Jorge Trabulo Marques - Protagnizou esta odisseia - Em Outubro-Novembro de 1975
Noites havia em que, em torno de mim, não havia céu nem estrelas, O teto das nuvens era escuríssimo, pesado e ameaçador e o mar um vasto e tumultuoso caldeirão de negrume em permanente convulsão - A minha frágil canoa, lá ia derivando perdida, sem destino, erguida acima de cada montanhosa vaga. Como se fosse uma coisinha de nada, balanceando ao deus dará à mercê da fúria da imensidão daquela negríssima e espumosa toalha de água salgada. Sozinho e abandoando de todo o mundo nem assim cruzava os braços e desistia de lutar pela vida. Mas só Deus sabia com que tremendo esforço o fazia.
"O barco tem que pescar!!... Ou fica a bordo a trabalhar ou meta-se já dentro dela e borda fora!... " - Ordenou-me o comandante - Optei por ser largado ao mar a norte da Ilha de Ano Bom, abraçado à minha frágil piroga!.. Preferindo naufragar
E foi o que sucedeu 38 dias e noites a fio...Naquele mesmo dia, à noite, em alteroso mar bravio, atiçado pela violência de inesperado tornado, assim foi esse o drama que o destino me reservou reservava, à mercê da fúria dos ventos tempestuosos, das misteriosas correntes e das enormes vagas!
A canoa foi construída por um pescador da Vila das Neves, atual distrito do Lembá, num tronco escavado de ócá na floresta sobranceira - Tendo sido depois concluída, com algumas proteções nos bordos e uma pequena ponte à popa e à proa, na praia Rosema, donde iria partir para a Baía Ana Chaves e daqui para bordo do pesqueiro Hornet - que acostara ao largo para deixar um tripulante hospitalizado - afim de ser largado na grande corrente Equatorial, rumo ao Brasil, evocando antiga rota dos escravos, entre outros objetivos.
No primeiro dia após a largada de Ano Bom |
Foto a bordo do Hornet |
Porém, ao aproximar-se da Ilha de Ano Bom, o comandante, recusou-se a levar-mecom a canoa um pouco mais para sul, num ponto onde me libertaria dos ventos e das correntes que sopram e correm de Sul para Norte e poderia apanhar o braço das correntes que se deviam para o este do Atlántico - Quisera demover-me da ousada aventura, oferecendo-me trabalho a bordo; era prudente e cauteloso, receava que o frágil madeiro escavado, não suportasse as investidas do mar.
Mesmo assim, oh! quem me dera voltar a viajar até aos distantes mares do sul e ouvir o comandante do pesqueiro a gritar da ponte: canoa ao mar!!...E ouvir de novo a mesma ordem..
embora já bastante acostumados
perfilavam-se volvidos e concentrados
além da escotilha!.. Todos viam,
com assombrosa nitidez, através
as constantes investidas do mar
medonho, ameaçador, convulsivo!
Fustigando o barco, que balançava
da proa à popa, ao convés - varrido!
que os relâmpagos a espaços iluminavam,
o revolto remoinho, o tumulto enegrecido
e pálido que se erguia, o turbilhão violáceo
das águas a rebentar e a estrondear!...
- Sim, não nego, não desdigo tudo isso!
O temor daquela pavorosa imagem!
A noite era povoada de escombros
e de assombro! - Também o meu coração!
Tudo aquilo, me infundia estranho medo,
causava-me alguma inquietude e apreensão.
Não te vai faltar nada! – Não vês como bravo está o mar?!...
Mas eu preferi envolver-me no que ele tem de generoso e colérico,
fazer dos seus humores, calmarias ou tempestades, o meu desafio,
confiar nos caprichos e ditames do destino da boa ou da má sorte!
Por isso, na manhã seguinte, mal o sol equatorial raiou a despontar,
como que emergindo do fundo do vasto manto azul circular: à voz
de "canoa ao mar"! Lá fui sozinho à minha vida, rumo ao Norte!
Desiludido por não ter sido largado um pouco mais a sul e a oeste,
lá parti, de regresso a São Tomé, pelo desconhecido oceano a fora!
Aproximação à Ilha de Bioko |
E, a verdade, as três noites que passei a bordo foram horríveis, escotilhas fechadas, ninguém podia ir ao convés, ondas a varrerem-no de ponta a ponta ! - "Você vai morrer!... Fique connosco a trabalhar!"..Diziam-me alguns dos marinheiros, que vinham a espreitar ao meu lado o vendaval da noite cerrada!.. .Estava-se em plena época das chuvas, o mesmo cenário iria repetir-se na noite seguinte.
Em parte, o cauteloso Comandante, tinha alguma razão - mas apenas pelo facto de ir sozinho e a canoa necessitar de mais braços.
Mesmo assim, lutei e sobrevivi durante 38 longos e atribulados dias. Pois, o que há de mais perigoso, mortífero e assustador, não é o mar largo! São as áreas costeiras - Eu sabia, que, afastado dos tornados e calmarias do grande Golfo da Guiné, não teria tantas dificuldades! - Sim, é verdade: lá diz o velho ditado: "o que há de perigoso no mar é a terra" - E foi sempre o que eu mais receei: pois não podia prever onde chegava, em que ponto iria aportar, a que horas da noite ou do dia me poderia aproximar de chão firme. A simples bússola não bastava.
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