Jorge Trabulo Marques - Jornalista
"Em Abril de 2013, uma viagem romântica num veleiro terminou
da pior forma. Luís Pereira de Sousa caiu ao mar. Ninguém assistiu à queda,
tendo sido salvo no último minuto, quando apenas restava oxigénio num décimo do
pulmão esquerdo.
Entre
a vida e a morte, entre Deus e o Diabo, sobreviveu para revelar a mais
impressionante experiência por que um ser humano pode passar. Sem filtros nem
tabus, conta todos os pormenores da sua luta. Preso à vida por um fio, passou
dias e noites de tormento no hospital, com outros moribundos, numa guerra que
se tornou colectiva. Desesperado, entre o bem e o mal e o confronto consigo
próprio e com os outros, deparou-se com revelações difíceis de imaginar noutras
circunstâncias.
Mas
ter tratado Deus e o Diabo por tu foi meio caminho andado para encontrar a
porta da consciência entreaberta e se deparar com um objecto de valor
incalculável e ainda com novos amigos, um novo amor, uma outra morada e um novo
destino” – Lê-se na contracapa do livro DEUS, O DIABO E EU
"Confesso-vos, que, entre
Deus e o Diabo, não vejo grande diferença : vejo até que o mundo está a ser dominado
pelo Diabo… Se não fosse isso não estaríamos assistir a este turbilhão de
mortes!... À violência que nos assalta!...
Uma coisa que eu conclui:
é que de facto vale a pena viver. E porquê? … Porque aquilo que levamos para o
lado de lá, é o que fizemos no mundo do lado de cá.
TELEFONEMA DE FELICITAÇÕES DE MARCELO –
SURPREENDE E SENSIBILIZA O AUTOR " Este homem tem o dom da comunicação"... "Depois dele … Só Deus.!...”
Luís Pereira de Sousa, confessou-me ter
ficado muito sensibilizado com um telefonema de Marcelo Rebelo de Sousa – A informação foi-me
dada, numa troca de mensagens, com o autor de “Deus, o Diabo eu Eu”, nestes termos:
"Imagine! Recebi ontem à noite um telefonema do Marcelo. Sim, do PR. Julgava que era brincadeira mas era ele mesmo que tinha a acabado de ler o livro. Lera-o mesmo! Fez uma análise etc. Como é possível!... Este homem tem o dom da comunicação. Não dorme. Acorda as pessoas….Depois dele … Só Deus.!...”
"Imagine! Recebi ontem à noite um telefonema do Marcelo. Sim, do PR. Julgava que era brincadeira mas era ele mesmo que tinha a acabado de ler o livro. Lera-o mesmo! Fez uma análise etc. Como é possível!... Este homem tem o dom da comunicação. Não dorme. Acorda as pessoas….Depois dele … Só Deus.!...”
Em resposta a boa noticia, que pessoalmente também me surpreendera, perguntei-lhe se não se importava que fizesse
referência ao seu gesto, tendo.me respondido” - Devo referir... Onde?!... No
Facebook? Parece -me ridículo… Eu próprio vou fazê-lo mas reconheço que a
atitude dele é simpática e reveladora de ser um homem incansável e atento. E
merece ser conhecida.
Não acredito que o PR telefonasse à espera
de aplausos. Não estava a falar para a plateia, mas apenas grato e amigo.
Isto é raro nesta sociedade de invejosos e traiçoeiros. A verdade é que
eu jamais me candidatarei a PR e ele a romancista.
Eu jamais esperaria que ele depois de me
ler me telefonasse. Disse que teve dificuldade em encontrar o meu número mas
depois conseguiu.
Pensei que era um colega ou amigo a imitá-lo e a brincar comigo. Mandei - o amistosamente
dar uma volta, até eu cair na realidade; era ele mesmo. Pus-me de pé a procurara
como deveria trata - lo. Jamais esquecerei.
"DEIXEI DE SER O MESMO" - EPISÓDIO QUE LHE REFORÇOU A SENSIBILIDADE E O AJUDOU A COMPREENDER MELHOR OS MISTÉRIOS DA VIDA E DA MORTE - O MUNDO - DE FORMA AINDA MAIS ATENTA E PROFUNDA.
"Deixei de ser o mesmo. Agora lanço um profundo, longo e
estridente grito de revolta e insatisfação para que cada ser humano pare um
instante e me ouça, me olhe nos olhos, me segure as mãos outrora trémulas,
agora convictas a arderem de pressa e dor.
“O ter conhecido, vivido e sentido o estranho prenúncio da morte que me envolveu, que me abriu as portas e convidou a entrar, trouxe ao meu espírito a mais violenta e inimaginável alteração cinzelada no cérebro, como baixos relevos medievais em pedra, tridimensionais, que transformaram o meu pensamento num molde rígido e, até agora, indestrutível.
Como num filme de ficção,
deixei de ser o mesmo. Passei a ser um homem com outras convicções, a quem os
ideais foram suprimidos por obrigações imediatas e inadiáveis, e as palavras
«amor», «ódio», «medo», «vida», «sociedade», «liberdade» ganharam outro
significado. A escuridão permite-nos olhar mais longe - Diz o autor de DEUS, O DIABO E EU, no preâmbulo da sua obra
Prof. Francisco Queiroz, na apresentação da obra |
Então,
com 72 anos, tinha tropeçado
no pontão do porto de Recreio de Olhão quando tentava sair do seu veleiro,
bateu com a cabeça e caiu desmaiado na água. Em risco de vida foi internado no
hospital de Faro, no Algarve. Esteve morto e voltou à vida. E é justamente essa
incrível ressurreição, que serviu de mote à admirável obra literária DEUS, O DIABO E EU" que a editora A Guerra e Paz
Editores, lançou, recentemente, na Bertrand
Picoas Plaza, em Lisboa, com apresentação do Prof. Francisco Queiroz e presença de um atento auditório de familiares, amigos e admiradores, a que me associei, com muito gosto e prazer, dados os afetuosos laços de amizade que nos ligam desde os tempos em que, pela sua mão, retomei o regresso à rádio e ao jornalismo, que havia conhecido em S. Tomé -
Trata-se, com efeito, de uma obra extraordinária, que se lê, num quase fôlego, que estou certo, consagrará definitivamente o autor para o justo reconhecimento nos difíceis caminhos da literatura, com estilo e mestria, simples, solto e sedutor, onde a sua larga experiência jornalista, há muito prestigiada e firmada, acaba também por enriquecer o talento do escritor - E então, agora, com uma editora mais a sério que a disparatada Chiado Editora, mais orientada no mercenarismo de que, seriamente, a servir as letras e os autores.
As várias viagens que levam o leitor a ser dúplice com autor “Deus, o Diabo e Eu, de Luis Pereira de Sousa , analisadas pelo Prof. Francisco Queiroz, durante a apresentação da obra
Depois do êxito de “Pânico à Beira- Mar - pese a deficiente a promoção e distribuição (sem exemplares nas livrarias depois do seu lançamento) - livro de testemunho e denúncia, misto de realidade e de ficção, sim, mais fruto do olhar atento e observador do jornalista de que propriamente dos apelos à imaginação, ou não fosse, nas câmaras de televisão, onde as imagens desnudam e falam mais que as palavras, sim, nas centenas de entrevistas que fez para a redação ou nos programas que realizou que o ajudaram a conhecer melhor o mundo e os homens, os seus conceitos e valores - eis, pois, a razão pela qual, agora, Luís Pereira de Sousa, não precisa de falar do que que observou mas do insólito drama que ele viveu, que quase o lançava para o lado do além.
Em “Pânico à Beira-Mar”, o autor descreve os ambientes e as pessoas (como, de resto, também o faz em “Deus, o Diabo e Eu”, com o pormenor e a fidelidade de uma câmara televisiva. E com a linguagem marítima adequada: pois a náutica sempre lhe interessara. Por mais que procurasse saber, via nas suas manobras de vela quão sabedores e corajosos eram os navegadores portugueses e outros que começaram a sulcar mares.
IRONIA DO DESTINO... – Curiosamente, até parece que o destino de uma das personagens de
Pânico à Beira-mar, viria a confundir-se com a do escritor no livro seguinte. em "Deus, o Diabo e Eu “….Um veleiro e um dia
levanta ferros deste pequeno país à beira mar plantado mas prestes a naufragar
e vai de fazer várias derivas pelos litorais dos mares do
mediterrâneo - Por fim, faz-se aos mares do sul, passa pelas Canárias,
desce até a Cabo Verde, sempre com olho no Antalya, onde sobrevive a um
violento temporal – (...) e ao fim do sexto dia a entrar na noite, a viagem sofrera um
acidente que poderia ter-lhe sido fatal”.
Este
livro: se nós o podemos classificá-lo, como uma catarse para o Luis Pereira de
Sousa, o que está aqui é a necessidade de alguém dizer a todos nós - que ainda
não passamos por uma situação destas - , quão importante é a vida em cada minuto!
Em cada segundo! - Palavras
do Prof. Francisco Queiroz, durante a
apresentação da obra - A que se seguiu a leitura de um poema de autoria de Manuel Gaspar
"DESTINO SEM FIM" de "DEUS, O DIABO E EU"
Retomando o fio à meada de "Deus, o Diabo e Eu" - Naquele dia de Abril, o barco fundeara, no local do costume, num dos Pontões de Olhão, reservados aos veleiros, com as bênçãos e a paz de Neptuno, com as operações antecedidas e precedidas das manobras da praxe,
dos cabos ou amaras que se soltam ou prendem, trabalhos executados, sem sobressaltos e
dificuldades, com a experiência de quem já domina os segredos da náutica e é possuidor das sucessivas cartas da arte de navegar, desde a costa ao alto mar - Tudo
parecia indicar um justificado e
merecido descanso: - Depois
de uma bela viagem marítima romântica, mas sempre desgastante, pois a navegação
no mar requer sempre muito esforço e atenção,
mesmo quando o mar se apresenta como uma vasta planície calma e pacifica, pelo
que se justificavam, momentos de relaxe, de amorosa descontração e até de assinaláveis
brindes, partilhados com a entrega e a generosidade da sempre prestável e
dedicada Sofia, a companheira – dos bons e maus momentos - que haveria de ser também a voz e o braço salvador naquele
que poderia ser realmente um fatídico destino sem fim,.
“Tiráramos da garrafeira
sob a mesa do salão um vinho alentejano de 2009. Enchemos os dois únicos copos
de cristal que tenho na embarcação.
Gosto de
rodear pequenos momentos com a cerimónia que os grandes exigem. Era isso que
ela admirava também e era essa admiração que me fazia carinhoso e incansável,
transbordando do copo até ao olhar meigo, o sorriso delicado, o toque suave
como uma carícia dos deuses ante o mais simples acto da Natureza e da vida.
Bebemos
sentados no beliche da popa, com o olhar a brilhar, alguma emoção e uma
escondida preocupação. Mas o mar unira-nos de uma forma tão profunda que, aos
poucos, tudo foi substituído pela magia emprestada pela aventura do corpo.
Então a matéria diluía-se, deixava de existir para nos fundir naquilo que cada
um esperaria do outro
Sem uma palavra,
encostámos os olhares, a respiração e, por fim, os corpos que sentimos fugir ao
mesmo tempo que os seguíamos como se fossem eles a comandar os seus gestos,
actos e raciocínio. Fizemos amor de forma diferente, como se estivéssemos a dar
um ao outro o que de mais íntimo possuíamos, nem que para isso tivéssemos toda
a força humana e a eternidade à nossa frente.
Aquele fugir discreto do Sol fez-me pensar
em menos um dia, em menos uma noite, na ida daquela mulher, que tinha tão junto
a mim, para longe, sem saber se regressaria. Na verdade, dentro de duas
semanas, ela partiria para um local incerto, numa viagem de trabalho a iniciar
uma nova fase profissional. Era o sonho da Sofia a bater-lhe à porta e nada
poderia fazer para a amarrar. Quem sabe se…
QUEM HAVERIA DE IMAGINAR....
E, de facto, nem o Luís nem a Sofia, iam imaginar,
que depois daqueles momentos de ternura e carinho, tão
agradavelmente vividos, o destino pudesse reservar uma grande partida a um deles - "Destino sem fim", é, pois, um dos doze capítulos da narrativa do livro, DEUS, O DIABO E EU, aquele que poderia também ter servido de título à obra ou mesmo para a memória do autor vir ser recordada à posteridade – se a sorte não protegesse a audácia dos que ousam enfrentar as inconstâncias e humores do mar, mesmo quando estes são de aparente acalmia e repouso, como parecia ser aquela tarde de Abril, , num .”porto de abrigo”, que “estava tranquilo e praticamente deserto”, em que “a maioria ou ainda não regressara da faina do estaleiro ou balouçava junto à praia próxima”, mas aproveitada, nas rochas do molhe, pelas crianças que brincavam “com o chilrear característico”, talvez como as aves que sobrevoavam o local - Estas algumas pinceladas do ambiente que antecede a queda de Luis Pereira de Sousa, seguida desmaio, a que “ninguém assistiu nem ao afogamento”
NO ENTANTO, DE PERTO RONDAVA REALMENTE UM MALFADADO "DESTINO SEM FIM"
(…) “No desenrolar das
tarefas, de vez em quando quedava-me pela vigia, a saborear ainda o doce fruto
meio desnudado que acabara de colher e cujo gosto agitara há pouco cada célula
do meu ser. Como era divinamente bela esta mulher que me oferecera cada
centímetro de pele como o invólucro de um bem supremo, dádiva que procuraria
merecer até ao último momento.
Subi
os seis degraus. Estava sobre o convés, desviei a retranca da vela grande,
fixei melhor as defensas, afinei o piloto automático, procurei e fixei melhor
os cabos, nos suportes as manivelas dos molinetes, reforcei a fixação do ferro
e desenrolei a bandeira nacional, que se havia engalfinhado na boia de
salvamento.
Para
dar por terminadas as tarefas, resolvi observar a embarcação do exterior, para
me aperceber da linha d’água e preparar para baixar o bote de apoio suspenso
nos turcos
(… ) “A Sofia voltou a
pousar o poema e olhou para si. Viu-se só por instantes e sentiu um arrepio
pelo corpo, que tapou com uma toalha de praia, sobre a qual antes se deitara.
Apenas um imperceptível som seco e confundível com o bicar de uma
gaivota ou o salto de uma tainha assinalara o desastre que se avizinhava fatal.
Há segundos, eu, ao bater com a cabeça, perdera os sentidos e o corpo
inerte mergulhara de imediato como um peso nas águas quase paradas.
A Sofia apenas ouviu um baque, que imaginou ser um simples acto de
preparação, uma amarra a ser esticada, uma defensa a retesar-se, um puxar de
qualquer cabo, um centímetro da corrente do ferro a roçar ou a suster a âncora.
Segurou no livro e voltou a ele:
E as tristezas que alteravam o teu
rosto;"
O submerso não via, não pensava, não sentia. Num instante, transitara
para um outro lado, onde nada existe e nada é proposto, onde o homem passa a
objecto, sem espírito, sem alma, sem sentidos, sem passado nem presente e onde
o futuro se discute ou não no instante seguinte.
Inanimado, comecei a afundar-me num tranquilo embalar, enquanto os
pulmões, com um suave ruído, engoliam a água salgada que ocupava o lugar do
oxigénio a rarear. O primeiro a encher-se foi o pulmão direito. O esquerdo,
tranquilamente, sem agitação do moribundo, seguia o mesmo percurso na mesma
tarefa, da substituição do oxigénio pela água, o caminho da morte.
Ninguém assistiu à queda nem ao
afogamento.
(…) A Sofia parou para prestar atenção ao encher de uma garrafa, ou
garrafão, ou a uma das várias válvulas de fundo a funcionar mal, que ouvia.
– Luís? Luís? Que barulho é esse?
Não obteve resposta. Tentou voltar ao texto.
– Luís?
Onde estás? – Levantou-se, subiu as escadas e desceu para a plataforma exterior
ao barco.
De pé, enrolada apenas na toalha, no
passadiço de madeira continuou intrigada, a ouvir o gorgolhar estranho.
Procurou descobrir no mar e reparou que o som vinha de sob as madeiras.
Perscrutou com mais atenção. Descobriu, então, um corpo a afundar-se a cerca de
um metro da superfície.
Gritou por socorro com o máximo da sua voz e força, enquanto se lançava
sobre as travessas flutuantes e a toalha revelava o seu corpo de mulher jovem.
Antes que o corpo inerte se afastasse para fora do seu alcance, pegou num cabo
que havia em excesso na amarra da popa e atirou-o de modo a enlaçar o afogado
pelo pescoço e a axila, o que conseguiu in extremis, à
terceira tentativa. Eu expelia o último ar que me restava e, para os pulmões,
entrava mais água.
– Socorro, ajudem-me! Meu Deus! Socorro!
Os miúdos, que brincavam sobre um pequeno paredão a 80 metros de
distância, aperceberam-se de que algo de grave ali se passava. Também eles
tentaram chamar a atenção de dois homens que se encontravam na manutenção de um
motor auxiliar de uma lancha na entrada do porto de abrigo. Estes, que pensavam
ser brincadeira de crianças, sempre barulhentas e incomodativas, só despertaram
para o acidente quando, apurando o ouvido, detectaram o pedido de socorro da
Sofia, que continuava a gritar e que, já a muito custo, mantinha agora a cabeça
do afogado fora de água.
Correram a ajudar.
Dois homens precipitaram-se pelo labirinto dos passadiços. Ajudaram a
Sofia a erguer-me e a colocar-me estendido sobre o madeiramento. Um procurava
massajar-me o peito enquanto o outro alertava pelo telemóvel o 112 e tentava
tomar-me o pulso.
Uma dor violenta acompanhou um tremendo vómito de água que me inundava a
garganta, a boca e o nariz. Estivera na escuridão, sem dor nem conhecimento,
por um tempo indeterminado. Agora, a vergastada era intensa e as entranhas eram
sacudidas como se um animal feroz me arrancasse as vísceras.
Na mais profunda escuridão, comecei por ouvir, vindos do infinito, os brados da Sofia, como se despertasse ou estranhamente acabasse de nascer já homem.
Tentei abrir os olhos. Aos poucos, com o corpo e o rosto pousados no
passadiço, como um cadáver de um peixe acabado de pescar, apercebi-me de que
tinha à frente do olhar, entreaberto com dificuldade, uma montanha de vómito,
espuma que expelia e dois pares de botas pretas, enquanto umas mãos de homem me
colocavam de lado e me impulsionavam o peito.
– Luís, Luís!
Ouves-me?
Reconheci a voz da Sofia e quis, sem
conseguir, dizer:
"Onde estou? O que aconteceu?"
Foi um dos homens quem respondeu:
– Tenha calma. Tenha calma. Afogou-se e
esta senhora salvou-o. Já avisámos o 112. Tenha calma, Luís. Tente respirar.
Respire. Respire." - Excerto
MAR- O MISTERIOSO E IMENSO CENÁRIO QUE TEM PROJETADO OS MAIORES VULTOS DA LITERATRURA MUNDIAL - Desde o grande poeta Luís de Camões, aos escritores Hemingway a Garcia Marques
Camões não teria escrito a epopeia de Os Lusíadas, senão tivesse embarcado nas caravelas para as índias. Mas, de um modo geral, as obras de muitos autores, são mais fruto do que leram, observaram ou imaginaram de que nas suas vivências – Não é o caso de Luis Pereira de Sousa, que junta à sensibilidade dos seus dotes literários, a experiência de jornalista e de marinheiro . E, então, ainda por cima, de quem sentiu no elemento liquido – água salgada - a afronta do afogamento, a proximidade dos estertores da morte – Mesmo que nele se precipitasse desamparadamente e num estado inconsciência, é drama que despertará para o resto da vida, profundas reflexões, nomeadamente para os mistérios da vida e da morte – Que é, no fundo, o que nos oferece o extraordinário livro Deus, O Diabo e Eu – Pois, no seu caso,, a quem atribuir as culpas de tal provação?
EXCERTOS DAS PRIMEIRAS LINHAS DE OUTROS CAPÍTULOS
Capitulo III – As paixões
Desde sempre senti três paixões na vida: o mar, a arquitectura e o jornalismo.
Vivi de olhos postos nas ondas. Em qualquer época do ano, a qualquer hora do dia ou da noite, olhar o seu movimento, ouvir-lhe o sussurrar ou o estoirar contra os rochedos era a forma mais milagrosa que encontrara para esconjurar os maus presságios e os medos que surgem atrás da porta. Habitara ao lado da praia de Carcavelos, aliás, a apenas 100 metros, até me transferir para próximo de outra praia não menos bela e até mais selvagem e natural, o Guincho.
Em criança, quando merecia um prémio, a mãe levava-me a passar umas horas em Pedrouços ou Belém, onde se balouçavam no Tejo barcos de recreio ou de pesca. Levava papel e lápis e desenhava-os.
Quando os via a enfrentar as ondas, admitia que eles tinham alma e vontade própria, pois só assim umas cascas
Capitulo IV – Férias com Sofia
Acabara de enviar a resposta ao meu anterior editor sobre a revisão final do Pânico à Beira-Mar. A missão estava cumprida.
Preparámo-nos para fazer rumo a novas paragens, cortar ondas, bolinar, sentir o chape-chape do casco e o assobiar das velas, subir e descer ondas como numa montanha-russa ou quedarmo-nos a vogar calmo a perscrutar as profundezas oceânicas, repletas de perigos e segredos.
Quando tivéssemos filhos, se a Sofia, por moto-próprio, regressasse da missão da sua vida, haveríamos então de sentir em uníssono uma resposta ao fascínio do mar e do vento. Entretanto, havia prioridades a cumprir, metas impostas nas nossas vidas. A Sofia, enfermeira de profissão e paixão, inscrevera-se para uma missão humanitária no estrangeiro, na esperança de satisfazer um sonho que lhe
Capitulo V – A Viagem
Foi fácil e deu pouco trabalho aparelhar o Áries. Por «amor à profissão», não liguei o plotter. Sobre as cartas, marquei a rota que incluiria, se necessárias, uma ou duas paragens antes de dobrar o cabo de S. Vicente, o mais a sul do país. Com o compasso, a nova carta náutica e a bússola, tracei uma rota próxima da costa e outra entre continentes. Fiz previsões. O tempo estaria de feição: onda pequena, aí de 1 a 1,5 metros, e vento noroeste de 15 nós, que exigiria 3 ou 4 bordos de 6 a 8 horas até à ponta de Sagres, onde tudo mudaria com correntes e ventos vindos do Norte de África. Sairíamos de madrugada. O Sol nasceria às 6h54 e seria então nessa altura que nos faríamos ao Sul.
Levantámos ferro seguros de que tudo havia sido preparado «como os bons marinheiros fazem», repetia a Sofia, com o sorriso que tanto admirava: «aviam-se em terra e não descuram o mais ligeiro pormenor».
Capitulo VI – Destino sem fim (já atrás descrito)
O princípio da tarde prometia ali ainda um pouco de Sol tímido. O porto de abrigo estava tranquilo e praticamente deserto. Era local para pequenos barcos de pesca e de recreio. A maioria ou ainda não regressara da faina do estaleiro ou balouçava junto à praia próxima. Sobre urnas rochas, brincavam crianças com o chilrear característico.
Capitulo VII – No Hospital
Manuel Gaspar - Depois do poema, o abraço amigo |
Antes de adormecer, ainda ouvi um médico espanhol a dizer a uma enfermeira:
- Es un hombre lleno de suerte. Murió y resucitó. Es un ahogado. Tiene una segunda vida.
- Não é um afogado, não. Eu conheço-o bem, já há muitos anos, desde miúda ... Agora é um de-sa-fo-ga-do respondeu a enfermeira a marcar bem as sílabas, com uma gargalhada jovial a aconchegar os lençóis frescos que me abraçavam aquele corpo dorido e estranho, em que a cabeça as faces enegreciam minuto a minuto, enquanto uma doce calma voltava a envolvê-lo e a mesma voz de mulher, mesmo tempo que uma mão apertava suavemente a minha, me segredou:
-Vá, descanse, Luis. Ainda não foi desta. Era muito cedo para si.
Foi então que adormeci. Mas ainda pensei: “Será um anjo?”
Capitulo VIIII - Entre Anjos e demónios
Era a primeira vez que estava na condição de internado num hospital. O meu estado não me permitia ter a mínima curiosidade. Era uma peça a ser objecto reparação e disso nada percebia nem me interessava. A panóplia de apetrechos clínicos que me amarravam aos ais variados aparelhos de auxílio intensivo e monitorização apenas me avisava que era aquilo que me ligava à vida.
Respiração assistida, radiografias, TAC, electrocardiogramas e encefalogramas, avaliadores de temperatura, oxigénio no sangue, ritmo cardíaco, introdução de sedativos, antibióticos para minorar a pneumonia dupla que seria inevitável e soro e água para lavar o interior, enquanto outros tubos extraíam e contabilizavam a água que era pulsa. Tudo exercia a sua função enquanto, num profundo torpor, levitava pelo tecto da enfermaria dos cuidados intensivos, onde mais meia dúzia de sobreviventes iam ou deixavam que alguém fizesse pelas suas vidas.
Capitulo IX – O adeus a Sofia
Ela parou à entrada da unidade de cuidados intensivos, com a porta entreaberta.
A poucos metros de distância, ali estava para exprimir a essência de um sentimento já a transparecer o que lhe ia na alma e que eu tanto apreciava: uma amizade profunda e indestrutível.
Com um embrulho nas mãos e uma expressão profundamente triste, tentava descobrir-me entre as várias marsas onde estavam depositados enfermos, na maioria as com o rosto visível, por entre apetrechos médicos.
Uma enfermeira jovem de bata verde, que entrara uns momentos antes e depois voltara a sair, acompanhava-a. Encaminhou-a até à marquesa onde eu entendia que viver ia custar muito. Aquela mulher morena de cabelos e negros era a responsável por isso. Quando ela se debruçou com lágrimas nos olhos para deixar um beijo na minha testa, senti vagamente o seu cheiro, um cheiro que me fora familiar. Ao olhá-la, cerrei os lábios, como a querer dizer um “obrigado” por ela me ter salvo e arrancado à morte, mas, ao mesmo tempo, um reprimenda por me ter arrebatado a uma morte que afinal me garantiria paz e tranquilidade para sempre.
A Sofia tocou-me a mão devagar, para depois imprimir nela uma certa força
Capitulo X – Depois das 48 horas
As informações que chegavam eram boas. Haviam passado as 48 horas. O maior perigo, o mais grave e determinante, afastara-se e as reacções físicas eram tranquilizadoras. O traumatismo encefálico, que me desfigurara, não apresentava preocupações de maior. A pneumonia dupla que se anunciara galopante pusera-se em fuga frente à dose feroz de antibióticos. Os valores sanguíneos regressavam à normalidade. Até o processo de respiração induzida fora substituído por um suporte respiratório mais leve e menos intenso.
Apenas apresentava um senão aparentemente ultrapassável, a reacção psicológica ao trauma, mas, segundo o médico espanhol que me seguiu nos primeiros dias, esta só passaria com o tempo. Com efeito, posteriormente soube que a expressão triste, a profunda interiorização dos sentimentos, a dificuldade em comunicar e reagir a manifesta~ exteriores de carinho ou ternura, transformaram-me
Capitulo XI – O purgatório
Três camas, três mesas-de-cabeceira metálicas e, ao lado de cada uma delas, um sofá; dois fixos e um articulável. Uma casa de banho interior, uma janela e um televisor. Foram as melhorias materiais que observei ao acordar na enfermaria.
Numa das camas, um homem idoso enrolado nos lençóis. Vi-o num relance. Cabelos brancos numa cabeça meio calva, bigode branco e patilhas. Era tamanho S, porque o lençl cobria-o todo facilmente. Suspirava frequentemente, então ressonava, mesmo com a parafernália de tubos lhe iam até ao interior.
Junto à outra cama, num dos sofás articuláveis, homem mais novo, sentado como se estivesse numa esplanada, de cabelo curto, olhos muito abertos. Sorria, uma boca onde à partida faltavam três ou quatro dentes na frente e, talvez por isso, os que lhe restavam eram tão ostensivos. No peito, um fio de ouro com qualquer coisa pendurada. Na mão , o telecomando. Na TV, sem som, um programa igual a muitos. “Do mal, o menos”, pensei. Estava por tudo, menos para ver televisão.
Capitulo XII – O jogo
Naquele esconderijo, os dias não contavam. Quem ali entrava sabia que participava num jogo fraudulento entre a vida e a morte. Teria de protagonizar um papel num dos lados, que, por capricho, não poderia escolher. Eu próprio fora o escolhido sem que pudesse intervir. Esse lado era o do vencedor, mas, como num encontro em que se medem forças e estratégias, ninguém sabe quem vai vencer.
Estava nas mãos dessas duas forças que, a todo o momento, se digladiam disputando seres vivos. Porquê eu? Era a pergunta que formulava a mim próprio a todo o momento.
Capitulo XIII - O Trono e o poder
Dormir tornara-se difícil, porque uma meia vigília empurrava-me para zonas de sofrimento. Fechava os olhos e, pouco depois, partia à aventura, em perseguição de estranhas ideias, a viver situações inexplicáveis, incoerentes, abismos, animais ferozes, torturas, gente disforme, gritos que me atormentavam ao ponto de entrar em ico até acordar sem me recordar do que me levara até À média luz em que permanecia permanentemente, ante dia e noite, procurava não voltar a adormecer. A sucessão dos dramas vividos pelo subconsciente fazia ar correrias loucas de sono com vigilas tensas, em que as interrogações sacudiam a lógica e os sentidos como, noite de tempestade, os ventos sacodem as árvores.
Nessa noite tivera um sonho de que procurara, sem resultado, tirar algum significado: tivera a sensação de que me cheirava mal; as roupas, os alimentos, os objectos vulgares e até os livros. Andava na rua e as pessoas olhavam-me cm surpresa e olhar enjoado
Capitulo XIV – o Assalto
Levantei-me quando as auxiliares da limpeza invadiram o local. Tive de interromper o assalto que aguardava e adiei a conquista. Peguei no conjunto de alha e pijama que me fora atribuído, e que ainda incluía a esponja, um sabonete, uma escova de dentes, uma minipasta dentífrica e um copo de papel plastificado anco, Entrei na casa de banho. Surpreendi-me com as minhas novas capacidades; havia procedido às higienes sem grandes tormentos. Aproveitei e vi na nudez ao espelho que a barriga que tanto me afligia antes havia quase desaparecido. Uma nódoa negra rodeava-me ainda o pescoço como cachecol escuro, mas as manchas circundantes dos olhos haviam esmorecido, apesar de ainda inchadas. Enchi o peito de ar como sempre fazia quando um espelho me olhava, mas uma dor forte no tórax aconselhou-me a desistir. Por último, com algum receio, consegui vestir-me sem entornar o suporte dos soros.
Capitulo XV - A recuperação
A recuperação tornara-se evidente. Os valores médicos, ao lado de uma nova disponibilidade para tudo o que importava, afastavam a hipótese de complicações.
Apenas as noites se haviam tornado diferentes. Acordava ainda com mais frequência. A atenção estava desperta para o estado dos meus companheiros de quarto. Um arfava instantemente, com alternância nos lamentos e apagamentos preocupantes. O outro tossia quase que permanentemente, de uma forma jamais ouvida. Quando parecia que crise chegava ao fim, era a tosse substituída por um cantar brônquico, que mais parecia o refrão de uma canção interminável
Capitulo XVI - Regresso a casa
Pouco depois, deixava o hospital. Fiz questão de voltar só, ao trânsito, ao barulho, às notícias, aos conflitos, aos néones, às montras, aos discursos às guerras, às beneficências, à competição desenfreada. E, no meio de tudo isto, senti uma estranha e paradoxal dor a crescer-me na alma. Dor a que se chama vulgarmente «solidão», numa vida que, em movimentos desconexos, não passa de utópica.
Capitulo XVII – Rumo ao Sul
A manhã não tardou. Fiz-me ao caminho.
Apertei a capota do MG verde clássico, olhei de relance para os pneus, acreditei no óleo e na água.
Foram mais de três horas de viagem a ver nascer o Sol.
Começou no meu bombordo e manteve-se depois frontal e caloroso. Os raios incidiam sobre o destino. De um lado, o mar tranquilo, do outro, o envolvente dorso das colinas do Alentejo e Algarve.
Entre a profusão urbanística, lá estava o hospital. Depois de mais de três centenas de quilómetros, bem cedo ainda, dirigi-me ao local onde se programa a vida. O único onde se ganha ou se perde numa lotaria insana.
Antes ainda, encostei o carro junto a uma pastelaria que, naquele momento, abria as portas. Esperei que a agua da máquina italiana aquecesse para beber um café cheio como fazia antigamente, quando a vida era e deixara de O ser, no dia em que partira para o mar. Reli a carta da Sofia, desta vez sem a dor que me dilacerara . Recordei a sua voz meiga e decidida na missiva que terminava:
“Meu amor, vendo bem, cada um tem uma missão na vida. Não duvido que a minha foi salvar-te. Mesmo longe, a vida que tiveres também te pertence como a minha a ti. Quero-te bem. Sê feliz.”
Resenha Biográfica: Luís Pereira de Sousa trabalhou em diversos órgãos de comunicação social portugueses e estrangeiros, ao longo de quatro décadas.
Como locutor e realizador, fez programas de rádio nos Emissores Associados de Lisboa, Emissora Católica de Angola, Rádio Clube de Moçambique e Souht África Broadcasting Corporation, da África do Sul. Foi também correspondente de várias estações em África e na América, e ainda autor, realizador e apresentador de programas na RDP e na Rádio Comercial.
Em simultâneo , escreveu em vários jornais e outras publicações periódicas. No cinema , coordenou e deu a voz a inúmeros jornais de actualidades e documentários.
Permaneceu 30 anos na RTP, como jornalista, autor e apresentador de vários programas de entretenimento e de informação. Foi pivô do telejornal e grande repórter.
Permaneceu 30 anos na RTP, como jornalista, autor e apresentador de vários programas de entretenimento e de informação. Foi pivô do telejornal e grande repórter.
Actualmente, dedica-se em exclusivo à escrita, tendo publicado o porreiro romance, Pànico à Beira-Mar, em 2013.
"Luís Pereira de Sousa nasceu a 1 de Janeiro de 1940, na Casa de
Saúde da Boavista, no Porto, local onde sua mãe, residente em Lamego,
se vira obrigada a deslocar–se para dar à luz um casal de gémeos. Esta
era professora primária, natural de Lamego, e seu pai, um oficial de finanças,
era natural de Olhão. Pouco tempo depois, a família foi viver para
a Parede e, mais tarde, Sassoeiros, locais onde a mãe desempenhou a
função de professora. Acabaram por se fixar em Carcavelos, junto ao
mar, elemento preponderante nos gostos da família."
PAI CEGOU APÓS A LICENCIATURA MAS FOI TAL A SUA FORÇA DE VONTADE E O GÉNIO
SOBRE-HUMANO, HERÓICO, QUE CHEGOU A DAR EXPLICAÇÕES DE MATEMÁTICA -
A NUNCA SE RENDER AO FATALISMO DAS TREVAS QUE SE ABATERAM SOBRE A LUZ DOS
SEUS OLHOS - DA LUZ DO SOL E DO MUNDO
Tive o prazer de conhecer pessoalmente o seu pai - Mas que magnífica tenacidade e coragem ao saber sobrepor-se, de forma tão surpreendente, às adversidades de tão profundas limitações! - Às que resultam da mais negra cortina sobre os olhos, a cegueira absoluta! - Possuidor, pois, de uma invulgar sensibilidade, e, digamos, de uma memória prodigiosa, vi-o rodeado de alunos a quem dava diariamente explicações.
Nem queria acreditar naquele fantástico prodígio! - Sim, só esse maravilhoso exemplo, dava um belo romance! - Pois "o facto de o seu pai, um estudioso da matemática e de economia e finanças, ter cegado quando terminava um curso superior, obrigou Luís Pereira de Sousa, tal como sua irmã, (gémea) ainda no período escolar, a lerem–lhe sobre várias matérias, durante algumas horas diárias. Esse exercício forneceu–lhe uma experiência que iria determinar a sua vida profissional, em paralelo com o desejo de vir a ser jornalista – Mais pormenores do seu extenso currículo em Luís Pereira de Sousa – Wikipédia,
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