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sexta-feira, 8 de março de 2024

Odisseia no Golfo da Guiné - Após a travessia de canoa de S. Tomé ao Príncipe - TORTURADO PELA PIDE-DGS -LIBERDADE SIM E CENSURA NÃO - Custou-me a prisão nos calabouços da ditadura colonial. E uma pesada coima da Capitania dos Portos - Desejava que esse tempo não viesse disfarçado por falsa democracia e pluralismo confinado.

                                                                            
Jorge Trabulo Marques 

Travessia  em piroga de S. Tomé ao Príncipe - Ilhas separadas cerca de 140 km uma da outra e a cerca de 250 e 225 km da costa noroeste do Gabão  - 40 cm de altura por 60 cm na sua maior largura

Artigo publicado no suplemento do Diário Popular


Antes e depois do 25 de Abril, também fui um dos sacrificados - A primeira vez ocorreu há 55 anos, após a travessia de canoa de S. Tomé ao Príncipe.
A segunda vez, foi na sequência da revolução de abril por parte de alguns colonos, que me agrediram brutalmente, depois de me cortarem os pneus do meu carro à navalhada e me pendurarem uma forca à porta de minha casa, por via dos meus artigos publicados na revista Semana Ilustrada de Angola, por ter dado voz ao MLSTP e entrevistado sobreviventes do massacre do Batepá, tendo que me escapar de canoa de S. Tomé para a Nigéria, numa dramática travessia de 13 dias. 

Nesse mesmo ano, e, após a independência, voltei a S. Tomé para tentar a travessia de canoa para o Brasil, evocando a rota da escravatura, entre outros objetivos, acabando por naufragar e ir parar à Ilha de Bioko, Guiné Equatorial, onde fui preso e condenado à forca por suspeita de espionagem - Felizmente, lá me salvei, graças à mensagem que trazia comigo do MLSTP para ler quando chegasse ao Brasil

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                        TAMBÉM CHEGUEI A SOFRER REPRESÁLIAS EM LISBOA 

Mais tarde, já em Lisboa, depois de ter sido libertado da famigerada prisão https://en.wikipedia.org/wiki/Black_Beach 
uma dúzia de colonos, apanharam-me no Metro e voltaram agredir-me traiçoeiramente, como se estivessem na selva em São Tomé. Tal como fizeram na então chamada "Praça de Portugal", quando me dirigia a minha casa, por volta das oito da noite. Aguardavam-me emboscados no interior de um carro estacionado. Não havia luz na cidade, e, mal me viram, encadearam-me com os faróis e atiraram-se a mim como lobos. Tendo-me deixado, quase morto e prostrado no asfalto

TRAVESSIA DE CANOA DE S. TOMÉ AO PRÍNCIPE

Larguei à meia-noite, clandestinamente, pois sabia que, se pedisse autorização, me seria recusada, dada a perigosidade da viagem, levando comigo apenas uma rudimentar bússola para me orientar. Fui preso pela PIDE, por suspeita de me querer ir juntar ao movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, no Gabão, o que não era o caso. Mas se lá aportasse, já ia mentalizado para não voltar. Eu sabia que a resistência colonial, estava ali sedeada 

No mês seguinte, depois de ter sido preso e espancado pela PIDE, pude descrever esta minha aventura na revista Semana Ilustrada, de Luanda, de que ficaria seu correspondente

Esta era a segunda das minhas quatro aventuras solidárias: a primeira da Baía Ana Chaves, até ao Padrão dos Descobrimentos, no dia em que se comemoravam os 500 anos da descoberta de S. Tomé por João de Santarém e Pero Escobar. A segunda, em Março de 1995, de S. Tomé à Nigéria, 13, ao longo de 13 dias, e, por fim, a tentativa da travessia oceânica ao Brasil, que acabaria num dramático naufrágio de 38 dias

Foram três dias emocionantes em que, por vezes, me senti perdido. Enfrentei dois tornados. À segunda noite adormeci e voltei-me com a canoa em pleno alto mar. Esta era minúscula e vivi um verdadeiro drama para me salvar, debatendo-me como extrema dificuldade no meio daquele denegrido sorvedouro das águas

O regresso foi de avião, mas, no aeroporto, tinha a PIDE à minha espera. Além disso, a Capitania dos Portos, aplicou-me uma pesada coima. Por seu turno, a Estação Agrária, onde trabalhava, descontou-me oito dias ao seu vencimento.

A história da canoa solitária depressa se espalhara por toda a ilha, causando grande admiração e surpresa na população em geral, nomeadamente nos pescadores da terra que me tomarem por feiticeiro e, tendo alguns, dos curandeiros, vindo ao meu encontro para partilharmos experiências.

“A Voz de São Tomé”, que escreveu o seguinte: “Por informação da E.N. de Lisboa, o Emissor Regional de São Tomé e Príncipe, anunciou que Jorge Trabulo Marques chegou ao Príncipe, numa canoa, que partira desta ilha”
Algumas semanas depois, compensaria esta lacuna, narrando a minha aventura numa revista angolana e da qual passaria a ser correspondente. Desse modo, demonstraria através do meu exemplo e das minhas próprias palavras que era possível percorrer, voluntariamente, numa pequeníssima e frágil piroga (40 cm de altura por 60 cm na sua maior largura), um extenso e bem agitado mar. Contrariando, assim, aqueles velhos pavores ancestrais ( na esteira das teorias do navegador e investigador francês Alain Bombard) de que, perdida a terra de vista, se perdem todas as esperanças - O que não é o caso, desde que não se entre em desespero e se aproveitem os recursos que o mar oferece

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