Por Jorge Trabulo Marques
- Jornalista, navegador solitário e líder da escalda ao pico Cão Grande, em Outubro de 1975 - Depois de ler este post, poderá também encontrar mais informação em: 4/02/2012 - Pormenores da Escalada Vertical ao pico Cão Grande Cão https://canoasdomar.blogspot.com/2012/02/cao-grande-em-sao-tome-grande-escalada.html
- E também https://canoasdomar.blogspot.com/2020/08/pico-cao-grande-em-s-tome-epica.html
Em 12 de Outubro, de 1975, a minha equipa, conquistava, finalmente, o
tão desejado cume do Pico Cão Grande, tentado por várias equipas estrangeiras,
sem êxito - Dois anos sozinho, e, por fim, de, 73 a 75, com uma equipa de
valorosos santomenses - Constantino Bragança, Cosme Pires dos Santos, e os
guias, Sebastião e o Chico - conquistávamos a crista de um dos mais difíceis e
caprichosos monólitos do planeta.
Entrevista feita
há um ano, em meados de Novembro, dias depois do meu regresso de S. Tomé, onde já
não voltava há 39 anos – Diálogo com um corajoso companheiro e um grande amigo.
linkes relacionados com a escalada do Cão Grande -
Desmontagem de uma encenação https://canoasdomar.blogspot.com/2016/01/escalada-do-pico-cao-grande-em-s-tome.html Palestra dos 40 anos, em cascais https://canoasdomar.blogspot.com/2015/11/casa-da-gruta-em-cascais-encheu-para.html
Antes de mais, falar de um pico, que é talvez único na sua forma, na sua beleza e no seu envolvimento vegetal. uma das maiores maravilhas geológicas mundiais E, naturalmente, recordar alguns dos momentos de um feito, que comportou um elevadíssimo grau de risco e dificuldades, que até hoje, ainda ninguém demonstrou ter igualado. Transmitir as recordações e o saberes dessa minha experiência aos amantes e admiradores da escalada.
Sim, vou recordar-lhe uma das mais arrojadas e épicas escaladas da história do alpinismo, num tempo em que a improvisação, o engenho, a coragem e a imaginação, substituíam as atuais tecnologias.
Vou desvendar-lhe alguns
dos segredos desse meu êxito pessoal e da minha equipa - E, porque não,
revelar-lhe as patranhas, de pretensos escaladores, que tiveram honras
televisivas e noticias internacionais -
Mas mentiram
De facto, o
alpinismo é um dos desportos mais arrojados e nobres, entre as várias
modalidades desportivas, por isso mesmo, não só exige preparação técnica
adequada, de molde a evitarem-se riscos desnecessários, como também,
qualidades humanas de elevada craveira -
coragem, equilíbrio mental e determinação, sentimento
de lealdade e companheirismo para com os elementos da
equipa, porque, a escalada, é sobretudo, um desporto de
equipa. - mas ao mesmo tempo de um grande desprendimento
e humildade - É dos tais desportos que não encaixa no perfil dos
vaidosos, desonestos ou batoteiros.
Não se faz uma escalada, para competir seja como quem for. Não se luta contra ninguém, nem para agredir a própria Natureza mas para se ir ao encontro da sua harmonia ou do que ela tem de mais belo e aparentemente agreste e desafiador - Buscar o prazer da superar o grau de dificuldades, que a mesma se nos apresente. Não se escala uma parede aprumo como quem joga futebol e procura meter um golo na baliza do adversário - Mas há, no entanto, quem ouse fazer escalada, não para melhor conhecer e desafiar as suas próprias capacidades ou pelo gosto que tem pelo contato estreito com a natureza, mas unicamente para exibir a sua vaidade e comercializar - E, então aí, vale tudo: até a batota, a desonestidade e a mentira.
Creio que que terá sido esse o espírito de uma
equipa de alpinistas, que, já na primeira década deste século, veio
gabar-se, para as televisões, ter sido a primeira e a única a escalar o Pico Cão Grande -
Mas não é verdade. A documentação, que exibem publicamente,
além de escassa, é manifestamente contraditória. Dirigi-lhes o convite para se fazerem representar na
minha palestra - ao mesmo tempo pedindo-lhe mais informação - mas nem
sequer se dignaram responder.
Claro este não é o principal objetivo dos
temas que conto abordar, mas vai ser, com certeza, um dos pontos de que - até por uma questão de verdade histórica e dever jornalístico - não deixarei de falar.
PALESTRA DOS 40 ANOS SOBRE A ESCALADA DO CÃO GRANDE - OS
MESMOS QUE AS COMEMORAÇÕES DA INDEPENDÊNCIA DE S.
TOMÉ E PRÍNCIPE.
A palestra, que vou
apresentar, sobre a conquista do lendário e mítico Pico Cão Grande
- agora em Portugal, no meu país, sim, porque, em S. Tomé, já falei dela,
quer na televisão, como através de uma exposição fotográfica - ,
direi que é também, de algum modo, a continuação da singela
homenagem ao espírito que presidiu às comemorações
do 40.º aniversário da Independência de São Tomé e Príncipe, no passado dia 12
de Julho, a que tive o prazer de me associar, quer ao
entusiasmo e alegria do Povo destas maravilhosas Ilhas, quer, uns
dias depois, com a exposição
fotográfica e documental, Sobreviver no Mar dos Tornados", que
apresentei no Centro Cultural Português, a que me deu a hora de
presidir, entre outras entidades, o Sr. Ministro
da Educação, Cultura e Ciência, Olinto Daio
CÃO GRANDE É TAMBÉM UM DOS SÍMBOLOS MAIS EMBLEMÁTICOS DA GEOGRAFIA DE S. TOMÉ
O que dizia, em 1908, do Pico Cão Grande e do Pico Cão Pequeno, Ezequiel
Campos
O Cão Grande é uma agulha gigantesca com mais de 350 metros
de altura; é uma pedra mais alta que a Torre Eiffel!
Teríamos de multiplicar por 11 a altura do
maior obelisco que saiu do Thebas, dando-lhe pouco mais de 200 metros de diâmetro na base e 80 metros junto ao
topo, de arredondar-lhe as arestas, colar-lhe uma trepadeiras nas rugosidades,
dar-lhe umas asperezas na base e na superfície cilíndrica, continuar a deixá-lo
bem de prumo, e teríamos mais ou menos pronto o Cão Grande. Havíamos de dobrar altura do monumento de
Washington, e depois ainda fazê-lo maior, para o colocarmos a par do Cão Grande
.
Esta agulha é d’uma pedra só! Quantas
vezes, olhando para ela ,eu não cismei ao arranco brutal da natureza para assim
a adelgaçar através do terreno, e no conjunto de forças que sobre este e aquela foram atuando até que a deixaram com a forma
que hoje tem. - Quem me diria a mim que havia de vê-la,
como enorme para-raios, fustigada pelas faíscas das terríveis tempestades do Sul
da Ilha! O topo do monólito tem 673 metros de
altitude. Muito mais alto que a serra de Sintra; a mais de um terço de
altura da nossa Serra da Estrela.
É uma bela coluna. Não há menhir, nem
chaminé de fábrica para se lhe pôr ao lado.
E para que a Ilha seja verde por toda a
parte, até a pedra tem vegetação em grandes manchas.Apresenta-se sempre mais ou menos cilíndrica:
é porém das terras do centro da Ilha, a caminho de Vila Verde, que ela é mais
regular. De S. José da Praia Grande, do Novo Brasil, isto é, de sudeste da
Ilha, apresenta-se com a base um tanto dilatada e com o topo mais adelgaçado.
Vê-se de todo o Sul da Ilha. É muito curioso
do Cabbombley, na perspetiva da Praia Grande: são duas pontas de terra por
mar dentro, a coluna levata-se alterosa
a projetar-se no mar, como se fosse um farol altíssimo.
O Cão Pequeno – É outra coluna de
pedra levantando-se oblíqua nos montes
do Portinho. Tem 390 metros de altitude. Sem as dimensões imponentes e
regulares do Cão Grande, não deixa de ser muito interessante: e um óculo de
alcance regular nota-lhe uma pequena pedra apoiada no topo. É a marca natural
das minhas referências topográficas.
Dista do Cão Grande cerca de 4.160 metros.
ESCALADO TRÊS MESES DEPOIS DA INDEPENDÊNCIA DE S. TOMÉ E PRINCIPE
Semanas antes da conquista do Pico Cão Grande, cheguei a sugerir ao então Primeiro Ministro Leonel D'Álva, que o Pico Cão Grande, passasse a ser chamado de Pico Independência, justamente pelo facto de acreditar, que, coincidindo a conquista do cume, com o ano da Independência de S. Tomé e Príncipe, esta seria também uma forma de assinalar tão importante acontecimento - A sugestão acabou esquecida e a mudança de nome não se impôs. Por um lado, porque, uns dias depois da escalada final, eu partiria de canoa para outra aventura, e, por outro, porque, naquela altura, estando-se, nestas maravilhosas ilhas, ainda a dar os primeiros passos na construção de uma Pátria Soberana, Livre e Independente, havia outras preocupações - Mas, tradição é tradição, e, depois de já ter sido batizado de "Caralhete", no tempo colonial, talvez seja mesmo preferível continuar com o mesmo nome - até porque, monumentos à independência, já existem e podem fazer-se ainda mais, o que não é possível de fazer é outro Cão Grande, como aquele.
Neste post - O reencontro com o Chico - Nov de 2014 - Carregador e Guia, com o Sebastião - Já falecido
E, se puder, não
deixe também de estar presente nesta palestra - A decorrer a 11
de Dezembro, sexta-feira, data da comemoração do Dia Internacional da Montanha, sob o
tema: "Via Alampa, do Projecto à Realidade, na Escalada Portuguesa dos
anos 70", na sede desta associação - Não falte, pois, haverá também
umas amêndoas e uns figos ao seu dispor e um saboroso moscatel - Casa da
Gruta, Rua de São Mateus, Bairro de São José 2750-139 - Cascais
Via Almpa - Década de 70 |
Palestra Via Alampa – Escalada nos Anos 70
Via Alampa (Arrábida), do projeto à
realidade na Escalada Portuguesa dos Anos 70
Orador: Paulo Alves, Geólogo, monitor de
escalada desde 1972, membro da direção da ADA Desnível
O projeto desta via era de tal modo
ambicioso para os meios disponíveis na época que a abertura da via, com mais de
200 metros, se arrastou entre maio de 1974 e junho de 1979. Idealizada por
Paulo Alves com Alexandre Lugtenburg de Garcia e José Amorim na Arrábida,
aquela que foi talvez a primeira “big wall” portuguesa, foi batizada Via Alampa
(Alex, Amorim, Paulo) decorrendo por cima do Fojo dos Morcegos.
CONQUISTA DO CUME COM SABOR AMARGO
Em 12 de Outubro, de
1975, a minha equipa, conquistava, finalmente, o tão desejado cume do Pico Cão
Grande - Dois anos sozinho, e, por fim,
nos dois anos seguintes, 73 e 75, com a
participação de dois valorosos santomenses, o Cosme Pires dos Santos e o
Constantino Bragança, além da valiosa colaboração dos guias e carregadores, do Sebastião e do Chico, atingia-se a crista de um dos mais difíceis e caprichosos
monólitos do planeta.
Foto um pouco baça e danificada mas é um belo testemunho |
LONGO PESADELO DE 38 DIAS À DERIVA
Transportado no referido
pesqueiro, o comandante, querendo
demover-me da minha aventura, e depois de eu ter recusado o trabalho a bordo, deixa-me a Norte desta ilha – Impossibilitado
de atingir a corrente que me levaria para oeste, decidi o regresso a S. Tomé, aproveitando
a direção dos ventos alíseos e das correntes, que ali convergiam, ainda unicamente para Norte do Golfo da Guiné.
Porém, nesse mesmo dia, já noite escura, um violento tornado, faz-me perder o leme, os remos principais, e, para evitar que a canoa se afundasse, arranquei as duas varas dos mastros, enrolei as velas e coloquei-os de través, sendo obrigado a alijar-me da maior parte dos viveres e a lançar ao mar os quatro bidões de água, um dos quais meio de água, mas bem arrolhado e preso a uma corda para fazer de âncora flutuante e forçar a canoa a ficar de proa à vaga e não de lado, evitando ser voltada – Mesmo assim, arrastada e fustigada por vagas alterosas, sob o estrondo de fortíssimos trovões e o rasgar de sinistros relâmpagos, as longas horas noturnas, da tão pesada e dramática tormenta, foram verdadeiramente infernais - Ao amanhecer, já não se ouvia a sinistra orquestra, porém, o mau tempo prolongar-se-ia por várias dias seguidos e com o horizonte, continuamente cerrado por neblinas ou densas nuvens. Vindo, pois, a conhecer uma longa e penosa deriva de 38 dias, até acostar a uma remota baía da Ilha de Bioko, Guiné Equatorial, onde acabaria por ser detido e encarcerado por suspeita de espionagem.
O meu espólio, até ficou
bem guardado, só, que, mais tarde, tendo pedido a um comerciante, que mo fosse
buscar a casa da minha companheira para fazer o favor de mo trazer para Portugal,
quando voltasse de férias a Portugal, sim, realmente ele foi lá a busca-lo, mas até hoje
não se dignou entregar-mo.
DONDE SOU, QUANDO PARTI
PARA S. TOMÉ E O QUE AQUI
Sou natural da aldeia de Chãs (20 de
Janeiro de 1945) do concelho de Vila Nova de Foz Côa, onde, nos últimos anos,
após ali ter descoberto, em 2002, vários alinhamentos pré-históricos, com os
equinócios e solstícios, tenho sido o responsável pela coordenação de vários
eventos culturais. Sou jornalista (da ex-Rádio Comercial RDP), tendo vivido
vários anos em São Tomé – ilha onde desembarquei, em Novembro de 1963, para um
estágio, na Roça Uba-Budo, da Companhia Agrícola Ultramarina, do meu curso de
Agente Rural, da Escola Agrícola de Santo Tirso. Várias foram as profissões que
aqui exerci, até os primeiros passos do jornalismo, assim como também muitas
foram as vicissitudes, bem como os dias mais felizes da minha vida, aqui
vividos, entre aquela distante data e Outubro de 1975, cujas histórias dariam talvez
matéria para alguns livros. Mas ficará para ocasião oportuna.
CÃO GRANDE - MONUMENTO À DIVINDADE DA
FLORESTA – E LOCAL DE REFÚGIO
Agosto -015 - Reencontro com o Cosme, em sua casa |
Cosme - A escassos metros da crista |
Agosto -2015 - Reencontro com velhos amigos |
Estas algumas das afirmações que, por várias vezes, ouvi de velhos angolares (autóctones de uma conhecida etnia fixada ao sul de S. Tomé), entre outras histórias de feitiços e de homens gabões; designação dada aos trabalhadores das roças, vindas de outras colónias, em situação de degredo ou sujeitos a contratos miseráveis, que preferiam o refúgio do interior do espesso obó ao regime brutal e de semiescravidão em que prestavam serviços nas grandes propriedades agrícolas, acabando, enfim, por ali viverem no mais completo abandono e isolamento, decididamente arredados de tudo e de todos, já que a própria condição insular do meio não lhes permitia outra alternativa.
CÃO GRANDE PICO DIFÍCIL? - Artigo
publicado na Revista Semana Ilustrada Nº 386 -
de 13 a 20 de Novembro – último artigo
- De escalada feita em Setembro ou em Outubro
1970 - princípio de uma longa caminhada |
Com o Chico - Carregador e Guia |
Da Nigéria, sou deportado para Portugal,
onde logrei arranjar umas cantoneiras numa fábrica de alumínio, com as quais ia
construir vários lanços de escadas, tendo voltado a S. Tomé, uns dias depois da
Independência, em Julho de 1975 -
Realizei várias tentativas, sendo a escada final, creio que em Setembro deste
mesmo ano.
Cão Grande Pico Difícil?
Creio firmemente que não. .A escalada ao
Pico Cão Grande, não é uma aventura impossível. Desde que o ando a tentar e isto já lá
vai em mais de quatro anos, sempre acreditei que algum dia o haveria de
escalar . Ora, esse dia, dados os últimos progressos realizados com o meu companheiro, Pires dos
Santos, julgo que poderia surgir
brevemente, hoje mesmo ou e manhã,
acaso as condições atmosféricas, que se têm feito sentir, melhorassem
completamente.
Estamos na época das chuvas e estas, de
há umas semanas para cá, não têm deixado
de cair, quase ininterruptamente naquela zona, onde, aliás chove mais durante o ano que em qualquer outra
parte.
Nov- 2014 |
Escrevia, eu em 23/8/73. Numa das páginas que guardo sobre as minhas impressões colhidas nas sucessivas escaladas que empreendo a este Pico, e em vésperas de ali me deslocar, as seguintes frases: "Escalar o Pico Cão Grande é uma tarefa muito difícil, eu sei, mas não acho impossível. No meu íntimo é quase uma certeza absoluta de que, se ainda não for desta vez, que lá vou, será por ventura noutra , mas que o hei de subir até ao cume, há-de ser um facto, uma realidade! Não tenho dúvidas. É uma questão de tempo. De saber esperar. Ah! e esperar custa realmente tanto! Tanto que até já sinto em mim uma onda de revolta, de impaciência - Por: isso, e para que esta sensação de revolta que trago comigo, não se transforme num desafio permanente, somente escalando-o e vencendo-o, ficarei descansado.
Se me perguntarem se hoje já me sinto mais
tranquilo, atendendo aos progressos alcançados, naturalmente responderei que
não. Talvez até ainda mais impaciente do que nunca, porque, quanto mais pertinho tenho estado junto do seu cume, maior tem sido o meu desejo, aliás também o do meu
companheiro, de lá fincarmos, em cima, o nosso gancho e a bandeirinha.
E certo que o Cão Grande está
praticamente escalado. Restam-nos uns escassos dez metros Os mais difíceis,
naturalmente, visto ali e parede ser completamente lisa e sem fendas e ainda dada a enorme
saliência que temos de transpor, mas
nem por isso tais obstáculos se nos
afiguram impossíveis de vencer. .A esse
ponto já lá fomos mais de meia
dúzia de vezes, tentando a sua subida,
final. Porém, lutamos sempre com dificuldades maiores às nossas possibilidades e força de vontade. Da
última vez que que lá estivemos,
íamos preparados com material e tínhamos
estudado a técnica mais adequada para o conseguirmos; devido o mau tempo que
entretanto se fez sentir, nem sequer pudemos alcançar o tal ponto máximo que
anteriormente já tínhamos atingido.
Além disso, a aliar ao insucesso que tivemos por não contarmos com o factor das condições atmosféricas, o Pires dos Santos, ficou ferido com um enorme golpe num pulso, quando empreendíamos a descida , por uma pedra que se desprendeu e o foi atingir. Devido a essa circunstancia, imprevista, a sua descida, alias a de ambos, tornou-se muito mais difícil e morosa. Comigo o perigo esteve praticamente iminente em certa altura da ascensão; escorreguei com o material que que levava e só por uma ponta do destino não me precipitei de umas duas centenas e tal de metros de altura. Mas felizmente que, não obstante aquele azar do meu companheiro, a sorte esteve mesmo assim a nosso lado.
Porém, estas contrariedades em nada nos esmoreceram, pois continuamos
firmemente decididos a prosseguir com a
nossa proeza até à sua completa realização.
Não fosse realmente a chuva que
ultimamente tem caído, já lá teríamos voltado mais uma vez. É que, para nós, a
escalada a este Pico, já é algo a que nos habitámos, sejam quais forem as dificuldades e contratempos que tenhamos
que enfrentar, nada obstará a nossa determinação, enquanto não conseguirmos o
verdadeiro ponto culminante da sua grandeza e perpendicularidade. E esse ponto
será, pois, a crista, como é bom de ver, onde jamais algum ser humano pôs os pés. Aliás, creio que
em nenhum dos pontos por onde temos
passado. Motivo este porque, em cada
meta atingida, no termo de cada obstáculo vencido, temos sentido, igualmente, a
par do enorme esforço despendido, das muitas canseiras e desperdício de
energias, uma sensação de vitória num misto de grande emotividade.
Pois, o Cão Grande, toma, de facto, dada a sua característica natureza e configuração, a forma de uma autêntica torre. Subir, pelas suas faces ou arestas lisas e escorregadias acima, é realmente obra que exige muito trabalho, perícia, assim. como também muita vontade e espírito de sacrifício. Mas também, à medida que o vamos subindo e nele ganhando a sua ascensão, parece-me que não deve haver panorâmica mais deslumbrante. A nossos pés, lá bem ao fundo, o perigo desenha-se-nos perfeitamente, também é bem certo; todavia, vale bem a pena correr-se esse e risco, já pela agradável e indescritível sensação, que se tem perante a nítida a ideia de se estar perante o centro de um grande jardim magnifico, que será, pois, toda aquela luxuriante, po1icroma e imensa floresta que ali nos rodeia.
Porém, quando o Cão Grande, de um momento
para o outro é açoitado por alguma ventania, ou, então, quando é envolvido
por espessa neblina no seu todo,
assiste-se, pois, a uma visão bem
diferente e desagradável da habitual e apodera-se do nosso espirito uma
sensação algo estranha e ameaçadora. Há
como que um vazio dentro de nós, quando
o espesso nevoeiro nos impede de
vislumbrar toda aquela lindíssima e agradável panorâmica que, entretanto, de
súbito, desaparece.
Em tempo de tempestade de chuva, quando,
sobretudo, esta nos apanha de surpresa e
nos fustiga em toda a sua intensidade, principalmente no transpor de alguma
aresta ou saliência, nessa altura, já não
é só uma sensação de vazio, é também de uma grande insegurança e de
abandono E, em tempo de calor, quando o sol incide perpendicularmente com o
vigor e fulgor de todos os seus raios, que sentimos? Como se comporta a nossa
resistência ante a inclemência do astro rei do Equador? Oh! que remédio temos
senão expormo-nos completamente ao
brilho e ao calor abrasador que irradia! Nessa altura, a sede aperta-nos e o
suor escorre e cola-nos as nossas roupas
ao corpo, roubando-nos forças e dando-nos uma evidente sensação de fraqueza,
quebrando-nos o ritmo da nossa já de
si lenta progressão.
Por isso,
nem sei quantas vezes sentimos necessidade de molharmos os lábios nos musgos ou
pequenos regatos, deliciosamente frescos, que por vezes aparecem ou correm ao
longo das rochas escuras e duras de algumas das suas reentrâncias ou declives
.Porém, tal recurso nem sempre está ao alcance, visto que às vezes é o próprio
calor a roubar-no-lo. E, então, quando, por ventura isso acontece ou a água nos
falta na nossa pequena garrafa de plástico, nessa altura, de facto, nem é bom
lembrar os momentos de secura e de mal estar por que se passa.
Mas
tudo isto faz parte da nossa aventura, ao fim ao cabo. E sem estas agruras e
vicissitudes, talvez até só a perceção do perigo e dos riscos, já não chegassem
para vivermos, como é nosso esprito de aventureiro, uma 'verdadeira escalada alpinística
.
.
Todavia, sempre que regresso do Cão
Grande, quase sempre um tanto desiludido
por não ter chegado justamente a realizar todo este meu espírito aventureiro e
ambição de ir onde nunca ninguém chegou, de atingir um ponto até agora
considerado inatingível, pergunto a mim mesmo se todas os tentativas que tenho
empreendido a este morro, se, com todos os esforços despendidos, os
inúmeros sacrifícios e riscos em que
tenho posto a minha vida, sim, se com tudo isto sou útil à sociedade, se dou alguma coisa em troca da
experiência adquirida. Sim, talvez à
primeira vista aparente que não; pois subir um monte, um pico, mais difícil ou
menos difícil que o "Cão Grande", talvez isso, ao fim e ao cabo,
pouco possa representar. Mas eu creio que em tudo isto, para além do aspeto
desportivo propriamente dito, da escalada em si, há algo mais importante. Julgo
que o seu valor está precisamente no significado que a força de vontade pode
conseguir: o querer humano sobre as adversidades.
Nov.2014 |
Cosntantino Bragança |
Constantino Bragança |
Igualmente, muito fico a dever a um outro seu conterrâneo, de nome Sebastião, que, desde a primeira hora que me dispus a subir esta pedra, me tem servido de guia e acompanhado à sua base. Sem a sua prestimosa como impagável colaboração, dificilmente teria tentado escalar o Cão Grande. O acesso é muito difícil. Da estrada, até lá, ainda é· um grande bocado através de uma floresta densa e emaranhada e onde existe a terrível cobra preta, que ele mata com muita coragem e agilidade.
Ainda a propósito da minha escalada ao Cão
Grande", às vezes já me têm dito que escalar este Pico é obra de louco! Para mais, que tal
faceta é impossível Que é muito difícil , é uma grande verdade; se assim
não fosse, claro, também já tinha sido escalado. Agora, impossível, não acho. Por outro lado, também não compreendo
porque se diz que é ideia de loucos, quem o tente subir.
Porém, onde eu acho que poderá haver
alguma razão, é não perceber ou não
aceitar as razões que me levam a escalá-lo.
Sim, porque nem eu mesmo o sei explicar.
Se me perguntarem porque ali vou, talvez· nem eu saiba dar uma resposta
convincente .Há coisas a que não se pode
responder. Esta parece-me que é uma delas. São das tais coisas que apenas se
sentem e talvez nem haja palavras, sequer, para se dar uma definição concreta
da sua razão de ser ou porque se praticam. O que eu posso dizer, e com toda a
convicção e sinceridade, é que me dá imenso prazer tentar subir uma parede que
nunca ninguém subiu, sim, enche-me de entusiasmo e até de algum orgulho . Além
do mais, posso ainda dizer, que, nas sucessivas escaladas que· tenho ali
empreendido, devido ainda ao contacto permanente com o risco, às enormes
dificuldades com que me deparo, sim,
sinto realmente que tenho modificado de certo modo a minha vida.
Aguçado, inclusivamente, a minha
sensibilidade.
Lá, naquela rocha, íngreme e escorregadia,
nas muitas noites que ali tenho passado, nos maus bocados que ali tenho vivido,
à chuva ou aos rigores do sol, tenho meditado imenso, não só em mim próprio,
como ainda aprendido a admirar a
·maravilhosa natureza que, apesar de às
vezes, como ali sucede, ser bastante
agreste e hostil, nem por isso deixa de ser bela e fascinante.
Como já disse atrás, a escalada a este
está praticamente realizada. Seria, pois, motivo para, neste momento, eu me
sentir talvez mais satisfeito, por acreditar que a vitória sobre difícil pedra, está mais próxima do que
nunca. Mas não. Apesar, de no fundo do meu coração, subsistir uma grande
esperança de poder alcançar o cume, a quase certeza de estar ao alcance das minhas
possibilidades, sinto, no entanto, uma onda de tristeza, embora também
de felicidade ao mesmo tempo. Feliz por
saber que se vence sempre quando a força de vontade não nos falece e a vitória
é decidida. E eu estou plenamente decidido e confiante para essa vitória.
Mas também profundamente tão triste por
ver o cume deste pico, simultaneamente, tão longínquo e tão perto, como um dedo
da natureza desafiando os céus. E desafiando-me, desafiando-me, mais de que
nunca. Porque vou retirar-me sem sentir o prazer imenso dessa vitória da qual tão pertinho
cheguei a estar . Porque outra paixão, muito grande. Também mesmo muito grande,
que desde há anos se arrasta, me impele que seja satisfeita. Chegou altura. Não
posso adiar mais por mais tempo. Até agora tenho adiado. Procurado realizar uma
e adiado outra. Chegou finalmente o momento de se passar o contrário. A
escalada final do Cão Grande terá que ser tentada noutra altura. Agora também o
tempo não favorece. É irresistível esta ânsia
que sinto em mim. Vou realizá-la antes que faça sofrer mais o meu
espírito.
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