sol mergulhou e afundou-se há muito, algures
sobre o imenso círculo a ocidente – Momentos antes,
alguns dos seus raios
rasgaram as nuvens, espalharam-se
em mil reflexos e chegaram até mim - Como que despedindo-se
através de nostálgica e reluzente estrada
de luz - Já lá vão umas horas!...
Espero voltar a vê-los esplendorosos a oriente.
A noite vai alta e espessa! O mar encapelou-se
com o refrescar do vento - A canoa balança....
Atmosfera é húmida de névoas negras,
que correm baixas, rolando mui densas.....
- Para onde vou eu
na estreita concavidade
deste frágil tronco escavado?!...
Para onde me levará este esquife fantasmal?!...
De que te lamentas, afinal,
meu coração
esquivo e atormentado?!..
Não terá sido loucura insensata
ter confiado a
minha vida em tão precária fragilidade?!...
Não sei, nem me
importa. Vim sem destino,
meu rumo é ditado
pelos ventos e correntes,
não tenho nenhum
itinerário programado!
- Não sou senhor
de mim: - lancei-me ao mar
sem instrumentos
náuticos e cartas de marear.
Medito e por vezes
fico ainda mais triste e em sobressalto,
ao sentir o mar a
rugir e o vento a fustigar-me e a uivar!
Nada mais posso fazer
que sentir a ansiedade
dos vivos nas
horas incertas ou esperar absorto
pela eterna paz
dos mortos se a vida me escapar.
Vou balanceado
para onde o vento soprar.
À flor das águas,
vogando deitado e solto!
Vou para
onde me arrastarem as ondas
os caprichos do
destino, me quiserem levar!....
Quando não chove e o céu está descoberto, não vejo o mar
mas ouço constantemente as suas pancadas ao meu lado,
até que adormeço com o bailado das estrelas - Mas hoje
ainda não vi nem as estrelas nem vi o luar...
Não consegui adormecer - Oh vil ou doce tormento!
Não consegui adormecer - Oh vil ou doce tormento!
Pecados mortais meus ou ira negra dos altos céus!
Meu colchão é côncavo estreito e duro -
Muito desconfortável.
Não me permite sequer abrir os braços, mal posso
respirar.
Pior ainda quando estendo e cubro a canoa com o toldo de
plástico.
Meu coração, quase sufoca, possuído pelas sombras do oceano
noturno.
Mesmo assim, meus olhos, cegos de cansaço, perdidos
num horrível vazio sonoro e escuro,
num horrível vazio sonoro e escuro,
não cerram as pálpebras, não cedem
à continuada afronta que os amarra
mergulha e sobressalta!
à continuada afronta que os amarra
mergulha e sobressalta!
Vão abertos, em persistente vigília e alerta! - Não
param de sondar
os ruídos, os marulhos! - E, quando estes ressoam no
casco
ainda mais os intrigam e assustam - Arregalados,
perscrutam e devassam a penumbra absoluta -Porém,
nada enxergam do que vai
dentro ou lá fora - Vão cegos
mas não desistem!- Nesta horrenda dança de vida
ou morte, são eles e os meus ouvidos,
o mais íntimo sonar, desta minha
inarrável errância marítima
ou morte, são eles e os meus ouvidos,
o mais íntimo sonar, desta minha
inarrável errância marítima
Neste corrocel ensurdecedor de sonoros embates de arrepiar,
vergastas impiedosas das vagas que vão sucedendo
em brutais baques crispados de quase enlouquecer,
Oh quantas ideias! Quantos pensamentos!
vergastas impiedosas das vagas que vão sucedendo
em brutais baques crispados de quase enlouquecer,
Oh quantas ideias! Quantos pensamentos!
Quantas dúvidas e inquietações!....
Que resposta poderei eu dar à noite?!...
Que devo eu fazer?!...Senão conformar-me
ou renunciar às interrogações da sua infinita curiosidade...
Que resposta poderei eu dar à noite?!...
Que devo eu fazer?!...Senão conformar-me
ou renunciar às interrogações da sua infinita curiosidade...
Pois todos os momentos, por mais negros e incertos que
sejam,
vão além dos mares e da terra, são parte do Universo!
São verdadeiramente divinos!..Pertencem a Deus!
Mesmo através da mais cerrada escuridão,
elevam-se dos mares ou da terra aos céus!
Na verdade, mesmo deitado, vogando
à tona desta vastidão,
deste cemitério imenso, nunca estou inteiramente tranquilo
– Imerso em tantas dúvidas! Assolado por tantas interrogações
e por tanto mistério! Enquanto não adormeço,
vivo num estado de permanente torpor, angústia incerteza
deste cemitério imenso, nunca estou inteiramente tranquilo
– Imerso em tantas dúvidas! Assolado por tantas interrogações
e por tanto mistério! Enquanto não adormeço,
vivo num estado de permanente torpor, angústia incerteza
-
A todos os instantes, a todas as horas, a minha alma interroga-me,
faz-me
perguntas à solidão que me assola, a que eu não sei responder.
. A
canoa voga e a minha vida voga e flutua igualmente suspensa.
Por
vezes, depois de adormecer, acordo em sobressalto,
com
o bater de uma vaga mais violenta ou de uma barbatana
que
se encosta e roça asperamente no seu bojo - Outras vezes,
não
é o sobressalto mas a desilusão: - a sonhar
julgava-me
noutras paragens mas, ao acordar,
constato
que estou encaixado num exíguo espaço
e,
ao levantar-me, logo me apercebo
que
nem sequer um passo aos lados, posso dar.
O passado já não
me pertence e o meu futuro
é como a noite: desconheço onde começa e onde acaba
- E o presente é este estado de incerteza permanente,
que não é traduzível nem por imagens nem por palavras.
Estendido sobre o fundo
húmido da canoa,
que chega a
assemelhar-se a uma salmoura - sim, às vezes só lanço mão
do vertedouro,
quando a água chincalha demasiado e me cobre.
Mesmo que não reze
- não, não rezo, só se for a cantar
ou então quando as
lágrimas me escorrem pela face,
tal como as contas
de um rosário e têm o sabor a sal
No entanto, quando me deito, depois de estender-me
por entre as madeiras do meu estreito leito, sinto que as minhas
mãos
elas mesmas naturalmente se aconchegam ao meu peito e se entrelaçam
num gesto de permanente pose de súplica e de religiosa oração,
enquanto o peso do sono me não vence e a noite me acolhe
com as negras vestes assombradas ou maravilhadas do seu regaço
e me cobre por completo no mesmo infinito manto
da sua pacífica ou conturbada solidão.
elas mesmas naturalmente se aconchegam ao meu peito e se entrelaçam
num gesto de permanente pose de súplica e de religiosa oração,
enquanto o peso do sono me não vence e a noite me acolhe
com as negras vestes assombradas ou maravilhadas do seu regaço
e me cobre por completo no mesmo infinito manto
da sua pacífica ou conturbada solidão.
Eis, porque, a escolha que agora se me oferece é só uma:
deixar-me ir para
onde quer que seja arrastado,
enquanto a noite
for correndo e for passando,
pasmado e
confiante de que os astros longínquos
me sirvam de tecto
e de lastro, por companhia...
E que, o irromper
da alvorada, não seja mais
o prolongamento da
"noite eterna e antiquíssima"
mas o alvorecer e
a promessa de um novo dia...
Soergo-me, olho em
redor, olho e revejo o melhor que posso,
inseguro e
ansioso, mas nada mais vejo e descubro
que as trevas de
um imenso, negro e medonho poço!
Enquanto a canoa,
boiando na ondulante superfície,
boiando à flor do
abismo, indiferentemente a tudo,
corajosamente, vai
sulcando os fugidios vultos...
.- Oh, sim!...Que
vejo eu, enxergo ou sinto
em mundo tão
misterioso e desconhecido?...
Vejo que a solidão
ainda é a mesma
para onde quer que
alongue o meu olhar...
Sinto que vogo por
um mar negro e indistinto,
Sinto-me, em parte
incerta, vogando
prisioneiro do meu
corpo e que,
tanto a minha
alma, como o meu corpo,
ainda não são
inteiramente livres um do outro..
Vou errante e solto
à superfície
desta massa
líquida ondulante.
Vou como ave noturna
sem asas,
vogando
inteiramente condicionado
e prisioneiro da
minha liberdade ...
É certo que não
tenho paredes à minha volta a cercearem-me
os movimentos -
Pelo contrário: esta cúpula infinitamente parda
é toda a minha,
este mar imenso e negríssimo é todo meu,
mesmo
assim, sinto-me infeliz, pois não sou eu
que vou a comandar
a minha nau e o meu destino,
mas é o mar que me
leva, não sei para onde
ou para que parte
incerta do negro horizonte...
- Ó mensageira
áurea luz! Errantes forças divinas!
Vós que alternais
dentro do meu peito a paz e harmonia
das manhãs e
tardes serenas ou mesmo as noites mais escuras e assombrosas,
com a voragem
devoradora das tempestades - sejam quais forem as horas! -
em que
alturas celestiais ou erma solidão, agora estais?!..
Será que abandonaste meu pobre coração mortal?!...
- A noite nestes mares equatoriais, reparte por igual
as suas trevas com a claridade do dia
- Quando chegará a hora - ó luz bendita! -
de vos
contemplar?! Poder eu adormecer, libertar-me
e esquecer-me de tudo isto?!...
.
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