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terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

S. Tomé e Príncipe - Recordou o massacre do Batepá de 3 de Fevereiro há 72 anos Fui o 1º jornalista a divulgar as imagens e a entrevistar sobreviventes do horrendo crime, que me ia custando a vida 20 anos depois por alguns colonos e militares– Puseram-me à forca à porta de minha casa e espancaram-me O Zé Mulato, carrasco do Campo de Concentração de Fernão Dias , confessou-me que foi uma máquina bruta a matar

                   


Por Jorge Trabulo Marques - Jornalista - S. Tomé de 1970 - a 1975. Aqui desembarquei, em Nov de 1963 Fui empregado de mato, nas roças Uba-Budo, Ribeira Peixe e Rio do Oiro, atual Agostinho Neto  nomeadamente na dependência de Fernão Dias , onde haviam decorrido  os massacres de Fev de 1963


S. Tomé e Príncipe – Homenageou  ontem os mártires  de há 72 anos 3 de Fevereiro de 1953, junto ao monumento em memória dos que tombaram no massacre do Batepá –  No local do famigerado campo de concentração de Fernão Dias



Refere o jornal Téla Nón. que,  o Presidente da República Carlos Vila Nova, ao analisar o acervo histórico sobre o massacre de 1953 na Praia de Fernão Dias, descobre novos factos históricos. Factos que não são do conhecimento da maioria do público santomense principalmente os jovens.

O Chefe de Estado avisou que as causas do acontecimento de 1953, ainda se reflectem no presente de São Tomé e Príncipe. «É preciso ter em conta que o que aconteceu reflecte-se na nossa vida futura. Recordo-me que no dia 2 de fevereiro de 1953, e está escrito, que puseram a circular rumores de que todo aquele que contratasse um santomense para trabalhar nas roças seria morto», declarou.

Fui o 1º jornalista a divulgar imagens e entrevistas - 20 anos depois. do horrendo crime, que me ia custando a vida por alguns colonos e militares– Puseram-me uma forca à porta de minha casa e espancaram-me, furaram-me os pneus do meu carro à navalhada. Tive de fugir de canoa para a Nigéria, ao longo de 13 dias .O Zé Mulato, carrasco do Campo de Concentração de Fernão Dias , com raízes angolanas e portuguesas, confessou-me que foi uma máquina bruta a matar. Regressei a S. Tomé, 39 anos depois, tendo aproveitado para fazer outras entrevistas e registos, bem como nos anos seguintes, em que ali voltei

No Portugal de Salazar e de Marcelo Caetano, não só houve o Batepá, em S. Tomé: - também houve o massacre da aldeia do Colmeal - Um dos episódios mais negros da História de Portugal https://www.noticiasdecoimbra.pt/o-massacre-do-colmeal-um-dos-episodios-mais-negros-da-historia-de-portugal/

Em Moçambique, em 1972   em que as tropas portuguesas dizimaram um terço dos 1350 habitantes de cinco povoações (Wiriyamu, Djemusse, Riachu, Juawu e Chaworha) https://pt.wikipedia.org/wiki/Massacre_de_Wiriyamu

 A esta ex-colónia, voltaria o charmoso   Baltazar Rebelo de Sousa, em Janeiro de 1974, na qualidade de Ministro do Ultramar, https://arquivos.rtp.pt/conteudos/visita-do-ministro-do-ultramar-as-colonias/  Que já ali havia sido governador e se havia revelado, como o maior propagandista e sedutor de ambos os regimes ditatoriais   desde  Subsecretário de Estado da Educação Nacional  de 1955 a 61, além de outros altos cargos, até á queda do regime, último ministro do Ultramar


"FUI UMA MÁQUINA BRUTA A MATAR" - A uns matava-os a soco, outros a tiro, à paulada ou à machinada! Alinhava-os ao longo da vala para não me darem muito trabalho.Alguns ainda gritavam lá dentro, mas calava-os imediatamente, com umas quantas pazadas de terra. Nem era eu que as deitava, mas a outra "empreitada" que vinha logo  a seguir.  - ...Fui duro!... Bem sei... Tinha de ser...E não me pergunte se  estou arrependido,não senhor! Não estou!!.. - Outros amarrava-os  à cadeira dos choques eléctricos!... "até pulavam!...Até gritavam!... 


O que se passou tem de ser interpretado à luz da ignorância e das trevas da época - em que apenas uma reduzida elite, parasita e corrupta, vivendo à sombra do regime colonial e ditatorial, tirava proveito e fazia o que bem lhe apetecia - Há que não ignorar esse passado mas  olhar em frente, sem remorsos e com os olhos confiantes num futuro melhor: Portugal e S. Tomé falam a mesma língua - e ambos os povos foram vítimas do ignominioso e longo período colonial fascista. .E, afinal, muitos de nós cresceram e viveram à sombra da mesma bandeira -Porém,  a história não pode ser nem apagada nem esquecida: faz parte dos dois países

Os Massacres do  Batepá,  começaram num remoto lugarejo, com o mesmo nome, perdido no mato e que depois se estenderam a várias aldeias, vilas e aos habitantes da cidade, lamentavelmente não é caso único, que só o 25 de Abril lograria terminar. É também o  da mártir aldeia do Colmeal situada algures numa escondida encosta da Serra da Marofa, Figueira de Castelo Rodrigo, que prefiguraria , igualmente, uma das páginas mais negras da História da Lusitânia moderna sob jugo e ocupação portuguesa. - 




Entrevistei sobreviventes 
e publiquei fotografias que me valeram  - por duas vezes -
 todos os  pneus do meu carro à navalhada,
- isto já depois de uma tentativa de ser abalroado na estrada,
posta uma forca de corda pendurada por colonos à porta de minha casa,
ainda voltei a ser alvo de  muitas cenas de ódio
e afrontosas  patifarias! - Uma ocasião invadiram o Palácio,
e, quando me viram, eram milhares  de colonos à pedrada atrás de mim:
salvou-me o facto de ver uma porta aberta e subir pelas escadas
e me esconder no telhado - Felizmente houve quem assistisse
à perseguição e visse o meu esconderijo: um santomense,
pela calada da noite, chamou-me
e levou-me para o seu humilde casebre,
algures fora da cidade,
onde me tratou dos ferimentos
e, durante duas semanas, me acolheu generosamente.
Quando voltei à minha modesta casa - um simples quarto alugado
num edifício de escritórios, o seu estado era irreconhecível:
partiram-me tudo - roupa rasgada,
máquina de escrever destruída,
de inteiro não ficara nada.. 

Falei  com o "Homem Cristo", o único sobrevivente
que, entre três dezenas de aprisionados,
numa  cela de polícia, irrespirável, minúscula e apertada,
logrou resistir e pôde  escapar-se  a uma saraivada de balas!
Pois, de  manhã, o carcereiro ao abrir a porta
munido de  uma arma,  vendo-o a fugir,
apresou-se a carregar  sobre ele toda  a metralha
crivando-o, quase completamente, com dezenas de disparos.

Mostrou-me, em sua casa, as calças completamente esburacadas
por onde cada bala  fizera a sua perfuração,
desde os pés, às pernas e quase  à cintura,
fora  os disparos que o atingiram noutras partes do corpo.
Confesso que fiquei incrédulo: nem queria acreditar
no mistério assombroso  que teria estado na sua salvação.
Mas a verdade é que ele estava vivo
e estava ali à minha frente.
Era de carne e osso como eu.
Era um ser humano. Não se sentia nem inferior nem superior a nada.
Nem era nenhum espírito de outro mundo, duende ou fantasma.

Interrogava-me de como teria sido possível resistir
ao despejar de carregadores de balas, suportar tanta metralha
e ficar vivo?!...- Oh, sim.. Pobre homem!... Foi um milagre!
Estou a imaginar o sofrimento
e a enorme aflição por que passou
na sua atormentada mas tão espetacular fuga!
- Claro que foi um homem de sorte!... Apesar de fortemente baleado,
foi um felizardo ter sobrevivido! - Um verdadeiro milagre que o salvou!
- Por esse motivo, por essa razão,
passaram a chamar-lhe o "HOMEM CRISTO"

Eu vi a franzina figura desse  CRISTO!
Desse pequeno grande homem, corajoso, simples e humilde.
e o mais surpreendente de tudo é que ele parecia
não alimentar o menor rancor, ódio ou mágoa
de quem quer que fosse!...No seu rosto
transparecia confiança  e uma espécie de  luminosa claridade!
- E até sorria, quase com infantil ingenuidade
quando olhava para as calças e me dizia:
"Veja a sorte que eu tive!... Veja como  as  balas
furaram as minhas calças, atravessaram
as minhas pernas  e não me mataram!..."
Espantoso! - Todas estas palavras
expressas com tão claríssima serenidade!
-
Sim, apesar de tudo, as malditas balas - que tudo perfuram - foram suas  amigas,
deixaram-lhe as pernas ensanguentadas  e  quase partidas
mas não o deixaram estendido e o atiraram para a sepultura
(tal como os demais companheiros que morreram horrivelmente asfixiados)
Ele estava ali à minha frente,
embora cheio de cicatrizes,
mas ainda bem lúcido e vivo!
Todavia, a testemunhar
e a gritar aos céus e a Deus,
tão gritante tirania
e maldade!


- Ao lado a imagem do  pântano de areias movediças,  infestado de mosquitos para onde eram atirados com pesadas argolas de ferro ao pescoço 


BAPETÁ - A PÁGINA MAIS NEGRA DO PERÍODO COLONIALl

COMO A MORTE CEIFOU POR COMPLETO UMA PEQUENA ALDEIA E SE ALASTROU POR QUASE TODA A ILHA -  AS CONFISSÕES DO CRIMINOSO ZÉ MULATO  E DO "HOMEM "CRISTO"- O HOMEM QUE FOI CRIVADO DE BALAS E SOBREVIVEU (relato de um santomense que fora torturado - 20 anos depois - agora já lá vão 58 ).

Escasseava a  mão de obra barata..
E o governador planeava construir grandes edifícios
à custa do trabalho forçado nas ilhas
 e  mandou o ajudante de campo 
armado em soldado nazi a comandar 
um grupo de milícias para  ordenar
o trabalho obrigatório..
num verdadeiro retorno aos primórdios
do ignóbil e duro esclavagismo,
até que,  numa remota aldeia perdida no mato, 
algures pela Vila da Trindade,
alguém se encheu de coragem e reagiu 
sobre o fogoso e arrogante alferes,
que teve a reação popular que merecia 
e à altura da leviandade
e do desprezo como olhava a  população 
e impunha  a sua vontade .

A partir daí o Governador  Gorgulho -  para salvar  a face 
dos seus desmandos e  prepotências,
e, como os grandes erros, nunca vêm sós,
para justificar uns cometia outros, cada vez mais graves. 
passou acusar os "rebeldes" de comunistas,
através da imprensa e da rádio.
E  não tardou que os colonos - incentivados  ao ódio à  dita   "hidra comunista", 
respondessem ao apelo dos muitos boatos propalados:
"Há notícias de que foram avistados submarinos soviéticos ao largo 
e descarregadas armas para apoiar a revolta  dos negros insurretos contra 
a integridade desta província ultramarina!"  - Foram detidos
e presos vários suspeitos. O governo promete firmeza 
e mão pesada aos criminosos! 
Por toda a ilha mobilizam-se milhares de voluntários."
- E, quilo que  poderia ter sido um caso isolado,
depressa é rotulado de rebeldia comunista.

Face a tais atoardas e  falsos alarmes, as roças  passam ao ataque:
empregados de mato e dos escritórios, 
feitores e administradores - e até capatazes negros -
  partindo em jipes de todas os cantos da colónia,
concentraram-se na Trindade, e, fortemente armados,  dirigem-se
através dos caminhos do mato ao Batepá, descarregando  tiroteio forte e feio, 
(naquela e noutras aldeias) sobre as populações indefesas e pacíficas
- mães com os filhos às costas,  homens,  mulheres e inocentes criancinhas,
e até porcos, cabras e galinhas -,
tudo é imediatamente alvejado e varrido!
Tudo quanto é vivo e apanhado pela frente,  é vítima
das maiores  atrocidades e dos disparos mortíferos
das velhas máuseres alemãs hitlerianas - herança do nazismo.
A  fúria assassina só terminou, quando, 
em escassos cinco dias,
rapidamente todas as munições se esgotaram na ilha
- Para trás, ficava um autêntico banho de sangue,
aldeias totalmente queimadas e destruídas
e inúmeros cadáveres estendidos
sobre o chão fértil e verde  da luxuriante floresta.

E a paz , que ali reinava dantes, 
dava lugar a um autêntico cenário de horrores: 
por todo o lado havia a imagem e o cheiro da morte!...
- E aqueles que conseguiram escapar,  feridos ou vivos,
onde quer que se encontrassem,
vertiam agora lágrimas de dor e de luto, de desespero e aflição.
Rara era a família santomense que não chorasse
um dos seus mortos.
 - Porém, o macabro crime não tardaria também a atingi-los 
da forma mais violenta e cobarde.
Enceta-se a caça aos "culpados" e outro cenário cruel
rapidamente vai ter lugar.

O governador ordena a matança  de  uma assentada 
e depois arrasa, em campos de morte e repressão,
outros tantos  milhares
para justificar o injustificável:
o  abominável crime, as incomensuráveis arbitrariedades

Ouvi as declarações e os desabafos de algumas das vítimas 
que sobreviveram  ao massacre do Batepá 
e às prisões  e  torturas de centenas de mortes que se seguiram.
Por fim,  também ouvi o principal carrasco, cujo diálogo
registei para um pequeno gravador . Recebeu-me na sua oficina, cá fora,
encostado à sua carrinha. Mas não foi fácil falar com o  corpulento Zé Mulato.
E até me dirigi a ele com alguma relutância e   medo,  receando
que pudesse ter a mesma atitude intempestiva 
dos colonos e me agredisse - Não o fez fisicamente
mas as suas palavras soaram-me a balas,
a extrema violência e a  fusis!

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