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quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Angola, comemora hoje os 45 anos da independência: - Nesse dia andava eu naufragado há 22 dias numa piroga no Golfo da Guiné - "Estive a ouvir a rádio até altas horas, até quase de manhã: “hoje é dia 11 em terra..." - Declarava eu para o meu diário de bordo: um pequeno gravador guardado num caixote de plástico, igual aos do lixo , cujo registo ainda conservo e pode ser ouvido

Mas o naufrágio de Angola, este, pelos vistos, ainda se prolonga até aos dias de hoje – Depois de uma fratricida guerra civil. entre filhos do mesmo país, além dos vários anos de uma guerra colonial, que tantas vidas acabaria por ceifar de parte a parte. - Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista, navegador solitário e investigador  -

Angola comemora esta quarta-feira, 11 de Novembro,  os 45 anos de independência entre o silêncio da pandemia e o clamor das ruas”- Dizem noticias, que alertam para um ambiente intimidatório,  marcado pelas restrições da pandemia, que obrigaram a cancelar o ato central das comemorações, e a promessa de uma manifestação que espera mobilizar centenas de jovens.  https://www.dinheirovivo.pt/economia/internacional/africa/angola-comemora-independencia-entre-o-silencio-da-pandemia-e-o-clamor-das-ruas-13012180.html Havendo mesmo quem  denuncie que a efeméride   será celebrada "com repressão"- Quem o diz é o músico e ativista luso-angolano Luaty Beirão, frisando  que os jovens "não têm paciência para aturar dinossauros políticos" neste país africano. https://www.noticiasaominuto.com/mundo/1624511/aniversario-da-independencia-angolana-sera-celebrado-com-repressao

No entanto, o  MPLA, partido no poder, já apelou a todos os angolanos a participarem “de forma patriótica” nas atividades comemorativas dos 45 anos da independência do país, esta quarta-feira - Numa declaração alusiva ao 45.º aniversário da independência nacional, o Bureau Político do MPLA enalteceu as conquistas alcançadas ao longo do percurso histórico de Angola. https://www.plataformamedia.com/2020/11/10/mpla-exorta-angolanos-a-participacao-patriotica-na-festa-dos-45-anos-de-independencia

17/09/2019 “Quarenta e oito por cento da população angolana residente no país vive em pobreza multidimensional e Angola figura entre os 55 países do Mundo onde a situação de fome é considerada grave, diz Garcia Victor Matondo https://www.plataformamedia.com/pt-pt/noticias/sociedade/cresce-indice-de-pobreza-no-seio-da-populacao-angolana-11310257.html

 

Recorda a imprensa, que “a  proclamação da Independência foi feita em três locais diferentes de norte a sul do país, sinal da divisão que já na altura se sentia em Angola e que iria marcar o país nas três décadas seguintes

Em Luanda, era já noite cerrada quando o líder do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola, António Agostinho Neto, que se tornaria o primeiro presidente do país fez o discurso proclamatório, às 00:00 no Largo da Independência.

A sul, o dirigente da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), Jonas Savimbi, fazia declaração idêntica no Huambo (na altura, Nova Lisboa) e no norte, o chefe da FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola), Holden Roberto, escolhe a cidade portuária de Ambriz para assinalar o fim do colonialismo português e o nascimento de um novo país” DN.





Baú onde pude preservar as memórias que me restam
JAMAIS PODEREI ESQUECER-ME  DESSA LONGA  NOITE, ANTE A SOLIDÃO DO MAR E DO CÉU - Até porque, se tratava de uma data em que nasceu a minha saudosa mãe: ou seja, no dia de S. Martinho

Há 45 anos foi proclamada  independência de Angola: houve festa de arromba, de muita folia, música e diversão  pela noite adentro:  “Um dia de muita alegria e para mim um dia tão triste!” –. Desabafava  eu para o meu pequeno gravador, o meu diário de bordo, - Sim, pude testemunhar esse ambiente de entusiasmo e de grande esperança, algures no Golfo da Guiné, depois da meia noite e  por algumas horas  ao correr da  madrugada, ao sabor do vento e das correntes, perdido a bordo de uma frágil piroga; através de um pequeno transístor a pilhas, que pude preservar num simples contentor do lixo das constantes tempestades e das vagas que me flagelavam, além de um pequeno gravador onde fazia o registo do diário de bordo e da máquina fotográfica. Tenho ainda comigo esse registo histórico, bem como, de resto, as seis cassetes de todo o diário, das quais me venho servindo para  o transcrever

Algures no Golfo da Guiné, 11 de Novembro de 1975


Um dos tubarões pescado

Diário de Bordo 1 - Já é manhã do 22º dia. Passei uma noite normal. Estive muitas vezes acordado. Não dormi assim muito mas não choveu. Estive a ouvir a rádio até altas horas, até quase de manhã, sobre a reportagem da independência de Angola. Portanto, hoje é dia 11 em terra.

Amanheceu uma manhã bastante agradável: o mar não está assim muito agitado e o céu não muito encoberto. Apenas umas nuvens de onde em onde.

Eu disse, ontem, que, quando não se possuía uma boa vela, um perfeito domínio da embarcação, era preferível deixá-la à deriva. De facto, cheguei a essa conclusão, mas, atendendo a que devo estar muito próximo de terra e porque as correntes já não devem ter grande força, talvez valha a pena pôr à prova os modestos recursos que disponho.

Não podia deixar de me referir à companhia dos meus fiéis tubarões...continuam!...Isso é infalível!... A dar aqui as suas voltinha
s, a fazer a sua escolta à canoa.

SENTIA-ME ARREDADO DE TUDO - O MEU CALENDÁRIO NO MAR ERA DIFERENTE DOS DIAS QUE CORRIAM EM TERRA

Diário de Bordo 2 - São mais ou menos oito horas da manhã do 22º dia, ou seja dia 11 em terra. Realmente experimentei a vela. Andei cerca de uma hora e tal, mas praticamente já não havia vento. Há uma calmaria muito grande. Tudo leva a crer que haja trovoada lá para o fim da manhã ou princípio da tarde. Oxalá que sim; uma trovoadazita até faz bem para acelerar o andamento da canoa, se não nunca mais saio daqui!... O problema é este: só há vento quando há trovoadas. O pior é que nessas circunstâncias é difícil navegar, porque há que ter toda atenção na segurança da canoa. Portanto, neste momento, limito-me a aguentar os balanços da canoa e o calor, que está já a fazer sentir-se, até que venha um bocado de vento, que, com certeza, virá acompanhado de alguma trovoada, que está já a formar-se ali para leste. Aguardemos.

Diário de Bordo 3 - Quanto ao meu estado de saúde, doem-me bastante as costas, o pescoço, tenho inúmeras borbulhas nos braços e nas pernas e a vista muita cansada de olhar para o horizonte e também dos reflexos do sol. De resto ainda não sinto qualquer perturbação: mas tenho aqui medicina, uns comprimidos e algumas vitaminas. Enfim, espero que não surja qualquer complicação no meu estado de saúde.

Estou ouvindo rádio, que uma vezes constitui realmente o meu passatempo favorito, outras, enfim, é o silêncio, a solidão única coisa que me agrada.

AO FIM DA MANHÃ, CONFIRMAVAM-SE OS MEUS RECEIOS - Surge a tempestade: o que eram sinais de velada ameaça, subitamente, transformam-se num afrontoso pesadelo - O mar!... O mar!... Quando se enfurece, o mar é sempre igual em qualquer parte.




Diário de Bordo 4- Neste momento estou a enfrentar violenta tempestade! Tive que lançar a âncora flutuante. A canoa correu sérios riscos!...Nunca estive em tantas dificuldades como agora!… mesmo assim o tempo acalmou ligeiramente, mas ainda continua a tempestade a sentir-se e arrastar-me agora de este para oeste!… Está a retardar novamente a minha viagem!... Devem ser aí umas 11 horas da manhã!…Estava uma manhã estupenda e, de um momento para o outro, apareceu esta tempestade que ameaça a todo o instante virar a minha canoa.

Diário de Bordo 5 -O mau tempo continua a fazer sentir-se!... Não sei qual o destino onde vou ter!… É difícil neste momento fazer qualquer prognóstico… É um tornado dos maiores que tenho enfrentado...E o pior foi encontrar a minha canoa na posição pior de segurança, porque, a canoa, tem uma posição em que pode enfrentar mais ou menos as tempestades...Tive que lançar a âncora e um bidão de plástico que força com que a canoa fique ligeiramente de proa à vaga…De qualquer modo, a situação continua melindrosa!... Agora não chove mas está a fazer uma grande ventania e o mar está muito cavado!... Estou a ser arrastado para Sul, portanto, estou a ser retardado!... As perspetivas de chegar a terra, estão a ser cada vez mais morosas. É realmente uma situação verdadeiramente dramática!... A canoa esteve há pouco à beira de se virar!... Só por muita sorte, só por milagre não se virou!...

NESTES MARES, EM QUE OS DIAS SE REPARTEM POR IGUAL COM AS NOITES, TUDO É SÚBITO E INESPERADO: Uma simples nuvem no horizonte num claro céu azul e limpo, tanto pode significar o princípio de uma tempestade, como de uma podre calmaria  - Agora, as alterações climáticas estão profundamente alteradas, em todo o planeta; não sei se, naqueles mares, para pior ou melhor - Mas há 45 anos, eu vivia ali um longo e tormentoso drama  Ao sabor dos ventos e das correntes e balanceado para todos os quadrantes. 

Diário de Bordo 6 - Sinceramente, o tornado já passou... Está agora a notar-se a ressaca... Estou bastante afastado da Ilha de Fernando Pó, muito afastado!...Estou convencido que não vou ter a oportunidade que já tive...Neste momento, não sei qual a minha posição; estou bastante para Sul!... Não sei se voltarei a ter a oportunidade que já tive!... Afinal o que me interessa é terra e eu parece que estou a brincar com o meu destino!... Não pode ser!... Estou francamente perturbado neste momento!... Vou ver se consigo conservar o máximo de calma!... Mas já estou saturado... Estou cansado... Estou com fome!… Estou longe de terra! Agora estou muito mais longe do que já estive!

Mais afastado de terra e fatigado.  Não estou desiludido ou desesperançado. Pelo contrário, sinto-me mais forte e mais habilitado. O mar já não é aquele lençol líquido rebelde e ondulante, a sua fisionomia está moribunda  e não demorará a quedar-se numa ténue e plácida superfície.

Diário de Bordo 7 - Duas horas já são passadas... Não há vento. O mar tem uma ligeira ondulação: está mais ou menos calmo... Depois de um grande susto e de momentos de grande aflição... Porque, de facto, a trovoada foi violenta e ameaçou a cada momento voltar-me a canoa, não tivesse eu lançado a âncora flutuante, aliás, que é um sistema que eu improvisei (com um bidão de plástico, amarado a uma corda e à proa da canoa, na primeira noite em que fui assolado pelo tornado, forçando-a a ficar de proa à vaga e que me fez perder o remo e o leme e alijar da maior parte dos alimentos, para evitar ir ao fundo)  mas cheguei à conclusão que posso muito bem dar a terra, à costa de África... Quer dizer...se não houver vento de sul para norte, não preciso de pôr a vela, porque a corrente me arrasta... Se a trovoada surgir de sul, ponho a vela e a canoa evolui para noroeste...portanto, para a costa de África. Cheguei também à conclusão de que, realmente, numa tempestade, a embarcação não pode ficar completamente à deriva; se ficar com a vela, furta-se às vagas e não se vira tão facilmente. Claro que a vela tem de ser pequena, porque, se for grande, pode-se voltar...Por exemplo, neste momento tenho a vela e a canoa está a evoluir para a noroeste...E é pena não haver um pouco mais de vento... Portanto, eu posso muito bem ir dar à costa de África, tanto à Nigéria, como ainda a Fernando Pó. Para ir a Fernando Pó, basta que eu ponha a vela, quando houver vento de sul para norte; não preciso de remo sequer; basta prender a vela; prendo-a e então a canoa desliza para nordeste

Neste momento, já estou mais otimista... Depois daqueles momentos de grande aflição, em que vi quase a canoa virada e tive que me deitar para um dos lados, porque a canoa esteve mesmo... Havia vagas grandes, alterosas!…Entretanto, lancei um plástico agarrado à âncora  (a âncora flutuante), isso fez força, esticou a corda e evitou que a canoa se virasse... A canoa, correu realmente o risco de se virar!... Ora isso não pode acontecer de maneira alguma... Aliás, uma pessoa, nestas condições, a cabeça tem que estar sempre a pensar!... Sempre a improvisar... Não podemos cruzar os braços perante o perigo...Temos que ter sempre ideias novas para fazer face a novas situações... Este é um predicado muito importante... Pois nunca se pode uma pessoa dar por vencida!...Pode chatear-se, saturar-se, enfim, desanimar um pouco, mas por vencida nunca se deve dar!... Eu, apesar de tudo, apesar de já estarem 22 dias passados, aqui nesta situação, verdadeiramente dramática, muito difícil, eu não me dou por vencido!... Eu sei que hei-de ir dar a terra, custe o que custar!... A menos que a canoa se parta, mas isso não há-de acontecer



Livros pouco tempo para os ler
Diário de Bordo - Um pormenor curioso: tem piada que tive uma manhã bonita, uma manhã de sol!...Estava eu a ler um livro: “A Funda” de Artur Portela Filho, quando comecei a ver nuvens escuras e a ouvir um murmúrio, um ruído enorme: vi logo que era vento!... Pois, mal dei aqui uma arrumadela à canoa, surgiu logo essa trovoada, e de que maneira!

O céu por cima da minha cabeça está praticamente desnudado. Mas não tem aquele tom luminoso de um puro azul, que me inspira alegria.  Está encoberto por uma fluidez baça, por uma película levemente brumosa e prateada. Porém, em toda a periferia do horizonte, notam-se altos cúmulos. Estas nuvens têm aspetos muito giros mas algo misteriosos e inquietantes que não me inspiram absoluta tranquilidade. Porventura, reservam-me alguma surpresa desagradável....Vivo numa verdadeira inconstância de altos e baixos...

Diário de Bordo 8 - São neste momento perto das quatro horas da tarde, sensivelmente. Agora há uma paz!... Há um silêncio...O mar está calmo, sereno!... Um verdadeiro contraste com o mar que há bocado estava..O céu tenuemente enevoado, o sol mal se faz sentir....Sinto-me absolutamente desprezado neste momento!

Sinceramente, estou saturado! Saturado, porque não estou a navegar, a fazer da canoa aquilo que eu quero...Estou à mercê do mar, dos ventos, das correntes, das trovoadas!... Sou para aqui aquilo que os ventos e as correntes quiserem!...Estou farto de vislumbrar o horizonte, em busca da desejada costa africana!... Vejo lá longe Fernando Pó...Se calhar tenho de ir para lá, porque, senão às tantas, nem para lá nem para outro lado!...

Sinto ao mesmo tempo uma réstia de esperança... Há bocado vi que a minha canoa podia-se ter voltado de um momento para o outro!... Correu sérios riscos!...Eu não perdi a esperança, apesar de tudo...Tenho tido bastante sorte, também....

Não há ninguém...Nem um barco de pesca, nem um barco!... Não vejo nada!… Nem aves, tão pouco... Nem peixes!... Apenas os tubarões, azuis e os martelos, continuam em volta...Mais nada!... A água tem uma cor escura!...Não sei que dizer mais... Esperar, até quando?!.. Esta ânsia!... Quando eu posso pisar terra firme?!...Quando?!...

Entretanto, tenho aqui o meu pequeno aparelho com o qual , quando tenho um bocadinho de disposição, me vou entretendo a ouvir música (ligo o pequeno rádio, aliás, à Rádio Nacional de São Tomé) - Neste momento está a dar música .Ouve-se aqui perfeitamente apesar da distância. Hoje tem estado a transmitir muitos trechos de música africana. Hoje é o dia da Independência de Angola. Um dia de festa para muita gente e para mim um dia tão triste!

NEM SEMPRE O NÁUFRAGO PODE DISPOR DA  COMPANHIA DOS SONS DE UM PEQUENO RÁDIO – ESCUTEI-OS, POR VEZES, ENQUANTO AS PILHAS, NÃO SE GASTARAM, DEFENDENDO DA VIOLÊNCIA DO MAR NO INTERIOR DO MEU BAÚ, UM VULGAR CAIXOTE DO LIXO  

 E foi desse modo que pude acompanhar o memorável acontecimento da celebração da Independência do Povo Angolano. Mas foram também os sons musicais africanos, esses sons pungentes de sofrimento, de alegria, amor e nostalgia, que falam sempre ao coração, e até os que escutava de Portugal, através da EN, que ora me conduziam a estados de paz e de tranquilidade, ora me  comoviam, fechando-me ainda mais no meu silêncio ou rompendo-o, em lágrimas e com as mil dúvidas e interrogações que então me assolam

Diário de Bordo 9  - Aqui...isolado há 22 dias!... Meu Deus! O mar às vezes é tão belo! Tão maravilhoso!...Outras vezes...Há uma solidão!... Eu não sei já o que sou, afinal! O que sou, afinal, eu?!...Sinto fome!…A alimentação tenho-a racionado!.. A água, há bocado, devido a atenção que tinha que manter, descuidei-me!.. Agora só tenho um bocadinho... Vou-me remediar e terei que beber água do mar...Meu Deus!...Até quando?!...

Construção da Cobertura  da canoa
O tornado deixara-me muito cansado e enfraquecido. Na noite anterior mal pegara no sono. À medida que se aproximava o fim da tarde - e ali, o sol ia pôr-se às cinco e meia - sentia-me invadido por uma profunda tristeza. E, nesse dia, chorei. Não direi que me sentisse derrotado mas estava muito triste. Muito abatido...É verdade que, no dia anterior, chegara a ter no horizonte a Ilha de Fernando Pó. Mas estava ainda longe, porque, se estivesse muito perto, não conseguiria distinguir se era uma linha da costa ou uma ilha. Pois a ilha ainda é grande. Mas deu para ver que era realmente Fernando Pó – a  Ilha de Bioko. Mas, a verdade seja dita, eu não desejava ir lá parar: receava que fosse preso; o regime era intolerante. Infelizmente foi para onde acabei por aportar. 

Entretanto, até lá, os tornados, haveriam de me balancear para os vários quadrantes do horizonte, sem todavia me arrastarem para qualquer recanto da costa. - Num fim de um dia de grande abatimento e solidão mas que, ao contrário de outros dias, me deu para exteriorizar longamente os meus sentimentos para o pequeno gravador. E até para verter as minhas lágrimas. Agora já com o pequeno rádio desligado:

Diário de Bordo 10 - Mas, oh mar!... Foste tu que me chamaste, afinal?!... Ou eu que sou louco?!.. O que foi afinal?!...Eu sinto qualquer coisa em mim!!... Qualquer coisa em mim!!...Não sei!.. Oh Deus!... Porque é que estou aqui, afinal?!...Mar!... Vastidão! Vastidão!... Só vastidão!!... Silêncio!...Lonjura!!... Só mar!... Mar!... Mar!... Mais nada!...Absolutamente mais nada!!!... Só mar!...Mar!...Eu e a minha canoa!... Só mar!mar!...

Oh mar! Fala!...Fala!!... Diz-me se posso chegar a terra!!....Quando?!... Hoje?!.. Amanhã?!...Nunca?!... Responde! Oh mar!....Agora tudo calmo!... (já não se ouvem os sons do pequeno rádio, que desliguei) Daqui a bocado, outra vez... Outra luta!.. Não me dá tréguas...Umas vezes assim, sereno!.. Outras tempestuoso!...Mas que será isto?!...

Fim de tarde!... Fim de tarde!... Quando a terra chegará?!...Perdido!.. Aqui!...Nesta vastidão! Nesta vastidão!!... Só mar, mais nada!... Absolutamente, mais nada!!... Agora, nem aves!... Silêncio!... Silêncio!... Onde estão as gentes, onde estão as pessoas?!... Onde estão os milhares de habitantes da terra?!... Onde estão os pesqueiros?!...Os barcos, onde estão?!... Sou eu que estou no mundo apenas!...

QUANDO A DESEJADA COSTA DE ÁFRICA? 


Ó meu Deus! Ajudai-me! Ajudai-me!... Continuai alimentar a minha esperança!... Apenas uma coisa  eu sinto!... O meu peito, o meu coração está livre de tudo! Ninguém me incomoda!...Ninguém me chateia, me pede satisfações!... Não tenho que dar satisfações a ninguém!... É a única vantagem que tenho... De resto...é o silêncio!... Silêncio!... Silêncio, apenas!... Silêncio!... (as lágrimas toldam-me de novo meus olhos)

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