Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista
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O Oká de Guadalupe |
Desta vez, não pôde ter o habitual
acompanhamento de Filipe Santo, o músico da sua ilha, que geralmente a
acompanha, visto estar em digressão artística, lá para os confins do
Oriente, mas, quem o substituiu, Nery Ribeiro, o musico e cantor
brasileiro, também ali dedilhou e interpretou sons tropicais, que arrancaram
longos aplausos pela assistência.
A BELA
E CATIVANTE POESIA DE OLINDA BEJA – DIZ Albertino Bragança
Olinda Beja e Albertino Bragança
Olinda Beja e Albertino Bragança
Danilo Salvaterra |
“Pese embora a gentileza do convite e a
prontidão com que cordialmente reagi ao mesmo, confesso-vos que me senti um
tanto ou quanto intranquilo por não descortinar à partida como abordar uma obra tão prenhe de intuição
psicológica, qualidade que, não raras vezes, impede ou, no mínimo, dificulta a
sua abordagem por quem não a concebeu e lhe deu forma.
Leonel D'Alva |
Reconhecendo embora que “o mito dá ao
homem a ilusão, extremamente importante, de que ele pode entender o universo”,
eis que Olinda Beja parece pretender ir para além do mito e resgatar o oká da
sua multissecular imagem.
De facto, apostada porventura na
dessacralização do oká e dos seus arredores, a poetisa caminha decididamente em
sentido oposto ao usual, na pura convicção de que “o lento fluir das horas
dissipará o odor da noite em meu regaço/…não haverá mais sombras nos meus
sonhos”.
Trata-se para Olinda de marcar encontro
com a inspiração num recanto paradisíaco de protecção, intimidade e diálogo,
avesso às tensões, às diatribes e aos desalentos em que a existência humana é
tão fértil. Não é, pois, sem razão que a autora conclama, segura de si, que “à
sombra do oká repousarão meus dias/ atados em silêncio e em penumbra/será ali
minha última casa, meu pássaro de fogo ancorado em meus límpidos ossos.”
A partir dali, encontradas que foram a mãe
e as ilhas do seu encanto, o ego poético confidencia à autora que “ali ninguém
mais se atreverá a negar-me o chão/a negar-me a mátria, o húmus materno doce e
quente, quente e húmido” e isto porque “o
velho ôká há-de proteger minhas estradas/com seu manto de verde/e rosa
púrpura”.
São tão estreitos e intensos os laços
entre o sujeito poético e a mítica árvore - despida esta, como foi dito, do
estigma horrendo e fantasmagórico doutros contextos -, que Olinda apela
finalmente o oká a vir buscá-la, vaticinando que “terás em teu ventre meu último
poema/minha salgada memória feita de cais e lenhos de canoas”.
É bela e cativante a poesia de Olinda
Beja. Ela peregrina, solta, pelas ilhas maravilhosas e pelas suas gentes e tem
o mérito de trazer ao nosso convívio e fazer-nos regressar aos saudosos rincões
da infância, através de rara emoção estética, “os cheiros a gengibre, a
açafrão, a pimenta, a canela em flor…… /e voltarás a plantar banana-ouro e
prata e mandioca/e ossame e pau-pimenta e fruta-pão/ voltarás a solfejar
canções de esperança/na voz eterna dos nossos conjuntos em noites do fundão …….
/e descerás em passo firme o caminho de Água Arroz/Guadalupe, Fruta-Fruta,
Santo António”.
Os seus versos, um misto harmonioso dos
citados lugares, cheiros e sons, perpassam como um rio, pulsante e vivo, pelas
nossas veias, apostando em acarinhar, promover e divulgar em tal percurso os
valores que reflectem e ilustram as fibras mais íntimas do nosso sentir
colectivo, ou seja, a nossa cultura.
Já ouvimos Thomas Man proclamar que “a
arte engrandece a vida”. Aconselha-nos agora o poeta torrejano e amigo de longa
data, Eduardo Bento, “sorve gota a gota cada momento do tempo. Que vale mais,
mortificar o corpo ou deixar que ele se embriague de luz, de alegria ou dança?”
Se assim é, folguemos então para que revigore
e perdure no tempo a veia poética de Olinda Beja, ávidos como estamos de nos
continuarmos a deleitar com a melodia, a
fragrância e o apurado sentido estético dos seus versos. - Albertino
Bragança
Mãmâ África - Ode ao berço da Humanidade - Poema escrito e cantado por Olinda Beja, habitualmente também acompanhado pelo Filipe Santo, nas sessões poéticas -
PRELÚDIOS
se
espreguiçam sons e brisas, rastejes e ondas
e
nossas fragilidades todas
aqui
se semeiam amores e ódios, intrigas e fleumas
aqui se amantizam lamentos e alegrias
como
jogo de bligá em domingo festivo
na
sombra do oká o rasto do obô primevo e fiel
como
a palavra poema em juramento solene
aqui
sob a ramada desta árvore frondosa que dará canoa
e boia e jangada e caixa
de
guardar memória
a
palavra deslizará como óleo de coco em nossa pele ansiosa
a
palavra florirá para depois coagular nas bocas sedentas do dizer
e
da palavra sairá a esperança
a
força
a
redenção
a
palavra será seiva
a
exsudar-se da árvore mãe
a
penetrar na alma de todos os ilhéus
aqui
não há desertos nem oásis nem tão pouco
rios despidos de fronteiras
nem
rochedos agrestes a encobrir ternuras
aqui
há tão somente a sombra deste oká inderrubável e imóvel
imponente
e longevo
casto
como os silêncios de nossos sofridos e longínquos avós
aqui
ficará a Palavra quente e odorífera como o café da manhã
em casa de avó Belmira
e
virás então falar-me dos campos acesos de frutos e de almas
de
veredas onde jamais se voltarão as costas ao silêncio
contar-me-ás
das ausências em teus portos
teus
líquidos abismos de luxúrias e desmaios
contar-me-ás
dos perfumes intensos de teus rios
opulência exultada em loucas e abruptas quedas
teus
falos a rasgar a virgindade do ôbo
teus
agrestes penhascos como espada a perfurar o coração
do
impuro
teus
magmas incandescentes, teu húmido musgo entre fetos
e
lianas
teus
suores frios de escravatura e submissão
noites longas de mãos cravadas nas fendas da
alma
teu
rumorejo se ouvirá a muitas milhas de ti
teu
rastrear de folhagem, teu ondular de flor sem norte
em
intimo e libido fulgor com a genuína palavra do poema
ligarás
o teu coração ao meu
não
esperes pelo sol para te aquecer a terra
nem
pela chuva para te fertilizar os campos
nem
pelo semeador para te encher de searas
pega
no arado das palavras e verás
que
elas produzem o pão da nossa vida
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