São Tomé – Memória do Batepá -– 68ª aniversário sem a tradicional Marcha da Liberdade da capital a Fernão Dias, em honra aos heróis de 3 de Fev de 1953 - Covid-19 e instabilidade social, com ameaças de greves na saúde e educação, levam a cerimónia reduzida aos titulares dos órgãos da soberania, corpo diplomático e alguns convidados
Jorge Trabulo Marques - Jornalis
São-Tomé e Príncipe comemora esta quarta-feira, 3 de Fevereiro, dia
dos heróis da liberdade do histórico massacre de 53, com Presidente da
República, Evaristo Carvalho, a presidir, pela primeira vez na história da
efeméride, uma cerimónia bastante restrita, sem populares nem a habitual marcha
de capital-São-Tomé à Fernão Dias, distrito de Lobata, por causa da pandemia da
Covid-19 – Diz STP-Press
Recordamos-lhes imagens e entrevistas na
marcha de 3 de Fevereiro de 2016
Reduzido aos titulares dos órgãos da soberania, corpo diplomático e
alguns convidados, o acto central fica, sobretudo, marcado com a deposição de
coroa de flores, a chama [tocha] da liberdade, bem como orações e cânticos de
diferentes confissões religiosas, no memorial dos mártires, localizado em
Fernão Dias, o histórico espaço do massacre perpetuado pelo então poder
colonial do governador Carlos Gorgulho.http://www.stp-press.st/2021/02/02/covid-19-deixa-3-de-fevereiro-sem-tradicional-marcha-da-liberdade-em-honra-aos-herois-de-53/
O FMI aprovou, em Abril do ano passado, uma linha de US$ 12 milhões para São Tomé e Príncipe enfrentar pandemia –
Mesmo assim, tem-se revelado insuficiente para superar as enormes dificuldades,
tanto a nível das fragilidades do sistema
de saúde, como no sector económico
Além
disso, o legado da divida externa, vinda de anos anteriores, que já era avultadíssimo,
com a crise provocada pelo Covid-19, quer no turismo, como noutros sectores de
atividade, veio, também, neste pequeno
pais africano, tornar ainda mais difícil
a vida à sua população
ONDE FALTA O
PÃO NUM PAIS ENDIVIDADO - Todos ralham e ninguém tem razão
Nestas férteis e maravilhosas ilhas, não falta a
fruta-pão, a matabala, a banana-pão e outras espécies de bananas e
variadíssimos frutos, mas, o ordenado mínimo, como não vai além dos 50 euros
mensais, não havendo dinheiro para medicamentos e outras necessidades
essenciais, claro, gera descontentamento, visto ser muito difícil enfrentar as carências do dia a dia
Antes do 25 de Abril, pouco mais poderia expressar que uma grande dor reprimida mas não esquecida
Um local pantanoso, infestado de mosquitos, embora a escassos metros da praia, onde muitos presos, ou eram imediatamente acorrentados e lançados ao mar ou, ainda sob o peso de fortes grilhetas, obrigados a carregar pesadas tinas de água ou grandes blocos de pedra, por forma a que o seu extermínio ainda fosse mais doloroso, porque física e psicologicamente mais sórdido e lento, quando não sufocados pelo terreno movediço da lama para onde também eram atirados ou mortos vivos em valas abertas pelos próprios prisioneiros, que eram obrigados a cavar a sepultura, sob as prepotências e as arbitrariedades de um contratado de angola, um tal Zé Mulato, um inqualificável verdugo que que as autoridades foram buscar à cadeia, onde cumpria pena de assassínio, para chefiar o dito campo de mort
EM PORTUGAL - NUMA REMOTA ALDEIA - TAMBÉM HOUVE OUTRO MASSACRE
Claro que não se pode dizer que, em 1953, os tempos também fossem bons para os portugueses que viviam na “metrópole do império colonial”, muito pelo contrário: eram tempos de repressão, de fome e de miséria – Nas escolas as crianças eram reprimidas à chibatada e com reguadas de deixar as mãos arder e ensanguentadas - E quem poderá esquecer o massacre de a pequena aldeia do colmeal, onde nasceu o meu bisavô paterno, varrida por ação de um processo judicial, injusto e prepotente, no dia 10 de Junho de 1957, com os seus habitantes despejados à força, com desfecho trágico de casas queimadas e algumas mortes por balas da GNR- a guarda pretoriana do regime colonial-fascista -, é também outra das páginas negras da História da Lusitânia moderna – Ver pormenores em http://www.vida-e-tempos.com/2019/09/colmeal-romagem-espiritual-silenciada-e.html
A MÁGOA QUE DIFICILMENTE SERÁ APAGADA DA MEMÓRIA DOS SOBREVIVENTES
Em 1974, entrevistei algumas das vítimas para a revista Semana Ilustrada, de Luanda, duas dos quais em Fernão Dias, no local do famigerado campo de Concentração e outro santomense, ainda com feridas por sarar numa das pernas, com que foi acorrentada - - Trabalhos jornalísticos esses que me haveriam de custar graves dissabores, violentas reações por parte, de alguns colonos. que me furaram os pneus do meu carro à navalhada, penduraram uma forca na porta de minha casa e me agrediram selvaticamente
BARTOLOMEU CRAVIDE - 20 ANOS DEPOIS AINDA TINHA FERIDAS DAS GRELAS NAS PERNAS E POR SARAR
"Prenderam-me durante 45 dias. Houve a ideia de arranjar mão-de-obra gratuita. E daí surgiram as prisões, mais prisões sem quaisquer razões para isso. Procurava-se emprego e não se encontrava. No entanto, as rusgas sucediam-se e as pessoas que encontravam eram presas. É claro que houve um ou outro que reagiu sobre essas atitudes."
Pouco depois do 25 de Abril, vi com os meus próprios olhos essas feridas - Ainda em chagas vivas por sarar! ... Provocadas por longo cativeiro, no campo de concentração de Fernão Dias, acorrentados a bolas de ferro, tal como aos escravos nos barcos negreiros. Pude entrevistar algumas dessas pessoas para a Revista Semana Ilustrada.
Vi também a fotografia da famosa cadeira onde os presos eram algemados, submetidos a ignóbeis espancamentos e torturas, até sujeitos a choques elétricos para os obrigarem a confessar e assinar declarações de factos forjados para os incriminarem o seu envolvimento numa revolta que pretenderia matar o governador e os colonos e aproveitarem-se das suas mulheres - Mais tarde a PIDE, enviada por Salazar, iria negar a existência da conspiração, que depois de ter sido rotulada de comunista, passar a ser provocada por elementos desafetos ao regime .
Escasseava a mão de obra barata..E o governador planeava construir grandes edifícios à custa do trabalho forçado nas ilhas e mandou o ajudante de campo armado em soldado nazi a comandar um grupo de milícias para ordenar o trabalho obrigatório.. Num verdadeiro retorno aos primórdios do ignóbil e duro esclavagismo, até que, numa remota aldeia perdida no mato, algures pela Vila da Trindade, alguém se encheu de coragem e reagiu sobre o fogoso e arrogante alferes, que teve a reação popular que merecia e à altura da leviandade e do desprezo como olhava a população e impunha a sua vontade .
VISITA AO LOCAL DOS TRÁGICOS ACONTECIMENTOS – EM 1974 – 20 ANOS DEPOIS - TENDO COMO GUIA DOIS SOBREVIVENTES: Manuel dos Ramos e Manuel Carmona
Este o excerto do relato – “O local fica perto da. sede da de pendência Fernão Dias, à Roça Rio do Ouro, à frente de um' mar azul imenso, bordado de viçosos coqueiros e de um capim que cresce exuberantemente e, por entre vestígios e recortes de antigas construções, em tempos utilizados para servir a ponte de cais acostável para os- barcos de longo curso que ali atracam (...)
Lá se encontravam ainda, junto à praia conforme nos disse, os dois ta marinheiros onde diariamente eram estendidos os cadáveres e dali transportados, por uma camioneta, para uma vala comum, no cemitério da cidade.
Mostrou-nos, igualmente, o sítio onde ele também esteve estendido no chão duro, cercado então por arame farpado, e onde ficavam a aguardar o momento do interrogatório ou da pena capital.
Acompanhou-nos ao lugar, onde ficava a casa que o chefe da brigada do campo de concentração e de trabalhos Forçados utilizava para pro ceder às torturas, aos interrogatório e julgamento das inúmeras pessoas que para ali iam presas.
Por último, trouxe-nos ao lugar onde os presos partiam brita para construção de uma pista para o aeroporto que a partir de ali se pretendia iniciar e apontou-nos o pântano onde eram também forçados a trabalhar. Na berma do mesmo, encontramos ainda uma argola de uma corrente de ferro, com que eram amarrados. Mata ali e vai pôr junto desses tamarinos e tapa com chapa”.concentração e de trabalhos Forçados utilizava para pro ceder às torturas, aos interrogatório e julgamento das inúmeras pessoas que para ali iam presas.
É hoje uma pequena vila, porém, há 62 nos, era apenas um conjunto de algumas modestas casas de madeira – Mas foi justamente aí, pelo facto dos santomenses se haverem recusado a trabalharem à força, como escravos, nas obras públicas e nas plantações do Cacau e do Café das grandes roças, que começaria uma das páginas mais negras da história da colonização portuguesa neste arquipélago – Mas também, por outro lado, a lembrança de um período que haveria de ser marcado pelas mais nobres e corajosas provas de resistência ao repressivo domínio esclavagista.
SOBREVIVENTE - A DOR QUE O TEMPO AINDA NÃO APAGOU - ESPANCADA À CRONHADA DEPOIS DE LHE METEREM A CABEÇA NUM TANQUE DE ÁGUA - Era menina e estava grávida.
Maria dos Santos, mais conhecida por Mena - Ainda jovem, e mesmo grávida, não foi poupada à brutalidade facínora das ordens do então Governador Carlos Gorgulho: arrastada à força de sua casa, levada para um calabouço na então Vila de Trindade, espancada barbaramente, Primeiro deu-se o saque às casas: carregaram o que puderam dos modestos teres e haveres, após o que as incendiaram.
Imagens e palavras de um abominável massacre. O pai de Teresa, esposo de Maria dos Santos, , também vitima da mesma barbárie, depois de lhe terem queimado a casa e o carro (que saquearam antes de a incendiarem) ainda procurou refúgio no mato mas foi apanhado, preso e enviado para o Campo de Concentração de Fernão, onde acabaria por embarcar, com mais 120 homens para serem lançados ao mar, no barco António Carlos. Tal porém não sucederia por a tripulação do navio se ter oposto, tal como vim a saber através de outro depoimento, que obrigaram o comandante a deixar os prisioneiros na Ilha do Príncipe, onde acabariam por ficar presos –
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