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quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Incêndios em Portugal - A devastação criminosa -"Cada árvore é um ser para ser em nós" - Diz o Poeta António Ramos Rosa

Jorge Trabulo Marques – Na personagem de Peregrino da Luz


O meu pensamento, vai para os abnegados  espíritos generosos que sacrificam as suas vidas em prol da comunidade e também para aqueles dias, em que, já com o outono avançado, ao deambular por áreas ardidas da minha aldeia, meus olhos se toldavam de lágrimas, com um enorme aperto do coração, ao caminhar pelos escombros do único pinhal existente, ante o silêncio  espetral  de  ramos e troncos enegrecidos, pisando a caruma reduzida a pó e as cinzas, sentindo uma profunda dor de alma, num misto indecifrável de amargura e abandono, lembrando-me daqueles cujas vidas as chamas traíram no infernal e abrasivo fogo devorador ou que perderam os seus haveres no fantasmagórico cataclismo do vasto cenário dos pinhais ardidos


Os incêndios, em Portugal, e em outras zonas do Planeta, continuam a devorar florestas, destruído a fauna e a fauna  e a provocar vitimas, quer nos  bombeiros,  que o combatem, quer naqueles que  são apanhados pela sua voragem – Provocados, mais das vezes ou  por negligência  ou por mão criminosa  O incêndio, que deflagrou no domingo em Proença-a-Nova e que alastrou aos concelhos de Oleiros e Castelo Branco foi dado esta quarta-feira como dominado, depois de ter reduzido a cinzas cerca de 20 mil hectares de floresta.
 
 De António Ramos Rosa
Cada árvore é um ser para ser em nós
Para ver uma árvore não basta vê-la
A árvore é uma lenta reverência
uma presença reminiscente
uma habitação perdida
e encontrada
À sombra de uma árvore
o tempo já não é o tempo
mas a magia de um instante que começa sem fim
a árvore apazigua-nos com a sua atmosfera de folhas
e de sombras interiores
nós habitamos a árvore com a nossa respiração
com a da árvore
com a árvore nós partilhamos o mundo com os deuses








O que tentam dizer as árvores
No seu silêncio lento e nos seus vagos rumores,
o sentido que têm no lugar onde estão,
a reverência, a ressonância, a transparência,
e os acentos claros e sombrios de uma frase aérea.
E as sombras e as folhas são a inocência de uma ideia
que entre a água e o espaço se tornou uma leve
integridade. 
Sob o mágico sopro da luz são barcos transparentes.
Não sei se é o ar se é o sangue que brota dos seus
ramos.
Ouço a espuma finíssima das suas gargantas verdes.
Não estou, nunca estarei longe desta água pura
e destas lâmpadas antigas de obscuras ilhas.
Que pura serenidade da memória, que horizontes
em torno do poço silencioso! É um canto num sono
e o vento e a luz são o hálito de uma criança
que sobre um ramo de árvore abraça o mundo.


António Ramos Rosa publicou perto de uma centena de livros de poesia. Aqui fica uma brevíssima escolha de alguns poemas seus de diferentes épocas, terminando com um texto do livro inédito MúsicaContínua Cordilheira, que teve a sua primeira edição no PÚBLICO, a 3 de Março de 201

António Ramos Rosa , nasceu em Faro,  17 de Outubro de 1924 –  E faleceu, em Lisboa, a 23 de Setembro de 2013), foi um poeta, tradutor e desenhador português




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