Jorge Trabulo Marques - Jornalista
Amália Rodrigues à frente do retrato da Severa - Esta imagem foi registada no dia do lançamento do livro, " Uma Estranha Forma de Vida", de autoria de Vítor Pavão dos Santos , que teve lugar na Adega Machado - A imagem é de minha autoria e trata-se de uma pose espontânea da Amália, selando, de forma gentil, artística e carinhosa, o termo de um período de agastamento e distanciamento , depois da fuga precipitada de sua casa. A imagem foi obtida por uma pequena compacta de bolso.
ENTREVISTA - Dividida em duas partes - separadas por um breve separador musical - Parte do diálogo e a discussão que se seguiu quando se arrependeu. Não se revelam os pormenores mais íntimos - Tive que escapar-me de sua casa – com toda a sua “corte” atrás de mim para não ficar sem o gravador e a cassete
Não cabia em mim de contente.... Até já parecia que estávamos mais à vontade que o resto da sua comitiva...Finalmente acabou-se o pesadelo.. Autografou-me a obra (a que se juntou o autógrafo de Victor Pavão) e parti dali como se fosse um velho amigo....
Porém, embora nesse reencontro, com o repórter, reconhecesse que não havia razões para ficar preocupada, me autorizasse a divulga-la, mesmo assim decidi não a editar completamente
A entrevista inserira-se numa série de entrevistas, que me foram encomendadas pelo semanário Tal & Qual, com várias personalidades da vida portuguesa, acerca da "primeira vez", ou seja, sobre a primeira relação sexual - Foi no principio da década 80, num período em que, certos tabus, acerca da sexualidade, se rompiam graças aos ventos da revolução de Abril.
Entre as figuras entrevistadas , contam-se: Carlos Botelho, Graça Lobo, Simone de Oliveira, Raul Solnado, Vitoriano Almeida, Ary dos Santos, Narana Coixoró, Raúl Calado, Ivone Silva, Afonso Moura Guedes, entre outras figuras - A Amália aceitou o desafio mas, a dada altura do momento da entrevista, arrependeu-se
Mais tarde, no final da sessão do lançamento da sua biografia, Estranha Forma de Vida, fizemos as pazes, selando o reencontro dando-me o prazer de a fotografar, numa pose de fadista, frente ao retrato da Severa - E, embora me autorizasse a divulgá-la, não o fiz nem o vou fazer - Senão apenas reproduzir um breve excerto. inócuo, e o diálogo subsequente(este sim, na íntegra) quando me esforcei por convencê-la a fazer uma segunda entrevista mais ponderada. - Só que, ao mesmo tempo que procurava desagravá-la para gravar outra, ia gravando também a conversa que ambos íamos travando - Por feliz coincidências, acabei por ficar com ambos os registo
Amália sempre foi um coração de oiro, expansivo, alegre e frontal; muito generosa e soube perdoar. Mas o nosso país pequeno demais para a sua grandeza mas uma grande quinta para os invejosos. Tinha muitas razões para se acautelar....Não foi a queda do regime que a magoou mas certos extremismos e oportunismos . Aliás, foi até depois do 25 de Abril, que Amália recebeu as maiores homenagens e distinções. .Foi condecorada com o grau de oficial da Ordem do Infante D. Henrique, pelo então presidente da República, Mário Soares. Ao mesmo tempo, atravessa dissabores financeiros que a obrigam a desfazer-se de algum do seu património - In..Amália Rodrigues – Wikipédia,
Na tarde do dia seguinte, lá me apresentei no antigo solar da Amália, no 1º andar do nº 193 da Rua de São Bento - hoje transformado em Casa Museu - Amália - Era a terceira vez que me dava o prazer de me receber em sua casa. Sim, na altura a concorrência da rádio e da televisão, não era como agora. Estava na companhia de Maluda e de um restrito grupo de familiares e pessoas amigas.
Recebeu-me de uma forma muito amável, no alto das escadas, muito sorridente, naquela sua expressão, a que o público também se habituou, sempre que aparecia em palco. Amália era íntegra, a hipocrisia e o fingimento não faziam parte do seu carácter. No fundo, era assim para toda a gente - para os amigos e gente anónima. Amália não tinha duas faces. Só quando cantava o fado, então é que o seu rosto era a dor ou a alegria das composições que interpretava.
Não manifestei a menor pressa em fazer qualquer registo no gravador. Por algum tempo, quase me ia esquecendo que estava ali para entrevistar Amália. Direi que não fui um participante activo nos diversos diálogos mas um ouvinte muito atento - Pois, embora bem recebido, não fazia parte do seu núcleo íntimo das suas amizades . Mesmo, perante um ambiente, tão descontraído, tinha de saber ocupar o meu lugar - E, quando se está perante alguém que diz coisas engraçadas, que nos dão prazer, é preferível falar menos e ouvir mais. Foi esse o meu papel
Pelo que me apercebi, aquela restrita tertúlia, reunia-se com Amália, não tanto para lhe ouvir as histórias ou desabafos, mas para lhe servir de corte - Tal como os bobos e as damas na corte dos réis. Adoravam Amália e reconheciam-na como a diva, como a rainha. Estava lá também o irmão Vicente, a sua irmã Celeste e a pintora moçambicana Maluda e mais duas amigas. Não as reconheci, mas pareceu-me que eram as visitas especiais daquela tarde. Mas quem se impunha era Maluda - Sentia-se tão à vontade, que parecia fazer parte da casa, tal como o irmão e a irmã da Amália.
Maluda era de complexão forte - a saúde é que acabou por ser fraca e a levou cedo. Fazia parte do restrito grupo das pessoas íntimas de Amália - Também se promoveu à sua custa. Se não fosse essa relação estreita, estou convencida que as famosas janelas, pintadas pela artista moçambicana, teriam ficado no anonimato.
Amália, mesmo não sendo a que puxava pelas histórias, era a voz que mais sobressaía. Sempre bem disposta. E com os seus apartes. Mas não falava dela. Se, no pequeno grupo, imaginássemos, em vez de pessoas, instrumentos ou uma sessão de fados, dir-se-ia que, as demais presenças, eram simplesmente instrumento de cordas, as guitarras que acompanhavam, e, Amália, a eterna cantadeira - Amália denotava uma grande sensibilidade e curiosidade em ouvir as pessoas que faziam parte do seu núcleo de amizade e gostava de as pôr a falar. As pessoas inteligentes não gostam de perder tempo a expandir-se em trivialidades. Mas sabem ser socáveis. E gostam de ouvir.
Deixava falar as amigas . Mas não se distanciava do diálogo. Era participativa. E as suas palavras (mesmo não cantadas) soavam com a sonoridade, que lhe é própria, tal como só ela as sabia dizer: soavam à voz inconfundível da grande fadista - A voz da Amália era sonoramente bela, falada ou cantada. O falar de Amália era tão agradável como os fados cantados - Como ela, dificilmente surgirá algum dia quem a imite.Já ali havia estado por duas vezes, em sua casa, mas apenas durante o tempo tomado para as entrevistas - Agora, de forma algo inesperada, passava ali uma tarde. - Sentia-me como se fosse uma visita habitual da casa da Amália - Até que, por fim, e vendo-a tão bem disposta, achei estarem reunidas as condições para lhe colocar algumas questões(delicadas) sobre a sua vida pessoal - "Como havia sido a sua primeira relação sexual"
E, não querendo que o barulho das outras vozes, pudesse afectar a qualidade gravação (mas sobretudo para estarmos mais à vontade) - perguntei-lhe se não se importava de nos sentarmos nutro sítio - Fui então que me conduziu para o lado oposto da sala, próximo do último degrau da escadaria, onde nos sentámos junto a uma pequena mesa, com o gravador sobre a superfície da mesma.
A Maluda era a mais danada e inconformada...Mal eu dei ares de desandar, correu logo atrás de mim, como uma cavalona... "És mais parva do que ele!... Foste logo a falar da tua vida pessoal!..." A sua ira dava em recriminar a Amália .Já nem sequer eu era o mau da fita, mas a sua amiga.
Com Vergilio Ferreira em sua casa |
Com o escritor Jorge Amado |
David Mourão-Ferreira E O SEU FILHO JOÃO DAVID - LANÇAMENTO DO LIVRO "UMA ESTRANHA FORMA DE VIDA"
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