Jorge Trabulo Marques e António Ramos Rosa - Numa de flagrante delito num pequeno bar perto da casa onde resistia, na avenida barbosa do Bocage
Disponho de bonitas fotografias do amável e distinto casal - Entrevistei, António Ramosa, pela primeira, quando esteve internado num Hospital, após o que me receberia várias vezes no seu lar e, mais tarde, no internamento da Residência Mantero, tendo-lhe transcrito vários poemas de rascunho ou mesmo gravados, que acabava de criar, a letra de imprensa pelo meu computador - Este o meu CONVITE (A)MAR – Que de seguida mereceria a resposta de António Ramos Rosa
Ó poetas!
Sonhadores de ilusões e mistérios
Vinde pelo mar em frente!
Solitários ou com outra gente!
Vinde ver o mar!
Aqui há sombras de pasmar
Silêncios infinitos
Vozes a falar de abismos
Chamamentos ocultos
Gargalhadas, risos,
Delírios! Loucuras e gritos!
Marulhos a ressoar
Explosões, estrondos de atordoar
Espaços puros, abertos!
Fumos, nevoeiros etéreos!
Vastos desertos de embriagar os sentidos.
- Poetas! Vós que amais o mar
Vinde, vinde ao mar!
Jorge Trabulo Marques
Vinde ver a frondosa fronte do mar
A sua violência verde, os seus turbilhões brancos.
Vinde ver os deuses que ainda não morreram,
com a sua nudez de vagas harmoniosas,
De sinfonias ondulantes, de lamentos tumultuosos.
Vinde ver o que ainda está vivo com as suas artérias,
As suas extensas planuras com vagarosas luas.
Vinde ver a escultura monótona e brilhante
Das suas águas primitivas com seus peixes luxuriantes.
Esta é a plenitude da lava, da limpidez do sémen
Do mundo, a vivacidade das aéreas áreas
Que se inscrevem nas águas com a vibração primeira
Dos primeiros pés virgens que sulcaram as ondas.
Quem poderá esquecer essas panteras fugidias
Que ondulam, como luas nas faixas da água?
Só no mar o sol é sorriso do ocidente
E nele mergulha o azul com a lentidão de um astro.
Vinde, vinde ver o reino que ainda existe
Que se respira a luminosa esteira dos deuses.
António Ramos Rosa - 30.01.95
Tua exigência extrema não tem comum medida
com esquemas intermédios;
não pode acomodar-se à vida por metade.
Tudo ou nada. E a vida se te impõe
em intensidade e risco, na vertingem do abismo:
porque tocas o abismo quando o fruis
em inultrapassável densidade;
quando já nada pode separar-te
dos soltos elementos; a voz da tua voz.
Um só furor; a mesma plenitude.
Uma só descoberta: quanto em ti próprio és
toda a potência cósmica em desmesura.
Na dimensão do excesso a vida em ti se cumpre.
Mareante nostálgico da aventura ancestral,
em gesta solitária ( e os rudimentares aprestos
que te bastam em teu despojamento
- superando-te ante adversas forças)
ao recriares em ti o “mundo novo”
buscas ainda do instrante o último limite.
Agripina Costa Marques
12.08.
António Ramos Rosa, -“Destacado poeta e crítico português
nascido em Faro em 1924. Foi militante do MUD (Movimento de União Democrática)
e conheceu a prisão política. Trabalhou como tradutor e professor, tendo sido
um dos diretores de revistas literárias como Árvore e Cassiopeia. O seu primeiro livro de poesia, O Grito Claro, foi publicado em 1958. A sua obra poética ultrapassa os
cinquenta títulos. É ainda autor de ensaios, entre os quais se salienta A Poesia Moderna e a Interrogação do Real (1979-1980). Em 1988 foi distinguido com o Prémio
Pessoa. Faleceu em setembro de 2013. Pormenores
em https://www.infopedia.pt/$antonio-ramos-rosa
Agripina Costa Marques, felizmente, ainda continua viva- Também ela autora de belos poemas, Entre os quais, Ciclos, Fragmentos, Idades, que, segundo, já foi sublinhado, se inscrevem justamente na categoria desses livros que, pela sua rareza, reinventa a literatura e a poesia.
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