Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador
Vitorino Nemésio, nascido na ilha da Terceira, em 1901, faleceu em Lisboa, em 1978, há 41 anos - Publicou dezenas de obras . Poeta, romancista, cronista, dramaturgo, académico e intelectual açoriano que se destacou como autor de Mau Tempo no Canal, e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
"NEMÉSIO E O MAR " - Título de um artigo, de autoria de seu filho, Manuel Nemésio, publicado na Revista da Armado, em 2002
Vitorino Nemésio, meu Pai, açoriano dos
quatro costados, nascido de sua Ilha Mãe, a Ilha Terceira, feito sobretudo de terra e mar, “porventura mais
de mar do que de terra”, como ele próprio se
afirmava; criador do termo “açorianidade”, a exemplo da “hispanidade”
de Unamuno; é lava de ilhéu feito ilha, é navio,
arquipélago, continente, mundo cósmico saído do ovo, qual navio à deriva,
perdido e achado na meia distância atlântica no mito do avante
devagar, sem retorno, com garantia de piloto na rota
helicoidal do Poeta:
Ah, ovo que deixei, bicado e quente,
Vazio de mim, no mar,
E que ainda hoje deve boiar, ardente
Ilha!
E que ainda hoje deve lá estar! (1)
Em Nemésio, a sua ligação ao mar mede-se
profunda (mais de mar do que de terra). Seu Pai, Victorino
Gomes da Silva, músico amador de fina sensibilidade artística,
foi seu búzio de mar, feito patrão de costa no cantante de sua ilha:
Meu Pai! meu Pai! minha luz!
Meu génio! (nanja ruim!)
Ó meu sangue alvoraçado
Dos espantos de onde vim!
..........................................
Meu Pai andava queixoso,
Fechou-se comigo e deu
Uma pancada na música
Que nunca me esqueceu!
Os motetes que meu Pai
Me ensinou quando fugiu
Estão cantados no meu sangue
Como a água está no rio. (2)
Vitorino Nemésio, meu Pai, açoriano dos
quatro costados, nascido de sua Ilha Mãe, a Ilha Terceira, feito sobretudo de
terra e mar, “porventura mais de mar do que de terra”, como ele próprio se
afirmava; criador do termo “açorianidade”, a exemplo da “hispanidade” de
Unamuno; é lava de ilhéu feito ilha, é navio, arquipélago, continente, mundo
cósmico saído do ovo, qual navio à deriva, perdido e achado na meia distância
atlântica no mito do avante devagar, sem retorno, com garantia de piloto na
rota helicoidal do Poeta:
Ah, ovo que deixei, bicado e quente,
Vazio de mim, no mar,
E que ainda hoje deve boiar, ardente
Ilha!
E que ainda hoje deve lá estar! (1)
Em Nemésio, a sua ligação ao mar mede-se
profunda (mais de
mar do que de terra). Seu Pai, Victorino
Gomes da Silva, músico
amador de fina sensibilidade artística,
foi seu búzio de mar, feito
patrão de costa no cantante de sua ilha:
Meu Pai! meu Pai! minha luz!
Meu génio! (nanja ruim!)
Ó meu sangue alvoraçado
Dos espantos de onde vim!
..........................................
Meu Pai andava queixoso,
Fechou-se comigo e deu
Uma pancada na música
Que nunca me esqueceu!
Os motetes que meu Pai
Me ensinou quando fugiu
Estão cantados no meu sangue
Como a água está no rio. (2)
No “Corsário das Ilhas”, Nemésio
afirma-se, metaforicamente “tartaruga que puxa sempre para o mar”.. “Feio e
teimoso bicho! (diz Nemésio). Mas bicho firme, de um só rosto e de uma só fé —
a fé refeita e salgada do fundo do Oceano Atlântico.” (3). Mais adiante, a
bordo do Santa Maria, o Corsário confessa-se, como que num ritual muito puro de
oração matinal: «Sou ilhéu; e, tanto ou mais do que a ilha, o ilhéu define-se por um rodeio de
mar por todos os lados. Vivemos de peixe, da hora da maré e a ver navios... Na
infância e na adolescência era o meu mais belo espectáculo.
Quase todas as casas abastadas, nos
Açores, estavam munidas de um velho óculo de alcance, e algumas de binóculos,
com que se seguiam as chaminés dos paquetes e as árvores dos veleiros molhadas
na linha do horizonte. Na nossa casinha de campo, na Vinha do Mão Roxa, sobre
os vinhedos e lavas ambidas ao longe pela ressaca, meu pai, — músico e um pouco
poeta, — trepava à varanda do telhado, sacava do grande búzio, ao pôr do sol, e
metendo e tirando a mão direita na rosca corada do calcário, tirava-lhe dois
aulidos alternos e melancólicos, intencionalmente repetidos, sinal de vida
isolada dado à vizinhança do longe. (4)
A seu filho Manuel, cedeu-lhe, o Poeta, a
fardinha-maravilha do marinheiro que não foi, pela modéstia de não ter sido
encartado, — (mas foi-o, lhe asseguro, meu Pai): — (marinheiro genuíno honoris
causa... pescador... valente homem do mar):
O teu filho é um peixe de metal:
Vai ao fundo das águas recolher
O lugre ardido, os sinos, o coral,
Ou a morte em flores de fogo, se morrer.
Uma vez por outra, Nemésio, exibia-se com
o bonézinho do filho: aprumava-se e fazia-lhe a continência, sorrindo
embevecido: — “Dá licença, senhor comandante?” — Certo que sim, meu querido
Pai.
Nemésio nega-se e afirma-se:
« Não sou
marinheiro (por incontável modéstia, insisto eu), mas sou ilhéu e portanto
embarcadiço. Além de que a vida é em si mesma uma verdadeira derrota, uma vasta
e tremenda singradura. » (6)
Para meu Pai: « os navios são femininos,
capciosos e ligeiros. Talham a linfa e o vento: umas vezes embalam como berços,
outras abraçam nos de amor. E, pouco a pouco, têm--nos na sua mão estrangeira e
inconstante. Mas nenhum cavername deste Mundo me pareceu valer o barquinho em
que Manuel do Luís e o Bicho iam de madrugada à cavala, para voltarem à tarde a
dormir no sossego e na paz dos seus casebres. » (7)
Meu Pai, feito Corsário, hesita,
balançando-se:
Mas já vou mesmo!... Despedi-me.
Embarquei. Parti. Fiz, enfim, um par de pretéritos perfeitos e próprios das
viagens...
Já o meu próprio escrever é fluido como o
mar e, como ele, ilógico. Uma cinza húmida e fresca tornou-se comum às águas,
ao céu, à alma, à cabeça. Só o coração vigia inteiro e saudável nas primeiras
derrotas do mar. (Eu durmo e o meu coração vigia.) Navegamos ambos, o coração e
eu... » (8) — e mais adiante o Poeta acrescenta:
« O navio, aliás, navega pelos seus
próprios meios, sem reboque mecânico ou animal, e é com o seu verdadeiro ambiente — a vida de bordo — que consegue
enfim prender e domar a minha imaginação vagabunda. Sinto-me enfim situado. Há
aqui bombordo e estibordo, proa e ré, deck e porão. E, diante de nós, uma linha
imaginária a que chamamos horizonte.» (9) Mais adiante ainda, Nemésio,
preocupado no exacto dos termos náuticos lembra que: «No tempo do Açor
dizia-se, a ré: cuidado com as hélices, e as pessoas curiosas e instruídas
discutiam na casa de fumo sobre se se devia dizer “os hélices” ou “as hélices”,
e se era conveniente aguentar o h no começo da palavra...
Como este, outros
santos e eruditos costumes se perderam. Já a menina “bem” não dá a volta ao
convés, de pé atado à calça daquele afoito senhor. Que é do binóculo matutino,
sensível à toninha emergente e ao fumo do petroleiro? » (10). E mais, sempre
mais, avança Nemésio: « Vejamos agora o mar. Chamar suave e bela a uma coisa
destas, chata, mexida, com bocados brancos metidos no meio do cinzento! Gostar
da água estendida como se fosse um solo, — mas sem árvores, a não ser a árvore
seca de algum pobre iate em calmaria...! A hipocrisia lavrou a terra e o mar
como um verdadeiro escalracho. Já não se dizem as coisas directamente; todos
fingem o que não são e armam ao que não têm. » (11)... Et encore plus, logo nos
adianta o autor: «A verdade
que só amo o mar rebentado e colérico,
principalmente o das praias e dos recifes:
Detesto cordialmente este mar
enrolado, como massa a folhar pelo pasteleiro de bordo, — esta coisa estranha e
estólida como um olho sem pálpebra, que já não tem nada que olhar. Ao menos,um
veleiro é belo; um couraçado é belo! Mas o alto mar parrana não é belo. Tudo se
esvai e se esfuma nesta extensão sem referência. Cheira a tinta de óleo e a
corda cozida por toda a parte. Sei bem que isto é da entranha do paquete, como o fartum a rato
é do ninho de rato. Mas atiro as culpas para cima do mar sem limites.» (12) Meu
Pai é tudo isto: poeta-ilha, poeta-mar, poeta-navio, poeta-sempre, poeta-tudo!
Assim o digo e o sinto. Em Nemésio a humanidade está no homem, alapardada na
intimidade do Poeta num up-to-date de doação gratuita, e não fora do homem,
desgarrada na sua perplexidade, inútil e inacessível por não se querer
agasalhar. O mar de Nemésio é o mar onde o Poeta é:
A Concha A minha casa é concha. Como os
bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonhos e lixos.
O horto e os muros só areia e ausência
Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O
orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal e os santos esboroou nos nichos.
E telhados de vidro e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze
falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.
A minha casa... Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória. (13)
E assim — perante tudo — no mar, Nemésio é
Ilha, “Ilha Flutuante” à deriva com piloto atento e precavido, repito, daí, que
mesmo em terra, tenha consigo o seu sinete: V.N. de (Valente Navio): (Mestre e
Patrão de Salva-vidas): (15)
Não subo ao Monte Brasil,
Não sou facheiro nem facho:
Tenho o navio no peito,
Quando o quero sempre o acho. (14)
Notas (1) O Bicho Harmonioso: O Canário de
Oiro:O/C VOL.I POESIA(pg.138). (2) Festa Redonda: Cantigas por alma de meu Pai:
O/C VOL.I POESIA (pg.327). (3) Corsário das Ilhas: A Tartaruga: O/C VOL.XVI
(pg.117). (4) Corsário das Ilhas: Pressentimentos: O/C VOL.XVI (pg.167). (5) O
Verbo e a Morte: Missão: O/C VOL.II POESIA (pg.294). (6) Corsário das Ilhas:
Embarques: O/C VOL.XVI (pg.121). (7) Corsário das Ilhas: Embarques: O/C VOL.XVI
(pg.124). (8) Corsário das Ilhas: Vida de Bordo: O/C VOL.XVI (pg.67). (9)
Corsário das Ilhas: Vida de Bordo: O/C VOL.XVI (pg.68). (10) Corsário das
Ilhas: Vida de Bordo: O/C VOL.XVI (pg.69). (11) Corsário das Ilhas: Vida de
Bordo: O/C VOL.XVI (pg.69). (12) Corsário das Ilhas: Vida de Bordo: O/C VOL.XVI
(pg.70). (13) O Bicho Harmonioso: A Concha: O/C VOL.I (pg.131). (14) Festa
Redonda: Cantigas à Ilha Terceira, à Cidade, à Praia, e aos Montes: (pg.275).
(15) V.N.M.P.S. : Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva.
Manuel Nemésio - REVISTA DA ARMADA •
JANEIRO 2002
MANUEL
MONJARDINO DE AZEVEDO GOMES NEMÉSIO (n. 1930)
O Comandante Manuel
Monjardino de Azevedo Gomes Nemésio é filho do escritor Vitorino Nemésio e de
Gabriela Monjardino de Azevedo. Reside em Castelo de Vide.
Foi um dos fundadores do MUD Juvenil em Coimbra e por "vocação e
paixão" entrou para a Escola Naval, seguiu a carreira militar como oficial
da Marinha de Guerra Portuguesa e participou activamente no movimento das
Forças Armadas (MFA), em Abril de 1974.
Cursou Filosofia, tendo sido professor cooperante em Cabo Verde, e pertenceu à
Comissão de Redacção dos Anais do Clube Militar Naval.
Colaborou em inúmeras revistas e livros evocativos de seu pai.
Publicou "Construção da Casa do Ser (ou Roteiro Sentimental de Castelo de
Vide)" (1996, Colibri), "Caligramas Electrónicos- Poesia" (2001,
Ed. Moura Pinto) e "Vitorino Nemésio- Centenário do Nascimento - 5 Poemas
de Vitorino Nemésio (2001, ed. ilustrada com gravuras e litografias de Alberto
Péssimo, José Emídio, José Rodrigues e Ruy Anahory. - Biografia
escrita por Alberto Ferreira
BIOGRAFIA - Vitorino Nemésio Mendes
Pinheiro da Silva GOSE • GCSE • GOIH (Praia da Vitória, 19 de dezembro de 1901
— Lisboa, 20 de fevereiro de 1978) foi um poeta, romancista, cronista,
académico e intelectual açoriano que se destacou como autor de Mau Tempo no
Canal, e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
(…) Em 1934 doutorou-se
em Letras pela Universidade de Lisboa com a tese A Mocidade de Herculano até à
Volta do Exílio. Entre 1937 e 1939 leccionou na Vrije Universiteit Brussel,[4]
tendo regressado, neste último ano, ao ensino na Faculdade de Letras de Lisboa.
Em 1958 leccionou no
Brasil. A 19 de julho de 1961 foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D.
Henrique e, a 17 de abril de 1967, Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant'Iago
da Espada.[5] A 12 de setembro de 1971, atingido pelo limite legal de idade
para exercício de funções públicas, profere a sua última lição na Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, onde ensinara durante quase quatro décadas,
passando a ser Catedrático Jubilado.
Foi autor e apresentador
do programa televisivo Se bem me lembro, que muito contribuiu para popularizar
a sua figura e dirigiu ainda o jornal O Dia entre 11 de dezembro de 1975 a 25
de outubro de 1976.
Foi um dos grandes escritores
portugueses do século XX, tendo recebido em 1965, o Prêmio Nacional de
Literatura e, em 1974, o Prémio Montaigne.
Faleceu a 20 de fevereiro
de 1978, em Lisboa, no Hospital da CUF, e foi sepultado em Coimbra. Pouco antes
de morrer, pediu ao filho para ser sepultado no cemitério de Santo António dos
Olivais, em Coimbra. Mas pediu mais: que os sinos tocassem o Aleluia em vez do
dobre a finados. O seu pedido foi respeitado.
A 30 de agosto de 1978
recebeu a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, a título
póstumo.[5] Em 1978, a Câmara Municipal de Lisboa homenageou o escritor dando o
seu nome a uma rua na zona da Quinta de Santa Clara, na Ameixoeira.[6]
Obra
Vitorino Nemésio foi
ficcionista, poeta, cronista, ensaísta, biógrafo, historiador da literatura e
da cultura, jornalista, investigador, epistológrafo, filólogo e comunicador
televisivo, para além de toda a actividade de docência. O seu nome consta da
lista de colaboradores da Revista dos Centenários[7] publicada por ocasião da
Exposição do Mundo Português e nas revistas, Panorama [8] (1941-1949)
Conímbriga [9] de 1923, Renovação (1925-1926) [10] e Litoral [11] (1944-1945).
Levou a cabo, na sua
obra, uma transformação das tendências da Presença (que de certa forma
precedeu), que garantiu a eternidade dos seus textos. Fortemente marcado pelas
raízes insulares, a vida açoriana e as recordações da sua infância percorrem a
obra do escritor, numa espécie de apelo, revelado pela ternura da sua
inspiração popular, pela presença das coisas simples e das gentes, e pela
profunda humanidade face à existência e ao sofrimento da vida humana - Excerto de https://pt.wikipedia.org/wiki/Vitorino_Nem%C3%A9siomana.
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