Quando o avião da TAP,
pousava, no aeroporto de Lisboa, por volta das 04.20 da manhã, do dia 19 de Agosto, com uma
temperatura de 18º, meu pensamento voltou-se não propriamente para o que ia ver, quando descesse as escadas mas para a lembrança das imagens, que se haviam
fixado na retina dos meus olhos, durante a maravilhosa estadia, em S.
Tomé – Tanta coisa bela a recordar!... Tantas belezas, que me fora
possível contemplar!... Tantos gestos de calorosa simpatia, de profundo e
amistoso afeto!, que, ao invés de os saber ordenar em palavras, se me cruzavam no
meu pensamento, afluíam, calorosamente, do meu coração à minha mente, refluindo
e vibrando, ainda intensamente no meu peito, tal como se tivesse perante
um caleidoscópio magnifico, que me fosse dado o privilégio de assistir mas impossível
de o poder descrever ou ordenar.
Sim, vou ter muito que contar! - Além do que retenho na memória, trouxe,
também comigo, muitos registos fotográficos e alguns vídeos, que conto
editar, dentro do possível.
ANIVERSÁRIO DA
"AVÓ ALEGRIA" E DA MÃE VITALINA MONTEIRO
O aniversário não é uma
festa qualquer: é a data que assinala o principio de uma vida. Sabe-se
quando nascemos, mas ignora-se o dia da partida. É a data mais
significativa de uma vida. Sem dúvida, um dia muito especial na
existência de qualquer pessoa – Quando se está na flor da juventude, é o
festejar a idade de preparação para a vida, é simplesmente o pensar que a
vida é eterna; porém, quando se é mais velho, claro que já é notar que se
sopram mais velas, é ter a consciência de se somar mais um ano de idade e menos outro no espaço temporal da
longevidade, mas é também celebrar a maturidade naquilo que melhor
a vida tem para nos oferecer, lembrar as melhores recordações –
Seja como for, o dia de se cantarem Os "Parabéns a
Você" é sempre uma festa de caráter intimista, propensa mais
à partilha com aqueles que nos são mais próximos, tanto em laços de
família, como de amizade.
Ora, precisamente por
esse facto, quando alguém nos dá o prazer dessa partilha, é sinal de que muito
nos estima e nos admira – Daí, que, entre os agradáveis momentos, que,
durante a minha estadia em S. Tomé, mais me surpreenderam, além do honroso
convite para almoçar em casa do Sr. Bispo, D. Manuel António Santos, no
seguimento da visita que fizera à minha exposição fotográfica e
documental, sobre as minhas aventuras, bem como a honrosa audiência concedida
pelo Chefe do Estado Santomense, Manuel Pinto da Costa, assim como as concedidas por outras altas figuras do
Governo, em
exercício, nomeadamente, do Ministro da Educação, Cultura e Ciência, Olinto Daio e do ministro da Juventude e Desporto de São Tomé e Príncipe, Marcelino Sanches
exercício, nomeadamente, do Ministro da Educação, Cultura e Ciência, Olinto Daio e do ministro da Juventude e Desporto de São Tomé e Príncipe, Marcelino Sanches
Sim, além dos agradáveis momentos de convívio,
que pude ter com o secretário da Embaixada Guiné Equatorial,Teodoro Elangui, assim
como outros
ministros e membros da equipa de Patrice Trovoada, que também tive o
prazer de
cumprimentar, naturalmente que não posso esquecer a honrosa audiência,
concedida pelo embaixador do Brasil, em S. Tomé e Príncipe, José Carlos
Leitão, a quem fui entregar a mensagem, de que era portador, escrita em
1975,
mas que não chegaria ao destino, com a qual, o Povo destas maravilhosas
ilhas,
saudava o Povo irmão brasileiro, caso a minha travessia de canoa,
fosse coroada de êxito - Além disso, muitos foram os momentos, com as
mais
diversas pessoas, umas anónimas outras mais conhecidas - Desde poetas,
escritores, empresários, políticos, rostos amáveis e sorridentes do
Povo. Não esquecendo o meu companheiro da escalada do Pico Cão Grande, Cosme Pires dos Santos, com quem finalmente me reencontrei, bem assim a preciosa colaboração do jornalista Adilson Castro e outros seus companheiros. E, naturalmente, da Embaixada Portuguesa, desde a embaixadora
Maria Paula da Silva Peneda, a outros membros da sua equipa, valioso
apoio sem o qual não teria apresentado a minha exposição.
COM AVÓ ALEGRIA
O aniversário dos 82 anos
da "Avó Alegria", rodeada de netos e bisnetos, que, agradavelmente, haveria de partilhar, no passado dia 4 de Agosto, na rua do Bairro Quilombo: De seu nome Margarida Lázaro dos Ramos, nasceu, em S.Tomé, no dia 4 de Agosto de 1933 Vive num pequeno casebre de madeira, onde as
bananeiras se misturam com um pequeno aglomerado de casas de madeira,
habitadas todas pela mesma família - Outro momento, particularmente caloroso
e significativo, foi
o aniversário da Vitalina Monteiro…. –
Gesto amável e surpreendente a convite de seu irmão, o Coronel Victor
Monteiro, que culminaria um dia de intensa mas profícua atividade arqueológica:
de mergulhos em lugares de ondas turbulentas, que já ali roubaram algumas vidas, pejados de espinhosos ouriços negros –
isto para já não falar nas longas caminhadas a pé ou da exaustiva deslocação, nos
populares “yates” amarelos, na companhia do jornalista, Adilson Castro e a colaboração de
um pequeno grupo de nadadores santomenses. Domingo cansativo mas coroado de sorte:
a descoberta de objetos, perdidos no tempo e na bravura do mar, que, a
comprovar-se a sua antiguidade, poderão
constitui-se como valiosos testemunhos históricos: da que não existe
nos compêndios coloniais e que, silenciosamente, aguarda ser reescrita.
DIA DA MÃE VITALINA MONTEIRO
Afinal, quem é a corajosa
e dedicada mulher, que além de ser a mãe dos seus três filhos, tem sido também
uma verdadeira mãe de centenas de crianças desfavorecidas, de muitas pessoas,
sem eira nem beira, que buscam o indispensável apoio social para as suas vidas,
o gesto humano e solidário de sobrevivência na Travessa Outeiro, nº 1 , Cova da
Moura, considerado um dos bairros mais problemáticos
da área urbana na cintura mais populosa de
Lisboa, sim, quem é esse abnegado
coração? - que tem dedicado uma grande
parte da sua vida a auxiliar e a minorar a solidão e o sofrimento de outras
vidas - É, pois, Vitalina Monteiro!
De descendência cabo-verdiana, nasceu na antiga Roça Rio do Ouro, no dia 16 de Agosto, há 52 anos, tendo partido para Portugal, aos 22.. Aí estudou e se lançou nos desafios da vida. Nomeadamente, no de assistente social, no abraço amigo e dedicado da ASSOCIAÇÃO CULTURAL MOINHO DA JUVENTUDE: projecto comunitário sediado no Alto da Cova da Moura na Amadora, de que é tesoureira e que tem como objetivos ajudar todas as pessoas com dificuldades de integração no Bairro, fornecendo serviços que vão do acompanhamento aos pais na educação e nos cuidados a ter com os seus filhos, a actividades de tempos livres para crianças desde os dois meses - Que apoia até aos 20 anos.
Tal tem sido a entrega e a dedicação a este projeto, que já não vinha a S. Tomé, há 20 anos Parece-nos que é das tais pessoas cuja vida tem sido um exemplo de amor ao próximo. Mas, finalmente, agora, pelo mês de Agosto, fazendo-se acompanhar de sua filha e os dois filhos, lá arranjou um tempinho para vir matar saudades, junto do seu irmão, o Coronel Victor Monteiro (diretor do Gabinete do Presidente da República, bem como dos sobrinhos por parte do irmão mais velho Vital Monteiro, falecido, aos 22 anos, em 1974, em Portugal. Por isso mesmo, e após tão longa ausência, a festa do seu aniversário, oferecida em casa de seu irmão, na companhia de familiares e amigos, foi realmente muito calorosa: - teve, praticamente, um duplo significado: o de ouvir cantar os “parabéns a Você” mas, simultaneamente, o de festejar o regresso à sua maravilhosa Ilha
EPISÓDIO
LONGÍNQUO NO TEMPO MAS AINDA MUITO PRESENTE NA MEMÓRIA
Victor
Monteiro - Sempre de rosto
levantado e voz calorosa e franca. Dos raros
homens de antes quebrar de que torcer.
- Foi realmente
um grande prazer encontrar-me com a mesma
pessoa que, naquele distante dia da sua adolescência, quando ainda era rapaz,
fixara a minha imagem para o resto da sua vida, devido a um episódio que é
também ao mesmo tempo o testemunho, não só das suas recordações, como de um tempo colonial, que, em múltiplos aspetos,
não deixa grandes saudades. Era então furriel
miliciano. O episódio, que aqui recordo, passa-se em frente das escadarias do então
Cinema Império, mas começa lá dentro.
O cinema
Império, construído nos anos 1950‐1960, era a grande sala dos espetáculos coloniais: não só da
exibição de filmes, como de peças teatrais, desfiles de concursos de misses, espetáculos
de teatro ou musicais, com atores ou músicos que vinham em digressão da “metrópole” (lá,
por exemplo, chegou a cantar Bana, o popular artista cabo-verdiano). Pois era
no interior desse edifício, onde quase todas as semanas havia estreias de
filmes, que, a sociedade colonial, ia exibir também as vaidades das suas melhores
farpelas.
Após a independência, o largo onde se situava, que tinha ao centro uma estátua de um dos “descobridores”que é substituída por um obelisco, passa a chamar-se Praça dos Heróis da Liberdade e ao cinema é dado o nome de Cinema Marcelo da Veiga – Entretanto, nos anos 8o, uma parte do edifício desaba, é reabilitado mas, pelos vistos, de efémera funcionalidade, já que, tanto quanto me apercebi, é nele que se situa a sede de um dos principais bancos em São Tomé.
Após a independência, o largo onde se situava, que tinha ao centro uma estátua de um dos “descobridores”que é substituída por um obelisco, passa a chamar-se Praça dos Heróis da Liberdade e ao cinema é dado o nome de Cinema Marcelo da Veiga – Entretanto, nos anos 8o, uma parte do edifício desaba, é reabilitado mas, pelos vistos, de efémera funcionalidade, já que, tanto quanto me apercebi, é nele que se situa a sede de um dos principais bancos em São Tomé.
Também o frequentei, por
várias vezes, tanto nas minhas reportagens, como quando ali ia assistir ao
cinema ou a outros espetáculos. Até Mário Soares, no tempo em que Salazar lhe
forçou o desterro em S. Tomé, era um dos frequentadores, nas estreias dos filmes. Viu-o ali várias
vezes, no chamado balcão, situado no primeiro piso, enquanto na zona do rés do
chão, onde os preços eram mais baratos, sobretudo na plateia da frente, junto
ao écran, sentava-se o zé povinho,, a classe dos desfavorecidos e
oprimidos - Ainda me lá cheguei a sentar
com a minha companheira santomense, por não se sentir à vontade no balão dos colonos
e elites. Mas era aí, nas filas mais
avançadas, que as fitas cinematográficas, encontravam maior eco: onde as cenas dos filmes mais se faziam vibrar:
até porque, por vezes, ao ruído das vozes, também se juntava o do fundo das
cadeiras a bater. E foi precisamente isso que aconteceu, quando o famoso boxer Cassis Clay, leva ao tapete o
seu adversário, um pugilista branco, igualmente de nacionalidade americana.
Antes de cada estreia de um filme, havia geralmente a exibição do chamado jornal
de atualidades, com um documentário de notícias do estrangeiro ou de propaganda
ao regime. Naquele dia, a fita era aguardada com enorme espectativa, sobretudo pela
camada mais jovem – Ia ser exibido o filme Trinitá
o Cowboy Insolente – E, curiosamente, como que para estimular ainda mais os ânimos,
uma parte do documentário, que o antecedia, reportava-se a um combate de boxer,
entre o negro Muhammad Ali
outro pugilista, também americano mas branco
.
Mal
a sineta anuncia o início do combate, o
branco atira-se ao boxer negro, como um leão, o que faz exaltar a plateia branca,
donde são nítidas as vozes de euforia e algumas até de provocação, destinadas a
melindrar a plateia negra, que, silenciosamente, segue o desenrolar dos primeiros
rondes.
É claro que, Cassius Marcellus Clay, Jr., nascido em 17 de janeiro
de 1942 em Luisville, , Kentucky, que, em 1999, haveria de ser
considerado “O Desportista dp Século”, um dos maiores ídolos da história do
boxer, podia muito bem ter arrumado o seu adversário. Não o fazia –
comentava-se na altura - para não matar o espetáculo e valorizar o próprio combate
- Preferia levar alguns murros ou fazer de conta que os levava para
depois, num soco bem assente, levar o adversário ao tapete. E foi justamente o
que se viu nas imagens daquele documentário. Nessa altura, é então a vez da
plateia negra ficar ao rubro e, só se calar depois de se ascenderem as luzes e de grossa bastonada policial .
Porém,
a carga policial, não ia ficar por ali: no fim da exibição do filme, um grupo
de miúdos, ao abandonar a porta da plateia, corre para o largo fronteiro ao
cinema e começa a dançar, clamando o seu ídolo. Eu estava ali parado, no alto
das escadas, a apreciar aquele segundo espetáculo, Não me sentia minimamente
molestado; pelo contrário, no íntimo até me divertia e aprovava a exuberância
da garotada. Mas quem assim não pensa é um grupo de soldados da Polícia
Militar, que, antes de entrarem para o jipe, desatam à bastonada aos miúdos.
Vendo aquela prepotência, e envergando
eu a farda de furriel miliciano, logo, portanto, mais graduado que os soldados, não concordando
com tamanha desfaçatez, gritei, ordenando, alto em bom som: "faz favor vão embora! Deixem
essa pobre gente em paz!" – Quem, entre os garotos, também exibia a sua satisfação era, pois,
o homem que, anos mais tarde, haveria de me dar um grande abraço, quando seguia
no seu jipe, com um amigos e me vê a caminhar
junto ao edifício do antigo Liceu.
A bem dizer, já não me lembrava muito bem desse longínquo episódio, mas quem viveu a humilhação e a prepotência, como foi o caso de
Victor Monteiro, claro que não poderá esquecer facilmente, tais memórias da sua adolescência,
foi o que constatei quando nos reencontrámos, 39 anos depois de ter
deixado São Tomé para a tentativa de uma travessia oceânica, numa frágil
piroga, que haveria de saldar-se num longo e penoso calvário de 38 dias à
deriva.
Porém, quanto não vale depois depararmo-nos com amigos, tão generosos e tão dedicados, como é o caso de Victor Monteiro, sem o apoio do qual, dificilmente teria revivido tão gratas como maravilhosas recordações
Porém, quanto não vale depois depararmo-nos com amigos, tão generosos e tão dedicados, como é o caso de Victor Monteiro, sem o apoio do qual, dificilmente teria revivido tão gratas como maravilhosas recordações
Um comentário :
O relato das incidências dentro do cinema é igual ao que se passava nos anos 1964/1966, altura em que prestei serviço militar obrigatório e era frequentador assíduo daquele espaço cultural. Ai que saudades, ai, ai.
Saudações.
Alberto Helder
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