2014 Jorge Trabulo Marques - Empregado de mato e capataz dos jardins da cidade - Nov de 1963 - 1966 - Fui militar, - em Angola e S. Tomé - tendo sido aqui encarregado da Agro-Pecuária do quartel. Depois trabalhei na Missão de Inquérito Agricola e na BFAP, como polinizador de cacau e de baunilha e apicultor - Na sequência da descrição da minha primeira aventura de canoa de S. Tomé ao Principe para a revista angolana Semana Ilustrada, acabei por ser conrrespondente desta semanário em S. Tomé e por trabalhar como operador de Rádio no ERSTP - Desde então enveredei pelo jornalismo e fotojornalismo.
Refere o jornal Téla Nón, que "a embaixada de Angola em São Tomé e Príncipe tem um programa para revigorar os valores culturais santomenses de origem angolana. É com este propósito que a comunidade de Agostinho Neto recebeu novos equipamentos para reconstruir o grupo de puíta. Jorgina Baessa, uma das habitantes de Agostinho Neto disse ao Téla Nón que a Puíta da Roça desapareceu há muitos anos. No entanto, com o apoio da embaixada de Angola, os jovens da comunidade vão ser treinados pelos mais velhos, para o som da Puíta voltar a aquecer o terreiro de Agostinho Neto. https://www.telanon.info/cultura/2024/06/24/44787/roca-agostinho-neto-volta-a-ter-puita/ |
Fui menino escravo aos 12 anos nas velhas mercearias de Lisboa, um sem abrigo, e, em 1963, trabalhei nesses feudos: Conheci bem a dureza da vida, nessas grandes propriedades, quer para os chamados serviçais, quer para os nativos que ali iam fazer os mesmos trabalhos, mas também para os empregados de mato, que eram igualmente escravizados, mal pagos e que apenas tinham direito à chamada graciosa, de quatro em quatro anos
De facto, as administrações das grandes propriedades agrícolas nunca valorizaram a mão-de-obra dos forros, dos filhos da terra. É verdade que nunca foram além de meros capatazes, excetuando alguns mulatos, filhos dos brancos administradores ou feitores gerais.
Roça Agostinho Neto - 2014 - Ex-Rio do Oiro |
Puíta é uma dança tradicional de São Tomé e Príncipe, originária de Angola. Foi trazida pelos escravos angolanos e animava as noites nas senzalas das roças.
Era um dos géneros musicais, a par dos batuques moçambicanos e das mornas e coladeiras cabo-verdianas, que entoavam o terreiro das senzalas, sobretudo nas noites de sábado para domingo, visto nos demais dias da semana, depois do toque de silêncio da sineta, não ser autorizada qualquer manifestação sonora.
Escutei esses sons, acompanhados de vozes, mais fazendo verter lágrimas chorosas e de saudade, de que propriamente , expressões de alegres diversões.
Inicialmente na Roça Uba-Budo, depois na Roça Ribeira Peixe, para onde fui mandado de castigo a contar caqueiros por me ter recusado a tratar por tu e ao velho estilo colonial, os trabalhadores. E, ainda antes do serviço militar,na Roça Rio do Oiro, atual Roça Agostinho Neto
Praia do Uba-Budo - 2014 |
2014 |
Estas algumas das palavras de um relatório da Curadoria dos Serviços e Colonos: - “Tenho observado ultimamente que por parte de alguns patrões, se vem cometendo um abuso grave que consiste em castigar ou com serviços pesados ou com agressões serviçais que capturados como fugidos são enviados para as propriedades, depois de punidos e admoestados na Curadoria, ou ainda depois de regressarem às roças quando aqui veem apresentar qualquer reclamação.-
… o patrão que der uma bofetada num indígena pode ser punido pelo artº 346º ( do Código Trabalho dos Indígenas) mas tanto este castigo como as palmatoadas, que não causem doença e nem provoquem impossibilidade de trabalho, dadas com sentimento paternal, por motivos atendíveis, são vistos com reserva pela autoridade
Uba Budo - Praia - 1964 |
mas ressurge intacto na minha memória.
Aqueles dias de permanente descoberta
nas Roças Uba-Budo, Ribeira Peixe e Rio do Ouro
- Eu pouco menos era de que outro escravo,
todavia, a beleza do mato?!.. - Uma maravilha inigualável!...
Eu tinha 18 anos e partira da minha aldeia
para ali fazer um estágio como Agente Rural,
que frequentei na Escola Agrícola de Santo Tirso;
tudo para mim era novo e me fascinava!...
Não havia uma encosta ou uma grota que fosse igual à outra!
Os cacauzais repletos de frutos de todas as cores, desde o tronco às pernadas
e aquelas árvores exóticas enormes, que lhes serviam de sombra,
que eu não descansei enquanto não lhe conheci
todos os seus nomes - Depois havia ainda as matabalas
e outras herbáceas com as folhas pintalgadas e até ananases bravios
que nasciam por entre o capim verde. De volta e meia dava duas machinadas
num cacho de bananeira e metia-o numa velha cova aberta de cacaueiro,
dois dias depois, todas as bananas estavam maduras e amarelinhas, que consolo!
- Reacendiam de aromas e de cheiro!
da apanha ou quebra do cacau ou da sulfatagem, eram obrigados
apanhar umas quantas ratazanas que tinham de apresentar antes de largarem
- a maior praga do cacau - , mas, alguns, à falta de proteínas,
até as levavam para casa, como se fossem pequenos coelhos
- E só depois, os infelizes, eram autorizados a voltar à senzala
- Mas, o empregado de mato (sempre de machim na mão), lá ficava
a vaguear por aqueles frondosos caminhos das plantações
até quase ao pôr-do-sol. Só depois regressava
ao terreiro e ao chalé. Mata-bichava e almoçava da marmita
que o muleque lhe tinha ido levar, confecionado
pela samú negra - A minha tinha o dobro da minha idade!
Caué - 1964 |
Roça Uba-Budo-2014 |
A DIFÍCIL VIDA NAS ROÇAS DE MÁ MEMÓRIA - Para a maioria dos que ainda nelas resistem - sobretudo, de origem cabo-verdiana, com o coração ruído de saudades das suas queridas ilhas, a situação, em que se encontram, atualmente, não é boa, mas verdade é que, para quem ali trabalhou, como eu, esses enormes feudos coloniais, trazem também lembranças de febres palustres e rosários de humilhações, de muitos sacrifícios e adversidades
Uba-Budo 1963 |
Desembarquei, em S. Tomé, a bordo do navio Uige, em Novembro de
1963 para fazer o meu estágio de Agente Técnico
Agrícola, da Escola Agrícola Conde S. Bento, em Santo Tirso - Não tendo condições,
devido à forma desprezível como ali eram encarados os técnicos, por indivíduos
que ascendiam apenas à custa dos anos de serviço e de uma certa
brutalidade; acabei por concluí-lo na tropa, quando ali fui encarregado do
sector da Messe dos Oficiais e da Agropecuária
do quartel .
Com os fulgores da independência, as roças foram nacionalizadas, porém,
como, as suas instalações, careciam de
arranjos periódicos de conservação, depressa passaram a ruínas e a
mato. Agora, naquelas que não foram privatizadas, cada um vai
plantando e colhendo o que pode para a sobrevivência pessoal ou familiar.
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