Jorge Trabulo Marques
José Sarmago - 22-05-1999 |
A Feira Medieval voltou à cidade da Luz da Beira, neste último fim-de-semana, de sexta a Domingo, dia 12, com espetáculos de fogo, torneios a cavalo, arruadas musicais e danças. Teve início no castelo medieval às 14h00 de sexta-feira com o desfile histórico com a comunidade escolar, animação de rua e várias atividades.
Foi inaugurada pelo presidente da Câmara da Mêda, João Mourato, que explica que esta iniciativa «remonta ao passado, mas que tem tudo a ver com o presente".
Frizando que " a Feira Medieval faz-nos pensar o que teria sido Marialva há anos atrás, uma localidade que deixou de ser concelho em 1836» - Evento bem documentado com excelentes imagens de Adriano Ferreira, na sua página do Facebook , a que tomei a liberdade de extrair algumas para recordar a minha pormenorizada reportagem fotográfica à homenagem que o município de Mêda prestou ao escritor José Saramago
JOSÉ SARAMAGO - Homenageado eno Castelo de Marialva, em 22 de Maio de 1999 – Uns meses depois da atribuição do Prémio Nobel da Literatura, no dia 8 de outubro de 1998 - Até agora único, Prémio Nobel de Literatura em língua portuguesa
A Câmara Municipal do Concelho de Mêda, presidida por João Mourato, prestou-lhe uma calorosa homenagem, no Castelo de Marialva, onde foi descerrada uma lápide a uma citação do seu livro, Viagem a Portugal.
Na sede do município foi depois brindado por um saborosíssimo banquete, com os melhores vinhos, aperitivos e pratos tradicionais do concelho. E, na sua visita ao agrupamento das Escolas, onde voltou a ser muito aplaudido por alunos e professores, foi também descerrada uma lápide com o seu nome: com estas palavras: ESTE AGRUPAMENTO DE ESCOLAS FOI PRIVILEGADO COM O PRÉMIO NOBEL DA LITERATURA 1993 JOSÉ SARAMAGO NO DIA 22 DE MAIO DE 1999
Durante a viagem até Marialva, falei sobre a região onde se insere a aldeia. Estamos praticamente a chegar ao nosso destino e encontro, pelo caminho (e com grande surpresa) uma personalidade de grande renome nacional, Nobel da Literatura Portuguesa o escritor José Saramago. É com muito prazer que os convido a entrar em Marialva, na companhia deste ilustre escritor, que fez questão de escrever sobre esta magnífica aldeia , como se fosse uma"visita guiada”
Vai o viajante continuar para norte, pela estrada a nascente da ribeira de Teja(...). Passa em Pai Penela, e, dando a volta por Mêda e Longroiva (...), apanha a estrada que vem de Vila Nova de Foz Côa e torna para sul. O caminho agora é planície, ou, com rigor maior, de planalto, os olhos podem alongar-se à vontade ,e mais se alongarão lá de cima, de Marialva, a velha, que esta fundeira não tem motivos de luzimento que excedam os legítimos de qualquer terra habitada e de trabalho(...)
Marialva foi chamada, em tempos antigos, Malva. Antes de o saber, o viajante julgou que seria contracção de um nome composto, Maria Alva, nome de mulher. E ainda agora não se resigna a aceitar que o primeiro baptismo venha do rei Leão, Fernando Magno, como dizem certos autores. Sua Mercê não veio, evidentemente, de Leão aqui para ver se esta montanha quadrava bem o nome de Malva. Curou por informações, algum frade que por cá passou e tendo visto malvas julgou que era a terra delas, sem reparar, em seu recato de frade preceituado, que naquela casa hoje arruinada vivia a mais bela rapariga do monte, precisamente chamada Maria Alva, como ao viajante convém para justificar e defender a sua tese. (...)
Nem a vila velha, as ruas trepam a encosta, nem quem aqui mora. O viajante sobe e dão-lhe as boas-tardes com tranquila voz. Estão mulheres costurando às portas, brincam algumas crianças. O sol está deste lado do monte, bate nas muralhas com clara luz. A tarde vai em meio, não há vento. O viajante entra no castelo, daqui a pouco virá o velho Brígida dizer onde está a arca da pólvora, mas agora é um solitário que vai à descoberta do que, a partir deste dia, ficará sendo, no seu espírito, o castelo da atmosfera perfeita, o mais habitado de invisíveis presenças, o lugar bruxo, para dizer tudo em duas palavras.
Neste largo onde está a cisterna, onde o pelourinho está, dividido entre a luz e a sombra, adeja um silêncio sussurrante. Há restos de casas, a alcáçova, o tribunal, a cadeia, outros não se distinguem já, e é este conjunto de edificações em ruínas, o elo misterioso que as liga, a memória presente dos que viveram aqui, que subitamente comove o viajante, lhe aperta a garganta e faz subir lágrimas aos olhos. Não se diga daí que o viajante é romântico, diga-se antes que é homem com muita sorte: ter vindo neste dia, nesta hora, sozinho entrar e sozinho estar e ser dotado de sensibilidade capaz de captar e reter esta presença do passado, da história, dos homens e das mulheres que neste castelo viveram, amaram, trabalharam, sofreram, morreram.
O viajante sente o Castelo de Marialva uma grande responsabilidade. Por um minuto, e tão intensamente que chegou a tornar-se insuportável, viu-se como ponto mediano entre o que passou e o que virá. in: Saramago, José, "Viagem a Portugal", Caminho, pag. 117,118, 17ª edição, Dez.1998.
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