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sexta-feira, 25 de outubro de 2019

Poesia de Conceição Lima - Continua ser tema de estudos académicos em várias universidades - Nomeadamente, Brasil, EUA, Portugal e Itália

Jorge Trabulo Marques - Jornalista -


Trata-se, com efeito, de “uma obra poética que tem sido  objeto de vários estudos de Mestrado e de doutoramento em universidades portuguesas. italianas, dos EUA  e brasileiras.” 

Sem dúvida, uma presença simpática e respeitável, possuidora de um currículo jornalístico de alto gabarito  - Conceição Lima esteve 15 anos a viver em Londres, onde  se licenciou em Estudos Afro-Portugueses e Brasileiros pelo King"s College, obtendo o grau de mestre em Ciências Políticas e Estudos Africanos pela School of Oriental and African Studies, tendo exercido a atividade de jornalista e  produtora dos serviços em Língua Portuguesa da BBC 

Conceição Lima, que,  nas maravilhosas ilhas do equador é mais conhecida por São de Deus Lima,  creio que em resultado da  admiração, do carinho e da popularidade, que goza no seu país, é o nome mais traduzido da literatura são-tomense, nomeadamente nas línguas alemã, árabe, francesa, italiana,  galega, espanhola, inglesa, servo-croata, turca e shona. 

Autora de três livros de poesia, publicados pela Editorial Caminho, um dos quais, “A Dolorosa Raiz do Micondó’ foi  lançado pelo Ministério da Educação do Brasil com uma tiragem de 32 mil exemplares.


07/04/2017 "Eu viajei para a capital homónima do país em busca de outro poeta: Conceição Lima, herdeira de Aimé Césaire, “filha” de Sophia Mello de Breyner Andersen e contemporânea de Paula Tavares. Apesar do verdadeiro absurdo da categoria “literatura africana”, representando 55 estados-nação e mais de 2.100 idiomas vivos, Lima é, para mim, o maior poeta contemporâneo do continente. https://www.poetryfoundation.org/harriet/2017/04/sao-tome-notebook

"Neste artigo, discuto a poesia da poeta de San Tomé Conceição Lima. Em particular, concentro-me em seu tratamento da ilha como uma forma abtrata e uma realidade empírica. Ofereço leituras de uma ampla seção transversal da obra de Lima e defendo que, para ela, a ilha acaba por representar o lar.

A ilha da Conceição Lima
Poesia  - Por JOANA CASTAÑO
Universidade de Oviedo

 Resumo: Neste artigo, focalizo a poesia de Conceição Lima, nascida em
Santana, São Tomé, em 1961. Analiso a relação entre a voz poética
e a ilha, bem como as imagens concebidas na obra de Lima, que explora
as consequências da nacionalidade. De especial interesse é o tratamento que Lima faz da ilha como uma forma abtracta e uma realidade empírica. Através das leituras de uma ampla seção transversal do trabalho de Lima, argumento que, para ela, a ilha vem para representar o lar.

(...) Um símbolo comum, a ilha assume uma dimensão única em Conceição
O trabalho de Lima, às vezes mencionado empiricamente, às vezes uma "ilha da imaginação ”(Macedo 9) coincidindo com uma fundação e um lugar íntimo, pelos quais termos como "mátria", "casa", "útero da casa", "país", "praça", "raiz" e A raiz do micondó é invocada. Eles indicam uma “busca identitária do sujeito poético que recupera um local de origem, que também é o lugar de enunciação a partir do que o sujeito poético coloca sua voz e inicia sua narrativa ”(Ribeiro
200) As referências espaciais são abundantes, assim como as pessoais. – Excertos de   - ‎2016 - ‎The Island in Conceição Lima's Poetry | Journal of Lusophone  
25/06/2019(PDF) The Island in Conceição Lima's Poetry - ResearchGate"

A obra de Conceição  Lima é povoada de semas que evocam os fantasmas deixados como herança do período colonial. Entretanto, como se quase se desculpasse, a poetisa fornece-nos um roteiro literário que parte, então,  da descrição  paradisíaca das paisagens de suas ilhas.- Escreve Marcela de Paula, em  “Literaturas no Atlântico Sul: o caso da formação da literatura em São Tomé (e  seus refluxos no Brasil) 

Da lisa extensão  dos areais
Da altiva ondulação dos coqueirais
Do infindo aroma do pomar
Do azul tão azul do mar
Das cintilações da luz no poente
Do ágil  sono da semente
De tudo isto e do mais  -
Ða redonda lua, orquídeas mil, os canaviais -
de maravilhas tais
falareis vós.

Eu direi dos coágulos que mineram
a fibra da paisagem
do jazigo nos pilares da Cidade
e das palavras mortas, assassinadas
que sem cessar porém renascem
na impura voz do meu povo.


Os poemas de Lima funcionam como "estelas funerárias"  e como tais, partindo do pensamento de Jacques Le Goff, cumprem múltiplas funções  de "perpetuação de uma memória" Monumentos que, ao mesmo tempo que representam túmulos familiares, também narram e documentam a vida do morto. Podemos observar nos poemas de Lima que, através da escrita, os mortos recebem os túmulos  que não  haviam conseguido nos momentos "de choro e de partilha das memórias dos defuntos"

Porque eles vêm e vão mas não   partem
Eles vêm e vão mas não  morrem.
Permanecem e passeiam com passos tristes
que assombram o barro dos quintais
e arrastam a indignidade da sua vida e sua morte
pelo ermo dos caminhos com um peso de grilhões.
Ás vezes, sentados sob as ãrvores, vergam a cabeça e choram.
Erguem-se depois e marcham com passos de guerrilha
Não abafem o choro das crianças, não fujam
Não incensem as casas, não ocultem a face
Urgente é apelo que arde por onde passam
Seus corações  deambulam à sombra nas plantações

O sofrimento causado pelo colonialismo produziu fantasmas ,onde os escravos do Império, mesmo mortos, continuaram a vagar pelos lugares. A morte não  trouxe paz e os fantasmas tão pouco foram - nem podem nem devem ser - exorcizados ("Não abafem o choro das crianças não fujam/ Não incensem as casas, não ocultem a face"), pois a eles cabem o papel de resgate da memória e, consequentemente, se deve aprender a conviver com as sombras do passado e, mais do que isso, escutá-las, porque  é urgente "o  apelo que arde por onde passam". Tal apelo dos "fantasmas" é  reverberado pela escritura e, apenas ela, pode dar um tumulo digno a eles

Para Gagnebin, túmulo e palavra se revezam quando nos referimos à memória . Ambos se fundam na " luta contra o esquecimento”, distinguindo implicitamente a força deste último: o reconhecimento do poder da morte" . É necessário, neste caso, continuar o contato com os mortos. Escritura e perecimento reencontram-se no poema, portanto, para manter a memória de um inteiro povo e dar uma sepultura aos indivíduos

Com Sofia de Mello Breyner
Por isso não os confundo com outros mortos
apaparicados com missas, nozados, padres-nossos.
Por remorso, temor, agreste memória
Por ambígua caridade, expiação  de culpa
aos mortos-vivos ofertamos a mesa do candjumbi
feijão-preto, mussambê,  puíta, ndjambi.
Para aplacar sua sede de terra e de morada
Para acalmar a revolta, a espera demorada.

Para os seus "mortos-vivos", Lima dedica um ritual fúnebre adequado ao povo africano para desmistificar a eficácia dos discursos mortificadores da experiência. Lembramos que o discurso colonial configura-se sob o "estado de exceção “e se baseia na extenuação  do registro da experiência e sua incidência na lógica do poder/violência. Ressaltando a figura dos "mortos-vivos" Lima nos faz recordar a figura emblemática do "muçulmano", relatada por Primo Levi que designava  os mortos-vivos nos campos de concentração. É  o processo mais uma vez de coisificar o que permite ao sujeito a manutenção  da sua estrutura fantasmagórica, onde as estratégias do poder negam ao subalterno a presença e a palavra, impossibilitando a relato com o Outro

Excertos de  - Literaturas no Atlântico Sul:o caso da formação da literatura em São Tomé (eseus refluxos no Brasil) Marcela de Paula https://www.academia.edu/33821847/Literaturas_no_Atl%C3%A2ntico_Sul_o_caso_da_forma%C3%A7%C3%A3o_da_literatura_em_S%C3%A3o_Tom%C3%A9_eseus_refluxos_no_Brasil_

Conceição Lima e a poesia na pós-independência em São Tomé

Roberto Pontes, da Universidade Federal do Ceará, aborda também a poesia de Conceição Lima, num extenso e aprofundado  artigo que trata da literatura contemporânea de São Tomé e Príncipe, no qual analisa a poesia de Conceição Lima, citando os livros, “O Útero da Casa” (2004), e “A dolorosa raiz do Micondó (2006), no contexto da pós-independência.
Depois de recordar a sua interessante biografia, diz que  os poemas de Conceição Lima reunidos nesses dois volumes tanto podem ser considerados à luz do primeiro sentido quanto do segundo, porque, se por um lado os versos da autora defendem uma postulação, se inserem numa disputa e requerem determinado modo de interveniência na vida social através do exercício lírico, por outro estão à procura, à cata, em busca, e, portanto demandam uma forma de ser muito própria do país ilhéu denominado São Tomé e Príncipe, fisicamente encravado na África Central Ocidental (MURRAY, 1997, p. 162-163).
A postulação poética pulsante nos dois livros indicados é realizada pela autora quando remonta ao passado seu e de seu povo, que foram marcados fundamente pela ação colonialista. Sua matéria lírica é extraída de uma mentalidade etnicamente incorruptível e de uma memória coletiva de raiz arcana.


Exemplos de aproveitamento do próprio passado, como matéria lírica, são dois poemas: ―Mátria‖ e ―A casa‖. Façamos a leitura do primeiro: Mátria Quero-me desperta se ao útero da casa retorno para tactear a diurna penumbra das paredes na pele dos dedos rever a maciez dos dias subterrâneos os momentos idos Creio nesta amplidão de praia talvez ou de deserto creio na insônia que verga este teatro de sombras E se me interrogo é para te explicar riacho de dor cascata de fúria pois a chuva demora e o obô entristece ao meio-dia Não lastimo a morte dos imbondeiros a Praça viúva de chilreios e risonhos dedos Um degrau de basalto emerge do mar e nas danças das trepadeiras reabito o teu corpo templo mátrio meu castelo melancólico de tábuas rijas e de prumos (LIMA, 2004, p. 17-18). Os versos desse primeiro poema nos colocam ante o telúrico vínculo do ânimo lírico aferrado à terra-mãe, no caso a Mama África. Seu título é muito expressivo porque se os dicionários registram o adjetivo mátrio, criado no século XVII pelo Pe. Antônio Vieira, por analogia com pátrio, não acolhem o uso de mátria como substantivo, na perfeitamente cabível analogia com pátria. O poema, portanto, fala sobre a pátria, mas esta se confunde com a casa que, personificada, tem útero onde se surpreende a ―diurna penumbra/ das paredes‖ e ―a maciez/ dos dias subterrâneos/ os momentos idos‖. A casa a que o eu lírico retorna tem, pois, a mesma ambientação e mesma propriedade do útero materno.Excerto de file:///C:/Users/HP/Downloads/8688-21249-1-SM.pdf

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