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quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Ilha do Príncipe, descoberta há 553 anos por navegadores portugueses – Neste mês, há 54 anos fiz a travessia clandestina em canoa de S. Tomé ao Príncipe, tendo sido preso pela PIDE por suspeita de me ir juntar ao MLSTP, no Gabão

                                          Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador





As celebrações contam com a presença do  Presidente da República, Eng.º Carlos Vila Nova, que ali foi recebido pelo Presidente da Assembleia Legislativa Regional, Francisco Gula, e pelo Presidente do Governo Regional, Filipe Nascimento, em encontros que serviram para se inteirar do andamento dos assuntos da Região, na qual também se encontra o Presidente da Câmara Municipal de Oeiras, Isaltino Morais, que declarou à imprensa que o projeto liceu avançará no quadro da parceria tripartida.



Depois de ter realizado uma viagem costeira, desde a Baía Ana de Chaves (onde se situa a cidade), até à praia onde se encontra o padrão que assinala a chegada dos primeiros navegadores portugueses, precisamente na véspera  do dia em se iniciavam  as comemorações dos 500 anos da descoberta das ilhas (experiência que serviria também de teste para outras viagens mais arrojadas), parti então para a primeira aventura, que foi a travessia de São Tomé ao Príncipe.

Larguei à meia-noite, clandestinamente, pois sabia que, se pedisse autorização, me seria recusada, dada a perigosidade da viagem, levando comigo apenas uma rudimentar bússola para me orientar.

Fui preso pela PIDE, por suspeita de me querer ir juntar ao movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, no Gabão, o que não era o caso. Levei três dias e enfrentei dois tornados. À segunda noite adormeci e voltei-me com a canoa em pleno alto mar. Esta era minúscula e vivi um verdadeiro drama



para me salvar, debatendo-me como extrema dificuldade no meio daquele denegrido  sorvedouro  das águas

Apesar das dúvidas suscitadas por alguns historiadores, quanto à data exata da descoberta das Ilhas de S. Tomé e Príncipe, tem-se admitido que Ilha de São Tomé foi descoberta, no reinado de D. Afonso V,  em 21 de dezembro de 1470, que recebeu  o nome do apóstolo S. Tomé,  e, quase um mês depois, em 17 de Janeiro, deparavam com nova  ilha, a que, inicialmente, deram o nome de Santo Antão, dia consagrado a  este apóstolo.

Seja como for,  foi há mais de V séculos   e meio,  que, ambas as ilhas do Golfo da Guiné, S. Tomé, Ano Bom, Príncipe e Fernando Pó, atual ilha de Bioko, todas descobertas por navegadores portugueses, passaram a  ter ligações com  o continente europeu e se iniciou uma nova fase na história das civilizações. .

Embora não constem registos de ocupação humana nas ilhas de São Tomé e Príncipe anteriores a 1470,  defendo, no entanto,  a  possibilidade de as ilhas terem sido alcançadas, anteriormente, por povos da costa africana, por meios primitivos, à semelhança do povoamento das Ilhas do Pacifico , tendo-o demonstrado nas várias travessias que efetuei, em pirogas, entre as ilhas e o continente  

Não se sabe ao certo, em que ano e  dia ali teriam chegado as primeiras canoas com os primeiros povoadores a bordo dos grandes troncos escavados das árvores gigantescas, cortadas nas florestas costeiras africanas, nomeadamente a sul do Gabão e a Norte do Zaire - Canoas essas, que, aproveitando as correntes e os ventos favoráveis, ali teriam aportado.

Seguramente, que os intrépidos navegadores africanos, ter-se-iam dirigido, para essas ilhas, muito antes do homem branco ter-se deslumbrado com a sua vegetação luxuriante.

Com o inicio da colonização no final do século 15, já com D. João II, liderada por Álvaro Caminha, que ali introduziu engenhos de açúcar no sistema de capitanias, viria a ser rebatizada da Ilha do Príncipe,  em homenagem ao futuro rei D. João III.

Os donatários das ilhas e vassalos do rei levaram grupos de povoadores constituídos por filhos de judeus, artificies, alguns fidalgos, degredados e escravos negros, importados do continente africano, os únicos que conseguiam adaptar-se ao clima equatorial, húmido e quente. As doenças tropicais dizimaram grande parte dos primeiros colonos.

Desde 1995, a Ilha do Príncipe é uma região autônoma. A capital é Santo Antônio, fundada em 1502. Em 1753, foi elevada à condição de cidade e tornou-se a capital da antiga colônia portuguesa até 1852, quando retornaria para S. Tomé . Hoje, a Ilha do Príncipe, com uma área de 143Km2,  abriga uma grande reserva natural.

FASCINIO MARÍTIMO E PELA  NAVEGÃO DAS CANOAS 

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Pouco tempo após ter desembarcado em S. Tomé, em 1963, a bordo do paquete Uíge,  fiquei logo com a impressão de que as ilhas, eram possuidoras de um passado muito mais antigo daquele que  vinha sendo descrito e preconizado  - Naturalmente, sem com isto pretender deixar de admirar  a coragem dos bravos navegadores portugueses, que, partindo, em frágeis caravelas de um pequeno pais, atravessaram longos oceanos, deram a conhecer à civilização europeia, mares e terras desconhecidas

Aos povos africanos, situados no litoral e a sul de São Tomé, não teria sido difícil aproveitar a direção dos ventos e das correntes.- Pormenores mais desenvolvidos desta minha teoria em  https://canoasdomar.blogspot.com/2011/12/sao-tome-e-principe-ilhas-asben-e-sanam.html  onde explano a possibilidade das canoas da costa africana,  terem alcançado as Ilhas do Golfo da Guiné,  através de meios primitivos, tal como sucedeu no povoamento das Ilhas do pacifico

(construção da canoa Yoan Gato - que usei na minha última viagem)  - Defendo, pois, a teoria de  que os primeiros povoadores, aqueles que, pela primeira vez,  aportaram nas suas baías,  foram os hábeis navegadores das canoas, vindos da costa africana. 

Demonstrei essa possibilidade através das várias travessias que empreendi - De resto, não será por mero acaso que as canoas surgem nas cartas do século XVII, com idêntico destaque ao das caravelas

Em minha modesta opinião, a história das descobertas prima mais pela ficção e efabulação de que em dar-nos conta do que se verdadeiramente se passou. Mas o fenómeno da sublimação foi transversal a outras potências coloniais.

Em Novembro de 2014, 39 anos depois, voltei ao local, acompanhado pelos Jornalistas santomenses, Adilson Castro e João Soares, para erguer as duas bandeiras: a de STP e a Portuguesa, agora ambos países independentes e democráticos, falando a mesma língua.

Alcancei Anambô, na noite do dia 20 de Dezembro de 1969, no incio das comemorações dos 500 anos da descoberta de STP -  Pernoitei lá, embrulhado em ramos de palmeiras e sob o ataque constante de enormes caranguejos, que não me deixaram pregar olho - A notícia, mereceu destaque no Jornal a Voz de S. Tomé – Porém, o mesmo não mereceria, quando, um mês depois, parti da mesma baía, à meia-noite, na minúscula piroga, disfarçado de pescador, fazia a travessia à Ilha do Príncipe – Tendo sido preso e espancado pela PIDE-DGS


Era a minha primeira travessia: mais tarde, faria a ligação de S. Tomé à Nigéria, em 13 dias, e, após a independência, a tentativa oceânica, que resultaria numa odisseias de 38 dias, de Ano Bom a Bioko, antiga ilha de Fernando Pó

Uma coisa são é o domínio colonial, outra as navegações marítimas – Há, pois que realçar a coragem dos marinheiros lusitanos, que se fizeram ao mar apenas munidos de um mero astrolábio - Não dispunham de sextante, nem de cronómetro ou sequer de almanaque náutico que lhes possibilitasse algum rigor da navegação - Não iam completamente às cegas, porém, embora dispondo de alguma informação, iam à aventura! - Indubitavelmente, foram grandes navegadores aventureiros



Do alto das velhas muralhas do Fortim de São Jerónimo, onde tantas vezes olhava a espuma que ali ia rebentar nas rochas negras e contemplava o mar ao largo, sim, muitas vezes ali me envolvi em prolongadas cogitações. E só via o mar... Só pensava, obsessivamente, nas distâncias e nas entranhas do mar.!.. Olhava-o com pasmo e respeito, mas queria sentir-me também parte dele! Ser mais um elemento do mítico e misterioso oceano! Ir por ali a fora numa das ágeis pirogas.! Desvendar segredos esquecidos no tempo!


Oh, e quantas vezes ali mesmo, não experimentei as estreitíssimas cascas de noz, navegando em frente ou embicando na areia da pequena praia ao lado, naqueles meus habituais treinos, ao Domingo, vindo da Praia Lagarto (ao fundo da descida a caminho do aeroporto), passando em frente da Baía Ana Chaves, Fortaleza de São Sebastião, costa da marginal, Praia Pequena e ponta do Forte de São Jerónimo -e, por vezes, ainda um pouco mais a sul, à Praia do Pantufo.

São Jerónimo era geralmente a baliza de chegada e de retorno ... E, também, muitas vezes ao fim da tarde e pela noite adentro, era o meu local preferido (até por ficar um pouco isolado e retirado da cidade) para me familiarizar profundamente com o mar.

Lembrava-me das façanhas dos pescadores são-tomenses, dos seus antepassados que demandaram as ilhas, dos barcos negreiros que ali aportaram e também dos nossos marinheiros (antes desse vil mercado) que por aquelas águas navegaram; imaginava quantos naufrágios e sofrimentos aqueles mares, já não teriam causado.

Sabia dos muitos perigos que me podiam esperar - não os desdenhava! - mas entregava-me ao oceano de coração aberto, possuído de uma enorme paixão, em demanda dos grandes espaços e de uma infinita liberdade, tal qual as aves migradoras! Olhava-o como se fosse já meu familiar e meu amigo. Embora sabendo que a sua face, quando acometida de irascível crueldade, havia sido palco de muitas tragédias, havia engolido muitos barcos e tragado muitas vidas. Contudo, eu não ia ali apenas movido pelo prazer da aventura: só por isso, não sei se compensaria... Mas orientado por razões mais fortes

Havia algo, no fundo de mim, impelido como que por um pendor sobrenatural inexplicável que me fazia acreditar que, mesmo que apanhasse alguns sustos, tal como já havia acontecido em anteriores viagens, lá haveria de sobreviver e de me safar!.

O mar também é generoso quando quer ... A sorte protege os audazes e acreditava que o mar haveria de compreender os objetivos pelos quais que norteava o meu espírito e a minha temeridade.

"O contributo dos Portugueses para uma nova visão do Mundo e da Natureza é essencialmente informativo e empírico (baseado nos sentidos). Como escreveu Pedro Nunes: “os descobrimentos de costas, ilhas e terras firmes não se fizeram indo a acertar…” Pois os nossos marinheiros: “…levavam cartas muito particularmente rumadas e não já as que os antigos levavam"


LEVADOS PELO ESPÍRITO DE AVENTURA, PELO INSTINTO MIGRADOR DAS AVES  - que partilhavam a mesma alegria e abundância da Mãe-Natureza, pelo acaso ou por outras razões que a razão desconhece e só Neptuno poderia interpretar, sim, ao Mar se fizeram nas suas pirogas e por lá se fixaram nas suas majestosas Ilhas a que aportaram.

ALGUNS VOLTARAM ÀS TERRAS DE ORIGEM PARA TRAZEREM AS MULHERES E OS FILHOS.  


E a notícia das suas maravilhas, depressa se espalharia... E, assim, pouco a pouco se foi constituindo um Povo, que se aventurou pelo oceano a fora, atraído por ilhas que lhe terão parecido os  Jardins do Éden  ou  os Paraísos  mais belos que hão conhecido

.O que ignoravam é que a paz, a tranquilidade secular, endémica,  haveria de vir a ser quebrada, abruptamente, com a chegada  de homens e modos de ser completamente estranhos e adversos  à sua cultura e ao seu pacífico modo de vida. Daí que as chamadas descobertas de 500 anos, dos ditos tempos heróicos, com as naus de guerra, armadas de canhões, partindo ao encontro de gentes indefesas, que, surpreendidas ou se refugiavam na floresta ou acorriam às praias, ignorando, porém, que esse seria o primeiro dia de uma longa e atribulada tragédia.

NÃO CHEGUEI ATRAVESSAR O OCEANO ATLÂNTICO, TAL COMO ESPERAVA MAS CONTINUO ACREDITAR QUE SÃO POSSÍVEIS LONGAS TRAVESSIAS
MESMO ASSIM:



Comprovei que as canoas vão ao cabo do mundo: naveguei e fui arrastado por centenas de milhas: - Liguei as ilhas e estabeleci ligações de uma delas ao continente.


Sozinho e ao longo de sucessivos dias é extremamente arriscado e muito difícil navegar a bordo dessas frágeis embarcações  - E, se eu não fiquei no mar, talvez o deva a um feliz acaso - mas não estou arrependido, pois safei-me por três vezes. 

Os pescadores (nas Ilhas) aos quais se inculcou o fantasma de que só gente de feitiço é que o tornado leva a canoa ou que o "gandú" não engole "perna de gente" , poderão estar descansados:

Se a tempestade alguma vez os surpreender e os arrastar para fora do alcance ou do horizonte da sua querida Ilha, não se importem; deixem-se levar pelo seu ímpeto

Não cruzem os braços e se deem por vencidos: remem ou velejem, sempre que puderem ou então deixem que a canoa vogue à flor das ondas, que o mar não quer nada que lhe seja estranho e a algum ponto da costa, hão de ir parar

Basta que não percam a calma e se alimentem com a pesca: a carne do peixe mata a fome e o sangue, que não é salgado, a sede - E a água das chuvas, com um pouco de água do mar, é ainda melhor 

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