Jorge Trabulo Marques - Jornalista
Tive a honra de o entrevistar em São Tomé, de testemunhar uma das suas decisões mais corajosas, de por isso mesmo lhe dar o meu apoio e de ser seu amigo -António Elísio Capelo Pires Veloso, nasceu em Gouveia, 10 de agosto de 1926 e faleceu no Porto, em 17 de agosto de 2014, no Hospital Militar, vitima de um acidente vascular
Se há um governante, do período colonial, que não pode ser esquecido, em S. Tomé e Príncipe, ele é o General Pires Veloso, que, mais tarde, em Portugal, passaria a ser conhecido por Vice-Rei do Norte – Igualmente pelas mesmas razões: por ter evitado uma guerra civil, quer, quando ali foi colocado como Governador e Alto Comissário, quer, após o seu regresso a Portugal, na qualidade de Comandante da Região Militar do Norte, como um dos protagonistas do 25 de Novembro de 1975, que pôs fim ao Verão Quente e ao PREC.
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Sem a sua intervenção, sensata, ponderada e inteligente, dificilmente teria deixado de haver um segundo banho de sangue naquela Ilha – Já o disse numa postagem, publicada aqui neste site, de que não retiro uma linha, da qual transcrevo alguns excertos.
No dia do lançamento do Livro Vice-Rei do Norte |
O GENERAL PIRES VELOSO (ENTÃO TENENTE-CORONEL) AGIU BEM, AO OBRIGAR, RICARDO DURÃO (DA MESMA PATENTE E ATUAL GENERAL) A NÃO SAIR DO AEROPORTO E A VOLTAR NO MESMO AVIÃO A PORTUGAL -
ATITUDE SENSATA E INTELIGENTE – – Talvez mais grave que o massacre de 3 a 7 de Fevereiro de 1953 (muito antes da guerra colonial), levado a cabo por milícias, fortemente armadas, dirigidas pelo próprio governador, Carlos Gorgulho, constituídas por colonos, militares e alguns serviçais, que os roceiros e governo, atiraram contra os naturais da Ilha. Só pelo facto de se recusarem ao trabalho forçado nas obras públicas e nas grandes plantações do cacau e café. Houve quem reagisse e, não tardou, que um caso isolado, fosse tomado por "rebeldes" de uma "revolta comunista"
PIRES VELOSO, EVITOU UM BANHO DE SANGUE – E reforçou a confiança nos dirigentes nacionalistas
Mal me apercebi da sua presença, e, vendo-o de camuflado, semblante sisudo, pressenti imediatamente que não vinha para fazer coisa boa. Não chegara a passar para o exterior do aeroporto: estava sozinho, junto a uma porta fechada, do lado direito do edifício, voltada a sul e nos limites ainda da área reservada.
Eu costumava ali ter acesso para ir buscar o volume das revistas que a redação me enviava semanalmente, de Luanda.. E, ao regressar, foi quando me apercebi da sua presença - Estava nitidamente com olhar de caso: “Passa-se alguma coisa, Sr. Tenente-Coronel?! - Esboça uma sorriso amarelo e diz: “Não, obrigado!..Não há problema nenhum!!... Vim cá só a passear!.. E não estou autorizado, não sei porquê!.... Que eu saiba, a Ilha ainda não é dos pretos."” – Vi logo que havia por ali tentativa de golpaça e não insisti. Pires Veloso Governador de S. Tomé e Príncipe, alertado para a sua presença, trocou-lhe as voltas. Obrigando-o a regressar no mesmo avião. E lá foi de volta o grandalhão oficial com uma verdadeira chapada sem dor, mas com muita humilhação e muito bem dada!
Pena terem deixado degradar as instalações das roças |
No seu livro de memórias ( “Vice-Rei do Norte - Memórias e Revelações) o agora General Pires Veloso, faz uma breve referência, mas é omisso em apontar o nome do oficial - Diz apenas o seguinte: “Sentindo que a minha atitude em recusar receber um oficial superior, enviado especial do Presidente da República, general Spínola – que fiz regressar no mesmo avião que havia trazido, sem o ouvir – havia obtido a aprovação entre os meus adversários, sabia ter conseguido com isso algum crédito.”
Sem dúvida, um procedimento sensato e inteligente de Pires Veloso; de outro modo, dificilmente apaziguaria as tensões existentes entre colonos e os dirigentes da Associação Cívica. Porque, o mais certo, era que os colonos (sentindo-se encorajados e comandados) passassem deliberadamente ao ataque, podendo desencadear a contra-revolução, de imprevisíveis consequências.
2015 - |
O então Tenente-Coronel Ricardo Durão (hoje general) – homem forte do Comando Militar de S. Tomé e Príncipe não esperava que, o brioso oficial Pires Veloso, lhe desse uma grande tapona.
Peão de confiança de Spínola (não entrara na aventura contra-revolucionária spinolista de11 de Março de 1975 , porque não calhou, tal como outros, que viram o tapete sair-lhes dos pés .
O ex-comandante do Comando Territorial Independente de São Tomé e Príncipe (CTISTP), conhecia bem o arquipélago, as roças e os roceiros, com os quais convivera em altas jantaradas e almoçaradas, nas sedes das administrações: pois era já um costume enraizado que a elite económica, há muito, mantinha com a tropa. Mas, agora, de certeza que não vinha com esse propósito – Os tempos eram de revolução. E os roceiros opunham-se ostensivamente! Já tinham invadido o Palácio do Governo e dir-se-ia que só faltava pegarem nas armas que possuíam nas arrecadações. O que não dispunham era de quem os apoiasse ou de um comando operacional. Supõe-se que deveria ser a missão que trazia na manga o velho amigo das altas comezanas e das festanças.de fatiota branca. Só que nem sequer chegou a sair da gare do aeroporto.. Saiu-lhe o tiro pela culatra - E ainda bem:
2014 |
O bom senso de Pires Veloso, uma vez mais esteve à altura das suas responsabilidades, evitando mais uma enorme confusão - Ah, sim, não tenho a menor dúvida, teria havido muitas mortes em São Tomé: de parte a parte, eu seria uma delas. - Fui tomado pelos colonos como o bode expiatório de todos os problemas. E a única arma que dispunha era a máquina de escrever, que ma escaqueiraram por completo, - Tive de pedir uma emprestada a pessoa amiga. Sabe Deus as adversidades por que então passei para poder continuar a enviar os meus trabalhos jornalísticos para a revista Semana Ilustrada, em Luanda.
“Sentindo que a minha altitude em recusar receber um oficial superior, enviado especial do Presidente da República, general Spínola – que fiz regressar no mesmo avião que o havia trazido, sem o ouvir - havia obtido a aprovação entre os meus adversários, sabia ter conseguido com isso algum crédito"
2019 |
"Aproveitando esse crédito, organizei uma reunião, no Palácio do Governo, com dirigentes da Associação Cívica para tratar do assunto das armas da Organização Provincial dos Voluntários"
Tentei convencê-los a serem eles próprios fazerem a entrega dessas armas no Quartel-General, o que fizeram, nesse mesmo dia.
Poderá imaginar a sensação de alívio e bem-estar quando, ao cair da tarde, o coronel Cardoso do Amaral, me comunicou que tudo tinha corrido muito bem e que o armamento havia sido recebido!
Foi uma fase no processo da descolonização, decisiva e marcante, fundamentalmente porque havia conseguido, além do controlo de grande quantidade de armas dispersas pelo Território, ter as Forças Armadas disciplinadas, para além de um entendimento com respeito e confiança mútos entre autoridades portuguesas, dirigentes do MLSTP, Associação Cívica e população em geral”
(...) nós tudo procurámos fazer para que a passagem de S. Tomé e Príncipe, de colónia a pais independente, se fizesse com suavidade, tolerância, compreensão, ora criando um mínimo de estruturas que ajudassem ao funcionamento de uma nova Democracia, ora denunciando erros e, na medida do possível, corrigindo-os do passado.
“Porém, esta minha atitude de tolerância” – refere o agora General Pires Veloso - , “compreendendo o estado de uma larguíssima maioria do povo (que não pensava noutra coisa que não fosse a Independência Imediata), fechando os olhos, por vezes, a pequenos incidentes provocatórios e procurando o diálogo, não foi bem aceite por algumas centenas de brancos ainda no Território.
Confusos, não tendo entendido bem quão profunda havia sido a revolução de 25 de Abril, um dia invadiram o Palácio querendo falar comigo.
Em tom de crítica, acusaram-me de actuar como um verdadeiro Governador, ser mole demais, sem capacidade de decisão e pedindo protecção para essa noite, pois tinham informações de que os pretos iam massacrá-los.
Tranquilizei-os na medida do possível, garantindo-lhes que eu, nessa noite, pessoalmente, iria patrulhar a cidade, o que fiz, conduzindo um VW, por vezes acompanhado com o meu ajudante de campo.
Nas casas dos portugueses não apagaram as luzes e, quando ouviam o motor do meu carro (era o único a circular), abriam a janela. Eu dava-lhes a Boa-Noite e eles correspondiam.
Preservar o nome e a presença de Portugal
Viveu-se então a fase final do processo, em ambiente de boas relações entre autoridades portuguesas e são-tomenses, num clima de tranquilidade e compreensão, que culminou, a 12 de Julho, com uma festa de dignidade ímpar, com um respeito total entre todos”.
O ex-comandante do Comando Territorial Independente de São Tomé e Príncipe (CTISTP), conhecia bem o arquipélago, as roças e os roceiros, com os quais convivera em
em opíparas comezanas, na Casa Grande, nas residências dos administradores. - Spínola, não queria a independência desta ex-colónia, alegando que as ilhas estavam desertas, quando foram descobertas pelos portugueses (estafado argumento para justificar o domínio sobre as populações autóctones), tendo-o enviado com a missão de se juntar aos roceiros e liderar um golpe contra-revolucionário.
em opíparas comezanas, na Casa Grande, nas residências dos administradores. - Spínola, não queria a independência desta ex-colónia, alegando que as ilhas estavam desertas, quando foram descobertas pelos portugueses (estafado argumento para justificar o domínio sobre as populações autóctones), tendo-o enviado com a missão de se juntar aos roceiros e liderar um golpe contra-revolucionário.
Mas não chegou sequer a transpor a alfândega do aeroporto. Teve de aguardar, junto à aerogare, mas do lado voltado para a pista e fora das vistas do público, até que fosse recambiado no mesmo avião. Humilhação bem feita e à altura das circunstâncias.
Desta vez não vinha de farda branca, como era costume pavonear-se pelas roças nos jipes dos patrões. E nas suas jantaradas. Envergava o camuflado de operacional. Vinha pronto para liderar a revolta. Cumprimentei-o e perguntei-lhe o que se passava - pois vi logo, pela sua cara e traje, que havia ali sinais de golpada à vista.
Ele conhecia-me, sabia bem que eu não estava do lado da sua barricada e foi parco de palavras. Que eu saiba, até hoje, o caso nunca chegou a ser notícia. E tão pouco a informação foi conhecida naquele momento pelos nacionalistas (mas foram informados, ainda nesse dia) pois, se o vissem por lá, teria havido, logo ali, uma grande confusão...E talvez tivesse sido ele a primeira vítima. A aerogare estava cheia de gente, era dia de "São Avião!". Da maneira que andavam os ânimos tensos, de certeza que não se safava de um valente aperto.
Simpático com a burguesia roceira, que o obsequiara, na sede das administrações, na "Casa do Patrão" ao pomposo velho estilo colonial - cínico com quem lhe conviesse, e, nos meios do exército, era tido como um duro... Amedalhado por "altos feitos" pela sua manifesta lealdade ao império colonial, via-se que era dos tais que não deixava os seus créditos entregues por mãos alheias. Os roceiros, haviam-no obsequiado com lautos banquetes e ele não lhes queria ser ingrato. O que não toleravam é que os defensores do 25 de Abril, lhes falassem em independência e em liberdades democráticas. Certamente que eu teria sido um dos que fazia parte das suas listas, dos traidores e indesejáveis brancos a abater. Já em Lisboa, não podia passar frente ao Bar PIC NIC no Rossio. - Ponto de encontro dos colonos mais reacionários.
Um dia, uma dúzia deles, apanharam-me no Metro e voltaram agredir-me traiçoeiramente, como se estivessem na selva em São Tomé. Tal como fizeram na então chamada "Praça de Portugal", quando me dirigia a minha casa, por volta das oito da noite. Aguardavam-me emboscados no interior de um carro estacionado. Não havia luz na cidade, e, mal me viram, encadearam-me com os faróis e atiraram-se a mim como lobos. Tendo-me deixado, quase morto e prostrado no asfalto.
Não me mataram, porque, entretanto, viram os faróis de outro carro e puseram-se na alheta. Noutra ocasião, arrombaram-me a casa, escaqueiraram com todas as minhas coisas e puseram-me uma forca pendurada à entrada da porta. Por duas vezes, furaram-me à navalhada os pneus dos meu carro. Entre outras patifarias.
SORTE PARA O POVO SANTOMENSE E PARA O PRÓPRIO LÍDER DO ABORTADO GOLPE CONTRA-REVOLUCIONÁRIO
Se, Ricardo Durão (agora general) ou algum militar aceitasse comandar os roceiros, como aconteceu no Batepá, teria sido uma mortandade, talvez ainda maior!... Milhares de santomenses teriam sido baleados!... Até porque muitos dos implicados naquele massacre, ainda por lá por lá se passeavam à vontade...
Pessoalmente, também achei prudente não lançar o alerta, sobre a presença de Ricardo Durão, uma vez que ia ser recambiado. Não havia interesse em gerar mais tensões das que já existiam. Teve sorte.. E também o povo de santomense, que se livrou de uma séria ameaça à sua integridade. Teria havido muitos mártires!...E já bastava de sangue derramado por séculos de colonização.
Pirou-se, quase da mesma forma que o Zé Mulato, o capataz do sinistro campo da morte de Fernão Dias, outro dos grandes assassinos no massacre do Batepá, que, para não se expor a eventuais represálias, teve de embarcar para a terra do seu pai (antigo colono, natural da região de Viseu), tendo entrado no aeroporto pela porta do "cavalo" disfarçado com a sua fatiota azul de carpinteiro.
Quando alertei Pires Veloso, da presença do inesperado oficial, ele já lhe tinha dado instruções para regressar no mesmo voo. "Já sei que ele aí está: vai já no mesmo avião. Não se preocupe".
Quando alertei Pires Veloso, da presença do inesperado oficial, ele já lhe tinha dado instruções para regressar no mesmo voo. "Já sei que ele aí está: vai já no mesmo avião. Não se preocupe".
O movimento pró-independentista apreciou atitude do Governador, que até então não acreditava nas boas intenções de Pires Veloso, pois via-o com desconfiança - Os santomenses olhavam os militares portugueses, como tropa de domínio colonial. Porém, a partir daquela altura, o Governador passou a ser visto como um dos seus e com outros olhos. No seu livro “Vice-Rei do Norte - Memórias e Revelações, o agora General Pires Veloso, faz uma breve referência, mas, como atrás referi, é omisso em apontar o nome do oficial - E alude também à inesperada invasão dos colonos ao Palácio do Governo -
PIRES VELOSO, O GOVERNADOR CERTO PARA LEVAR A CABO – E PACIFICAMENTE - UM PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA, QUE COMEÇARA DA FORMA MAIS TENSA E ATRIBULADA
Repito: não fosse a serenidade, firmeza e sensatez de Pires Veloso, nem quero imaginar o que poderia ter acontecido! Não se constava que algum negro tivesse molestado fisicamente qualquer branco! Mas, de facto, havia colonos que continuavam a agir como se nada tivesse mudado. A palavra independência era algo impensável e que lhes custava admitir.
Os roceiros estavam fortemente armados e constituíam uma séria ameaça! Nas propriedades agrícolas, havia muitas armas: as velhas Mauseres, que foram usadas pela infantaria Nazi. Com as quais, os colonos, habitualmente se treinavam.
Também eu, aos 18 anos, fui obrigado a participar, nesses treinos, quando para ali fui estagiar na Roça Uba-Budo, num campo de tiro ao alvo, situado junto à praia, onde, aos Domingos de manhã, cada branco fazia para ali a fogachada que quisesse.
.Pires Veloso, noutra das passagens do seu livro de memórias, “Vice-rei do Norte”, alude às reações do Secretário-geral das ONU, Kut Waldheim e o dirigente da OUA, Salim, Salim, junto do nosso embaixador na ONU, face às queixas apresentadas pelos independentistas. No entanto, o antigo Governador e Alto-Comissário, considera que a questão havia sido empolada. E que, mais tarde, foram as mesmas personalidades a reconhecerem que não se justificavam as tais razões invocadas com “ a falta de liberdades democráticas”.
PIRES VELOSO, USA O TERMO DE “A GUARDA PRETORIANA DOS DONOS DAS ROÇAS” – NÃO ESTAVA ENGANADO
E não exagera. Os colonos nas roças estavam armados e bem armados. Refere, ainda, em “Memórias e Revelações”, que, “era notória a apetência dos responsáveis da Associação Cívica por terem armas em seu poder, talvez para dizerem ao mundo, como os da Guiné, Angola e Moçambique, que também eles haviam alcançado a independência com luta armada” – Não creio que fosse este o desejo dos ativistas da Associação Cívica Pró-MLSTP – O santomense é por natureza pacifico. E, Pires Veloso, julgo que se apercebeu bem desse facto. As suas ações nunca foram além de comícios e manifestações. Não vi que alguém ali tivesse pegado numa arma ou levantasse sequer essa questão. Participei em algumas das reuniões dos seus dirigentes e ninguém ali falou em pegar em armas.
É um facto que existiam por lá alguns elementos mais fundamentalistas, que Pires Veloso cita no seu livro, e com posições, mais extremistas, com as quais eu próprio discordei à sua frente, que achavam que o fim do colonialismo no arquipélago, só poderia terminar "com a saída completa dos colonos” – E, de facto, atendendo ao comportamento irredutível de muitos deles, sobretudo dos "cafusos", nas roças, em boa parte até tinham fundamentas razões. Mas longe de desejarem pegar em armas. – Quem queria pegar nas armas eram os empregados das roças, forçados pelos roceiros mais duros - E só não aconteceu a tragédia, porque, à última hora, lhes faltou o comandante das operações
“ A SITUAÇÃO ERA PERIGOSÍSSIMA” DIZ PIRES VELOSO – Se era?!... ..As roças foram armadas pelo exército com máuseres; mas os roceiros fizeram entrar na Ilha metralhadoras clandestinas, que, certamente, ainda deverão estar por lá escondidas ou enterradas, não tendo chegado a ser devolvidas com as velhas máuseres.
Recordo que, ao sul da Ilha, na Praia Grande, em 1964, foi encontrada uma baleeira abandonada. Eu vi essa baleeira branca e a PIDE por lá a investigar o caso, tendo admitido a hipótese de ter havido um descarregamento de armas por parte dos soviéticos (mais uma vez os comunistas à baila) para fins subversivos - Mas a versão era outra.
Mais tarde ouvi bichanar ao feitor geral da Roça Ribeira Peixe, onde eu trabalhava, o seguinte desabafo para o chefe dos escritórios: “Agora já podemos dormir descansados!... Estamos na selva do inferno mas já temos metralhadoras para matar o preto que se atreva a fazer-nos o que fizeram em Angola!. Enganámos os PIDEs. O exército só nos quis dar as máuseres, que nem para matar pássaros já servem, mas agora já temos com que nos defendermos”.
Pires Veloso, refere que “ a situação era perigosíssima” – inteiramente de acordo: – há muito se sabia que as roceiros estavam armadas até aos dentes. (...) Esclarece que “tratava-se de material distribuído à chamada Organização Provincial dos Voluntários que, no fundo, constituía a guarda pretoriana dos donos das roças”
“Em determinado momento, para mim, a situação ficou altamente preocupante” – refere o ex-governador, “ quando, ocasionalmente, tive conhecimento de que, nalgumas roças, havia arrecadações com material de guerra, melhor do que o exército dispunha. Apesar dessas roças estarem já sob controlo dos “guerrilheiros”, estes ainda não haviam mexido nesse material”
SE OS ATIVISTAS PRÓ-INDEPENDÊNCIA, QUISESSEM PEGAR EM ARMAS, TÊ-LO-IAM FEITO, - Tiveram essa oportunidade quando os roceiros abandonaram as roças – Mas não o fizeram porque não era esse o seu objetivo.
Os roceiros abandonaram as roças e alojaram-se no quartel militar e no Cinema Império – Se os militantes da Associação Cívica, quisessem enveredar pela via armada, não teriam devolvido essas armas, que foram lá buscar – E fizeram-no, não porque quisessem fazer uso delas, mas para evitar que as mesmas os matassem.
Esta a expressão ostentada, numa enorme cartaz, com que foram dadas as boas vindas ao então Tenente Coronel Pires Veloso - O Primeiro e o último governador pós 25 de Abril - Este o aviso de que a vontade do povo santomense era soberana e imparável, por mais obstáculos que existissem.
Os ativistas – pró-independência - não enveredaram pela luta armada mas causaram forte contestação e instabilidade, não dando tréguas a qualquer ideia ou projeto que não visasse a total libertação do povo oprimido do arquipélago. Promovendo uma constante onda de agitação política e social. Não deram hipóteses a que os movimentos federalistas ou neocoloniais, conquistassem adeptos e se implantassem
“Independência” era a palavra de ordem mais ouvida nos comícios e manifestações de rua. E, nos cartazes, os slogans mobilizadores pautavam-se, sobretudo, por um claro e único objetivo, expresso em linguagem popular : “Independência total, çà cu pôvô mecê ” - Independência total é tudo o que povo quer. Os jovens ativistas da Associação Cívica, foram a principal força interventiva e conciencializadora durante o processo de descolonização –. Sem a sua coragem e o seu dinamismo, porventura, ainda hoje as duas ilhas, eram colónias, tal como sucede a outros territórios que estão nas mãos de 61 países.
INVADIRAM O PALÁCIO, INSULTARAM O GOVERNADOR – E NO FINAL – QUANDO ME VIRAM ALI PRÓXIMO – CORRERAM ATRÁS DE MIM PARA ME LINCHAREM
Uma manhã, ao saírem do palácio, depois de insultarem, o Governador, Pires Veloso – mal me viram sentado na esplanada do Restaurante Palmar, – onde pretendia inteirar-se daquela estranha ocorrência -, imediatamente correram furiosos atrás de mim! E eram umas largas centenas. Se me apanhassem, naquele momento, estou convencido que me tinham esmagado e linchado. - Mesmo assim ainda levei com uma pedra na cabeça. E o que me valeu foi ter subido por umas escadas e me ter refugiado num telhado. À noite foi socorrido por um santomense que me levou para sua casa, onde estive escondido quase duas semanas.
Fugi para uma escada, até que caísse a noite, para me escapar para qualquer sítio, pois sabia que já tinham assaltado a minha casa e espatifado tudo. Era demasiado arriscado ali voltar. Foi um rapaz negro (que me distribuía a Semana Ilustrada) que, tendo-se apercebido da minha entrada naquela escada (onde por acaso pude esconder-me sem que fosse visto pelos moradores) que veio, mais tarde, em meu auxilio. Os colonos (muitos deles, em vez de regressarem às suas casas), optaram por se aquartelar com a tropa portuguesa. Nessa altura, as ruas à noite ficavam praticamente desertas e eu tive então oportunidade de escapar dali. Tendo passado quase duas semanas na casa dos pais desse generoso jovem, num autêntico esconderijo, algures no mato.
A
A manifestação podia ter acabado numa tragédia: havia o desejo de pegar em armas e atacar os defensores da Independência Total. Estes depressa galvanizaram as populações e o movimento do pró era imparável. Só se matassem o povo inteiro. Houve quem estivesse quase a perder as estribeiras. – Felizmente que, a Providência ou os caprichos dos destino, quiçá mesmo a bênção do santo que deu nome à principal Ilha, enviaram a São Tomé e Príncipe, um homem probo e bom, corajoso e sensato, de seu nome, António Elísio Capelo Pires Veloso, nascido em Gouveia, a 10 de Agosto de 1926, e falecido no Porto, 17 de agosto de 2014, major-general do Exército português, conhecido como o "vice-rei do Norte" pelo seu desempenho militar no Golpe de 25 de Novembro de 1975 e pelo livro de memórias que escreveu em 2009.
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“É preciso explicar a importância do 25 de Novembro, se não tivesse existido, o 25 de Abril teria desaparecido, (…) E não se pode ensinar às crianças na História de Portugal, que o Eanes foi um herói. Pois se ele não fez nada!”, afirmava então.- PÙBLICO Morreu Pires Veloso, o “vice-rei do Norte” - PÚBLICO
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