Jorge Trabulo Marques - Jornalista - Imagens de várias proveniências - Com excertos do livro de Santos Oliveira
Recebi por email os amáveis
votos de Boas Festas, que retribuo, de Santos Oliveira, antigo sargento miliciano, com a referência so seu livro de memórias da Guerra colonial, sob o Titulo “A GUINÉ NO MEU TEMPO - Da Mobilização ao Regresso” Porfusamente documentado - - Para cuja colónia foi mobilizado em 10 de
Setembro de 1964 , recordando aqueles seus défices tempos por que passou, tanto
ele como os seus camaradas, as vitimas nas duas frente. Linhas pelas quais perpassam não apenas
relatos circunstanciais como também momentos de poesia de sofrimento e de
lágrimas, do qual tomo a liberdade de transcrever alguns excertos, mais à frente.
A longa e trágica Guerra Colonial durou mais do dobro
da Segunda Guerra Mundial, saldou-se por milhares de mortos portugueses e
africanos, quer militares como civis, em ambas as barricadas e podia ter sido
evitada se ao menos se tivesse tomado atenção no exemplo
do sangrento conflito que sucedera na Argélia e no Congo Belga, se o regime
salazarista e, depois o de Caetano, tivessem sido capazes de reconhecerem que,
após a independência da Guiné Francesa, em 1959 e, a do Congo belga
(em Junho de 1960), dificilmente as colónias portuguesas de Guiné, Angola e
Moçambique, deixariam de ser envolvidas pelos novos ventos da História, que
despertavam para a libertação dos povos africanos pelos jugos
coloniais. E que, no caso português, não ia ser resolvida
ou combatida atavés de meios militares.
Insistiu-se nessa teimosia ou paradigma de contrainsurgência, e deu no que deu: o movimento revolucinário do 25 de Abril, que começou por simples reivindicações corporativistas como a luta pelo prestígio das forças armadas, acabaria por atingir politicamente todo o regime e vir a dar o consequente folego ao chamado Movimento das Forças Armada (MFA) composto na sua maior parte por capitães que tinham participado na Guerra colonial e com o apoio de oficiais milicianos – Só que era tarde demais: e tudo o que depois se passou, foi precipitado quer para defesa e segurança das populações, quer para o futuro imediato das colónias, que ascendiam à independência.
O tempo não volta atrás para se
corrigirem erros ou dar os rumos certos mas importa não esquecer as
vítimas e o sofrimento causado aos que foram atingidos, aos que nela andaram
envolvidos e que ficaram marcados para o resto das suas vidas.
Concordo com estas palavras: "Junta
as tuas às nossas fotos, divulga e salvaguarda os teus aerogramas, cartas,
relatórios, diários, documentos militares ou papéis esquecidos guardados no
sótão, num velho baú, reconstitui as tuas memórias, recorda os sítios por onde
passaste, viveste, combateste, sofreste... Ajuda os teus ex-camaradas a
reconstituir o puzzle da memória da Guiné (1963/74)... Faz-te bem, a ti e a eles, a
todos nós, ex-combatentes, portugueses ou guineenses... Além disso, prestas um
pequeno serviço à geração dos teus filhos e dos teus netos... Para que eles, ao
menos, não possam dizer, desprezando teu sacrifício: "Guiné ?... Guerra do
Ultramar https://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial_tertulia.html
(...) Santos Oliveira, Sargento Mil.º de Armas
Pesadas e de Operações Especiais, nasceu a 29 de Junho de 1942.
Na Escola Prática de Infantaria (EPI -
Mafra) e Centro Militar de Educação Física e Desportos (CMEFD - Mafra) fez o
Curso de Sargentos Milicianos (CSM) e Tirocínios Ranger, que foram completados
no Regimento de Infantaria 9 / Centro de Instrução de Operações Especiais
(RI9/CIOE - Lamego) e Batalhão de Caçadores de Pára-Quedistas (BCP - Tancos).
(...) De Portugal apenas se captavam a Emissora
Nacional e a Rádio Clube Português, em onda curta e com interferências
continuadas, o que as tornava quase inaudíveis. Outrossim, ouvíamos
alternadamente e em quase todo o tempo as Rádio Moscovo, Rádio Portugal Livre
[instalada em Praga] e a Rádio Voz da Liberdade [a partir de Argel] e desde
data recente, apresentada por um ex-militar português que havia desertado,
segundo informações oficiais da altura. Oficialmente, era proibido escutar
estas emissoras, mas o facto é que ali se ouviam algumas verdades; era só
separar o trigo do joio.
A munição foi retirada com sucesso; no
entanto, por precaução, mandei colocar a arma fora de serviço. Quando arrefecesse,
logo se veria. Durante os 72 dias da Operação Tridente, a maior operação das
Campanhas de África, foram disparadas um total de 550 granadas. Nas 2h20m deste
ataque, ao Cachil, foram disparadas 216 granadas... Pode imaginar-se o como
será o Inferno? Naquele ritmo de fogo, não fôra a “batota calculada”, apenas
nos restariam munições para uns 15 minutos. Repentinamente, o silêncio
expectante e caricato na noite africana. Aguardámos algum tempo e tentámos, no
meio de escuro e sepulcral silêncio, retomar o nosso ritmo normal, mais
vigilantes pela falta da iluminação, que havia sido destruída. Voltamos ao
noticiário da Rádio Voz da Liberdade prestes a começar quando uma gargalhada
monumental ecoou no escuro da noite. …Afinal, a maioria das nossas Tropas escutava
as Rádio proibidas! Manuel Alegre (o tal locutor) declamou: ”A Ilha do Como
acaba de ser libertada. As tropas colonialistas foram completamente derrotadas.
Não há sobreviventes.” …Era para rir? Estou Morto? Estamos todos Mortos? Nino
Vieira comunicou mal o resultado do seu ataque ou estava mesmo convicto que nos
arrasaria. Naquele dia, a Rádio Voz da Liberdade, havia sido extremamente suave
e comedida no seu estilo linguístico. Isso fez-me estar mais atento e resultou.
(…) CACHIL - O DIA SEGUINTE No dia
seguinte [manhã de 17Nov64], o balanço da flagelação IN era dantesco. Massa
humana do atacante por entre fragmentos de armas, pedaços de armas, ausência do
arame-farpado nas duas fiadas, a orla da mata tinha recuado 30-40mts (as
palmeiras ou não tinham ramagem ou estavam partidas), apenas um corpo mais ou
menos inteiro de um elemento IN, em muito mau estado, uma PPSH e, o mais
espantoso, entre três Poilões dispostos em triângulo e que formavam uma espécie
de salão inexpugnável (a Morteiros) e que denominávamos Enfermaria, um Unimog
recolheu duas cargas de ligaduras sanguinolentas (para queimar) e alguns
apetrechos médicos. Mais nada, porque o IN conhecia a mata e teve a noite e
madrugada para efectuar a sua limpeza de corpos, feridos e armamento. Do resto,
os Jagudis (Abutres) se encarregaram em muitíssimo pouco tempo. Nas rotações
das Subunidades, as coisas ficavam um
(…) A guerra que travamos era uma guerra
de capitães, Oficiais Subalternos, Sargentos e Praças, quase todos, uns 99%,
Milicianos. A guerra dos Oficiais Superiores era outra. (…) Claro que um
Furrielzito, (desculpa o termo) chega à Guiné a meio da Comissão de uma (PU)
Subunidade, integra-se com competência e arrasta atrás de si o querer e a
confiança dos seus homens, não iria cair nas boas graças da Brigada (…) Houve,
de facto, várias mensagens trocadas e que eram relacionadas com o sucedido,
entre o Cmdt do BCaç 619, o Cmdt do Agr 17 e o CEMFA. Acredita que, nas várias
situações, estivemos sempre convosco, sofremos a incerteza e choramos de alegria
com o desfecho da situação. (…)
A MINHA VIDA MORREU; MORRERAM OS MEUS
AMIGOS (Poema)
Num escasso tempo, somente
Amigos de toda a Vida
Partiram, sem despedida…
E a
minha Alma dormente
Sentiu-se só e perdida.
A Guerra nos separou
No tempo ou no viver
E para, assim, nos perder. ..
.E o Guerreiro chorou
Até ao amanhecer.
Quisera ter um abraço
Sussurro ou peito amigo
Mas só silêncio restava.
O Grupo deu-me o espaço
De Filhos. Mas não consigo
Esquecer a quem amava.
Santos Oliveira Fur Mil AP Inf.ª/Ranger
Quando empalideci, quando chorei com a
notícia atroz, acabada de chegar, de que os meus dois únicos amigos de infância
e juventude morreram num curto espaço de tempo, julguei não aguentar mais. A
Homenagem possível ao José Nuno G G dos Santos e ao Manuel Couto Ferreira dos
Santos, agora bem mais distantes.
O AMIGO INIMIGO QUE ME VIA CHORAR Cachil,
Ilha do Cômo, Finais de Dez 64 Tinha acabado de receber notícias trágicas
acerca da morte de dois amigos de infância. Isolava-me e chorava e este
sentimento de perda prolongou-se por alguns dias. Os meus Militares iam-me
vendo (e fotografando) na sua incompreensão natural. O meu poiso escolhido era
o topo da paliçada, onde fingia fazer a vigilância habitual, embora
perfeitamente exposto. Só desejava morrer. Foi um tempo terrível. Pelos últimos
dias de Dezembro, tomei G3, umas quantas Granadas, “adornei-me” com a minha
Boina negra, o meu Cinto e Lenço (azuis) Ranger, informei os meus militares de
que iria dar uma espreitadela pela orla da Mata, pelo que entregava o Comando
ao Cabo Gomes (nº1916/63) com a informação exacta de fazer fogo como estava
previamente estabelecido. Não havia mas, nem meios mas. Seria uma Ordem para
cumprir.
Um dos Soldados, o Júlio Batata (nº
2032/63), questionou-me se podia ir comigo. Resisti mas perante tanta
insistência acabei por anuir. Informei que íamos por nossa conta e risco.
Outros se prestaram a acompanhar-me mas recusei com o argumento de ser
necessário guarnecer os Morteiros de gente porque eles (Morteiros) não se
disparavam sozinhos, etc. mas acabei por aceitar um outro soldado que não
recordo quem tenha sido.
Informamos o Plantão da Companhia CCAÇ 728
do que íamos fazer e partimos, com as precauções necessárias. Chegados próximo
da Orla da Mata, encontramos um carreiro de formigas com mais de um palmo de
largo, ainda a tentar refazer o seu percurso com grande afã e numa estranha
confusão. Percebia-se, por baixo daquele caos, a marca duma pegada de pé
descalço que havia despoletado tal desalinho. Foi, de imediato, assumido o regresso,
pois as evidências eram demasiado claras de que estaria alguém adiante e a
curta distância. Chegados ao Quartel, eu constatei que havia perdido o meu
Lenço. No amanhã se veria o que fazer
Ao raiar do dia seguinte, o mesmo Grupo,
com mais cautelas procurámos os pontos onde nos havíamos agachado ou rastejado
e encontrámos o meu Lenço com uma folha de Caderno onde se lia (em Português
correcto):”TENHO-TE VISTO CHORAR”. Fiquei paralisado por instantes. Voltei o
papel e escrevi: OFEREÇO-TE O MEU LENÇO”, que lá deixei ficar. Custou-me imenso
descansar aquela noite pela ansiedade que de mim se apossou. Tinha a infantil
curiosidade de tentar adivinhar o que se passava, pois era incompreensível. Por
outro lado já havia tomado consciência do risco desnecessário que havia corrido
e fizera os meus Soldados correr. Era uma lotaria, um jogo…e o jogo vicia. A
curiosidade matou o rato, diz o ditado. Eu estava por tudo.
Queria saber se o lenço tinha sido
levantado. Recusei, sem resultados, a companhia dos Soldados. Bem mais à
vontade (um erro que podia ter sido fatal) dirigimo-nos ao local. Estava lá um
daqueles pingalins, ou chicotes, muito elaborado, com uma mancha de sangue no
punho e um novo papel que dizia: “EU QUERIA ERA UMA BANDEIRA TUA”. Atónito e já
muito inquieto, voltei o papel e escrevi: ”VOU VER SE O CONSIGO”. Regressámos
mais apressados que o habitual. Era necessário ter os acontecimentos sob
controlo porque doutro modo iria resultar coisa grossa. Os restantes elementos
do Pel Mort 912, começavam a questionar sobre o que íamos fazer todos os dias.
Passou a ser difícil segurar o segredo. Mas dizíamos que íamos ver se havia
qualquer possibilidade de haver caça. Na mala tinha uma bandeira de Portugal,
tipo galhardete, das que se usavam, na época, nos vidros dos automóveis. Fui
buscá-la, apertei-a no peito e lá retornámos, com a promessa que seria a última vez que sairíamos, se não se
encontrassem indícios de caça. Lá chegados, fui surpreendido por um Galhardete
e um Crachá do PAIGC e um papel que dizia: “GUARDA E LEVA ESTA PARA A TUA
TERRA”. Petrifiquei. Acho que fiquei imóvel tempo demais porque os Soldados me
perguntavam: “O QUE SE PASSA, MEU FURRIEL?”. Rapidamente, retirei a Nossa
Bandeira, Coloquei-a na estaca, escrevi por trás do papel: ”EM NOME DA PAZ”.
Fiz Continência e todos desatámos em corrida mais ou menos desordenada para o
Quartel. Tudo se ficou por segredo solene até haver falado com o Soldado Júlio
Batata que concordou fosse contado esta História.- Excertos - O Livro pode ser visto gratuitamente em PDF para baixar: A Guiné, no meu tempo.
http://ultramar.terraweb.biz/Livros/SantosOliveira/A_Guine_no_meu_tempo_Da_Mobilizacao_ao_regresso_Santos%20Oliveira_Edicao_final.pdf
http://ultramar.terraweb.biz/Livros/SantosOliveira/A_Guine_no_meu_tempo_Da_Mobilizacao_ao_regresso_Santos%20Oliveira_Edicao_final.pdf
Algumas
imagens foram extraídas de
http://bart1914.blogspot.com/2019/10/
E
também de https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2015/05/guine-6374-p14674-notas-de-leitura-718.html
e da Web
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