Jorge Trabulo Marques
E ANOITECE!....Na vasta imensidão do mar!... E o brilho do sol se afunda e desaparece!... Em redor de um náufrago, só há sombras e trevas a ondular. E uma ave solitária vem pousar para descansar...– Que depois de apanhar e beijar, a teve de sacrificar para matar a fome e se alimentar - Não há tristeza mais sofrida ou dor de alma, mais infinda ou profunda!... Que a de uma criatura humana perdida, sozinha e à deriva à flor de um manto enegrecido e ondulado de vagas, encaixada num simples tronco escavado, qual esquife ou caixaão flutuante à espera de a sepultar, quando, até as longínquas estrelas, já se apagaram aos seus olhos esbugalhados de incerteza e mágoa, de cuja abóbada de cinza, nem uma réstia de luz e de esperança de lá brilhe e o possa animar, senão apenas o giro e ameaça de fantasmagóricas imagens em permanente assombro e torvelinho
Olhando para o horizonte, não descortino ainda a terra. Não vejo absolutamente quaisquer vestígios de terra. Mas tenho um pressentimento de que não devo estar muito longe.
A noite é equatorial mas o tempo refrescou e arrefeceu. Começou a soprar uma aragem fresca. Durante a tarde fez muito calor, mas agora sinto arrepios de um grande desconforto. Estou deitado no fundo da canoa, com a capa vestida e coberto com uns plásticos, mas estou com frio (pois também há sempre água a chocalhar por baixo da grade) e sinto-me muito cansado. Tenho experimentado, ora a ficar de bruços, de lado, ora de costas, mas parece que não há maneira de me chegar o sono. Por outro lado, o meu espírito mantém-se ainda demasiado possuído pelas fantásticas sensações com que me presenteou a magnífica tarde. Mas também é do que me valho. A brisa passou de fresca a ventosa e veio trazer uma agitação inesperada à noite. A única alternativa que me espera é aguardar pacientemente pela alvorada do novo dia....
Estou preocupado um bocadinho, porque a canoa continua a meter água pela carlinga, pois os pregos (onde encaixava a vara do mastro) atingiram o fundo. Por outro lado, notam-se algumas fraturas e podem realmente de um momento para o outro provocar roturas maiores...oxalá que não. Que isso não me aconteça
Excertos do meu diário de bordo, vertidos para um gravador que levava com a máquina fotográfica dentro de contentor de plástico, igual aos do lixo, a bordo de uma piroga
Imagens obtidas com a máquina amarrada ao mastro e disparada com uma das mãos com auxilio de um barrote
MEU CORPO MORTAL ENCAIXADO NUM EXÍGUO ESPAÇO E COM A SEPULTURA SEMPRE AO MEU LADO
douradas mordicando as lapas da canoa |
PERDIDO NO MAR - Não tenho água potável... e, todavia, tanta água à minha volta!...Tanto espaço, tanta liberdade e tanto azul a inundar-me os olhos!...Tanta coisa em excesso e tanta coisa em falta!... – Que suplício!... Que tormento mais duro, meu Deus!... Até quando?!....
que bebo aos golinhos de vez em quando,
em vez de matar-me a sede,
ainda mais agrava o meu mal-estar
e torna muito penosa, demasiado penosa,
talvez mesmo impossível, a minha sobrevivência!...
Mesmo assim, não me sinto desanimado!...
E vou lutando com os precários meios que disponho
e conforme posso... Mas já não chove há uns dias!...
uma lasquinha de madeira como um chiclete!...
Arranquei-a da borda da canoa...
Tinha a garganta tão queimada e a boca
já tão ressequida e os meus lábios tão secos,
que a sede se me tornava já um suplício insuportável!...
E, com o sol tão intenso, até parecia que o desespero
começava a tomar conta de mim!...
Com a sua frescura, consegui aliviar
um pouco o meu tormento!...- Mas é cruel!
É terrível a sede!... – E nenhuma nuvem no céu!!..
Até este ar quente já me sufoca!...
Tenho que voltar a beber mais uns golinhos de água do mar...
A ver se aguento...
Mas geralmente surge quando menos se deseja
e quase sempre antecedida de fortes ventanias
e agitação das águas!... – É assim o tempo
nesta região do oceano!... – Podres calmarias...
que até parecem eternidades por tão prolongadas e mortas!...
Logo seguidas de grandes tempestades que, de tão rápidas
e enfurecidas, parecem destruir tudo à sua à sua passagem....
Tanto espaço, tanta liberdade e tanto azul a inundar-me os olhos!...
Tanta coisa em excesso e tanta coisa em falta!... – Que suplício!...
Que tormento mais duro, meu Deus!... Até quando?!.
Excerto do poema SÓ A VOZ DO MAR..
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