Jorge Trabulo Marques – Jornalista e investigador -
Visconde de Malanza com familiares e amigos
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Recordando o negro santomense, que quis fazer vida de luxo junto da frívola e corrupta nobreza e burguesia de Lisboa e Cascais, tramou-se. Até o rei D. Carlos, acabaria por ser assassinado, anos mais tarde, vítima dos vícios que alimentou e do descrédito em que caiu a casa real – Obviamente, que, os criminosos que o mataram, da república que se implantou, não fizeram melhor
«Morreu um dia d'estes um negro riquíssimo, que quis por força passar por branco, o que lhe custou os olhos da cara … Se teima em viver mais algum tempo acabava a pedir. Rodeara-se d'uma corte que lhe custava caríssima: lisonjeavam-no e rapavam-lhe o cofre até ao fundo» –
Diz, Raul Brandão, em MEMÓRIAS, 1910 – Descrição inserida, em forma diarística, no contexto referente ao ambiente dos costumes, frívolos, corruptos e viciosos, que, nos finas do século XVIII e princípios do século XIX, caracterizavam a nobreza ou da gente que fingia de nobre , da ostentação da burguesia vaidosa e dos fidalgos hipócritas e ignorantes, que se movimentavam entre os salões de festas e bailes ou iam exibir-se nos camarins e corredores do Teatro S. Carlos, em Lisboa ou em Cascais, “ Alimentado a futilidade, o mexerico, a extravagância - Ambiente fútil e dissoluto que acabaria por contribuir para o descrédito e a queda da monarquia, com o assassinato de D. Carlos, a tiro de pistola, no Terreiro do Paço
Diz, Raul Brandão, em MEMÓRIAS, 1910 – Descrição inserida, em forma diarística, no contexto referente ao ambiente dos costumes, frívolos, corruptos e viciosos, que, nos finas do século XVIII e princípios do século XIX, caracterizavam a nobreza ou da gente que fingia de nobre , da ostentação da burguesia vaidosa e dos fidalgos hipócritas e ignorantes, que se movimentavam entre os salões de festas e bailes ou iam exibir-se nos camarins e corredores do Teatro S. Carlos, em Lisboa ou em Cascais, “ Alimentado a futilidade, o mexerico, a extravagância - Ambiente fútil e dissoluto que acabaria por contribuir para o descrédito e a queda da monarquia, com o assassinato de D. Carlos, a tiro de pistola, no Terreiro do Paço
Colecção Ângela Camila Castelo-Branco e António Faria |
“Jacinto Carneiro de Sousa, 1º Visconde de Malanza, (1845/1905), fidalgo cavaleiro da Casa Real, nasceu na Ilha do Príncipe, filho de João Maria de Sousa Almeida, 1º Barão de Água Izé. Em 1852 vem para Lisboa estudar no Colégio de Nossa Senhora da Conceição. Herda de seu pai em São Tomé, os prazos: Alto Douro e Monte Belo, casa-se com a sua sobrinha Dona Pascoela Correia de Almeida. O título “Malanza”, refere-se a um dos lugares mais agradáveis da Fazenda Porto Alegre, fundada por Jacinto Carneiro de Sousa no extremo meridional da ilha de S. Tomé. "http://grandmonde.blogspot.pt/2006/12/do-baro-de-gua-iz-ao-visconde-de.html
MAIS TARDE VOLTA A PORTUGAL MAS JÁ NÃO REGRESSA A SÃO TOMÉ
Mais tarde, após o seu regresso a S. Tomé, voltou à capital do Império para fazer figura - Viajou da sua maravilhosa ilha para se ir meter na boca do lobo: levado pela vaidade e por uma certa ingenuidade que ainda hoje se reflete no olhar das crianças santomenses: - Mostrar a sua riqueza, junto de uma fidalguia e burguesia, que de ingénua nada tinha, mas calculista e hipócrita, tramou-se: já nem sequer chegou a regressar à sua ilha:
Ainda antes de morrer: - "Os brancos ficaram-lhe com as roças, e as propriedades de S. Tomé foram transferidas para uma sociedade por cotas. É o que consta por aí, enquanto o negralhão estoira com uma pneumonia dupla - e lá em casa se toca desaforadamente piano com as janelas abertas de par em par”
TANTO NAS ILHAS VERDES DO EQUADOR, COMO DA CAPITAL DO REINO A CASCAIS – OS MESMO SURRIPIANÇO INSTITUÍDO PELOS PARASITAS DO COSTUME
Naquela época, o ambiente, de usurpação, que se verificava nas duas ilhas do império colonial português, situadas no Golfo da Guiné, não era muito diferente da vaidade e do parasitismo, ostentado em Lisboa, Sintra e Cascais, que rodeava a família real, tal como demonstrarei mais adiante, valendo-me de excertos do diário de Memórias, de Raul Brandão, bem de outros elementos extraídos de um estudo de Carlos Agostinho das Neves - S- Tomé e Principie - Na Segunda Metade do Século XVIII
Março 1904 - MEMÓRIAS – de Raul Brandão
"Morreu um dia d' estes um negro riquíssimo, que quis por força passar por branco, o que lhe custou os olhos da cara .. Se teima em viver mais algum tempo acabava a pedir. Rodeara-se d'uma corte que lhe custava caríssima: lisonjeavam-no e rapavam-lhe o cofre até ao fundo. Depois inventavam-lhe processos, depois demandas…Depois sopravam-lhe à vaidade incomensurável. E o negro-sorria, o negrodizia- sempre que sim. Tinham-no casado com uma linda rapariga branca – e o preto, à farta, pagara tudo, dotara tudo, a noiva, os pais da noiva, os parentes da noiva… E cada vez mais brancos lhe faziam a corte e o enredavam numa vasta teia de interesses, com muitas zumbaias e papel selado.
Um dia foi a Inglaterra e quis viajar como um príncipe branco: comprou um Yacht de luxo para ir a S. Tomé: cinquenta contos. Na volta não havia carvão a bordo e deitaram-se a queimar a madeira entalhada, os doirados do barco, as portas, os salões, as molduras. E o preto sorria. Quando chegou a Lisboa vendeu o barco por uma côdea.
Rodearam-no mais brancos, apareceram-lhe mais brancos infatigáveis, pressurosos, obsequiadores. E mais papel selado, mais contratos e procurações para assinar – o enredo, a teia subtil em que o negralhão foi arrasado e envolvido, o verdadeiro, o autêntico drama, enfim, do preto que quer ser branco… Se ele tinha por acaso um sobressalto, falavam-lhe logo à vaidade ou davam-lhe noticiam d’uma coisa que se chama o Código, a Lei, à Fórmula, e o preto, que não compreendia e que se sentia feliz, submetia-se sem contestar, com uma grande satisfação por fazer parte d’esta raça ilustre e respeitada de brancos, por ser Visconde, por pertencer à Corte e à alta sociedade elegante.
….Antes de morrer lá lhe deram o último golpe – de preto. Os brancos ficaram-lhe com as roças, e as propriedades de S. Tomé foram transferidas para uma sociedade por cotas. É o que consta por aí, enquanto o negralhão estoira com uma pneumonia dupla - e lá em casa se toca desaforadamente piano com as janelas abertas de par em par.
Baía de Água Izé |
Bisneto do Barão de Água Izé |
Pelos seus relevantes serviços prestados na agricultura, havia recebido o título Visconde de Malanza - Pelas mesmas razões, também já o seu pai, João Maria de Sousa Almeida,(12-03-1816 - 17.10.1869), havia sido distinguido como o 1º Barão de Água Izé e Conselheiro do Reino - Era proprietário em S. Tomé e Príncipe e no distrito de Benguela, assim como em Castelo do Sul e Alto Douro, O poeta agricultor, a quem, em 1855, se ficou a dever a introdução a cultura do Cacau em S. Tomé, importando-o da Ilha do Príncipe, para onde havia sido levado do Brasil, pelo então Governador Manuel Ferreira Gomes A que me referi neste site, em site - http://www.odisseiasnosmares.com/2016/04/barao-de-agua-ize-nasceu-ha-200-anos-12_81.html
Pena, no entanto, que aquela que começara por ser designada como a árvore dos pobres, com o decorrer do tempo, viesse a tornar-se a árvore das patacas dos ricos - Pois não tardou que a maior parte das terras que, até 1872, eram propriedade dos nativos, passassem para os roceiros colonos, sob as mais diversas ciladas ou artimanhas - Foi do que não se livrou o Visconde de Malanza, Jacintho Carneiro de Sousa e Almeida - De resto, sorte idêntica tivera também, Maria Correia, (1788 a 1861)devido a uma certa vida faustosa e às cobiças que a traíram, a que já nos referimos neste site conhecida como a princesa negra da Ilha de Príncipe., cuja herança foi fora objeto de cobiça. http://www.odisseiasnosmares.com/2016/05/principe-e-sua-princesa-negra-d-maria.html
VILA DE MALANZA - O POVOADO QUE DEU TÍTULO A VISCONDE
Tal como já tive oportunidade de referir, em anterior postagem, num país europeu, onde a maioria das principais cidades têm mais população de que a Ilha de S. Tomé, Malanza não passava de um simples e modesto aglomerado de casas de madeira - Porém, se há vila, em S. Tomé, com história, é a Vila de Malanza - nome advém-lhe do rio, que a atravessa, ao desaguar no mar – E foi o título dado ao Visconde de Malanza, de seu nome Jacintho Carneiro de Sousa e Almeida, filho do 1º Barão de Água Izé e Conselheiro, João Maria de Sousa Almeida – Tal como é dito por Manuel Ferreira Ribeiro, no pequeno livro”1º Barão d’Água Izé e seu filho Visconde de Malanza, “o título Malanza, refere-se a um dos lugares mais agradáveis da Fazenda de Porto-Alegre, fundada pelo nobre Visconde no extremo meridional da Ilha e que representa um valioso serviço por ele feito a S. Tomé.
Foi este ousado agricultor quem lançou as bases da colonização ao sul e Sudoeste da Ilha. E todas as terras, de floresta seculares, que por ali existiam sem exploração alguma, foram transformadas em belas plantações, e foi dotada toda esta região inculta de notáveis fazendas ou lindas quintas agrícolas ou tropicais, que fazem o encanto de todas aqueles que as têm visitado.
E, na fazenda Porto-Alegre, introduziu o nobre visconde melhoramentos excepcionais.
Montou serrarias a vapor, construiu um caminho de ferro, lançou uma boa ponte sobre o Malanza, preparou uma ampla piscina – a primeira da ilha de S. Tomé – e abriu um campo de aclimatação, aonde trouxe as melhores plantas úteis tropicais.
A sua fazenda de Porto-Alegre, é, sem a menor dúvida, uma das maiores e das mais bem expostas de toda a ilha. E, por isso mesmo, constituiu uma região cacaueira por excelência.
(…) Não havia na Ilha de S. Tomé meios de transportes fáceis e seguros, em volta da ilha, lutando assim os novos agricultores estabelecidos ao Sul, com grandes embaraços, e então adquiriu o belo vapor Malanza, oferecendo fácil e rápida viagem aos que se dirigiam às fazendas, para as quais só podia aproveitar a via marítima.
Foi o nobre Visconde o primeiro agricultor de S. Tomé que me navio próprio – no Yatche Vá-Inhá - fez a travessia daquela ilha a Lisboa.
Por muitas vezes, em terra e n mar, deu provas de grande coragem apresentando-se sempre nos grandes perigos, com o maior sangue frio.
Na exploração agrícola que iniciou no sudoeste da Ilha, e à qual chamou tantos europeus, revelou tal tenacidade de carácter e tão viva fé no trabalho, que poderia invocar-se esse arrojado empreendimento como uma das suas maiores glórias.
Nos serviçais e trabalhadores tem amigos e é sempre dia de grande festa em Porto-Alegre aquele que faz reunir todas as crianças. Mostra assim o vivo interesse que nel desperta a população trabalhadora, distinguindo, com singular afecto os que foram seus companheiros nos rudes trabalhos agrícolas, que primeiros se fizeram nas fazendas de S. Miguel e Porto Alegre,
Contra a praga dos ratos, que tão grande prejuízo causa à agricultura, mandou vir do Instituto Pasteur, em julho de 1895, o veneno que mais se recomenda para o destruir"
VOLTADA A SUL E QUASE SOBRE A LINHA DO EQUADOR
NUM QUASE FIM DE TARDE - Recordações de histórias do Pico Cão Grande, de caçadores de porcos e de heróicas provas de sobrevivência de pescadores
Quem for a S. Tomé, com intuito de conhecer as suas mais belas paisagens e maravilhosas praias, dificilmente deixará de ir ao Sul - Existe uma estrada alcatroada, que lhe proporcionará as mais fascinantes surpresas, e é das melhores vias, atualmente existentes na Ilha - Umas vezes, lado a lado com o oceano equatorial, outras, com as curvas mais imersas pela florestas, sim, há muitas curvas e contracurvas, esse é o desfio com o qual tem de saber lidar o viajante de carro, mas é um desafio deveras aliciante e encantador.
No meu caso, ir ao Sul, 40 anos depois de meus olhos terem deixado de contemplar o Pico Cão Grande e toda a majestosa floresta do obó envolvente, impunha-se como que uma peregrinação sagrada e obrigatória – Mas eu ainda fui mais a sul, pois desloquei-me até à Vila Malanza, graças à cortesia de bons amigos - o português, Manuel Gonçalves e, posteriormente, do Coronel Victor Monteiro.
E que maravilhoso fim de tarde, ali não desfrutei!... Pese o facto do céu se encontrar muito nublado, o que é normal numa das zonas mais pluviosas de S. Tomé, mormente na Época das Chuvas, que foi justamente o que sucedeu na minha deslocação, nos finais de Outubro, de 2014.
Há quem passe pela estrada a fora, que corta a pequena vila e se limite ao olhar as pessoas, as casas, as canoas da praia, mas talvez sem olhos de ver: tira foto, mesmo de dentro do carro e toca a girar - Com aquele olhar apressado do viajante de carro, que é geralmente dominado pela avidez da descoberta, mas, no fundo no que pensa é desbundar quilómetros, atrás de quilómetros, sem nunca se dar por satisfeito.
Não foi o meu caso: - pedi ao meu companheiro de viagem, que tinha alugado o jipe, que me deixasse ali para eu dar um saltinho até à praia para falar com os pescadores, enquanto ele ia até Porto Alegre, já que esse era o principal objetivo do seu roteiro.
E, por lá fiquei, não muito tempo, porque, no Equador, o dia começa cedo mas a tarde escoa-se rapidamente. Mas foi o tempo suficiente para ali passar uns momentos inesquecíveis, convivendo com velhos lobos do mar, caçadores de porcos e no meio de revoadas de alegres e risonhas crianças, trazendo à memórias as aventuras da minha escalda ao Pico Cão Grande e no mar – Veja o vídeo e verá como alegres e hospitaleiras são estas gentes do Malanza – De resto, cordialidade e simpatia, é apanágio de quem aqui nasceu e aprendeu a conviver com as mais deslumbrantes maravilhas da Natureza .
TANTO NAS ILHAS VERDES DO EQUADOR, COMO DA CAPITAL DO REINO A CASCAIS – OS MESMO SURRIPIANÇO INSTITUÍDO PELOS PARASITAS DO COSTUME
Naquela época, o ambiente, de usurpação, que se verificava nas duas ilhas do império colonial português, situadas no Golfo da Guiné, não era muito diferente da vaidade e do parasitismo, ostentado em Lisboa, Sintra e Cascais, que rodeava a família real, tal como demonstrarei mais adiante, valendo-me de excertos do diário de Memórias, de Raul Brandão, bem de outros elementos extraídos de um estudo de Carlos Agostinho das Neves - S- Tomé e Principie - Na Segunda Metade do Século XVIII
Março 1904 - MEMÓRIAS – de Raul Brandão
"Morreu um dia d' estes um negro riquíssimo, que quis por força passar por branco, o que lhe custou os olhos da cara .. Se teima em viver mais algum tempo acabava a pedir. Rodeara-se d'uma corte que lhe custava caríssima: lisonjeavam-no e rapavam-lhe o cofre até ao fundo. Depois inventavam-lhe processos, depois demandas…Depois sopravam-lhe à vaidade incomensurável. E o negro-sorria, o negrodizia- sempre que sim. Tinham-no casado com uma linda rapariga branca – e o preto, à farta, pagara tudo, dotara tudo, a noiva, os pais da noiva, os parentes da noiva… E cada vez mais brancos lhe faziam a corte e o enredavam numa vasta teia de interesses, com muitas zumbaias e papel selado.
Um dia foi a Inglaterra e quis viajar como um príncipe branco: comprou um Yacht de luxo para ir a S. Tomé: cinquenta contos. Na volta não havia carvão a bordo e deitaram-se a queimar a madeira entalhada, os doirados do barco, as portas, os salões, as molduras. E o preto sorria. Quando chegou a Lisboa vendeu o barco por uma côdea.
Rodearam-no mais brancos, apareceram-lhe mais brancos infatigáveis, pressurosos, obsequiadores. E mais papel selado, mais contratos e procurações para assinar – o enredo, a teia subtil em que o negralhão foi arrasado e envolvido, o verdadeiro, o autêntico drama, enfim, do preto que quer ser branco… Se ele tinha por acaso um sobressalto, falavam-lhe logo à vaidade ou davam-lhe noticiam d’uma coisa que se chama o Código, a Lei, à Fórmula, e o preto, que não compreendia e que se sentia feliz, submetia-se sem contestar, com uma grande satisfação por fazer parte d’esta raça ilustre e respeitada de brancos, por ser Visconde, por pertencer à Corte e à alta sociedade elegante.
….Antes de morrer lá lhe deram o último golpe – de preto. Os brancos ficaram-lhe com as roças, e as propriedades de S. Tomé foram transferidas para uma sociedade por cotas. É o que consta por aí, enquanto o negralhão estoira com uma pneumonia dupla - e lá em casa se toca desaforadamente piano com as janelas abertas de par em par.
LUXO E DEVASSIDÃO - DESDE A NOBREZA À CORTE - ONDE O VISCONDE SANTOMENSE SE FOI METER....
Agora atente.se nas notas seguintes, extraídas do mesmo livro, 1º volume de Memórias, de Raul Brandão, que poderão, de algum modo, dar-lhe o contexto do ambiente social em que o Visconde de Malanza, foi roubado das suas roças,
"Cultivam só o corpo diplomático e a religião; vestem bem, jogam bem, jogam muito, dançam muito e bem, e flirtam na perfeição. Voltam ao ostracismo algumas palavras que nós dizemos e que são possidónias como: chávena, trem farmácia, carnaval, etc,etc,etc.Tratam-se todos por “você”; alguns têm muita piada e usam todos um ar muito chateado (É da praxe o calão). A “smart” diverte-se mas não sabe sorrir.
Esta sociedade, que anda todos os dias nos jornais, vem do alto até baixo, da aristocracia ao povo, forma uma lista infindável, tem um cronista célebre, e pode ser vista
(...) A sociedade lisboeta tinha dois pontos principais de contacto – Cascais e o teatro de S. Carlos. Era aí que os ricos, ou os que aparentavam impor-se a certa roda, que dificilmente os recebia
(…)Cascais, com a adjacência dos Estoris, - diz-me um frequentador – era a corte da intimidade , em robe-de-chambre, mais fáceis as relações, mais acessíveis e amáveis, tu cá, tu lá. Quase toda a gente do rei, que ia para lá cedo por meados de Setembro, cansados de Sintra nde D. Carlos, raro pernoitava, fugindo a pretexto de tudo e de nada, á convivência da rainha e da Figueiró. A separação do rei e da rainha, segundo me informaram , proviera de uma certa dama, que lançou entre eles sizania. Conhecia ainda linda e elegante, um pouco roliça, de olhos aveludados e lábios vermelhos: nos últimos anos engordara, e banalizara-se. Tinha a fúria do domínio, e rodeava uma corte de corte de gente em que ela mandava e da qual fazia parte um diplomata mais tarde em evidência. Passava por ter relações anormais com a rainha… O marido, pouco esperto, só tinha como ideal ser ministro plenipotenciário e par do reino.
Em Cascais, não se vulgarizava. Saía a cavalo enquanto pôde montar . Tinha varizes nas pernas – informou um dia o D. Afonso. (…) Dava as suas receções à tarde, principalmente em véspera de festa, para serem apresentadas pessoas que desejavam r aos bailes, e que em Cascais mais facilmente obtinham o convite e apresentação indispensável (…)
O D Carlos fazia vida higiénica de madrugada, tirava fotografias , pintava ligeiramente algumas marinhas, sentindo o mar. Logo de manhã, saía de cavalo, com chuva ou com sol ou ia à procura de senhoras que ele perseguia. Tivera, pelo menos um ano, numa vila do Monte Estoril, uma amante, mas isso não o dispensava de querer que o julgassem homem de boas fortunas. Escrevia a miúdo a outras damas, em caligrafia disfarçada, cartas em prosa e em verso à mistura, quase sempre em francês. Eram muito tolas. Vi algumas e podia ter guardado uma, que rasguei. Serviam-se de alcoviteiros ilustres, que o faziam encontrado com as mulheres que lhe agradavam. Outro chegou a dar um baile, para que o rei conhecesse uma senhora da burguesia media de quem andou anos.
Iam ao Sporting Clube, mais conhecido pela Parada, jogar o ténis. Não havia escolha nos parceiros. O almirante Capelo, o explorador, ficava com o sobretudo do rei no braço, enquanto ele jogava. D. Carlos era um tímido, falava pouco. Numa olhava de frente: os seus pequenos olhos evitavam sempre os dos outros
A Parada era a capital do reino de Cascais. Ali se reunia a flor da aristocracia e o ingresso não era fácil.. como sócio. Só nos últimos tempos é que o Tompson, a quem chamavam moço fidalgo, facilitou a entrada . Aos domingos davam-se salsifrés à noite, e todos os anos um grande baile, a que assistia o rei, que distribuía os parceiros e dançavam uma contradança. A rainha, se ia, não se demorava. Nos dias da semana , poucas pessoas lá estavam , preferindo os casinos à beira-mar, principalmente o Estoril.
O rei, todas as tardes, ia para a Boca do Inferno e quedava-se ali, se encontrava algumas senhoras que o interessassem. Por isso chegaram a chamar ao D. Carlos o balão cativo…
O rei mal recebia os ministros, de que se desfazia logo que lhe era possível. Não se demoravam em Cascais, não os convidava para assistir sequer, às partidas. Teve d’uma vez com o Soveral. Não lhe conheci nenhum outro.
(…) Em Cascais era difícil chegar a vias de facto com uma mulher. Meio pequeno, coscuvilheiro, maldoso, maldizente. Não se falava senão nesta ou naquela , em escândalos, repetindo-se os ditos de ouvido para ouvido ou acentuando-se as infâmias. A. M… foi apanhada no pinhal numa atitude equívoca… A. S…. faz namoro descarado ao rei… Mas as coisas arranjavam-se para Lisboa. Vinham ao dentista, às compras, etc. A forçada e grande intimidade estabelecida, de manha na praia , à tarde na Boca do Inferno , onde toda a agente ia , apesar do vento e da poeira, na Parada ou à boquinha da noite no passeio Maria Pia, junto à cidadela onde às vezes fazia uma ventania infernal, à noite nos casinos ou nalguma partida de bridge, a vida quase em comum e os namoros travados , no ar do mar que desequilibrava os nervos e torna os amores exigentes, fizeram tecer muitas aventuras escandalosas. Um ainda fugiu a tempo com a mulher, que, já madura, esteve em vésperas de cair… Nunca mais voltou a Cascais.
As ceias nos bailes eram pugnas. Vi isto até no Paço. Uma descendente de D. João IV, via-a eu agarrar-se a um bufete, com unhas e dentes. Em certas casas, as ceias nunca chegavam. Uma madrugada, num baile do M…chegou a iniciar-se a luta… A alta sociedade era, em regra, pelintra. As grandes famílias tinham gasto as fortunas, e muitas não queriam, ou não podiam, dar bailes. Só tinham dívidas. Não era possível deixar de ir a S. Carlos e de satisfazer outras exigências . Havia-os com atrizes com dezasseis anos de assinatura… Fora o Palmela e poucos mais, não recebiam porque de todo não podiam. E, se o faziam, era sem cerimónia. Não havia dinheiro! Não havia dinheiro!
Descaíam muito os fidalgos, mas obstinavam-se sempre em parecer. Um oficial jogador e pai de uma série de filhos, mandava o miúdo incomodar D. Carlos….Todos os seus fâmulos lhe extorquiam dinheiro quanto podiam. Choravam, punham-se de joelhos, contavam-lhe misérias reais ou falsas. Tive, em Cascais, semanas uma arca com prata para fugir a uma penhora iminente… Um grande fidalgo, no fim de algum tempo, despediu os criados – mas nunca pagou a nenhum. Outro chegou a não ter que jantar, porque o merceeiro não lhe fiava, mas bebia todos os dias garrafas de champanhe.
Havia mancebias antigas e tão respeitáveis , com o casamento, assim, por exemplo, F… e F… Já ninguém convidava uma sem o outro.
Quer que também lhe fale da gente que fingia de nobre , da burguesia vaidosa e que fazia mexerico para ser convidada? A mulher de um grande industrial conseguiu entrar na casa de um fidalgo, onde ia toda a gente, da grande e da baixa. Convidou-a para o jantar, para o teatro e nadava contente como um cuco. Um dia não a convidou mais. Chorou. Isto foi-me afirmado por uma amiga que o viu. Era uma dama, muito linda, com um soberbo colo, mas com o cérebro de uma arara.
Aí fica o quadro levemente esboçado por um frequentador de Cascais. Tudo isto é frívolo e trágico. Lembremo-nos que desta maledicência, dos ditos destas bocas que sorriem, da ninharia e do encanto, se gerou parte da atmosfera donde devia sair o descrédito da rainha e do assassinato do rei.
(…) A politica portuguesa chegara a estar apenas nas mãos e dependente da vontade dos chefes. O José Luciano dizia – O meu partido não é que me leva ao poder -sou eu que levo o meu partido ao poder (…) Alguém jamais se filiou jamais num destes partidos por principio, por ideal? Ou foi por interesse, e, mais simplesmente, por simpatias pessoais
EM S. TOMÉ E PRINCIPIE - "OS CONFLITOS SOCIAIS"
(...) Em “S. Tomé e Príncipe, sede do governo da capitania, quer as mais altas autoridades estivessem em S. António ou em S. Tomé, as suas rivalidades eram constantes. Esse facto gerava tal anarquia, que propiciava a proliferação da delinquência e da criminalidade, chegando ao ponto de circularem boatos referindo que os governadores e ouvidores eram assassinados quando tentavam opor-se aos interesses dos moradores mais importantes e ambiciosos
Por outro lado, o desejo de um rápido enriquecimento levava os governadores e seus subalternos a efectuar roubos, chantagens, extorsões, vendas de cargos e a colocar os seus amigos e parentes em lugares cimeiros da fazenda real, tudo executado sob um clima de terror e de torturas. No limiar da década de cinquenta, o ouvidor-geral, Cristóvão Alves de Azevedo Osório, era acusado por um morador de não ter limites nas suas ambições, por efectuar prisões arbitrárias, substituir os oficiais de acordo com os seus interesses, estimular um motim dos padres e extorquir escravos aos moradores, que depois remetia para as suas fazendas no Brasil
Por seu turno, o morador que acusara Cristóvão Osório, Domingos Pires Ribeiro, não só servia o cargo de provedor da fazenda, como acumulava essa função com a de procurador de numerosos navios do comércio da Mina com graves prejuízos para a fazenda (33). Os governadores não perdiam tempo a saquear a fazenda. Um exemplo disso, foi o caso de João de Azambuja, que mal chegou a S. Tomé, em 1779, ordenou ao capitão-mor que lhe comprasse toda a prata do falecido ouvidor-Constantino José da Silva que se achava no cofre dos ausentes, tudo executado numa arrematação fraudulenta. O mesmo governador servia-se dos soldados para lhe fazerem pescarias que comprava por um terço do seu valor, punindo severamente os faltosos, mandando-os açoitar de manhã e de tarde durante vários dias. Se porventura lhe levavam uma reduzida quantidade de peixe, ordenava aos soldados da sua guarda que lhes batessem com o peixe na cara, e depois lho pendurassem ao pescoço, ficando assim até apodrecer completamente
O poder ilimitado das autoridades permitia a execução de actos como o sequestro e a tortura de pessoas. Queixando-se ao monarca, uma viúva, Jerónima Afonso, alegava ter sido vítima de prisão arbitrária efectuada pelo sargento da fortaleza de S. Sebastião, que a torturou durante várias horas para que dissesse aonde se encontrava uma sua escrava, que o mesmo pretendia matar . Tudo se fazia para satisfazer pequenas vinganças. Os moradores acompanhados dos seus escravos assaltavam as casas dos que se lhes opunham, fazendo justiça privada. Esse tipo de levantamentos era, segundo Caetano de Mesquita, bastante frequente e mantinha os juízes aterrorizados
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O governador Azambuja, para dar satisfação às suas paixões, não hesitava em mandar prender os próprios oficiais, acorrentando-os na fortaleza sem qualquer acusação. E para que fossem soltos, mandava-lhes rascunhos de petições que deviam assinar, em que se declaravam culpados de certos delitos. Perseguiu violentamente uma viúva por esta ter recusado o casamento de sua filha com um sobrinho seu, chegando a mandar prendê-la durante doze dias, bem como muitos dos seus escravos
Também Varela Barca se queixara à rainha, de que apesar de ter absolvido um réu e ter notificado o facto ao sargento-mor, o governador mandara-o açoitar publicamente (39). Era tal o clima de terror que o governador Leote infundia, tanto aos eclesiásticos como aos oficiais civis e militares, que ninguém se sentia seguro nos seus cargos. Mandava · prender e degredar os oficiais superiores, acção que chegou a praticar com o prefeito dos capuchinhos italianos
O ambiente de anarquia e instabilidade social facilitava as fugas de numerosos escravos para o interior das ilhas, onde se constituíam em bandos e assaltavam as roças; permitia a ociosidade, a prepotência e a criminalidade. Era constante a fuga dos degredados e de outros habitantes para o Brasil e outras paragens do continente americano, em navios portugueses e estrangeiros
Acusavam-se os pretos e mestiços de levarem uma vida dissoluta e preguiçosa e, imitando-os, também assim procediam os escravos. A maior parte dos senhores não saia da cidade, deixando a cultura das suas terras a cargo dos escravos, e-sempre que algum senhor mais cuidadoso os obrigasse a trabalhar, fugiam para o interior das ilhas. Também os degredados que ali permaneciam eram de pouca utilidade visto não terem levado consigo as suas ferramentas de trabalho. Na opinião de Caetano de Mesquita faltavam brancos que reduzissem os escravos à obediência e fizessem trabalhar os forros
Já na década de cinquenta, descreviam-se as ilhas como em estado de profunda convulsão e completa ruína. Nem a igreja constituía excepção (43). A câmara, o capitão-mor e os principais moradores do Príncipe estavam em tal liberdade, que se recusaram a obedecer às autoridades ainda sediadas em S. Tomé. Chegaram mesmo a ajustar retirarem-se da povoação para as suas roças quando o ouvidor se deslocasse ao Príncipe a fim de lhe não permitirem o exercício do seu. cargo
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Com o objectivo de pôr cobro a algumas das referidas situações, Vicente Gomes Ferreira experimentou impedir a comunicação entre as duas ilhas e determinou que ninguém podia deslocar-se sem a sua autorização, devendo cada um permanecer na ilha da sua naturalidade. Esta medida provocou naturalmente uma forte contestação. Também João de Azambuja tentou prender todos os delinquentes bem como os escravos fugitivos com o intuito de restabelecer a ordem e a autoridade. Determinou, para o efeito, que todos os forros que vivessem nas zonas do interior se concentrassem nos povoados das suas freguesias e aí construíssem as suas casas. Instalou uma companhia militar em cada povoado e determinou que todos os indivíduos aptos se alistassem. Estabeleceu que em cada povoado deveria funcionar uma escola, onde as crianças aprendessem as primeiras letras e todas as noites se difundisse o catolicismo. Deveriam frequentar a igreja todos os domingos e dias santos. Essas medidas, na opinião da câmara de S. Tomé, permitiram ressuscitar o catolicismo
Para Frei Boaventura de Veneza, prefeito dos capuchinhos italianos, as acções do governador Azambuja tinham sido mais um acto despótico que sensato, uma vez que, para impôr os seus objectivos mandara destruir as plantações dos forros e tomar-lhes as suas criações à força, bem como queimar muitas casas, nas quais arderam numerosas imagens de Cristo
Em todo o processo de conflitualidade que se vivia em S. Tomé e Príncipe na 2.ª metade do séc. XVIII, merece especial relevo o que opunha os habitantes de diferentes raças. Na base desses conflitos estavam, a maior parte das vezes, as disputas por cargos de maior importância" - Excerto - Carlos Agostinho das Neves - In S. Tomé e Pirncipe - Na Segunda Metade do Século XVIII
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