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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Escalada do Pico Cão Grande, em S. Tomé – Assinalada 40 anos depois, com uma palestra, no dia 25 de Novembro, na Associação de Desportos de Aventura Desnível, Cascais, 21.30 h. – Associando-se às comemorações dos 40 anos da Independência das Ilhas do Equador





Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista, navegador solitário e líder da escalda ao pico Cão Grande, em Outubro de 1975  - Depois de ler este post, poderá também encontrar mais informação em: 4/02/2012  - Pormenores  da Escalada Vertical ao pico Cão Grande  Cão https://canoasdomar.blogspot.com/2012/02/cao-grande-em-sao-tome-grande-escalada.html - E também https://canoasdomar.blogspot.com/2020/08/pico-cao-grande-em-s-tome-epica.html 

Palestra sobre os 40 anos da escalada do Pico Cão Grande – A decorrer no  dia 25 do corrente mês, quarta-feira, pelas 21.30, em Cascais, na Casa da Gruta, Rua de São Mateus, Bairro de São José , na sede da  Associação  de Desportos de Aventura Desnível. Se puder dar-nos a honra e o prazer da sua presença, não falte, pois também poderá apreciar umas  amêndoas e uns figos,  com um saboroso moscatel 


Em 12 de Outubro, de 1975, a minha equipa, conquistava, finalmente, o tão desejado cume do Pico Cão Grande, tentado por várias equipas estrangeiras, sem êxito - Dois anos sozinho, e, por fim, de, 73 a 75, com uma equipa de valorosos santomenses - Constantino Bragança, Cosme Pires dos Santos, e os guias, Sebastião e o Chico - conquistávamos a crista de um dos mais difíceis e caprichosos monólitos do planeta.






Entrevista feita há um ano, em meados de Novembro, dias depois do meu regresso de S. Tomé, onde já não voltava há 39 anos – Diálogo com um corajoso companheiro e um grande amigo.

linkes relacionados com a escalada do Cão Grande - 




OBJETIVOS DA PALESTRA - 

Antes de mais, falar de um pico, que é  talvez único na sua forma, na sua beleza  e no seu envolvimento vegetal. uma das maiores maravilhas geológicas mundiais  E, naturalmente, recordar alguns dos momentos de um  feito, que comportou um elevadíssimo grau de  risco e dificuldades, que até hoje, ainda ninguém demonstrou ter igualado. Transmitir as recordações e o saberes dessa minha experiência aos amantes  e  admiradores da escalada.  

Sim, vou recordar-lhe uma das mais arrojadas e épicas escaladas da história do alpinismo, num tempo em que a improvisação, o engenho, a coragem e a imaginação, substituíam as atuais tecnologias.


Vou desvendar-lhe alguns dos segredos desse meu êxito pessoal e da minha equipa  - E, porque não,  revelar-lhe as patranhas, de pretensos escaladores, que tiveram honras televisivas e noticias internacionais -  Mas mentiram

De facto, o  alpinismo é um dos desportos mais arrojados e nobres, entre as várias modalidades desportivas, por isso mesmo, não só exige preparação técnica adequada, de molde a evitarem-se riscos desnecessários, como também,  qualidades humanas  de elevada craveira  - coragem, equilíbrio mental  e determinação, sentimento de lealdade e companheirismo para com os elementos da equipa, porque, a escalada, é sobretudo, um desporto de equipa. -  mas ao mesmo tempo de um grande desprendimento  e humildade - É dos tais desportos que não encaixa  no perfil dos vaidosos, desonestos ou batoteiros. 




Não se faz uma escalada, para competir seja como quem for. Não se luta contra ninguém, nem para agredir a  própria  Natureza mas para  se ir ao encontro da sua harmonia ou do  que ela tem de mais belo e  aparentemente agreste e desafiador  - Buscar o prazer  da superar o grau  de dificuldades, que a mesma se nos apresente. Não se escala uma parede aprumo   como quem  joga futebol e procura meter um golo na baliza do adversário - Mas há, no entanto, quem ouse fazer escalada, não para melhor conhecer e desafiar as suas próprias capacidades ou pelo gosto que tem pelo contato estreito  com a natureza, mas unicamente para exibir a sua vaidade e comercializar - E, então aí, vale tudo: até a batota, a desonestidade e a mentira.

Creio que que terá sido esse o espírito de uma equipa de alpinistas, que, já na primeira década deste século, veio gabar-se, para as televisões, ter sido a primeira e a única a escalar o Pico Cão Grande - Mas não é verdade.   A documentação, que exibem publicamente, além de escassa, é manifestamente contraditória. Dirigi-lhes o convite para  se fazerem representar na minha palestra - ao mesmo tempo pedindo-lhe mais informação - mas nem sequer se dignaram responder.

Claro este não é o principal objetivo dos temas que conto abordar, mas vai ser, com certeza, um dos pontos de que  - até por uma questão de verdade histórica e dever jornalístico - não deixarei de falar.   





 PALESTRA  DOS  40 ANOS SOBRE A ESCALADA DO CÃO GRANDE - OS MESMOS QUE AS COMEMORAÇÕES  DA INDEPENDÊNCIA DE S. TOMÉ E PRÍNCIPE.  


A palestra, que  vou apresentar, sobre  a conquista do lendário e mítico Pico Cão Grande  - agora em Portugal, no meu país, sim, porque,  em S. Tomé, já falei dela, quer na televisão, como através de uma exposição fotográfica - ,  direi que é também, de algum modo,  a continuação da  singela homenagem ao espírito  que presidiu às  comemorações do 40.º aniversário da Independência de São Tomé e Príncipe, no passado dia 12 de Julho, a que tive o prazer de me associar, quer  ao entusiasmo e alegria do Povo destas maravilhosas Ilhas, quer, uns dias depois, com a exposição fotográfica e documental,  Sobreviver no Mar dos Tornados", que apresentei no Centro Cultural Português, a que me deu a hora de presidir, entre outras entidades, o Sr.  Ministro da Educação, Cultura e Ciência, Olinto Daio
CÃO GRANDE É TAMBÉM UM DOS SÍMBOLOS MAIS EMBLEMÁTICOS  DA GEOGRAFIA DE S. TOMÉ 


O que dizia, em 1908,  do Pico Cão Grande e do Pico Cão Pequeno, Ezequiel Campos

O Cão Grande é  uma agulha gigantesca com mais de 350 metros de altura; é uma pedra mais alta que a Torre Eiffel!

Teríamos de multiplicar por 11 a altura do maior obelisco que saiu do Thebas, dando-lhe pouco mais de 200 metros  de diâmetro na base e 80 metros junto ao topo, de arredondar-lhe as arestas, colar-lhe uma trepadeiras nas rugosidades, dar-lhe umas asperezas na base e na superfície cilíndrica, continuar a deixá-lo bem de prumo, e teríamos mais ou menos pronto o Cão Grande. Havíamos de dobrar altura do monumento de Washington, e depois ainda fazê-lo maior, para o colocarmos a par do Cão Grande .

Esta agulha é d’uma pedra só! Quantas vezes, olhando para ela ,eu não cismei ao arranco brutal da natureza para assim a adelgaçar através do terreno, e no conjunto de forças  que sobre este e aquela  foram atuando até que a deixaram com a forma que hoje tem. - Quem me diria a mim que havia de vê-la, como enorme para-raios, fustigada pelas faíscas das terríveis tempestades do Sul da Ilha! O topo do monólito tem 673 metros de altitude. Muito mais  alto que  a serra de Sintra; a mais de um terço de altura da nossa Serra da Estrela.

É uma bela coluna. Não há menhir, nem chaminé de fábrica para se lhe pôr ao lado.
E para que a Ilha seja verde por toda a parte, até a pedra tem vegetação em grandes manchas.Apresenta-se sempre mais ou menos cilíndrica: é porém das terras do centro da Ilha, a caminho de Vila Verde, que ela é mais regular. De S. José da Praia Grande, do Novo Brasil, isto é, de sudeste da Ilha, apresenta-se com a base um tanto dilatada e com o topo mais adelgaçado.

Vê-se de todo o Sul da Ilha. É muito curioso do Cabbombley, na perspetiva da Praia Grande: são duas pontas de terra por mar  dentro, a coluna levata-se alterosa a projetar-se no mar, como se fosse um farol altíssimo.


O Cão Pequeno – É outra coluna de pedra  levantando-se oblíqua nos montes do Portinho. Tem 390 metros de altitude. Sem as dimensões imponentes e regulares do Cão Grande, não deixa de ser muito interessante: e um óculo de alcance regular nota-lhe uma pequena pedra apoiada no topo. É a marca natural das minhas referências  topográficas. Dista do Cão Grande cerca de 4.160 metros. 

ESCALADO TRÊS MESES DEPOIS DA INDEPENDÊNCIA DE S. TOMÉ E PRINCIPE



Semanas antes  da conquista do Pico Cão Grande, cheguei a sugerir ao então Primeiro Ministro Leonel D'Álva, que o Pico Cão Grande, passasse a ser chamado de Pico Independência, justamente pelo facto de acreditar, que, coincidindo  a  conquista do cume,  com o ano da Independência de S. Tomé e Príncipe, esta seria também uma forma de assinalar tão importante  acontecimento - A  sugestão acabou esquecida e a mudança de nome não se impôs. Por um lado, porque, uns dias depois da escalada final, eu partiria  de canoa para outra aventura, e,  por outro,  porque, naquela altura, estando-se, nestas maravilhosas ilhas,  ainda a dar os primeiros passos na construção de uma Pátria Soberana, Livre e  Independente, havia outras preocupações -  Mas, tradição é tradição, e, depois de já ter sido batizado de "Caralhete",  no  tempo colonial, talvez seja mesmo   preferível continuar com o mesmo nome - até porque, monumentos à independência, já existem e podem fazer-se ainda mais, o que não é possível de fazer é outro Cão Grande, como aquele.

Neste post - O reencontro com o Chico - Nov de 2014 - Carregador e Guia, com o  Sebastião - Já falecido


E, se puder, não deixe  também de estar presente nesta  palestra - A decorrer a 11 de Dezembro, sexta-feira, data da comemoração do Dia Internacional da Montanha, sob o tema: "Via Alampa, do Projecto à Realidade, na Escalada Portuguesa dos anos 70", na sede desta associação - Não falte, pois, haverá também  umas amêndoas e uns figos ao seu dispor e um saboroso moscatel - Casa da Gruta, Rua de São Mateus, Bairro de São José 2750-139 - Cascais 


Via Almpa - Década de 70

Palestra Via Alampa – Escalada nos Anos 70
Via Alampa (Arrábida), do projeto à realidade na Escalada Portuguesa dos Anos 70

Orador: Paulo Alves, Geólogo, monitor de escalada desde 1972, membro da direção da ADA Desnível

O projeto desta via era de tal modo ambicioso para os meios disponíveis na época que a abertura da via, com mais de 200 metros, se arrastou entre maio de 1974 e junho de 1979. Idealizada por Paulo Alves com Alexandre Lugtenburg de Garcia e José Amorim na Arrábida, aquela que foi talvez a primeira “big wall” portuguesa, foi batizada Via Alampa (Alex, Amorim, Paulo) decorrendo por cima do Fojo dos Morcegos.

CONQUISTA DO CUME COM SABOR AMARGO

Em 12 de Outubro, de 1975, a minha equipa, conquistava, finalmente, o tão desejado cume do Pico Cão Grande  - Dois anos sozinho, e, por fim, nos dois anos seguintes, 73 e 75,  com a participação de dois valorosos santomenses, o Cosme Pires dos Santos e o Constantino Bragança, além da valiosa colaboração dos guias e carregadores, do  Sebastião e do Chico, atingia-se a crista de um dos mais difíceis e caprichosos monólitos do planeta. 

Foto um pouco baça e danificada mas é um belo testemunho
Não disponho das imagens desse auspicioso momento – se bem que, para nós, fosse mais de pesadelo de que de alegria, dada a iminência de uma tempestade e de não termos a certeza se regressaríamos vivos ao sopé - , sim, não disponho de nenhuma fotografia desse dia, porque, uns dias depois, deixava S. Tomé a bordo do pesqueiro americano, Hornet, para ser largado, numa frágil piroga,  a sul da Ilha de Ano Bom, na corrente equatorial –  O meu espólio, até ficou bem guardado, só, que, mais tarde, tendo pedido a um comerciante, que mo fosse buscar a casa da minha companheira para fazer o favor de mo trazer para Portugal, quando aqui voltasse de férias, sim, ele foi lá a busca-lo, mas, até hoje, não se dignou entregar-mo.

  LONGO PESADELO DE 38 DIAS À DERIVA 

Transportado no referido pesqueiro, o comandante, querendo  demover-me da minha aventura, e depois de eu ter  recusado o trabalho a bordo,  deixa-me a Norte desta ilha – Impossibilitado de atingir a corrente que me levaria para oeste, decidi o regresso a S. Tomé, aproveitando a direção dos ventos alíseos e das correntes,  que ali convergiam, ainda unicamente  para Norte do Golfo da Guiné.  




Porém, nesse mesmo dia, já noite escura, um violento tornado, faz-me perder o leme, os remos principais, e, para evitar que a canoa se afundasse,  arranquei as duas varas dos mastros, enrolei as velas e coloquei-os de través, sendo obrigado a alijar-me  da maior parte dos viveres e a lançar  ao mar os quatro bidões de água, um dos quais meio de água, mas bem arrolhado e preso a uma corda para fazer de âncora flutuante e  forçar a canoa a ficar de proa à vaga e não de lado, evitando ser voltada  – Mesmo assim,  arrastada e fustigada  por vagas alterosas,  sob o estrondo de  fortíssimos  trovões e o rasgar de sinistros relâmpagos, as longas horas noturnas, da tão pesada e dramática tormenta, foram  verdadeiramente infernais   - Ao amanhecer, já não se  ouvia a sinistra orquestra, porém, o mau tempo prolongar-se-ia por várias dias seguidos e com o horizonte, continuamente cerrado por neblinas ou densas nuvens.  Vindo, pois,  a conhecer uma longa e penosa deriva de 38 dias, até acostar a uma remota baía da Ilha de Bioko, Guiné Equatorial, onde acabaria por ser detido e encarcerado por suspeita de espionagem. 

O meu espólio, até ficou bem guardado, só, que, mais tarde, tendo pedido a um comerciante, que mo fosse buscar a casa da minha companheira para fazer o favor de mo trazer para Portugal, quando voltasse de férias a Portugal, sim,  realmente ele foi lá a busca-lo, mas até hoje não se dignou entregar-mo.


DONDE SOU, QUANDO PARTI PARA S. TOMÉ E O QUE AQUI

Sou natural da aldeia de Chãs (20 de Janeiro de 1945) do concelho de Vila Nova de Foz Côa, onde, nos últimos anos, após ali ter descoberto, em 2002, vários alinhamentos pré-históricos, com os equinócios e solstícios, tenho sido o responsável pela coordenação de vários eventos culturais. Sou jornalista (da ex-Rádio Comercial RDP), tendo vivido vários anos em São Tomé – ilha onde desembarquei, em Novembro de 1963, para um estágio, na Roça Uba-Budo, da Companhia Agrícola Ultramarina, do meu curso de Agente Rural, da Escola Agrícola de Santo Tirso. Várias foram as profissões que aqui exerci, até os primeiros passos do jornalismo, assim como também muitas foram as vicissitudes, bem como os dias mais felizes da minha vida, aqui vividos, entre aquela distante data e Outubro de 1975, cujas histórias dariam talvez matéria para alguns livros. Mas ficará para ocasião oportuna.

CÃO GRANDE - MONUMENTO À DIVINDADE DA FLORESTA – E LOCAL DE REFÚGIO




Agosto -015 - Reencontro com o Cosme, em sua casa 
Cosme - A escassos metros da crista
Cão grande não é Pico! É cabeça de bicho, senhor!...Quem subir ele, morre ou então tem poder no seu corpo!...

Agosto -2015 - Reencontro com velhos amigos 

Estas algumas das afirmações que, por várias vezes, ouvi de velhos angolares (autóctones de uma conhecida etnia fixada ao sul de S. Tomé), entre outras histórias de feitiços e de homens gabões; designação dada aos trabalhadores das roças, vindas de outras colónias, em situação de degredo ou sujeitos a contratos miseráveis, que preferiam o refúgio do interior do espesso obó ao regime brutal e de semiescravidão em que prestavam serviços nas grandes propriedades agrícolas, acabando, enfim,  por ali viverem no mais completo abandono e isolamento, decididamente arredados de tudo e de todos, já que a própria condição insular do meio não lhes permitia outra alternativa.

CÃO GRANDE PICO DIFÍCIL? - Artigo publicado na Revista Semana Ilustrada Nº 386 -  de 13 a 20 de Novembro – último artigo  - De escalada  feita  em Setembro ou em Outubro

1970 - princípio de uma longa caminhada
Com o Chico - Carregador e Guia 
Neste artigo, na parte final  eu explico as razões pelas quais resolvo adiar a escalada  - Tratava-se da viagem clandestina à Nigéria, que acabaria por fazer em Março de 1975 – Em que eu digo: “vou retirar-me sem sentir o prazer   imenso dessa vitória da qual tão pertinho cheguei a estar . Porque outra paixão, muito grande. Também mesmo muito grande, que desde há anos se arrasta, me impele que seja satisfeita. Chegou altura. Não posso adiar mais por mais tempo. Até agora tenho adiado. Procurado realizar uma e adiado outra”
Da Nigéria, sou deportado para Portugal, onde logrei arranjar umas cantoneiras numa fábrica de alumínio, com as quais ia construir vários lanços de escadas, tendo voltado a S. Tomé, uns dias depois da Independência, em Julho de 1975  - Realizei várias tentativas, sendo a escada final, creio que em Setembro deste mesmo ano.

Cão Grande Pico Difícil?

Creio firmemente que não. .A escalada ao Pico Cão Grande, não é uma aventura impossível. Desde que o ando a tentar  e isto já lá  vai em mais de quatro anos, sempre acreditei que algum dia o haveria de escalar . Ora, esse dia, dados os últimos progressos  realizados com o meu companheiro, Pires dos Santos, julgo que  poderia surgir brevemente,  hoje mesmo  ou e manhã,  acaso as condições atmosféricas, que se têm feito sentir, melhorassem completamente.

Estamos na época das chuvas e estas, de há  umas semanas para cá, não têm deixado de cair, quase ininterruptamente naquela zona, onde, aliás chove  mais durante o ano que em qualquer outra parte.


Nov- 2014 

Escrevia, eu em 23/8/73. Numa das páginas que guardo  sobre as minhas impressões colhidas nas sucessivas escaladas que empreendo a este Pico, e em vésperas de ali me deslocar, as seguintes  frases: "Escalar o Pico Cão Grande é uma tarefa muito difícil, eu sei, mas não acho impossível. No meu íntimo é quase  uma certeza absoluta de que, se ainda não for desta vez, que lá vou, será por ventura noutra , mas que o hei de subir até ao cume,  há-de ser um facto, uma  realidade! Não tenho dúvidas. É uma questão de tempo. De saber esperar. Ah! e esperar custa realmente tanto! Tanto que até já sinto em mim uma onda de revolta, de impaciência - Por: isso, e para que esta sensação de revolta que trago comigo, não se transforme num desafio permanente, somente escalando-o e vencendo-o, ficarei descansado.

Se me perguntarem se hoje já me sinto mais tranquilo, atendendo aos progressos alcançados, naturalmente responderei que não. Talvez até ainda mais impaciente do que nunca, porque,  quanto mais pertinho tenho estado  junto do seu cume, maior  tem sido o meu desejo, aliás também o do meu companheiro, de lá fincarmos, em cima, o nosso gancho  e a bandeirinha.

E certo que o Cão Grande está praticamente  escalado. Restam-nos  uns escassos dez metros Os mais difíceis, naturalmente, visto ali e parede ser completamente lisa e  sem fendas e ainda dada a enorme saliência   que temos de transpor, mas nem por isso tais obstáculos  se nos afiguram impossíveis de vencer. .A esse  ponto já lá fomos  mais de meia dúzia  de vezes, tentando a sua subida, final. Porém, lutamos sempre com dificuldades maiores às  nossas possibilidades e força de vontade. Da última  vez que que lá estivemos, íamos  preparados com material e tínhamos estudado a técnica mais adequada para o conseguirmos; devido o mau tempo que entretanto se fez sentir, nem sequer pudemos alcançar o tal ponto máximo que anteriormente  já tínhamos atingido.


Além disso, a aliar ao insucesso que tivemos por não contarmos com o factor das condições atmosféricas, o Pires dos Santos, ficou ferido com um enorme golpe num pulso, quando empreendíamos a descida , por uma pedra que se desprendeu e o foi atingir. Devido a essa circunstancia, imprevista, a  sua descida, alias a de ambos, tornou-se  muito mais difícil e morosa. Comigo o perigo esteve praticamente iminente em certa altura  da ascensão; escorreguei  com o material que  que levava e só por uma ponta do destino não me precipitei de umas duas centenas  e tal de metros de altura. Mas felizmente que, não obstante aquele azar do meu companheiro,  a sorte esteve mesmo assim a nosso lado.

Porém, estas contrariedades  em nada nos esmoreceram, pois continuamos firmemente  decididos a prosseguir com a nossa proeza até à sua completa realização.

Não fosse realmente a chuva que ultimamente tem caído, já lá teríamos voltado mais uma vez. É que, para nós, a escalada a este Pico, já é algo a que nos habitámos, sejam quais forem  as dificuldades e contratempos que tenhamos que enfrentar, nada obstará a nossa determinação, enquanto não conseguirmos o verdadeiro ponto culminante da sua grandeza e perpendicularidade. E esse ponto será, pois, a crista, como é bom de ver, onde jamais algum  ser humano pôs os pés. Aliás, creio que em  nenhum dos pontos por onde temos passado. Motivo este porque,  em cada meta atingida, no termo de cada obstáculo vencido, temos sentido, igualmente, a par do enorme esforço despendido, das muitas canseiras e desperdício de energias, uma sensação de vitória num misto de grande emotividade.


Pois, o Cão Grande, toma, de facto, dada a sua característica natureza e configuração, a forma de uma autêntica torre. Subir, pelas suas faces ou arestas lisas e escorregadias acima, é realmente obra que exige muito trabalho, perícia, assim. como também muita  vontade e espírito de sacrifício. Mas também, à medida que o vamos subindo e nele ganhando a sua ascensão, parece-me que não deve haver panorâmica mais deslumbrante. A nossos pés,  lá bem ao fundo, o perigo desenha-se-nos perfeitamente, também é bem certo; todavia, vale bem a pena correr-se esse e risco, já pela agradável e indescritível sensação,  que se tem perante a nítida a ideia de se estar perante o centro de um grande jardim magnifico, que será, pois, toda aquela luxuriante, po1icroma e imensa  floresta que ali nos rodeia.

Porém, quando o Cão Grande, de um momento para o outro é açoitado por alguma ventania, ou, então, quando é envolvido por  espessa neblina no seu todo, assiste-se, pois,  a uma visão bem diferente e desagradável da habitual e apodera-se do nosso espirito uma sensação algo estranha e ameaçadora.  Há como que um vazio  dentro de nós, quando o  espesso nevoeiro nos impede de vislumbrar toda aquela lindíssima e agradável panorâmica que, entretanto, de súbito, desaparece.

Em tempo de tempestade de chuva, quando, sobretudo,  esta nos apanha de surpresa e nos fustiga em toda a sua intensidade, principalmente no transpor de alguma aresta ou saliência, nessa altura, já não  é só uma sensação de vazio, é também de uma grande insegurança e de abandono E, em tempo de calor, quando o sol incide perpendicularmente com o vigor e fulgor de todos os seus raios, que sentimos? Como se comporta a nossa resistência ante a inclemência do astro rei do Equador? Oh! que remédio temos senão expormo-nos completamente  ao brilho e ao calor abrasador que irradia! Nessa altura, a sede aperta-nos e o suor escorre e  cola-nos as nossas roupas ao corpo, roubando-nos forças e dando-nos uma evidente sensação de fraqueza, quebrando-nos o    ritmo da nossa já de si lenta progressão.

Por isso,  nem sei quantas vezes sentimos necessidade   de molharmos os lábios nos musgos ou pequenos regatos, deliciosamente frescos, que por vezes aparecem ou correm ao longo das rochas escuras e duras de algumas das suas reentrâncias ou declives .Porém, tal recurso nem sempre está ao alcance, visto que às vezes é o próprio calor a roubar-no-lo. E, então, quando, por ventura isso acontece ou a água nos falta na nossa pequena garrafa de plástico, nessa altura, de facto, nem é bom lembrar os momentos de secura e de mal estar por que se passa.

 Mas tudo isto faz parte da nossa aventura, ao fim ao cabo. E sem estas agruras e vicissitudes, talvez até só a perceção do perigo e dos riscos, já não chegassem para vivermos, como é nosso esprito de aventureiro,  uma 'verdadeira escalada alpinística
Todavia, sempre que regresso do Cão Grande, quase sempre  um tanto desiludido por não ter chegado justamente a realizar todo este meu espírito aventureiro e ambição de ir onde nunca ninguém chegou, de atingir um ponto até agora considerado inatingível, pergunto a mim mesmo se todas os tentativas que tenho empreendido a este morro, se, com todos os esforços despendidos, os inúmeros  sacrifícios e riscos em que tenho posto a minha vida, sim, se com tudo isto sou útil à  sociedade, se dou alguma coisa em troca da experiência adquirida. Sim,  talvez à primeira vista aparente que não; pois subir um monte, um pico, mais difícil ou menos difícil que o "Cão Grande", talvez isso, ao fim e ao cabo, pouco possa representar. Mas eu creio que em tudo isto, para além do aspeto desportivo propriamente dito, da escalada em si, há algo mais importante. Julgo que o seu valor está precisamente no significado que a força de vontade pode conseguir: o querer humano sobre as adversidades.

Nov.2014
Eis porque tenho tentado. Tentado sempre. Já  há mais de quatro anos que me encontro empenhado nesta árdua como arriscada empresa. E será muito difícil desistir entretanto. Desde o principio deste ano, tenho ido acompanhado. Antes, as minhas escaladas, eram solitárias. Porem. Reconhecendo que era trabalho extremamente difícil para mim, que ia mesmo além  das minhas possibilidades, ir sozinho, resolvi arranjar um companheiro. E tive sorte., nessa escolha, posso dizê-lo com franqueza. A pessoa escolhida foi o Cosme  Pires dos Santos Para mim é apenas o Cosme, assim como para ele sou apenas o Jorge. Contrariamente à minha pessoa,  tem já as suas responsabilidades familiares, pois tem mulher e um filho a seu cuidado. É natural da Ilha de S. Tomé, da Vila da Trindade. Tem-se revelado um companheiro extraordinário e com qualidades excecionais para a prático do montanhismo. Diz desenvolveu esse  gosto, nos domingos, em que vai à pesca, a subir e a descer  as escarpas, ao longo da praia, na pesca à linha ou ao gancho. À sua valiosa  colaboração, ficam-se a dever muitos dos êxitos já alcançados naquela pedra, que, pela sua  grandeza e verticalidade, é de facto uma autêntica vertigem, um autêntico monumento à natureza,  por sinal, ali bem pródiga.

Cosntantino Bragança 
Constantino Bragança

Igualmente, muito fico a dever a um  outro seu conterrâneo, de nome  Sebastião, que,  desde a primeira hora que me dispus a subir esta pedra,  me tem servido de guia e acompanhado à sua base. Sem a sua prestimosa como impagável colaboração, dificilmente teria tentado escalar o Cão Grande. O acesso é muito difícil. Da estrada, até lá,  ainda é· um grande bocado através de uma floresta densa  e emaranhada e onde existe a terrível cobra preta, que ele mata com muita coragem e agilidade.

Ainda a propósito da minha escalada ao Cão Grande", às vezes já me têm dito que escalar este  Pico é obra de louco! Para mais, que tal faceta é impossível Que é muito difícil , é uma grande verdade; se assim não  fosse, claro,  também já tinha sido escalado. Agora,  impossível, não  acho. Por outro lado, também não compreendo porque se diz que é ideia de loucos, quem o tente subir.

Porém, onde eu acho que poderá haver alguma razão, é não perceber  ou não aceitar as razões que me levam a escalá-lo.  Sim, porque nem eu mesmo o sei explicar.  Se me perguntarem porque ali vou, talvez· nem eu saiba dar uma resposta convincente .Há  coisas a que não se pode responder. Esta parece-me que é uma delas. São das tais coisas que apenas se sentem e talvez nem haja palavras, sequer, para se dar uma definição concreta da sua razão de ser ou porque se praticam. O que eu posso dizer, e com toda a convicção e sinceridade, é que me dá imenso prazer tentar subir uma parede que nunca ninguém subiu, sim, enche-me de entusiasmo e até de algum orgulho . Além do mais, posso ainda dizer, que, nas sucessivas escaladas que· tenho ali empreendido, devido ainda ao contacto permanente com o risco, às enormes dificuldades com que me deparo, sim,  sinto realmente que tenho modificado de certo modo a minha vida. Aguçado, inclusivamente,  a minha sensibilidade.

Lá, naquela rocha, íngreme e escorregadia, nas muitas noites que ali tenho passado, nos maus bocados que ali tenho vivido, à chuva ou aos rigores do sol, tenho meditado imenso, não só em mim próprio, como ainda aprendido  a admirar a ·maravilhosa natureza que,  apesar de às vezes, como ali sucede, ser bastante  agreste e hostil, nem por isso deixa de ser bela e fascinante.

Como já disse atrás, a escalada a este está praticamente realizada. Seria, pois, motivo para, neste momento, eu me sentir talvez mais satisfeito, por acreditar que a vitória  sobre difícil pedra, está mais próxima do que nunca. Mas não. Apesar, de no fundo do meu coração, subsistir uma grande esperança de poder alcançar o cume, a quase certeza  de estar ao alcance  das minhas  possibilidades, sinto, no entanto, uma onda de tristeza, embora também de felicidade  ao mesmo tempo. Feliz por saber que se vence sempre quando a força de vontade não nos falece e a vitória é decidida. E eu estou plenamente decidido e confiante para essa vitória.

Mas também profundamente tão triste por ver o cume deste pico, simultaneamente, tão longínquo e tão perto, como um dedo da natureza desafiando os céus. E desafiando-me, desafiando-me, mais de que nunca. Porque vou retirar-me sem sentir o prazer   imenso dessa vitória da qual tão pertinho cheguei a estar . Porque outra paixão, muito grande. Também mesmo muito grande, que desde há anos se arrasta, me impele que seja satisfeita. Chegou altura. Não posso adiar mais por mais tempo. Até agora tenho adiado. Procurado realizar uma e adiado outra. Chegou finalmente o momento de se passar o contrário. A escalada final do Cão Grande terá que ser tentada noutra altura. Agora também o tempo não favorece. É irresistível esta ânsia  que sinto em mim. Vou realizá-la antes que faça sofrer mais o meu espírito.

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