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quarta-feira, 14 de junho de 2023

O apelo do mar de um antigo jovem navegador solitário português em pirogas primitivas através do grandíssimo gólfão que Camões cantava nascido longe do litoral oceânico mas que havia de recordar as façanhas dos grandes navegadores das caravelas e dos intrépidos marinheiros das canoas da costa africana e demonstrar que estes bravos homens podiam ter alcançado as ilhas maravilhosas, que se estendem desde as proximidades do Monte Camarões, no continente, pelo sudoeste oceânico ao longo da mesma linha vulcânica, há muitos mais séculos que as caravelas

Jorge Trabulo Marques - 

Do alto das velhas muralhas do Fortim de São Jerónimoonde tantas vezes olhava a espuma que ali ia rebentar nas rochas negras e contemplava o mar ao largo, sim, muitas vezes ali me envolvi em prolongadas cogitações. 

Só via o mar... O vasto mar a perder-se pelo vasto horizonte infinto!... Só pensava, obsessivamente, nas distâncias e nas entranhas do mar.!.. Olhava-o com pasmo e respeito, mas queria sentir-me também parte dele! Ser mais um elemento do mítico e misterioso oceano! Ir por ali a fora numa das frágeis pirogas.! Desvendar segredos esquecidos no tempo!..  De temeridades e navegações de  outrora!....

               Ali voltei 39 anos mais tarde para recordar o mesmo mar

Algures 38 dias no Golfo da Guiné Nov de 1975

                            No dia em que tive a visita de um gigantesco tubarão

                     Ali voltei 39 anos mais tarde para recordar o mesmo mar

Algures 38 dias no Golfo da Guiné Nov de 1975

Oh!... Quantas vezes ali mesmo, não experimentei as estreitíssimas cascas de noz, navegando em frente ou embicando na areia da pequena praia ao lado, naqueles meus habituais treinos, ao Domingo, vindo da Praia Lagarto (ao fundo da descida a caminho do aeroporto), passando em frente da Baía Ana Chaves, Fortaleza de São Sebastião, costa da marginal, Praia Pequena e ponta do Forte de São Jerónimo -e, por vezes, ainda um pouco mais a sul, à Praia do Pantufo. 

São Jerónimo era geralmente a baliza de chegada e de retorno ... E, também, muitas vezes ao fim da tarde e pela noite adentro, era o meu local preferido (até por ficar um pouco isolado e retirado da cidade) para me familiarizar profundamente com o mar.

Lembrava-me das façanhas dos pescadores são-tomenses, dos seus antepassados que demandaram as ilhas, dos barcos negreiros que ali aportaram e também dos nossos marinheiros (antes desse vil mercado) que por aquelas águas navegaram; imaginava quantos naufrágios e sofrimentos aqueles mares, já não teriam causado.


Sabia dos muitos perigos que me podiam esperar - não os desdenhava! mas entregava-me ao oceano de coração aberto, possuído de uma enorme paixão, em demanda dos grandes espaços e de uma infinita liberdade, tal qual as aves migradoras! Olhava-o como se fosse já meu familiar e meu amigo. Embora sabendo que a sua face, quando acometida de irascível crueldade, havia sido palco de muitas tragédias, havia engolido muitos barcos e tragado muitas vidas. Contudo, eu não ia ali apenas movido pelo prazer da aventura: só por isso, não sei se compensaria... Mas orientado por razões mais fortes

Havia algo, no fundo de mim,  impelido como que por um pendor sobrenatural inexplicável que me fazia acreditar que, mesmo que apanhasse alguns sustos

Não me cruzei com as velas dos marinheiros das canoas  mas imaginei-os, muitas vezes, naqueles mesmos mares, tal como, também, os navegadores que ali passaram, mais tarde, nas suas caravelas    

Há que realçar a coragem dos marinheiros lusitanos, que se fizeram ao mar apenas munidos de um mero astrolábio - Não dispunham de sextante, nem de cronómetro ou sequer de almanaque náutico que lhes possibilitasse algum rigor da navegação - Não iam completamente às cegas, porém,  embora dispondo de alguma informação, iam à aventura! - Foram, indubitavelmente, grandes navegadores aventureiros!


Sou português  e não descuro os feitos marítimos dos meus antepassados. Mas também não quero fazer  como a avestruz e meter a cabeça debaixo da areia. Nem fazer dos compêndios coloniais a bíblia sagrada. 

Sem deixar de admirar a coragem dos antigos navegadores,  busco outras interpretações. Eu próprio me desloquei de canoa, em Dezembro de 1970, desde a Baía Ana de Chaves ao recanto 

HÁ QUE DISTINGUIR A EPOPEIA MARÍTIMA DA COLONIZAÇÃO , QUE SUBJUGOU E TIRANIZOU OS POVOS.


Uma coisa é a verdade histórica (e foi essa que eu procurei através de várias travessias em pirogas e que ainda hoje questiono), outra, as omissões ou  a que convinha ao Reino..


.Todavia, quer os portugueses, nas frágeis caravelas, quer os primeiros povoadores, nas suas toscas pirogas, foram lobos do mar e heróis desbravadores à sua maneira.

Também as canoas africanas, à semelhança das grandes migrações no Pacífico, se fizeram ao mar alto: Fizeram extensas travessias no Golfo da Guiné, tal como os primitivos navegadores da Polinésia, considerados os "navegadores supremos da história":  que, velejando  em linha, cada uma à distancia da visão da canoa  que lhe seguia atrás, até qualquer delas divisar uma ilha habitável, atravessaram vastas extensões daquele imenso oceano, colonizaram as mais remotas ilhas, algumas a milhares de milhas, umas das outras, não dispondo sequer de uma bússola ou de qualquer outro instrumento náutico

Quase assim procedi: munido de uma simples bússola, sem bóias, meios de comunicação com exterior, encaixado num frágil esquife, quase desprovido de tudo. Recuando, tanto quanto possível, às condições precárias em que foram sulcados os mares pelos antigos povos que ligaram a costa africana às ilhas do Golfo da Guiné



.

O mar também é generoso quando quer ... A sorte protege os audazes e 

acreditava que o mar haveria de compreender os objetivos pelos quais que norteava o meu espírito e a minha temeridade..

Naquele mesmo mar que, Luís de Camões, o  épico poeta poetizou e cantou na estância XII do V Canto na sua imortal obra Os Lusíadas

"Sempre enfim para o Austro a aguda proa
Nomnos metemos,
Deixando a serra aspérrima Leoa,
Co'o cabo a quem das Palmas nome demos.
O grande rio, onde batendo soa
O mar nas praias notas que ali temos,
Ficou, com a Ilha ilustre que tomou
O nome dum que o lado a Deus tocou.


       A MINHA HOMENAGEM 


                   A todos os homens do mar, de todos os continentes e cantos da Terra.
                    Aos marinheiros e navegantes que, do Cais do Tejo,  partiram pela barra do rio afora, em frágeis caravelas, rumo ao misterioso oceano, em demanda de novas terras e outras gentes, sofrendo horas infinitas em escaldantes e podres calmarias ou “fugindo à tempestade e ventos duros.”
                   E, por via disso,e, porventura, devido a desmesurados sonhos ou ao desamor e à compaixão de ímpios deuses, a quantos perigos e adversidades se não expuseram!


                    “Contar-te longamente as perigosas
                      Cousas do mar, que os homens não entendem,
                       Súbitas trovoadas temerosas,
                       Relâmpagos que o ar em fogo acedem,
                       Negros chuveiros, noites tenebrosas,
                       Bramidos de trovões que o mundo fendem,
                       Não menos é trabalhos que grande erro,
                        Ainda que tivesse a voz de ferro.”



Náufragos! De ontem e de  Hoje!
Aqui, elevo aos deuses as preces
que não acabastes de rezar!
As clamorosas súplicas,
que proferistes, em vão,
beijando, perdidos,
enlouquecidos, ícones, rosários,
relíquias sagradas.
E choro,
choro as mesmas lágrimas,
de sal e de dor.
E comungo convosco
os eternos instantes,
as horas infindas de pavor,
o incontável rosário
de todas as vossas aflições!...
Sim, porque, o mar, não  mudou;
o mar de hoje é o mar antigo de ontem,  de outrora....
É o mar eterno, sem fim e sem  história!...
A sua voz é a voz dos tempos!... 
O cheiro a maresia é o mesmo,   
as ondas continuam a enrolar-se sem descanso
nos areais de todas as praias de todos os continentes!...
Ao largo, o cenário também é igual -
O mesmo círculo a estender-se,  indefinidamente -,
e, à volta do círculo, ainda o abandono,
a solidão de todas as eras...
Além disso, sei que, ouvindo o grito grave das gaivotas,
 ainda ouço os vossos gritos
 à mistura com o uivar desgrenhado do vento
 e o cavo ribombar do trovão,
que sucediam aos relâmpagos
que incendiavam e fundiam as espessas trevas!...

Excerto de um poema de minha autoria,que acompanhou uma exposição que apresentei no  Padrão dos Descobrimentos, em 1998

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