Ó poeta das Ilhas maravilha! Sai da
sepultura e volta à terra!
Ó saudoso poeta! Que tão cedo
partiste na flor da idade!
Tu, que não pudeste conhecer a
plenitude da liberdade!
Na ilha que amavas, onde foste
gerado e ali te criaste!
Indo a estudar para outras paragens
de coração a sangrar!
Escolhendo na faculdade medicina a
vida que não gozaste!
Oh triste sina à tua, que ao teu
paraíso, já não pudeste voltar!
A morte, que traiu os teus risonhos
sonhos, foi ainda mais forte!
Partindo amargurado e triste prá
outra margem da invisibilidade!
Mas não a poesia dos teus ousados
versos que nos legaste!
Desejando que as cinzas do teu corpo
se espalhassem ao vento!
De alma liberta e pura na vastidão
dos mares e na celeste altura!
Por toda a Terra, na infinitude dos astros, por ilimitado tempo!
Oh, sim!.. Tu que desejavas poetizar
a vida inteira!
E não querias a morte por estátua
nem por companheira..
Ó beleza milenar das Ilhas! Ó
sagrada Natura!
Ó morte traiçoeira, vil e aziaga!
Que tão cedo a vida lhe roubaste!
A nós restam-nos os seus belos
versos!
E a ele, fazei-lhe ao menos a sua
vontade!
Que as cinzas do seu corpo, sejam
impelidas
pelo vaguear dos ventos no seu
eterno sopro,
que não sejam como almas perdidas ou
almas penadas!
Que subam e vagueiem muito acima e
além dos etéreos espaços!
E, por um instante, jamais se
quedem, se apartem ou se desfaçam!
E não fiquem calcinadas no gélido silêncio da sua humilde tumba!
No horror da fundura eterna da térrea e ignorada sepultura...
"Não quero! Tenho horror que a
sepultura
mude em vermes meu corpo enregelado.
Se no fogo viveu minha alma pura,
quero, morto, meu corpo calcinado.
Depois de ser em cinzas transformado,
lancem-me ao vento, ao seio da
natura...
Quero viver no espaço ilimitado,
no mar, na terra, na celeste altura.
E talvez no teu seio, ó virgem
linda,
tão branco como o seio da virtude,
eu, feito em cinzas, me introduza
ainda."
Caetano da
Costa Alegre , nasceu em S. Tomé, a 26 de Abril de 1864, no seio de uma família
crioula cabo-verdiana, na então colónia portuguesa de São Tomé.
Em 1882 mudou-se para a Metrópole e frequentou as aulas de uma escola de medicina em Lisboa, para formar-se como médico naval. Morreu de tuberculose antes de poder cumprir tal objetivo, com apenas 25 anos.
É reconhecido, que, Caetano Costa Alegre, “foi um dos primeiros, poetas africanos de expressão portuguesa a colocar sua condição de africano na poesia, com versos assim: "Ah! Pálida mulher, olha, a noite é negra e tem milhões de estrelas,/ o dia é belo e branco e tem apenas uma".
A sua poesia revela a dolorosa angústia de quem teve a cor como estigma indiciando já, um certo negrismo literário, configurador da etnicidade que marcará a literatura africana de língua portuguesa. Foi compilada postumamente no livro Versos (1916), cuja edição foi promovida pelo seu antigo companheiro e amigo Artur da Cruz Magalhães (1864-1928).
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