Arlindo Cadeira, que reeditou a obra, intitulada Relação do Descobrimento da
Ilha de São Tomé. Manuel do Rosário Pinto (Lisboa:
Universidade Nova de Lisboa – Centro da História do Além-Mar, é um profundo estudioso das questões relacionadas com a escravatura, nomeadamente, com longas e aturadas
pesquisas nos velhos pergaminhos da vida dos Escravos e Traficantes no Império
Português
A entrada é livre - Fui alertado para a importância da
conferência pelo Professor e investigador Gerhard Seibert, que considera Arlindo Caldeira, como um grande conhecedor da matéria. Referindo-se nestes termos”
Não se esqueça, em 17 de Janeiro, às 18h00, na Sala D. Pedro V (Piso 1) da Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa
“Natural do Alentejo e investigador do Centro de História de Além-Mar,
Arlindo Caldeira tem dedicado os últimos anos ao estudo da escravatura em
Portugal. «O meu interesse começou pela ilha de S. Tomé e pelas ilhas do Golfo
da Guiné e depois foi-se alargando a Angola. Este interesse levou a que a
questão do tráfico de escravos me aparecesse constantemente», disse ao SOL em
2013, aquando da publicação de Escravos e Traficantes no Império Português.
Refere a informação,
que acompanha o convite, que “Os Angolares, constituem hoje
cerca de 7% da população total da ilha de São Tomé, apresentam uma marcada
homogeneidade étnica e cultural, incluindo língua própria, o que não facilitou
o seu processo de integração quer na sociedade colonial quer na sociedade
pós-independência. Sabemos, sem margem para dúvidas, que sobreviveram, durante
séculos, no interior montanhoso da ilha e conhecemos em que circunstâncias e em
que termos chegaram a acordo com as autoridades coloniais portuguesas no início
do século XIX. Mais difícil tem sido alcançar conclusões fundamentadas sobre o
período anterior ao seu refúgio nas montanhas e sobre a forma como surgiram aí.
Há quem os considere habitando a ilha já à data da chegada dos portugueses,
quem os faça descender dos sobreviventes do naufrágio de um navio negreiro e quem os identifique com os escravos fugidos
dos engenhos de açúcar. Nos nossos dias, com os avanços da investigação
histórica e os contributos inestimáveis da linguística e da genética, estamos
mais próximos da resolução do
problema. É o que procuraremos demonstrar na nossa intervenção.
ANGOLARES E O REI
AMADOR – DOIS TEMAS INDISSOCIÁVEIS, QUE TEM DESPERTADO A MAIOR CURIOSIDADE EM
S. TOMÉ E PRÍNCIPE
De facto,
trata-se de um tema, dos mais apaixonantes nas Ilhas Verdes do Equador, que tem
dividido estudiosos, sobre o qual são conhecidas várias análises e interpretações,
mas sobretudo da origem dos Angolares, considerado um dos mais notáveis e
antigos heróis da resistência ao colonialismo, que tem o seu busto erguido junto
à entrada do Arquivo Histórico de S. Tomé e Príncipe, cuja imagem é
cunhada no dinheiro santomenses, em
papel e em moeda, sendo-lhe dedicado o
dia 4 de Janeiro, como feriado Nacional
O ANTROPÓLOGO, HISTORIADOR E SOCIÓLOGO
ALEMÃO GERHARD SEIBERT CONSIDERA O REI AMADOR, O LÍDER DA GRANDE REVOLTA DE
ESCRAVOS DE 1595, UMA FIGURA EMBLEMÁTICA NA HISTÓRIA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE - Tal como já me referi, neste
site, justamente a propósito da lendária figura de Amador - Em
http://www.odisseiasnosmares.com/2018/01/amador-o-mitico-rei-escravo-e-sem-cetro.html
http://www.odisseiasnosmares.com/2018/01/amador-o-mitico-rei-escravo-e-sem-cetro.html
De sublinhar o vasto e prestigiado currículo, Karl Gerhard Seibert natural de Darmstadt, Alemanha, doutorado em Ciências Sociais, pela Universidade
de Leiden, Holanda. Título da tese: Comrades, Clients and Cousins. Colonialism,
Socialism and Democratization in São Tomé and Príncipe 12/1991 Licenciatura em
Antropologia Cultural, Universidade de Utreque, Holanda. Título da tese: The
Post-colonial State in São Tomé and Príncipe 07/1979 Diploma em Assistência
Social, Fachhochschule Frankfurt/Main, Alemanha. Actividades anteriores e
situação actual em termos científicos e/ou profissionais: 1999- Instituto de
Investigação Científica Tropical (IICT), Lisboa, bolseiro de pósdoutoramento da
FCT. Título do projecto actual: Cabo Verde e São Tomé e Príncipe: uma análise
comporativa do desenvolvimento pós-colonial de duas sociedades lusocrioulas
1992-1998 Research School CNWS, Universidade de Leiden, Holanda, investigador e
docente 1980-1986 Elisabethenstift Darmstadt, Alemanha, Clínica Psiquiátrica,
assistente social Docência, aulas administradas 1992-1998 Antropologia
cultural/Sociologia da África subsariana, Universidade de Leiden 2002-2004
Curso de pós-graduação em Multiculturalismo, Universidade Independente
2003/2004 Mestrado em Antropologia, Colonialismo e Pós-Colonialismo, ISCTE,
Lisboa 2003/2004 Mestrado de Ciência Animal em Meio Tropical, Fac. de Medicina
Veterinária 2004/2005 Mestrado em Antropologia/Movimentos Sociais, Universidade
Nova de Lisboa 2005/2006 Mestrado em Estudos Africanos, Universidade Nova de
Lisboa Consultarias e participação em projectos 1994-2000 The Economist
Intelligence Unit, Londres, autor 1996 Embaixada dos EUA em Libreville,
observador das eleições em S.Tomé 1997 Baumhaus Film Brödl, Hamburgo, Alemanha;
realização de filme, São Tomé 2 1997 VPRO, estação de rádio, Hilversum,
Holanda; produção de programa histórico 2002 Projecto Urbanização acelerada em
Luanda e Maputo. Impacto da guerra e das transformações sócio-económicas
(décadas de ’80 e ’90), ISEG/UTL 2003 ONG International Alert, Londres;
business and conflict programme 2003-2004 Global Survey of Civil-Military Relations for Africa, Federal Research Division of the Library of Congress, Washington DC 2003-2005 Projecto Contextos Coloniais e Pós-Coloniais da Globalização: Interacção e Discurso no Mundo Lusófono (Sécs. XVI a XXI). FCT 43464/01 2006-2007 Projecto “Iniciativas Culturais nos PALOP”, União Europeia Domínio de especialização Estudos Africanos, aspectos sócio-culturais do desenvolvimento, processos de aculturação e crioulização, migração, urbanização, movimentos religiosos, sector informal, etnicidade e identidade Outros domínios Estado e sociedade civil, transições políticas, cultura política Actuais interesses de investigação Igrejas Independentes Africanas, pequenos Estados insulares, sociedades crioulas, petróleo em África Línguas (conversação, leitura, escrita): alemão, inglês, holandês, português, francês (leitura), espanhol (leitura) Afiliações profissionais African Studies Association (ASA), EUA African Studies Association of Australasia and the Pacific (AFSAAP), Austrália Association des chercheurs de la revue Lusotopie, Bordeaux, França Centro de Estudos Africanos (CEA), Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Moçambique Centro de Estudos Africanos (CEA), ISCTE, Lisboa, Portugal Nederlandse Vereniging voor Afrika Studies (NVAZ), Leiden, Holanda Vereinigung von Afrikanisten in Deutschland (VAD), Hamburgo, Alemanha - Autor de variadíssimos estudos e publicações, referidos, na sua vasta biografia, em http://www2.iict.pt/archive/doc/CVSeibert__port.pdf
business and conflict programme 2003-2004 Global Survey of Civil-Military Relations for Africa, Federal Research Division of the Library of Congress, Washington DC 2003-2005 Projecto Contextos Coloniais e Pós-Coloniais da Globalização: Interacção e Discurso no Mundo Lusófono (Sécs. XVI a XXI). FCT 43464/01 2006-2007 Projecto “Iniciativas Culturais nos PALOP”, União Europeia Domínio de especialização Estudos Africanos, aspectos sócio-culturais do desenvolvimento, processos de aculturação e crioulização, migração, urbanização, movimentos religiosos, sector informal, etnicidade e identidade Outros domínios Estado e sociedade civil, transições políticas, cultura política Actuais interesses de investigação Igrejas Independentes Africanas, pequenos Estados insulares, sociedades crioulas, petróleo em África Línguas (conversação, leitura, escrita): alemão, inglês, holandês, português, francês (leitura), espanhol (leitura) Afiliações profissionais African Studies Association (ASA), EUA African Studies Association of Australasia and the Pacific (AFSAAP), Austrália Association des chercheurs de la revue Lusotopie, Bordeaux, França Centro de Estudos Africanos (CEA), Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, Moçambique Centro de Estudos Africanos (CEA), ISCTE, Lisboa, Portugal Nederlandse Vereniging voor Afrika Studies (NVAZ), Leiden, Holanda Vereinigung von Afrikanisten in Deutschland (VAD), Hamburgo, Alemanha - Autor de variadíssimos estudos e publicações, referidos, na sua vasta biografia, em http://www2.iict.pt/archive/doc/CVSeibert__port.pdf
ESTUDO APROFUNDADO DE QUEM SE DEBRUÇOU NOS PERGAMINHOS ANTIGOS DA HISTÓRIA
Em 2011, o reputado investigador, escreve um interessante texto,,com o título Rei Amador, história e mito do líder da
revolta de escravos em São Tomé (1595) | BUALA, citando uma passagem da reedição
do livro intitulado Relação do Descobrimento da Ilha de São Tomé.
Manuel do Rosário Pinto (Lisboa”, que
foi publicada pelo Padre António Ambrósio, em 1970, por ocasião o quinto
centenário das do descobrimento de São
Tomé, que pessoalmente tive oportunidade de então conhecer
Dada a importância do estudo, vou aqui tomar a liberdade de aqui fazer a sua
transcrição, incluindo a referência à obra que Arlindo Caldeira, reeditou com uma introdução sobre a vida de Rosário
Pinto e a lógica do conteúdo do manuscrito, com muitas notas explicativas no
texto. (ler pdf 2), a que, Gerhard Seibert, dá o
seguinte título.
Rei Amador,
história e mito do líder da revolta de escravos em São Tomé (1595
4 de Janeiro 2009 |
Amador, o líder da grande revolta de escravos
de 1595, é uma figura emblemática da história de São Tomé e Príncipe. Desde
1976, quando o escudo português foi substituído pela nova moeda dobra, as notas
bancárias do país retratam a efígie de Amador, concebida pelo artista
são-tomense Protásio Pina (1960-1999). Em O Manual do Pioneiro da Organização
dos Pioneiros de São Tomé e Príncipe (OPSTEP), produzido em Cuba para o então
regime socialista são-tomense, Amador foi apresentado como um percursor da luta
pela libertação que “libertou uma grande parte do território nacional…. Era um
nacionalista que desafiou o sistema colonial.”[2] Em 2003, a nacionalista e
poetisa Alda Espírito Santo (1926-2010) escreveu em poema dedicado a Amador.[3]
No ano seguinte, treze anos após a transição democrática do país, a Assembleia
Nacional declarou 4 de Janeiro como feríado nacional em homenagem a
Amador.[4] Este artigo aborda as fontes
primárias e a literatura secundária sobre Amador e a sua insurreição que, em termos
da dimensão, duração e impacto, foi uma das maiores revoltas de escravos de
toda a história atlântica. Em seguida, discute um conhecido mito colonial,
segundo o qual Amador teria sido rei dos angolares.
História da revolta
Sobre a revolta dos escravos em 1595 existem
apenas dois documentos históricos considerados fontes primárias. Ambos os
relatórios foram escritos por contemporâneos dos acontecimentos, na perspectiva
dos colonos brancos de São Tomé. O primeiro documento, em italiano, cujo
original está no Arquivo do Vaticano, é anónimo e sem data [5] e intitula-se
‘Relatione uenuta dall’ Isola di S.Tomé’.[6] Segundo Caldeira (2006:277) “O
original era certamente o relato de um religioso italiano que esteve em São
Tomé”. Foi publicado pela primeira vez por António Brásio, na Monumenta
Missionária Africana (MMA), em 1953.[7] (ler pdf 1)
O segundo é um relatório da revolta integrado
no famoso manuscrito do são-tomense padre Manuel do Rosário Pinto (1669-1738?)
cujo original se encontra na Biblioteca de Ajuda em Lisboa.[8] Rosário Pinto
foi deão da Sé e uma figura proeminente da sua época em São Tomé. O seu
manuscrito cobre o período de 1471 a 1734, ano da sua conclusão, e integra um
relatório anónimo contemporâneo da revolta do Amador ao qual Rosário Pinto
aparentemente teve acesso.[9] Este manuscrito foi publicado integralmente pela
primeira vez por António Ambrósio, em 1970, por ocasião do quinto centenário do
descobrimento de São Tomé.[10] Em 2006, o historiador Arlindo Caldeira publicou
uma reedição intitulado Relação do Descobrimento da Ilha de São Tomé. Manuel do
Rosário Pinto (Lisboa: Universidade Nova de Lisboa – Centro da História do
Além-Mar) com uma introdução sobre a vida de Rosário Pinto e a lógica do
conteúdo do manuscrito, com muitas notas explicativas no texto. (ler pdf 2) A
descrição da revolta é mais pormenorizada no manuscrito de Rosário Pinto do que
no documento do Vaticano, porém, as duas fontes não diferem significativamente
na narrativa dos acontecimentos.
Video gravado em Novembro de 2014
Os dois relatos dizem que Amador era um escravo
nascido em São Tomé (‘cativo crioulo’) e que a revolta começou em 9 de Julho
com a matança de alguns brancos durante a missa na igreja da Trindade e
terminou a 29 desse mês com a derrota e rendição dos escravos. Os documentos
não revelam qual o motivo imediato da revolta, contudo, Rosário Pinto relata
que ocorreu numa altura em que a sociedade colonial estava enfraquecida devido
a um dos recorrentes conflitos entre o governador e o bispo. Além disso, o
relato diz que a hostilidade de Amador era dirigida contra “todos os brancos e
procedidos deles [mestiços]”.[11] Durante as três semanas da insurreição os
escravos destruíram muitas plantações e engenhos de açúcar e houve três
combates entre a tropa do governador e escravos na cidade que os escravos
perderam com baixas significativas. Também ao lado dos colonos brancos
combateram escravos armados. No segundo combate entre os revoltosos e os
moradores, em 14 de Julho, os escravos revoltosos atacaram a cidade de quatro
lados. Um destes grupos de atacantes foi comandado pelo “negro Cristóvão, por
capitão dos negros Angola”[12], provavelmente uma alusão aos escravos fujões no
interior da ilha, onde se organizaram em macambos (comunidades), que mais tarde
seriam conhecidos por angolares.
4 de Janeiro 2017 |
A última batalha ocorreu a 28 de Julho quando
Amador atacou a cidade com um exército de 5 000 escravos, maior do que o dos
colonos, mas muito inferiormente armado. Este número de escravos revoltosos
correspondia a cerca da metade da população escrava em São Tomé naquela
altura.[13] Depois da derrota dos amotinados, os principais comandantes de
Amador foram presos e enforcados. Durante a insurreição foram destruídos mais
de setenta engenhos de açúcar, enquanto apenas 25 ficaram intactos.[14] A
produção do açúcar em São Tomé e Príncipe nunca mais chegaria ao seu nível de
antes da revolta. A revolta acelerou o declínio da indústria açucareira do
arquipélago que tinha começado por volta de 1580
Sobre a pessoa de Amador os dois documentos
dizem muito pouco. Não se sabe nada sobre o seu passado nem sobre a sua vida
pessoal. Não existe nenhuma gravura ou pintura de Amador. O manuscrito de
Rosário Pinto diz apenas que era escravo de Bernardo Vieira, enquanto o
documento do Vaticano afirma que o nome do seu dono era Dom Fernando. Segundo
Caldeira (2006:73) este nome pode ser uma confusão com o nome do então
governador Fernando de Meneses. No início da revolta, Amador auto-proclamou-se
“Capitão General de Guerra e Rei nomeado absoluto, com poder de dar liberdades
a todos os cativos.”[15] O manuscrito de Rosário Pinto não refere a nenhuma
data sobre a morte de Amador, enquanto o documento do Vaticano relata que,
depois de ter sido traído e preso, foi executado e esquartejado em 14 de Agosto
de 1595.[16]
Literatura secundária sobre a rebelião
Além das únicas duas fontes primárias existe,
desde o século XIX, alguma literatura secundária sobre a revolta de Amador.
Relevantes neste contexto são dois livros do militar Raimundo José de Cunha
Matos (1776-1839) que se baseiam numa cópia mal conservada do manuscrito de
Rosário Pinto. Cunha Matos tinha recebido esta cópia de um padre em São
Tomé.[17] Ele não cita expressamente o manuscrito de Rosário Pinto como fonte
nas suas obras, mas menciona o seu nome algumas vezes no texto.[18] Nascido em
Faro, Portugal, aos 14 anos Cunha Matos integrou a tropa portuguesa,
participando nas campanhas contra a França Revolucionária na Península Ibérica.
De 1797 a 1814 esteve em São Tomé e a seguir dois anos no Rio de Janeiro. Dali
regressou a São Tomé onde foi governador interino de 1816 a 1817. Em 1817
fixou-se definitivamente no Brasil onde posteriormente foi deputado da
Assembleia Nacional e director da Academia Militar.[19]
No seu livro Corografia Histórica das Ilhas de
S.Thomé e Príncipe, Anno Bom e Fernando Pó, publicado pela primeira vez no
Porto, em 1842, Cunha Matos faz referência, ao “sempre lamentável motim e
rebelião do negro Amador…que levantou o estandarte da revolta em 9 de Julho de
1595 e foi preso e justiçado em 1596.”[20] Na sua segunda obra intitulada
Compêndio Histórico das Possessões de Portugal em África, publicada no Rio de
Janeiro em 1963, Cunha Matos afirma que “Ele [o governador Meneses] pôs a preço
a cabeça do Amador; e o Capitão Domingos que não cumprira o seu dever no ataque
da Rua de S. João, e por isso ficara fora da graça do General rebelde, urdiu
uma conspiração, surpreendeu o Amador, foi levá-lo a D. Fernando de Meneses que
em um alto cadafalso o mandou fazer em quartos no dia 4 de Janeiro de 1596.”
Nos dois livros Cunha Matos não indica nenhuma
origem para as suas datas que diferem da sua própria fonte da revolta, o
manuscrito de Rosário Pinto que não refere à nenhuma data da morte de Amador.
Não se sabe donde vem a data nas obras de Cunha Matos. É o segundo livro de
Cunha Matos, onde, em 2004, a Assembleia Nacional encontrou a data para o
feriado em homenagem a Amador. Pelos vistos, os deputados desconheciam o
documento do Vaticano, a fonte primária, publicado em 1953. Contudo, em São
Tomé e Príncipe existe consenso que o mais importante é a homenagem ao Rei
Amador, enquanto a origem da data do feriado é considerada secundária.
O mito de Amador, rei dos angolares
Além da história do Rei Amador, o líder da
revolta dos escravos, existe em São Tomé também um conhecido mito, segundo o
qual Amador teria sido o rei dos angolares, na altura da insurreição escravos
fujões no interior da ilha. O principal autor que afirma que Amador teria sido
chefe angolar foi o geógrafo e poeta Francisco Tenreiro (1921-1963) que escreve
na sua monografia A Ilha de São Tomé (1961): “De 1595 e 1596 esta [a ilha de
São Tomé] chega mesmo de cair nas mãos dos angolares, chefiados pela figura, já
lendária, de Amador.”[21] Tenreiro não indica nenhuma fonte para a sua
asserção. Contudo, como se pode verificar, não corresponde nem a fontes
históricas disponíveis sobre a rebelião, nem ao conteúdo dos livros do século
XIX que Tenreiro conhecia e utilizava para o seu livro. Como já referido,
segundo Rosário Pinto, os angolares que, desde o início do século XVI,
frequentemente assaltaram as plantações de açúcar, possivelmente participaram
ao lado dos escravos revoltosos numa das três batalhas na cidade, mas Amador
não era o rei deles.
Nenhum dos autores do século XIX, que estão
integrados na bibliografia de Tenreiro, relaciona Amador com os assaltos dos
angolares, mas o apresenta correctamente como escravo e líder da maior revolta
de escravos de São Tomé. Uma das fontes de Tenreiro era o livro de Cunha Matos
de 1842. Contudo, o militar que se refere à “rebelião do negro Amador”, não
liga Amador aos angolares. Em 1844, Lopes de Lima refere-se no seu livro à
“revolta do negro Amador que … consternou toda a ilha com os inumeráveis
estragos por tão horrenda sedição ocasionados.” [22] O administrador de
concelho António de Almada Negreiros diz na sua obra História Etnographica da
Ilha de S.Thomé (1895): “No meio d’este espectáculo tumultuoso, surgiu, no anno
seguinte, o negro Amador, que se intitulou Rei de S.Thomé, arvorado em Atila
furibundo, à frente dos da sua cor, revolucionando a ilha inteira, matando e
saqueando furiosamente.
De facto, Tenreiro não era o primeiro autor que associou Amador aos
angolares, mas foi o seu influente livro que mais contribuiu para a divulgação
deste mito.
O primeiro autor que relacionou Amador com os angolares foi Ernesto
Vasconcellos que, em 1918, escreve no seu livro S.Tomé e Príncipe. Estudo
elementar de geografia física, economia e política sobre “atrocidades dos
angolares revoltados, sob o mando do negro Amador…” [24] Curiosamente, esta
obra não se encontra na bibliografia da monografia de Tenreiro. Contudo, não se
pode excluir completamente que a tradição oral de Amador, rei dos angolares, já
existia em São Tomé.
Seja como for, desde muito cedo, todos os historiadores de
São Tomé e Príncipe estão de acordo que Amador nunca era o chefe dos angolares.
Em 1972 o historiador norte-americano Robert Garfield escreve na sua tese de
doutoramento A Históry of São Tomé Island 1470-1655 (publicada em 1992) que
“Amador and his followers were certainly not Angolars, as has sometimes been
asserted”.[25] No seu livro São Tomé e Príncipe. A Invenção de Uma Sociedade,
Isabel Castro Henriques (2000: 117) opina: “Não podemos deixar de verificar que
esta tradição [Amador, rei dos angolares] limita a função majestática de
Amador, designado nos documentos quinhentistas como rei da ilha de São
Tomé…Esta amputação da dimensão do poder de Amador – de Rei da Ilha a Rei dos
Angolares -, consagrada na tradição santomense, constitui um dos fenómenos mais
perturbadores da História de São Tomé e Príncipe.” Caldeira (2006:73) conclui
que “a tantas vezes repetida lenda de Amador como chefe angolar não tem,
portanto, qualquer fundamento”. Também autores são-tomenses partilham esta
conclusão. Carlos Neves e Nazaré Ceita (2004:17) não duvidam que Amador fosse o
líder dos escravos:
Nov 2014 |
“O estado de conflitualidade entre estas autoridades
manteve-se por longo tempo, até
que em Julho de 1595, Amador, um dos escravos
afectos ao partido do bispo, tirando proveito da agitação social reinante,
decide liderar uma revolta de escravos.” Izequiel Batista de Sousa (2008:167)
concorda que “Contrairement à ce qu’affirme l’historiagraphie de São Tomé,
Amador n’est pas issu de la communauté dês macambos ni angolar d’origine”.
De
facto, Tenreiro não nega apenas a revolta dos escravos de 1595, mas nega
completamente a fuga dos escravos em São Tomé. Para explicar a existência dos
angolares, Tenreiro recorre a uma tradição oral conhecida desde o século XVIII
e divulgada por autores portugueses desde o século XIX, segundo a qual teriam
sido descendentes de sobreviventes de um navio de escravos que havia naufragado
na costa oriental da ilha em meados do século XVI.[26] Quanto à escravatura em
São Tomé, Tenreiro vai ainda mais longe quando conclui que, naquela altura, os
africanos não teriam sido submetidos à escravidão pura, mas antes a um regime
de servidão.[27] Contudo, em inúmeros documentos históricos sobre São Tomé
abundam os relatos sobre escravos fugidos das plantações e insurreições de
escravos, contrariando a tese do regime brando de servidão alegado por
Tenreiro.[28]A negação das revoltas e fugas dos escravos em São Tomé por
Tenreiro tem a ver com o contexto político e ideológico da época em que a sua
monografia foi escrita. Foi a teoria do luso-tropicalismo do sociólogo
brasileiro Gilberto Freyre (1900-1987) que orientou os trabalhos no seu livro.
Freyre reclamou que os portugueses tinham uma aptidão única para a mestiçagem
racial e cultural com os povos nos trópicos. Desde a década de 1950 o
luso-tropicalismo foi muito aplaudido pelo regime do Estado Novo (1933-1974)
que o utilizou para legitimar cientificamente a sua política colonial que
recusou categoricamente a descolonização dos territórios ultramarinos de Portugal.
Na altura, o então Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU) em Lisboa,
onde Tenreiro trabalhou desde 1959, era um bastião do luso-tropicalismo e de
académicos fiéis ao regime salazarista. Como estudante, Tenreiro fora poeta da
Negritude e amigo de nacionalistas africanos como Amílcar Cabral (1924-1973),
Mário Pinto de Andrade (1928-1990) e Alda Espírito Santo.[29] Mais tarde porém,
por volta de 1953, Tenreiro afastou-se dos antigos amigos e comprometeu-se com
o regime salazarista para não arriscar a sua vida familiar e a sua carreira
académica em Lisboa. Neste contexto, é óbvio que certas afirmações em A Ilha de
São Tomé se fundam mais no contexto político-ideológico dos anos 1960 em
Portugal do que em factos históricos. O mito do rei dos angolares tem diminuido e obscurecido a verdadeira dimensão histórica de Amador, como comandante
de uma das maiores revoltas escravas da história da escravatura.
Nov. 2014 |
Contudo, a
homenagem a Amador pelo Estado são-tomense através da emissão das notas
bancárias e do feriado nacional nunca se baseou no mito divulgado por Tenreiro,
mas no livro de Cunha Matos, onde é apresentado, fiel à história, como líder da
grande revolta dos escravos de 1595.BibliografiaAmbrósio, António, Manuel
Rosário Pinto (A Sua Vida), Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos
1970.Caldeira, Arlindo Manuel. Relação do Descobrimento da ilha de São Tomé.
Manuel Rosário Pinto. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa. Centro de História
de Além-Mar 2006.Henriques, Isabel Castro, São Tomé e Príncipe. A Invenção de
Uma Sociedade, Lisboa: Vega 2000.Lima, José Joaquim Lopes de Lima, Ensaios
sobre a statística das possessões portuguezas na África occidental e oriental.
Livro II. – Parte I. Lisboa: Imprensa Nacional 1844.Matos, Raimundo José de
Cunha, Ilhas de S,Tomé e Príncipe, Ano Bom e Fernando Pó. 4ª edição, São Tomé:
Imprensa Nacional 1916 [1842].Matos, Raimundo José da Cunha, Compêndio
Histórico das Possessões de Portugal em África. Rio de Janeiro: Ministério da
Justiça e Negócios Interiores. Arquivo Nacional 1963.Negreiros, António Lobo de
Almada, História Etnographica da Ilha de S.Tomé, Lisboa: Antiga Casa Bertrand,
1895.Neves, Carlos Agostinho das Neves & Ceita, Maria Nazaré, História de
S.Tomé e Príncipe. Breve Síntese. São Tomé 2004.Sousa, Izequiel Batista de, São
Tomé et Príncipe de 1485 à 1755: Une Société Coloniale. Du blanc au Noir.
Paris: L’Harmattan 2008. Tenreiro, Francisco, A Ilha de São Tomé, Lisboa:
Memórias da Junta de Investigações do Ultramar, 1961.Vasconcellos, Ernesto J.
de C., S.Tomé e Príncipe. Estudo Elementar de Geografia física, económica e
política, Lisboa, 1918. [1] Artigo baseado na conferência “Rei Amador”
proferida na CACAU – Casa das Artes Criação Ambiente Utopias, São Tomé, 17 de
Janeiro de 2011.[2] O Manual do Pioneiro, Ministério de Informação e Cultura de
São Tomé e Príncipe, p.20, s.a.[3] “Amador” em Alda Espírito Santo, O Coral das
Ilhas, São Tomé: UNEAS 2006.[4] Lei nº 6/2004, promulgada em 14 de Junho.[5]
Caldeira 2006:277.[6] Fondo Confalonieri, vol. 33, fls. 372-372 v.[7] Brásio
1953:521-523. Brásio datou o documento de 1595, contudo o original não é datado
(Caldeira 2006:277).[8] Códice 51-IX-24, fls. 1-71.[9] Caldeira 2006:72.[10]
Ambrósio 1970.[11] Brásio 1953: 521; Caldeira 2006:75.[12] Caldeira 2006:75. O
documento do Vaticano não se refere a negros Angola.[13] Garfield 1992:80.[14]
Caldeira 2006:78. Brásio 1953:523.[15] Rosário Pinto in Caldeira 2006:75.[16]
Brásio 1953:523,[17] Caldeira 2006:34.[18] Ambrósio 1970:15-19.[19] Cunha Matos
1963:7-16.[20] Cunha Matos 1916:16.[21] Tenreiro 1961:73.[22] Lima 1844:XI.[23]
Negreiros 1895:61.[24] Vasconcellos 1918:9.[25] Garfield 1992:138.[26] Tenreiro
1961:63. Sobre as teorias relativamente à origem dos angolares ver os artigos
Gerhard Seibert, Os angolares da ilha de São Tomé: Náufragos, Autóctones ou
Quilombolas? Textos de História. Revista da Pós-Graduação em História da
Universidade de Brasília. Vol. 12, N.º 1/2, 2004, págs. 43-64 e Gerhard
Seibert, A Questão da Origem dos Angolares de São Tomé. CEsA Brief Papers no.
5, Lisboa: 1998. http://www.repository.utl.pt/handle/10400.5/2112[27] Tenreiro
1961.70.[28] Castro Henriques refuta esta afirmação no seu artigo “Ser escravo
em São Tomé no século XVI”, Revista Internacional de Estudos Africanos, n.ºs
6-7, 1987, pp. 167-178.[29] Sobre a vida e carreira profissional de Tenreiro
ver o artigo Gerhard Seibert, Francisco José Tenreiro: o homem além do poeta,
págs. 117 a 144 in Inocência Mata (org.), Francisco José Tenreiro. As Múltiplas
Faces de um intelectual, Lisboa: Edições Colibri 2010.por Gerhard SeibertA ler
| 8 Fevereiro 2011 | amador, angolares, gilberto freyre, revolta de escravos,
s.tomé e prí
Bibliografia
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