Ilhas Maravilhosas, erguidas em mares, tão atribulados - Antes sulcadas por rotas de escravos, agora infestadas de piratas, além de violentos tornados e tubarões
Admiro as primeiras navegações nas frágeis caravelas, que Luis Vaz de Camões, cantou, em canto v de Os Lusíadas, mas não o período do comércio da escravatura, que depois se lhe seguiu.
"Sempre enfim para o Austro a aguda proa
No grandíssimo gólfão nos metemos,
Deixando a serra aspérrima Leoa,
Co'o cabo a quem das Palmas nome demos.
O grande rio, onde batendo soa
O mar nas praias notas que ali temos,
Ficou, com a Ilha ilustre que tomou
O nome dum que o lado a Deus tocou.
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Enfrentando tempestade |
O Golfo da Guiné - Continua a ser - na atualidade- um dos mares mais perigosos do mundo- O capitão-de-mar-e-guerra português Nicholson Lavrador afirmou em 26 abr 2023, que o Golfo da Guiné é a zona mais perigosa em termos de pirataria e que a Marinha Portuguesa tem contribuído para garantir a segurança daquela região marítima, entre o Senegal e Angola.
"A segurança no Golfo está a afetar negativamente o comércio marítimo e a representar uma ameaça crescente para as comunidades costeiras e a comunidade internacional“, sublinhou o coordenador residente da Nações Unidas em São Tomé e Príncipe, Eric - Em 12/04/2023
Mas o comandante americano, colocou-me num perturbador dilema ; fez-me um ultimato: ou ficava a bordo a trabalhar ou a canoa era largada ao mar.
20 de Outubro - 1975 -Na impossibilidade de apanhar a corrente equatorial, decido regressar a S. Tomé. “Então, larga daqui! Não percas tempo, porque te podem matar!
Desiludido por não ter sido largado um pouco mais a sul e a oeste, lá parti, de regresso a São Tomé, pelo desconhecido oceano a fora, a pensar em refazer nova viagem e com o apoio marítimo de alguém que não me traísse! - .
E, na verdade, mal me afastei do pesqueiro americano, tive logo duas pirogas munidas de zagaias atrás de mim. Presumo que fosse para ma apanharem também a canoa e os mantimentos -

O único européu, que lá vivia, era um padre, que foi ali transportado num pequeno bote a pedir medicamentos e comida.
Vários pescadores , que se aproximaram nas suas pirogas, subiram também a bordo por escadas de cordas para venda de cocos e outros produtos da ilha,, tendo até eu aproveitado para trocar alguns cocos por latas de conserva, que nesse dia à noite tive de lançar borda fora, quando a canoa ficou atravessada por uma enorme vaga e a encheu de água, afim de evitar que mergulhasse totamente
.
A SORTE PROTEGE OS AUDAZES - Assim aconteceu
Valeu-me o facto de ter a corrente e os ventos favoráveis e ir à vela, enquanto as outras pirogasm , só navegava a remos, senão teria sido golpeado e morto .
Sim, após um dia com vento pela popa e à vela - mas sempre perseguido por duas canoas para me roubarem os alimentos, dada a extrema penúria vivida naquela ilha - surge o inevitável temporal:
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Ilha de Ano Bom |
Um violento tornado, ao princípio da noite, vindo do sudeste, uma súbita rajada de vento seguida por uma enorme vaga, apanha-me desprevenido e ainda com a nova casca de noz, mal acabada de experimentar, solta-me o leme (que lhe adaptei - e só por milagre também eu não fui atirado, com a cana do leme, para o seio daquela escurissima confusão, que só a curtos espaços os relâmpagos iluminavam) deixa-me a piroga atravessada à vaga e desgovernada, varrendo-me os apetrechos e forçando-me alijar da maior parte de viveres para aliviar o lastro e não ir ao fundo
Lá foram mandados ao mar três bidões de água potável e as latas de conserva oferecidas a bordo do pesqueiro Hornet. Apressei-me a enrolar a vela e a colocar o mastro (suplente) de través para lhe conferir alguma estabilidade e a lançar o 4º bidão de plástico, meio de água, preso a uma corda para fazer de âncora flutuante de modo a forçá-la a estar de proa à vaga..
O colchão insuflável, coloquei-o à proa com a lanterna, sobre o estrado) para o que desse e viesse, sim, era a única boia que dispunha e eu não sabia ainda muito bem como a canoa iria resistir e se comportar..
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A sul e à popa ia ficando mais distante Ano Bom |
Escusado será dizer que a noite fora pavorosa!...Não há palavras para a descrever..De manhã improvisei um remo com um barrote e uns bocados que arranquei da cobertura, junto à popa..Sim, nunca cruzei os braços, nunca me dei por vencido: foram infinitos os momentos em que a vida esteve sempre presa por um fio. Mas havia que lutar.
Era o começo de um longo e exaustivo tormento . . As chuvas constantes da primeira semana, com o horizonte sempre encoberto, impedir-me-iam de avistar São Tomé. Mais tarde avistei a Ilha do Príncipe e Ilhéu das Tinhosas, mas, a falta de remo adequado, não me permitiram a aproximação. Por fim, a 27 de Novembro, acostei numa praia de Bioko (ex-Fernando Pó) .Onde fui preso e encarcerado por suspeita de espionagem.
Acabei por viver a situação de um náufrago - Na verdade, também era o que pretendia, um dos objetivos dessa minha aventura era juntamente reforçar as de teses de Alain Bombard, o náufrago voluntário .Para ele, era inconcebível que milhares de náufragos perdessem a vida no mar, todos os anos, pouco tempo depois de chegar às suas embarcações.
O pensamento de Bombard era de que um náufrago poderia sobreviver simplesmente usando “sua cabeça”. Como provar isso? Naufragado, voluntariamente.
Felizmente, lá me safei, a meio do corredor, justamente no dia, em que já me arrastavam para a forca.
Um inesperado telefonema do então sobrinho de Francisco Massias, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, atual presidente da Guiné Equatorial desde 1979, telefonava a ordenar que fosse à sua presença, tendo acreditado no teor da mensagem, graças a Deus, lá me libertou da penosa condenação.
POUCOS DIAS DE CATIVEIRO, MAS AUTÊNTICAS ETERNIDADES - QUEM NÃO RECEBESSE COMIDA DO EXTERIOR, MORRIA DE FOME

Creio que, naquela altura, devia ser o único europeu preso. Agora, depois que houve por lá uma tentativa fracassada de Golpe de Estado, em Março de 2004, estão lá presos alguns dos implicados. Mas nada que se compare às tenebrosas condições daqueles tempos.
Nos dias seguintes, passei a receber uma cestinha, com frutos e outros alimentos, por parte do barbeiro do Presidente Nguema, um amável são-tomense, o Sr. Freitas, que era também o representante diplomático e que ali tinha ido a seu mando para recolher informações a meu respeito -
Pedi-lhe para lhe mostrar uma mensagem autenticada pelo MLSTP, que se destinava a saudar o Povo Brasileiro: mesmo assim, não acreditou na sua veracidade; tendo-me dito, no dia seguinte, que "Sua Excelência, está muito desconfiado das suas intenções; não acredita no que está escrito neste papel, pelo que, enquanto aqui estiver, eu trago-lhe alguns alimentos - Sõ depois, quando fui conduzido à presença do Comandante Obiang, a quem mostrei a mesma mensagem, este ordenou a minha soltura
Quem entrasse naquela cadeia, entrava para a lista da morte.
Eu bem me apercebi dos gritos lancinantes e de terror dos pobres infelizes, que, depois da meia noite, eram executados, não pelas balas (que isso fazia demasiado barulho e ficava caro, pois, naquela altura, o petróleo, ainda não tinha ali feito jorrar milhões de dólares, sendo então considerado o país mais oprimido e miserável de África) mas por garrotes de asfixiamento!.
Dessa sina, felizmente, lá me safei, graças a Teodoro Obiang - Quando ele veio a Lisboa, por ocasião de uma Cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que decorreu no Centro Cultural de Belém, eu dirige-me lá para lhe agradecer pessoalmente o seu gesto. Estou convencido, que, por vontade do seu tio, eu era fuzilado, dado o estado demência e de paranóia, como Macias dirigia o seu país. Bastava-lhe sonhar que um ministro o queria trair, para o mandar logo mata
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