Jorge Trabulo Marques - Jornalista e antigo navegador solitário em pirogas
Prisión Playa Negra - 43 anos depois |
ESTIVE PRESO NA MESMA
CADEIA, ONDE, EM 2008, O OFICIAL BRITÂNICO SIMON FRACIS, ESTEVE ATRÁS DAS
GRADES - O incidente recebeu a atenção da média internacional
após o envolvimento relatado de Sir Mark Thatcher no
financiamento do golpe. - "A tentativa
do golpe de Estado da Guiné Equatorial em Março
de 2004 contra o governo da Guiné Equatorial em Março de 2004 “parece
ter todas as características dos expedientes usados pelo colonialismo, com as
principais potências desesperadas para controlar áreas com recursos
estratégicos. Nessa parte do mundo, o petróleo superou os diamantes como fonte
do conflito. -
"A tentativa de
golpe não substituiu o presidente Teodoro
Obiang Nguema Mbasogo pelo político de oposição exilado Severo Moto –
Mercenários organizados principalmente por financistas britânicos
foram presos no Zimbábue em 7 de março de 2004, antes de poderem realizar a
conspiração. Os promotores alegaram que Moto
seria instalado como o novo presidente em troca de direitos
preferenciais sobre o petróleo para empresas afiliadas aos
envolvidos no golpe…. Wikipedia Simon
Mann: 'Meu maior erro foi se aproximar de Mark Thatcher'Sir Mark ( filho de
Maragaret Tacher) condenado na África do Sul em janeiro de 2005 por seu
envolvimento no caso
ESTIVE PRESO NA MESMA
CADEIA, ONDE, EM 2008, O OFICIAL BRITÂNICO SIMON FRACIS, ESTEVE ATRÁS DAS
GRADES - O incidente recebeu a atenção da média internacional
após o envolvimento relatado de Sir Mark Thatcher no
financiamento do golpe. - "A tentativa
do golpe de Estado da Guiné Equatorial em Março
de 2004 contra o governo da Guiné Equatorial em Março de 2004 “parece
ter todas as características dos expedientes usados pelo colonialismo, com as
principais potências desesperadas para controlar áreas com recursos
estratégicos. Nessa parte do mundo, o petróleo superou os diamantes como fonte
do conflito. -
"A tentativa de golpe não substituiu o presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo pelo político de oposição exilado Severo Moto – Mercenários organizados principalmente por financistas britânicos foram presos no Zimbábue em 7 de março de 2004, antes de poderem realizar a conspiração. Os promotores alegaram que Moto seria instalado como o novo presidente em troca de direitos preferenciais sobre o petróleo para empresas afiliadas aos envolvidos no golpe…. Wikipedia Simon Mann: 'Meu maior erro foi se aproximar de Mark Thatcher'Sir Mark ( filho de Maragaret Tacher) condenado na África do Sul em janeiro de 2005 por seu envolvimento no caso
"A tentativa de golpe não substituiu o presidente Teodoro Obiang Nguema Mbasogo pelo político de oposição exilado Severo Moto – Mercenários organizados principalmente por financistas britânicos foram presos no Zimbábue em 7 de março de 2004, antes de poderem realizar a conspiração. Os promotores alegaram que Moto seria instalado como o novo presidente em troca de direitos preferenciais sobre o petróleo para empresas afiliadas aos envolvidos no golpe…. Wikipedia Simon Mann: 'Meu maior erro foi se aproximar de Mark Thatcher'Sir Mark ( filho de Maragaret Tacher) condenado na África do Sul em janeiro de 2005 por seu envolvimento no caso
16 HORAS DO DIA 29 DE NOVEMBRO DE 1975 – CONDUZIDO
ALGEMADO À CADEIA CENTRAL - Prisión Playa Negra
Aproximação à Ilha de Bioko Nov 1975 |
Canoa acostada na costa de Bococo - Guiné Equatorial |
S. Tomé - Outubro 1975 |
A partir daqui, outra aventura desconhecida ia ter pela frente e não menos arriscada: uma caminhada desgastante por espessa floresta acima. - Depois, disso, os calabouços de uma esquadra e a cela de uma sinistra prisão.
Floresta de Bioko - 42 anos depois |
Após algumas horas na margem da pequena praia, contrariamente ao meu desejo inicial, que era o de acampar por aqui alguns dias, até me refazer da minha debilidade física e ao mesmo tempo aproveitar a generosa dádiva, que tão idílica paisagem, parecia querer oferecer-me, como recompensa de tantas privações e sacrifícios, concluo que o mais prudente era abandonar o lugar, ir ao encontro de um local habitado e pedir assistência às autoridades do país, a que pertencesse - Tinha acostado na maior ilha da Guiné Equatorial, mas por enquanto ainda era para mim uma terra desconhecida e ignorada. - Não duvidei, pois, que o mais aconselhável fosse mesmo o de virar de vez as costas ao mar e subir a floresta. - Mas, como?! - Por onde caminhar?!.... Valendo-me de uns apontamentos redigidos nos dias em que estive preso e de outros que escrevi algum tempo depois de ter voltado a Portugal - Mais à frente os pormenores
28 de Novembro de 1975 - DEPOIS DE APANHAR UM CARREIRO DO MATO, FUI DAR À SEDE UMA Finca - NOME PELA QUAL SÃO ALI DESIGNADAS AS ROÇAS - DE BOCOCO - Pormenores mais à frente
Dada a extensão deste post, vou apenas aqui reproduzir alguns excertos da minha entrada na Cadeia Central - Para trás ficava uma noite nos calabouços da Esquadra de Bokko, um exaustivo interrogatório pelo Chefe da Esquadra, que eu depois descrevi num dos meus cadernos na minha miserável cela
(…) Atravessamos várias ruas e eis-me por fim, junto à frontaria de um amplo edifício de construção rasteira, encimado por um piso . A minha pequena trouxa é retirada da carrinha, depois, ainda sob vigilância dos policias, que me acompanharam desde a esquadra de Bococo, sou conduzido algemado diretamente para o gabinete do Comissário da Prisão.
Ele encontra-se em sua casa, pois é já quase noite. Porém, a carta que um dos policias traz na mão, noto que lhe vem endereçada com um carimbo de urgência. Avisam-no com a brevidade que o assunto requer, pelo que, menos de meia hora depois, ei-lo, apressadamente , denotando ares de um certo enfado e algum nervosismo, a transpor o limiar da porta do seu gabinete, negligenciando-se em absoluto para as continências, que, com impecável aprumo e correção, lhe eram prestadas pelos dois agentes. E, enquanto se acomoda, quase, precipitadamente, numa cadeira por detrás da sua secretária, mira-me de revés, com olhar vivo, injetado de manifesta perturbação e aspereza, passando em seguida, uma rápida olhadela pela papelada que está amontoada por detrás da sua secretária, e, como não topasse o que procurava, resmunga, em tom de voz alteado e colérico:
Em Junho 2017 -Recebido pelo Secretário-Geral do PDGE |
- Onde está a carta?!... Onde está essa carta do nosso chefe?!...
- Está aí! Está aí! Sr. Meritíssimo Comissário! – responde um dos policias, entre solícito e assustado, dada a forma violenta, como o inquiria, ao mesmo tempo que avança para a sua secretária, para lha indicar, pousada sobre a mesma.
- Isto vai dar muita volta!... Muita volta!... – murmura o comissário, a meia voz, excitado, mal entreabrindo os lábios tensos e salientes da sua fisionomia, que cresce num tom rude e zangado à medida que se apressa a rasgar o subscrito e se prepara ler o extenso relatório que está dobrado dentro dele, convicto, provavelmente, de ter entre as mãos um caso talvez de transcendente perigosidade e importância.
Aliás, à primeira vista, talvez nem seja de julgar outra coisa. Um branco aportar sozinho numa canoa, que só os pescadores usam e numa pequena paria de areia negra, num local quase inacessível, não é caso para menos, além disso, o relato ocupa de facto um grosso número de folhas e constitui um autêntico dossier policial.
2017 |
Agora terei de esperar um ror de tempo que o leia. Não me autorizo a ir `casa de banho, urino as calças.
Eu nem sequer o cheguei a ler. Mas julgo que, só o prólogo, era tão extenso como como o restante relato. Na esquadra de Bococo, o chefe que me interrogou, disse-me que o tinha de assinar e eu não tive outro remédio que lhe apor a minha assinatura e uma quantidade de rubricas, uma em cada uma da páginas.
Eu nem sequer o cheguei a ler. Mas julgo que, só o prólogo, era tão extenso como como o restante relato. Na esquadra de Bococo, o chefe que me interrogou, disse-me que o tinha de assinar e eu não tive outro remédio que lhe apor a minha assinatura e uma quantidade de rubricas, uma em cada uma da páginas.
Evidentemente que foi o que menos me custou. Antes de próprio o assinar e de mo dar também assinar, levantou-se da sua cadeira, deu uns passos à sua frente, e, voltando o braço direito estendido para o retrato do Presidente Macias, pendurado na parede, pronuncia vigorosamente umas quantas palavras de ordem, que o seu secretário fui sucessivamente escrevendo no fecho do dito relatório e à anteceder as respetivas assinaturas.
Sinceramente, via que estavam a dar demasiada importância ao meu caso, mas, que chegasse a um tal extremo, digo que isso me espantou.
No entanto, vejo que o Comissário é capaz de levar o meu caso ainda mais a sério: de momento, ainda talvez seja cedo para adivinhar qual a atitude que irá tomar a meu respeito. Mas tenho para mim, cá um pressentimento que poderá não ser nada boa.
Ainda não lhe retirei a vista, desde que o vi entrar no seu gabinete. Causa-me uma certa apreensão as suas próximas reações. Parece não o prender muito a leitura: folheia-o, folheia-o e olha-me de soslaio, com evidente nervosismo. Deve estar é desejoso de vir para aí a desatinar comigo.
E realmente assim acontece. Uma breve vista de olhos por algumas folhas do relato, e, repentinamente, volta-se para mim. Com uma cara subitamente irritada, como se acaso tivesse à sua frente a pessoa mais ignóbil deste mundo, fuzilando-me imediatamente com esta pergunta:
- Quem te autorizou a entrar na República da Guiné Equatorial?!..
- Foram os imperialistas?!.. Não foi?!...Que te pagaram para vires colaborar com os inimigos do meu país?!...
O tipo e tom da pergunta, já não me surpreende. Pois o teor é quase à quase idêntico à desconfiança manifestada pelo Chefe da Esquadra de Bokoko. A psicose da espionite deve ser a técnica dominante nas preocupações e na verborreia do sistema, que tão fanática e cegamente devem servir. Por isso, já não estranho tais absurdos. E, sem perder a serenidade, respondo-lho:
- Sr. Comissário…. – mal pronuncio esta palavra, interrompe-me:
- “ Por favor: Senhor Generalíssimo Comissário!!” – corrige-me ele
A que então respondo: Sr. Generalíssimo Comissário: não faça semelhante juízos da minha pessoa. Tenha mais calma: não pense que está de frente de algum malfeitor do seu país. Leia com atenção o relatório. Eu já expliquei a minha situação. Se acreditar nas minhas palavras, concluirá que eu sou outro género de pessoa. Sou um náufrago! – A que contrapõe:
- “Um mercenário!!! Um mercenário!!!
- Não Senhor Generalíssimo Comissário!... Sou um náufrago!... Tenha piedade de mim!.. Não vê como estou tão fraco!... Não vê o meu estado?!.. – Não acredita e volta a resmungar:
- Não és outra coisa!!!... Julgas que me enganas com a tua conversa! Mas és demasiado ingénuo para me enganares!... Sabes! Estou a perder muito tempo contigo! O melhor é já informar o nosso comandante.
Jorge Marques com o Embaixador Tito Mba Ada |
Ergue-se abruptamente da cadeira e liga o telefone. Insiste várias vezes. Ninguém responde porque já é muito tarde.
Continua a resmungar: - “O caso é sério!!... Está fora do meu alcance”
Tenho que participar ao nosso Presidente.
Tenta então, ato continuo, o escalão, hierarquicamente superior da cúpula governamental.
Eu vim acionar um mecanismo que estava longe de imaginar - - Pormenores em postagem a editar com base no meu diário
DEPOIS DE SOZINHO NO ALTO MAR, AGORA SOZINHO A CAMINHAR PELA FLORESTA ACIMA - (reconstituição com algumas imagens de S. Tomé)
Em S. Tomé, lembrando as aventuras no mar |
Em S. Tomé, o mar é todo igual |
Vai ser o cabo dos trabalhos sair daqui. Tanto num sentido como do outro, não se descobre uma nesga de areia: a floresta desce, lá do alto até às rochas batidas pela rebentação. Não se descobre um trilho ou uma única clareira mas não tenho outro remédio senão pôr os pés a caminho, antes que se faça tarde e a noite me surpreenda no interior deste espesso manto verde. Ficar aqui o resto da tarde, é uma perda de tempo inútil, parece-me desaconselhável – Adiante!... Há que arriscar!...
Em S. Tomé. numa vereda semelhante |
Livre como um passarinho mas com uma grande diferença: de um passarinho, que, além de não poder voar, mal pode caminhar.
Despojado de tudo, sem dinheiro no bolso, sem outra fortuna que não a riqueza da dolorosa experiência por que acabava de passar - Sim, porque a maior riqueza espiritual, não advém do ócio, de uma vida cómoda e sem riscos mas a que resulta das adversidades que se vencem - Sim, e uma aventura no meio das ondas do mar, tal como eu a conheci, propicia sentimentos. emoções, estados de alma, muito intensos e muito variados, impossíveis até descrever! E este lastro, não se perde, fica para toda a vida - Por isso, não se pode ser poeta, não se pode aspirar a estados elevados de espiritualidade, sem o lastro dos grandes sacrifícios, das privações. Ou não é este o maravilhoso exemplo que nos legou o próprio calvário de Cristo?... - Eu também vivi um calvário imenso no mar. Felizmente, sobrevivi, tive sorte, fui bem sucedido. Mas bem podia ter ficado no fundo do mar ou ter sido devorado por algum tubarão, se me tivesse resignado, perdido a fé e a confiança, se não tivesse lutado.
E agora aqui me encontro no principio de um outro calvário, que tenho pela frente, amparado a um tosco pau. Mesmo a custo, lá vou caminhando e cambaleando: sem outras armas que não sejam as de um coração ávido por encontrar um rosto amigo.
O céu continua muito nebulado e a noite pode surpreender-me no meio da floresta. Mas, para onde quer que volte, vejo-me envolvido por um espesso labirinto de verdura, fresca e pujante. Respira-se um ambiente impregnado por uma autêntica miscelânea de vapores aromáticos, com sabores a raízes, cheiros a barro, a húmus, flores e frutos verdes, maduros, podres, de ervas e de folhagem variada, que me inebria os sentidos de intensos perfumes, povoado de árvores tropicais, enormíssimas, das mais variadíssimas espécies.
Em S. Tomé - subindo uma vereda junto à costa |
S. Tomé |
Entretanto, para minha agradável surpresa, depara-se-me, inesperadamente, um género de vegetação com uma fisionomia completamente diferente: entro numa enorme clareia, onde existe uma plantação de mandioca, por entre plameiras, diversas árvores selvagens e bananeiras. A subida é agora mais suave. E, um pouco mais à frente, até
descubro um carreiro de terra batida. Sigo-o em ziguezague. Sinto-me agora mais aliviado,
pois acredito que me há-de levar a um lugar habitado.
PLANTAÇÕES DE CACAU
S. Tomé |
O panorama não me surpreende, pois é muito semelhante ao das plantações dos cacauzais, em S. Tomé. Se não fosse a distância percorrida, os tormentos por que passei, através de tão extenso braço do mar, diria que tudo, afinal, não passou do pesadelo de uma longa noite mal dormida, de um mau sonho, visto que até parece que, subitamente, fui transportado para uma roça de S. Tomé.
Mas então que lugar poderá ser este? – Nem quero imaginar que me encontre na Ilha do ditador Macias!...Bom era que fosse a Nigéria, onde aportei na anterior viagem:
Após a travessia que fiz de canoa àquele país, fui detido, durante 17 dias para averiguações mas não me trataram mal .
Após a travessia que fiz de canoa àquele país, fui detido, durante 17 dias para averiguações mas não me trataram mal .
No meio de múltiplas cogitações, abrando o passo. Sinto uma certa inquietação crescer aos poucos dentro de mim. A incerteza do lugar preocupa-me de algum modo. . Estou desejoso de dissipar as minhas dúvidas.
Porém, e após ter caminhado algumas centenas de metros, por entre a ramagem dos cacaueiros, eis que começo por avistar um pequeno aglomerado de casas. A partir de agora, tenho absoluta certeza de que, a qualquer momento, poderei ter várias pessoas à minha volta. Desconheço de que nacionalidade. Não interessa. Sou um homem de aventura. Considero-me um cidadão do mundo. O importante é que sejam criaturas humanas. Aliás, já vejo algumas pessoas a andarem de um lado para o outro, lá ao fundo, num terreiro.
Presumo que já se tenham apercebido da minha estranha presença.Mostram um ar descuidado e natural. Acredito que se vão revelar minhas amigas. Afinal, é do que eu preciso: de amizade, calor humano. É do que me sinto privado nos longos dias do mar.
S. Tomé |
Presumo que já se tenham apercebido da minha estranha presença.Mostram um ar descuidado e natural. Acredito que se vão revelar minhas amigas. Afinal, é do que eu preciso: de amizade, calor humano. É do que me sinto privado nos longos dias do mar.
Roça - S. Tomé |
E, de facto, mal acabo de fazer estas analogias, tenho ao meu lado esquerdo, a primeira casa: baixa, tipo moradia e resolvo sentar-me na soleira da porta. Ao mesmo tempo que vários miúdos, se juntam num semicírculo à minha frente, ora olhando-me, ora entreolhando-se, num misto de espanto e quase mutismo, como se quisessem, através do meu silêncio, decifrar o que me trouxe aqui, com este meu ar estranho, que certamente lhe estou a causar, mas eu também não me sinto menos espantado e não me atrevo a falar. Estou também demasiado emocionado para proferir qualquer palavra. E, realmente, ninguém ainda ousou perguntar-me nada.
Entretanto, de todos os lados, vejo encaminharem-se outras pessoas, agora também adultas, na minha direção, num misto de algum alarido confuso. Observam-me, entreolhando-se, espantadas, pronunciando monossílabos no seu dialeto. Como estou todo queimado pelo sol e de barba por fazer, devem supor que eu venho do mar.
Começam então por me fazer perguntas que eu não entendo. Como resposta, ergo a camisola e mostro-lhe a barriga, que está quase metida para dentro, encolhida e vazia, como um fole encolhido. Ao mesmo tempo que faço este gesto, simultaneamente perpassa à minha volta um murmúrio de espanto. Toda a gente levanta a voz numa espécie de pasmo e murmúrio clamoroso. Vejo que todos os seus rostos se mostram chocados e em muitos dos olhares reluz a expressão de espanto e piedade de mim. Emocionado, não me contenho e começo a chorar, pondo as mãos sobre o olhos para não revelar o meu embaraço e as minhas lágrimas. Mas, compreendendo que venho cheio de fome, há já quem venha junto de mim com umas bananas para me oferecer; aceito algumas de boa vontade. Eu já mastiguei para aí vários frutos e o meu estômago está demasiado debilitado e desacostumado para suportar grandes proporções de alimentos. E esta boa gente também já compreendeu isso e houve quem me pegasse pela mão para me encaminhar para junto das suas habitações e me oferecerem a sua hospitalidade.
O LOCAL É A SEDE UMA FINCA (ROÇA) DE EX.FERNANDO PÓ.
Finalmente, já sei que terra é esta: o administrador, já veio junto de mim e começou a fazer-me perguntas em espanhol – Sim, depreendi imediatamente que estava na Ilha de Fernando Pó. E também já sei que a praia onde deixei a canoa, se chama Bococo e que pertence à propriedade agrícola onde agora me encontro. Aqui não lhe dão o nome de roça mas de finca.
Confesso que estou muito satisfeito. Desde que aqui cheguei, têm-me tratado muito bem. Afinal, tanto receio, não sei porquê. Foi realmente uma tremenda asneira não ter aportado logo nesta ilha mal me aproximei dela pela primeira vez. Estou a aguardar que as autoridades me venham buscar. Já se pôs o sol mas já me informaram que só deverão chegar daqui a algumas horas, portanto já de noite. Espero que sejam igualmente simpáticas, tal como tem sido esta boa gente, que me acolheu com muito carinho e generosidade.
O administrador já me levou a sua casa, onde tomei um duche e me serviu à mesa um saboroso prato de comida, de arroz com atum de conserva. Mas, apesar de sentir um grande apetite, não quis ir além de umas garfadas, pois não posso exagerar, enquanto me não habituar o estômago a outra dieta, que não a do jejum forçado e da fome, a que já vinha, tão duramente habituado. Agora quer que eu o acompanhe à praia para lhe mostrar onde está a canoa e trazer as minhas coisas: no telefonema que fez à polícia, foi-lhe dito que querem que ele faça uma relação de tudo. E até da capa de algumas peças de roupa, que trouxe comigo: quiseram-mas comprar mas eu ofereci-as.
Senzala em S. Tomé |
Meu Deus! Eu, mal me posso mexer, ainda ter de voltar lá em baixo ?!... A ter que descer e a subir outra vez a floresta!... Porque me não deixam descansar e vamos lá à manhã, durante o dia?!... Mas o administrador insiste que são ordens da polícia, que ele não pode desrespeitar e tenho de o acompanhar: diz que conhece bem o caminho, que não é difícil ir lá. Chama alguns trabalhadores, passa-lhes uma lanterna para uma das mãos, já que, com a outra, pegam numa catana. E lá parto para outro calvário – Mas a descer, até nem é muito difícil; o carreiro está desimpedido e limpo, cheio de voltas mas transitável. Eu ainda me apercebi de uns metros dele, quando andei por ali às voltas mas, ao meter-me pela floresta adentro, perdi-o de vista.
Aqui o sol, põe-se, tal como em S. Tomé, quase à mesma hora, pouco depois das cinco e meia. Agora, serão aí umas oito da noite, estou de novo junto à margem da praia e a ouvir o marulho das mesmas ondas, que para aqui me arrastaram, depois de um longo pesadelo, a desfazerem-se na areia escura . À minha frente é a vastidão do mar e uma imensa escuridão – E, a canoa, afinal, onde está?!.. Eu faço esta pergunta para mim, em silêncio, mas o administrador fá-la de forma bem pronunciada, se bem que não de modo agressivo – Sim, porque o que ali se vai descobrir, são apenas destroços – alguns destroços da canoa, visto outros já andarem a boiar por vários lados da rebentação, situação que o deixa de algum modo incrédulo e confuso. Mas vai mesmo acreditar que é o que resta da minha canoa: é que, aos destroços há os bocados de contraplacados, que continuam pregados nas partes que não foram arrastadas; além disso estão pintados de vermelho e aqui não existe esse hábito.
Localizado o contentor, com as peças da roupa, que não tinha podido levar e que puxara para fora da praia, um dos homens, lá o pôs às costas e lá nos pusemos de volta pelo carreiro acima. Agora, sem ter que me amparar com um pau, já que, um dos meus acompanhantes, se prontificou a puxar-me pela mão. Mesmo assim, sinto-me derreado. Foi um enorme sacrifício, que fiz para regressar ao terreiro da finca e subir as escadas da casa do administrador, cuja imediações da frontaria, já se transformaram numa autêntica romaria. Aliás, antes de voltar à praia, já me havia apercebido disso, que havia sempre um magote de gente, nas imediações da porta.
Todos os habitantes das senzalas, querem ver-me e conhecer a minha história. Tenho a impressão que não se tem falado de outra coisa, senão do branco que deu à costa numa canoa. Mostram-se muito admirados e cheios de curiosidade pela minha aventura. Quando passei por entre eles, antes de subir as escadas, não tiravam os olhos de mim, mirando-me dos pés à cabeça, com manifesta surpresa e curiosidade
Todos os habitantes das senzalas, querem ver-me e conhecer a minha história. Tenho a impressão que não se tem falado de outra coisa, senão do branco que deu à costa numa canoa. Mostram-se muito admirados e cheios de curiosidade pela minha aventura. Quando passei por entre eles, antes de subir as escadas, não tiravam os olhos de mim, mirando-me dos pés à cabeça, com manifesta surpresa e curiosidade
Às dez da noite chega a polícia, que depois de um exaustivo interrogatório, me transporta no seu jipe para os calabouços da esquadra -
A descrição do que então se passou, é por mim descrita, num dos meus
cadernos, quando sou encaminhado para famigerada cadeia central conhecida, na
capital da Guiné Equatorial, na famosa
Guiné Equatorial - 42 anos
depois - 1 - País onde me senti tranquilo e feliz
Guiné Equatorial no último dia da minha estadia em
Malabo - 42 anos depois de ali ter aportado numa frágil piroga e de seguida
sido encarcerado por suspeita de espionagem para ser condenado à forca por
Macias Nguema - Devolvido à liberdade e Salvo das garras da terrível asfixia,
cujos gritos ouvia todas as noites , graças à intervenção humanista de Teodoro
Obiang Nguema Mbasogo (sobrinho), atual Presidente - Em Malabo e em Bata, de
belas e prósperas cidades de um país que agora me encantou e me recebeu como um
dos seus ilustres filhos, revivendo o dia em que ali aportara 38 dias depois de
sofrimentos e angustias inarráveis, sim, na qualidade de um miserável náufrago,
depois preso e humilhado no mais hediondo dos cárceres de África mas felizmente
libertado graças à generosidade e humanidade do então jovem Teodoro Obiang
Nguema Mbasogo – (atual Presidente da Guiné Equatorial), contrariando as ordens
do todo poderoso e sanguinário Francisco Macías Nguema –,
28 de Nov de 1975
Fundeado junto a uma praia da região de Bococo, a sul da Ilha de Bioko - Guiné Equatorial - 26 de Novembro de 1975 - Era já noite e não pude acostar. Na manhã seguinte, descobriria, na mesma orla, algures para oeste, um pequeno areal negro onde pude finalmente desembarcar. As horas magníficas que ali passei durante a manhã, naquela pequena enseda luxuriante - qual aspirante a Robinson Crusoe e depois a caminhada pela floresta que me levaria a uma finca de cacau, a forma amistosa como ali fui bem recebido a contrastar com o comportamento desumano das autoridades que, mesmo extremamente debilitado, nesse dia à noite, me levariam para os calabouços de uma esquadra, sob supeita de espionagem, tendo, no dia seguinte, sido conduzido algemado para a mais temível cadeia de África - a tenebrosa Blach Becah - Quer dizer morte. Quando um prisioneiro chega a esta prisão, sua família começa a preparar o caixão.- Os relatos, dessas vicissitudes por que passei na Guiné Equatorial, que pude redigir na minha cela, cujos cadernos guardo mas, dada a sua extensão, conto editá-los em próximas postagens - Junho ou Julho - Para já, veja como foi a minha aproximação a terra, após tão longo e penoso calvário de tormentosos dias e noites de incerteza.
Muito por culpa do comandante do pesqueiro americano, Hornet, que me tendo prometido, em S.Tomé, que me largaria a sul de Ano Bom, na influência da corrente equatorial que me arrastaria para o Brasil - rota que pretendia seguir - me trocou as voltas, quando fundeou a Norte e ao largo daquela ilha: ou fica a bordo ou canoa ao mar - Optei pelo regresso a S.Tomé - E, navegar no Golfo, em plena época das chuvas e dos tornados, numa frágil canoa, era opção quase suicida, de vida ou de morte - Apesar de tudo, quis o destino que, mesmo tendo sido atingido por violenta tempestade, logo na primeira noite, que me causaria a perda de quase todos os apetrechos e víveres, fosse um
homem de sor.
É manhã do 37º dia. Ainda me encontro no mar...Estou partido!...Tenho o estomago metido para dentro. Não tenho nada na barriga... Estou realmente bastante fraco!...Estou mais próximo de terra... mas os ventos não me têm ajudado.
A manhã surgiu cinzenta e quase morta, sem a mais leve aragem a quebrar a sua triste monotonia. Por detrás do horizonte brumoso, a custo desponta, de quando em quando, o pálido disco solar. A nordeste, vejo ao longe contornos de terra, altas montanhas cobertas por um espesso manto de um verde escuro, cujas cumeadas ora se cobrem ora escondem sob densos nevoeiros ou claras neblinas, visão, aliás, reconfortante, porém, fisicamente, ao mesmo tempo, tão próxima como distante. Contornos de uma costa que toma o aspeto de um enorme triângulo, recortada por uma enorme baía. Mas não estou ainda bem certo se é o continente ou Bioko - a Ilha de Fernando Pó. As correntes mal se sentem mas arrastam-me ao longo dessa mancha, em vez me levarem na sua direção.
Finalmente, ao princípio da tarde, levantou-se algum vento. Estou a velejar mas com extrema dificuldade, devido à ondulação, que é muito forte. O leme, que lhe adaptei, soltou-se com uma vaga do primeiro tornado - e lá foram também os remos. Por mais esforço que faça, com o remo improvisado, não há maneira de embicar para terra. De volta e meia, a canoa atravessa-se à vaga. Mas lá vou indo, lá vou navegando, com determinação e a graça de Deus
Não me apetece abrir o meu baú (o caixote de plástico), pegar no gravador e fazer o registo do meu diário. Estou apreensivo e confuso, não tenho vontade de dizer nada. Calculo que seja uma da tarde. O relógio que trouxe deixou de funcionar na primeira noite do naufrágio. Há horas que parecem infinitas... É verdade... Mas nunca perdi a noção do tempo. Quando há sol é fácil calcular as horas pela posição que descreve no arco do firmamento. Se o céu está nublado, carregado de nuvens ou tempestuoso, é mais complicado. No entanto, quem é que não sente o peso do tempo?!... Quem é que, nestas circunstâncias, não conseguirá determinar a rotação do dia ou da noite, o movimento das marés - que no alto mar também se notam! Vogando, com a vida à flor do mar, errando perdido, sem destino!...
Oh, se pudesse ir a nado!... Mas não posso. Sinto-me muito fraco, cheio de fome, mas não me rendo. Estou confiante de alcançar anda hoje, terra firme, chão seguro!.. A bússola dá-me a leitura de todos os quadrantes, porém, não podendo dispor de meios para calcular a minha posição, fico sem saber onde estou. No entanto, de uma coisa estou certo: a terra está ao alcance dos meus olhos, estou muito próximo!... E tão longe de a poder alcançar, eu já me encontrei!...
Deverão ser aí três da tarde. O vento abrandou um bocado mas o mar continua muito ondulado e as minhas forças são fracas. Estou exausto, terrivelmente cansado. As pernas tremem-me e o ventre aperta-se-me com cruel dureza... Que suplício, meu Deus!...Oh, mas não posso desistir, a costa está ali à minha frente e tenho que a alcançar.
Aproxima-se o fim de tarde - Já não há vento. O mar está calmo. Entrei numa zona, que é nitidamente litoral, com várias manchas de correntes, que trazem à superfície uma infinidade de detritos vegetais de terra. Desde cascas de cocos, ervas, folhas de árvores, verdes ou já quase desfeitas, frutos secos e podres. Já meti algumas folhas e frutos à boca para mitigar a fome. Também se veem muitos grânulos de alcatrão e dejetos de aves. E, como não podia deixar de ser - pois nunca deixaram de seguir a canoa , também afluem peixes de várias espécies, que saltam, espinoteiam, aqui e além por entre os despojos e nos contínuos remoinhos, ora sôfregos, ora talvez competindo ou divertindo-se com tamanha abundância de alimentos.
Chamou-me atenção um coco, flutuando e a rebolar de um lado para o outro. Dei umas remadas na sua direção. Qual não foi o meu espanto!... Estava sem a amêndoa e com a casca meia partida mas com um peixe lá dentro. Em redor, vários peixes graúdos, nadando em torno do coco, pareciam fazê-lo saltar. Claro que aproveitei a presa, o pequeno peixito para o meter logo inteirinho à boca. De seguida apanhei mais dois cocos inteiros. Um deles descasquei-o imediatamente com o machim e aproveitei para saborear a suculenta amêndoa. O outro guardei-o para mais tarde.
Pormenor curioso, a companhia de uma ave: deixou o bando e veio pousar na ponta da proa da canoa, teimando acompanhar-me. Não me pareceu que estivesse doente ou cansada. Teve sorte, achou-me inofensivo. Pois, se não tivesse tão próximo de terra, já lhe teria pregado uma partida - Ainda bem, para ambas as partes; é que, à falta de alimentos, lá tive - e com muita pena minha -de sacrificar tão amorosas criaturas . Além de muito piolhosas, só têm penas, pele e ossos.
Quando fiz a viagem de S. Tomé à Nigéria, de manhã, ao acordar, a borda da canoa parecia um autêntico pombal. Registei belas imagens: ao regressar a S.Tomé, deixei-as na redação de uma revista, esta entretanto extinguiu-se e perderam-se.
O sol brilha acima de algumas nuvens no horizonte. Não há sinais de mau tempo e o mar está calmo. Mas o esforço com o remo, deixa-me arrasado. Queria libertar-me destas pequenas correntes, que parecem leitos de rios e me arrastam nos mais desencontrados sentidos, estou a ver que não consigo. Era bom que se levantasse um pouco de vento para velejar. A distância parece-me curta mas só com ajuda do remo, receio que não possa chegar lá ainda hoje.
Mais umas remadas, ó Jorge!...Vá lá!.. Tens a terra, ali a quatro ou cinco centenas de metros!... Dobra-te sobre o remo!.. Aperta o cinto e não desistas!... De modo algum, vou desistir... Se não desisti, até agora, como poderia desistir com os perfumes, balsâmicos, vindos da floresta, a revigorarem-me os pulmões e o meu coração?!...Tenho de lá chegar, antes que anoiteça!... Tenho de me embriagar com os aromas e as fragâncias da sua luxuriante verdura!...Vamos!...Coragem!
Não tenho a certeza se a floresta é habitada. Pareceu-me ter visto alguns focos de luzes por entre o arvoredo. Mas deve ter sido ilusão minha. Embora, apenas já se distingue uma massa escura, - , sim, agora só se ouvem os sons da floresta, o piar da passarada e o vai e vem das águas, batendo e recuando não se sabe aonde, contudo, os perfumes inebriantes de toda esta atmosfera, rica e acolhedora que me envolve, a pujança e a sua beleza que se adivinha, misturados com a doce e quente marezia, transmitem-me uma serena paz, uma tranquilidade que há muito não sentia. Porém, com muita pena minha, tenho que ficar mais uma noite no mar. A costa é profunda. Tive que lançar várias vezes a âncora até encontrar a profundidade a que pudesse chegar a corda que amarra. Mas, por fim, lá descobri, junto a uma espécie de ilhéu, o sítio onde a âncora se prendeu. Tenho o estômago um bocado rijo, devido ao coco, às folhas e frutos, que andavam a boiar e que comi.Certamente que não vai ser fácil adormecer. Espero é que não surja mau tempo e possa retemperar um pouco as minhas forças.- Mas, antes de me deitar, ainda vou verter para o gravador o meu primeiro testemunho, junto a esta encosta paradisíaca.
É já noite do 37º dia! Estou à beira de uma praia!... De uma floresta virgem!...Floresta maravilhosa!... Tive imensas dificuldades!... Foi um bocado exaustivo!...Para conseguir...utilizei todas as minhas forças!... Já não tinha água!...Não tinha nada!...Depois encontrei alguns cocos... próximo aqui da praia!... Com os quais mitiguei a fome!... Estou muito fraco! Mas ao mesmo tempo reanimado! porque estou próximo...Tenho aqui a canoa fundeada!....esperando o dia da amanhã!...
"Mãe: Venho de longe e cansado
(...) Que me resta da fluata que inventei?" - Fernando Grade
(...)"É noite, mãe: aguardo, olhos fechados,
que uma qualquer manhã me ressuscite!... António Salvado, in "Difícil Passagem"
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