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segunda-feira, 31 de agosto de 2015

São Tomé – Relato emocionante de dois pescadores perdidos no mar, resgatados para uma traineira na costa nigeriana - Quando se viram sozinhos na canoa, na solidão imensa do mar, o cenário pareceu-lhes o fim do mundo – Rezaram e pediram que Deus lhes desse coragem - E a fé – que é um bom suplemento à confiança – salvou-os!

Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista - Texto video e imagens

Idalécio, de 22 anos, e, José António, de 49, pescadores nas  canoas  da Praia Melão, em São Tomé,  que andaram cinco dias perdidos no mar, viveram um drama, que dificilmente vão esquecer para o resto da vida – É o que o leitor poderá depreender do diálogo que lhe apresento num vídeo, registado, no principio de Julho passado,  no dia seguinte ao seu regresso a São Tomé.

Os dias à deriva e, depois a longa ausência de notícias da família, constituiu, para ambos, um tormentoso pesadelo – Sobretudo, ao Idalécio, que, apesar de andar nas lides da pesca, desde os 12 anos, quase se ia dando por vencido e perdendo a fala, não fosse o encorajamento do seu companheiro, José António, mais velho e experiente nas agruras do mar.. Nem mesmo já depois dos abraços que recebeu no seu humilde lar, do conforto dos familiares e amigos, na pequena aldeia, parecia recomposto: continuava quase mudo e silencioso.

De resto, foi neste estado de espírito, remetido a uma certa timidez e  mutismo, pelo Idalécio, que decorreu o casual encontro  com estes bravos homens do mar. 

Na véspera, tinha-me apercebido do seu drama, através de uma reportagem transmitida pela Televisão de São Tomé, pelo que, tendo eu também conhecido a tormentosa situação de náufrago, desde logo fiquei  com o desejo de falar com eles e conhecer a sua experiência – Porém, longe de imaginar que, tal oportunidade, ia surgir no  dia seguinte.  Ao deambular pela marginal,  como primeiro passeio dessa manhã, após ter deixado a pensão onde me encontrava hospedado,  sim - qual não a minha surpresa! – é justamente, perante esse maravilhoso cenário (sobretudo quando se está com os pés bem firmes em terra), que os vou encontrar – Iam para a sua praia, depois de terem sido  recebidos na Capitania dos Portos,  conjuntamente com o dono da canoa – que ali tinham ido  para narrarem a sua odisseia e exporem as dificuldades com que agora se debatiam: sem os meios indispensáveis para continuarem a trabalhar; sem  a canoa e o motor.

O momento foi assinalado com o registo de várias imagens naquele deslumbrante recorte marginal, situado frente à Pousada Miramar. Pena o vídeo, também ali não ter sido  gravado -  Faltava-me o microfone, pelo que optei por registá-lo no átrio da pensão e o contra-luz ofuscou-me um bocado as imagens. Como se aproximasse a  hora de almoço, o convívio continuou depois num dos restaurantes do parque da cidade, na companhia do jornalista Adilson Castro, que tivera a gentileza de fazer de operador do filme,  bem como outros meus amigos do Jornal Transparência, a quem tornara extensivo o mesmo convite.




NAUFRÁGIOS DE CANOAS – FREQUENTES NOS MARES DE SÃO TOMÉ

Não há episódio mais dramático, que o protagonizado por  náufrago. É tema, de ontem, de hoje e de sempre. Seja qual for o oceano, há em todas as águas, em todos os mares, vidas tragadas pela violência das vagas ou que sucumbem, vítimas da incerteza ou do desespero, do um atroz sofrimento  da  fome e da sede.

Só quem passou por essa terrível situação, sabe avaliar quão angustiosos são esses dias e noites de abandono e incerteza – Especialmente a  bordo de uma frágil canoa – E, de facto, são muito frequentes os desaparecimentos de pescadores nas canoas, nos mares em torno destas maravilhosas Ilhas do Equador. De volta e meia, sucedem noticias destes dramas. Por vezes, com desfecho feliz, porém, mais das vezes, é o pescador que parte ou pescadores que partem da sua praia e nunca mais voltam.

Já me referi a esta questão, em postagens anteriores deste meu blogue –  Nomeadamente, a uma reportagem que cheguei a publicar, antes do 25 de Abril,  na Revista na revista Semana Ilustrada, de Luanda, de que era correspondente, em São Tomé – Porém, creio que pela primeira vez, já que estes dramas, geralmente passavam à ,margem das preocupações coloniais.  

AINDA O SOL NÃO SE HAVIA ERGUIDO DO FUNDO DO OCEANO…

Foi a um sábado, do dia 16 de Maio. Manhazinha, como habitualmente, entre os vários pescadores, que partiam para mais uma faina de pesca, dois deles não voltavam nesse dia. São o jovem Idalécio e o Zé António. Depois de puxada a canoa da praia até flutuar sobre as  primeiras ondulações, lá vão eles mar fora! 

Dirigem-se, com o motor fora de borda,  ao Ilhéu Santana e por ali andam todo o dia. Entretanto, ao entardecer, surge uma calmaria e uma densa neblina, que lhes  ofusca  o horizonte, deixa-os desorientados e ao saber da corrente, que, pela noite adiante, os vai arrastando, ainda para mais longe.

Na manhã seguinte, com o clarear do dia, dão-se conta, que, postos perante o imenso circulo do mar à sua volta, para qualquer ponto para onde olhassem, não descobrem quaisquer sinais do litoral ou das montanhas da ilha – Sem saber que rumo verdadeiramente tomar, por lá andam, todo o domingo, desorientados, velejando de um lado para o outro. . Com o cair da tarde, vem  o crepúsculo, que, nestas paragens, é rápido: pouco depois, imersos  em sombras, envoltos pela escuridão da noite, mais perdidos e desamparados, ainda se sentem

Na segunda-feira, o tempo refresca, surge uma tempestade, que os atira  para mais longe. Ao dia, sucede uma noite  tormentosa e de grande ansiedade. As mesmas condições atmosféricas,  vão continuar terça-feira. Com  céu encoberto e  muito vento, a que se juntam os estampidos do  trovão, que vão  deixá-los ainda mais aturdidos e desanimados.


Chove, torrencialmente, mas não se lembram de aproveitar a água das chuvas. E a garrafa da água potável, que dispunham, já se esgotou.  Os efeitos da sede, no mar são terríveis! . É o maior tormento para o náufrago: muita água salgada em redor mas difícil de tragar - Relutantes em levarem sequer umas gotas aos  lábios, para aliviarem a secura da boca, optam por mastigar  as linhas da pesca, na esperança de que, a saliva  criada, lhes possa minorar o sofrimento

A fome, não é o maior problema, visto terem ainda consigo alguns peixes. Mas são as postas de um atum, pescado à linha, que vão aproveitar:  - Cortam-no aos bocados e deixam-nos  a secar ao sol. Pena desconhecerem que o sangue do peixe não é salgado e que, comendo o peixe cru e acabado de apanhar, além de lhes matar a fome, lhes poderia também aliviar a sede.

Finalmente, à noite do 5º dia, descobrem uma luz vermelha por entre a escuridão. . O Idalécio, vira-se para o Zé António, e diz-lhe, espantado; “ Vê!!...Há uma luz lá em baixo!!...Era o primeiro sinal luminoso de  uma frota nigeriana de traineiras de pesca.
E para lá navegaram  na esperança de serem socorridos. Pedem água, no que são atendidos. Porém, dificuldades linguistas, vão criar-lhes alguns embaraços: tomados por  pescadores, vão deixá-los de novo entregues à sua sorte. . Até que, por fim, interrogados por um piloto de uma das  traineiras, que fala português, este, compreendendo a situação,  os manda    subir para o convés, ordenando ao mesmo tempo  que o motor fora de borda fosse içado   e a canoa  arrastada para terra. À chegada a ocorrência  é comunicada à  Guarda Costeira da Nigéria, que, só um mês e meio depois, concluirá as diligências do seu repatriamento a São Tomé. 



CINCO DIAS À DERIVA - A ODISSEIA DE DOIS PESCADORES DA PRAIA GAMBOA QUE FORAM PARAR AO GABÃO

O drama ocorreu há 40 anos.  Referíamos na reportagem que então efectuámos para a Semana Ilustrada, de Luanda, "apaixonados que somos pelas lides do mar (e também porque já estivemos em apuros mais ou menos idênticos), não resistimos à tentação de procurar  localizar esses dois homens e com eles estabelecer diálogo" 

O DIA DA PARTIDA

(...) "Foi no dia 12 de Junho do corrente ano, que Manuel Quaresma e Fernando Afonso - aquele com 32 e este com 40 anos - se fizeram na sua canoa ao mar. Largaram de manhã cedinho, como habitualmente. O sol, muito brilhante nesse dia, nascera-lhes lá fora, ao largo. Com eles, outros companheiros de faina, partiram em suas canoas. Iam pescar,  para algumas milhas mas com a Ilha sempre à vista. A tê-la constantemente a seu lado, pois nenhum deles possui processos de orientação. Pescar era pois o objectivo de todos. E o de voltar, como não podia deixar de ser. Porém, para Manuel Quaresma e Fernando Afonso, tal não aconteceria. Um tornado surpreendeu-os, deixou-os desorientados e completamente à deriva. Eram mais ou menos duas da tarde quando isso aconteceu. O mar ficou de calema, segundo a linguagem sua, a ilha encoberta por densa neblina  e o horizonte esfumou-se. A partir de então ficaram sem saber em que ponte se encontravam e para onde navegavam. 

(...) Salvos cinco dias depois

Não foi tanto a fome que os martirizou mas a sede - "Para mitigar a sede, sobretudo a secura dos lábios e da boca, que a ardência de um sol forte, equatorial, impiedoso, os causticava, valeram-se de óleo de palma (imagine o leitor qual não terá sido a aflição dos pobres homens para chegar a este ponto!) e chuparem os próprios chumbos para criarem saliva na boca" (....) Eram decorridos já cinco dias e cinco noites, quando finalmente, viram contornos de terra" - Excerto de uma reportagem de quatro páginas

OUTRO EPISÓDIO – ESTE DE ONZE DIAS

Eis alguns traços da noticia, publicada pelo Télanon

Nigéria mais uma vez resgata perdidos no mar
18/08/2015  -Os dois pescadores que perderam no mar de São Tomé já foram resgatados por uma tripulação nigeriana Depois de dias a deriva, foram encontradas perto de Costa Nigeriana e passam bem, depois de quase dois meses.
Severino dos Santos de 52 anos de idade e Anastácio de 40 anos, ambos amigos e pai de família, saíram para pescar como era habitual. Por uma infelicidade, segundo as vítimas, o motor parou de funcionar e eles foram arrastados pela correnteza do mar.
"Partimos para pescar no dia 13 de julho. O mar estava um pouco agitado e o nosso motor não suportou, escapou e caiu no mar. Então, dai ficamos deixados a sorte, porque não havia mais solução. Como chegar a terra se já não tínhamos motor? E esta tristeza deixou-nos no mar durante onze (11) dias" diz Severino em movimentos inquietos.

(…) "A forma que os nigerianos nos receberam e comportaram connosco foi uma coisa fantástica. Nós não estávamos a espera disso. Foram tão sensíveis, trataram-nos tão bem que não temos como descrever" aponta Severino  Pescadores que se perderam em alto-mar encontram-se ..


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