Algures no Golfo da Guiné, 23 de Novembro de 1975 - Há 48 anos - Jorge Trabulo Marques -
Navegando com a pequena vela de tempo |
Estou muito fraco. Mal me posso levantar: tenho-me limitado às tarefas mais indispensáveis. A pôr a roupa a secar e a despejar a água que se acumula no fundo da canoa. Mas tudo isto é exaustivo!.. Exige-me um inaudito esforço e eu estou muito fraco!.. . Disponho apenas de uns três ou quatro anzóis. Mas não tenho iscas; não vale a pena lançar a linha e o anzol. .
Travessia Nigéria S.Tomé - 12 dias - Março 1975 |
Muitas vezes, prostro-me de joelhos junto à borda de canoa para ver se apanho algum peixe à mão. Há sempre peixes de todos os tamanhos à volta da canoa e acompanhá-la. Alguns vêm à cata das lapas que nascem no costado. Mas quando estendo o braço para os apanhar, escapam-se-me; são mais rápidos de que eu! Mais das vezes acabo por desistir e deito-me no fundo da canoa para poupar as minhas forças – Pois, mesmo atolado numa autêntica salmoura, tenho necessidade de descansar. Nem que fosse sobre um tapete de pregos. - Até porque não consegui dormir em toda a noite.
A fome é terrível! É terrível!... Não sentir nada no estômago, é um sofrimento, muito doloroso!... Valha-me ao menos este ar puro que respiro. Quando me levanto, tenho a sensação que é apenas o ar que me alimenta. Fustiga-me o rosto mas entra-me pela boca e pelo nariz em rijas lufadas, ásperas, violentas, mas muito revigorantes, que me desentorpecem o corpo.
Sim, respiro o vento e o mar. Não tenho nada na barriga. Por isso, deito-me no fundo da canoa, com os braços cruzados, simplesmente porque me faltam as forças para me manter em pé mas não é por me sentir derrotado.. Não é porque me tenha rendido à luta!... É para ver se conservo prender-me à vida. Quero viver. Estou fraco, muito fraco!...Mas "Viver também cansa". E a fome mata. É cruel!...O meu corpo cambaleia de fraqueza, cheio de dolorosas borbulhas da humidade. Tenho os dedos das mãos e os pés muito gretados. A unhas dos pés irreconhecíveis da água salgada. As costas numa chaga. O estômago fortemente encolhido... Os olhos muito doridos... Ó Meu Deus!... Serei ainda um ser humano?!... Até quando este sofrimento?!...
Bandeira de STP - |
Somente ao fim da tarde, tive a coragem de abrir o meu baú (um contentor de plástico do lixo), onde o preservo da violência do mar e senti vontade de dizer algumas palavras. Remeti-me a um profundo e resignado mutismo: sem lágrimas mas também sem nenhuma alegria. Sem desespero mas possuído de uma enorme angustia a perturbar-me a alma. Com o sentimento de um enorme desconforto, em todos os aspetos: sem poder dormir, cheio de fome e no meio de um mar bravio, fortemente batido pelas vagas.
Diário vertido para um pequeno gravador, guardado num velho contentor do lixo
Diário de Bordo 1 É já o fim de tarde do 34º dia. Mais um dia que passei... praticamente deitado sobre o fundo da canoa... Com os braços cruzados, pois não tenho outra solução.... O mar continua com bastante ressaca... O vento agora não é muito forte.... Mas a única solução que tenho é realmente deitar-me no fundo da canoa, até para não gastar energias... Para não fazer muito esforço físico.
Não tenho comida... Sinto uma grande dureza no estômago... Uma grande dor nas costas!... Todo o meu corpo me dói... Há uma fraqueza geral em mim...
De manhã, vi muito ao longe a chaminé de um barco....mas bastante afastado! O mar contínua muito bravo!... O equilíbrio é realmente difícil...
Estou apenas com três comprimidos e água das chuvas... Mais nada no estômago... Tenho um apetite voraz...Neste momento eu comia não sei o quê!...
Um pormenor importante que notei é apenas da água... que têm uma cor esverdeada... Mais escura de que o habitual....Agora as correntes mudaram de direção. Estou sendo arrastado para sul... Agora já não é de oeste para este...
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