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domingo, 5 de novembro de 2023

Odisseia numa piroga no Golfo da Guiné - 05-11-1975 - 16º Dia "Já são dezasseis dias passados que me encontro numa canoa, em pleno Golfo da Guiné. Devem ser três horas da tarde. Sinceramente, encontro-me muito desiludido!... Muito desanimado! cheio de sede!...Não tenho praticamente água!" - Diário de Bordo - E ainda tinha pela frente mais 22 até acostar à antiga Ilha de Fernão Pó, atual ilha de Bioko

Jorge Trabulo Marques  - Recordando o meu drama há 48 anos  - Ainda tinha pela frente mais 22 dias.  Com  excertos do meu diário gravado, que logrei preservar  com a máquina fotográfica num vulgar contentor do lixo. Do qual recordo  também, num pequeno video. algumas passagens desse dia e  a voz de Paco Bandeira e do grupo angolano Oiro Negro, que pude escutar através de um pequeno transistor  

04-11-1975 -Diário de bordo   05-11-2023 - "Ontem, de facto, estive próximo da Ilha do Príncipe. Mais propriamente do Ilhéu das Tinhosas. Afastei-me... agora ando para aqui...Não há vento!... Calmarias!...Longe da terra!...Com falta de água,...  Encontro-me muito, mesmo bastante, desanimado!  Não perdi ainda à esperança de que hei-de chegar à  terra... .Me hei-de  salvar!...Mas, sinceramente. sinto-me muito saturado, muito saturado!  

A situação e extremamente difícil! Ponho à vela...à canoa não obedece... Não há vento!  Por outro lado, a falta do leme e ( e do remo) é que me provocou isto tudo!..

 É uma situação delicada! Bastante mesmo! ,... Perdi, até  o apetite de comer!... Alias eu tenho muita sede! Imensa sede!...Oxalá que chova!

Fim de tarde do 16º dia - Um dia bastante aborrecido!... Há bocadinho houve  um tubarão que investiu contra a  minha canoa!...

Andou aqui  em volta dela!... Dando-lhe umas rabanadas violentas!... E só consegui afugentá-lo  com auxílio do machim!... Estava a ver  que me queria virar a canoa. Realmente foi uma situação bastante desesperada!...

ROCHEDOS DAS TINHOSAS A SUL DA ILHA DO PRINCIPE - SANTUÁRIOS POVOADOS POR BANDOS DE GRITARIA DE AVES - Estive lá tão perto, e, todavia, tão inacessível me foi aportar de piroga naquele maravilhoso e fantasmagórico mundo das ILHAS TINHOSAS ! - O mais importante santuário de aves marinhas do Golfo da Guiné - Algumas vinham pousar na minha canoa - Estive lá, muito próximo, ao 15º Dia dos meus 38 dias numa piroga, em Nov de 1975 - . E, todavia, tão inacessível me foi poder aproximar-me daqueles inóspitos e misteriosos rochedos

Podia ter sido o primeiro Robinson Crusoé a lá aportar, mas já se tinha posto o sol, a noite caía pesada e escura: o crepúsculo no Equador é muito rápido; quando a silhueta da Tinhosa Grande, se me desenhou no horizonte, já uma cortina pálida e desmaiada, cobria o céu e o mar - E, à medida, que, com o remo improvisado, me ia dirigindo para lã, cada vez mais sonante e ruidosa era a enorme gritaria dos milhares de bandos de aves, que ali costumam pernoitar e nidificar.
Acabei por desistir, receando que pudesse ser lançado pelas ondas contra as rochas, ou mesmo que, ao lá pernoitar, pudesse vir a ser devorado pelos piolhos, que deverão existir nas sucessivas camadas de excrementos, que matizam toda a superfície rochosa.
Pois, além de aves, também por lá existem bancos de ricos cardumes de peixes em redor das suas águas - O maior problema são os inesperados tornados, que colocam em risco a vida dos pescadores das canoas - E +, por vezes, até dos barcos que fazem a ligação entre S. Tomé e Príncipe
Mas, atualmente, além dos tornados, há outras ameaças - Já nem traineiras nem as canoas se safam “Na ilha do Príncipe os pescadores, estão preocupados com a falta de segurança no mar da Região. Tudo por causa da constante presença de navios de origem desconhecida ao largo da ilha «Sempre aparecem barcos que lançam redes e levam todo peixe, referem noticias
Apraz-me saber que os Ilhéus das Pedras Tinhosas, da Ilha do Príncipe, têm sido objeto de estudo por vários biólogos internacionais, que agora as classificam como o principal berço das aves marinhas do Golfo da Guiné.–
"As ilhas Tinhosas, são constituídas por dois Ilhéus. A Tinhosa Grande e a Tinhosa Pequena, erguem-se a cerca de 20 Km a sul da Ilha do Príncipe - São consideradas como o mais importante berço de nidificação de aves marinhas no Golfo da Guiné. «Estes dois ilhéus albergam as maiores colónias de várias espécies de aves marinhas do Golfo da Guiné», confirma o estudo que alimentou a candidatura do Príncipe como património mundial da Biosfera pela UNESCO.
EXCERTOS DO DÁRIO DE BORDO - Dia 15 - 04-11-1975


No dia 4 de Nov de 1975, andava eu perdido há 15 dias a bordo de uma frágil piroga – Na tarde em que, ao ouvir a rádio Nacional de S. Tomé e Príncipe, de um modesto transístor de pilhas, que preservava num contentor do lixo, com o gravador e a máquina fotográfica, pude escutar a Voz de Paco Bandeira e Duo Oiro Negro e também cheguei a cantar um poema que fiz alusivo ao meu nascimento e outras canções que aprendi na minha adolescência
- Em mais um longo dia de ansiedade
Diário de Bordo - Hoje, 15º dia. Grande deceção!... Um barco cargueiro passa aqui ao meu lado ...Faço-lhe sinais vários de aproximação... mas não correspondeu!... Não há dúvida nenhuma que tenho que contar apenas com os meus modestos recursos. Mais nada!
Diário de Bordo - Devem ser neste momento, cerca das nove horas da manhã. Agora tenho a nítida sensação que devo estar a aproximar-me da Ilha de Fernando Pó. (Bioko) - Ontem tive a impressão, depois de ter enfrentado um violento temporal, que estava próximo da Ilha do Príncipe. Mas não, foi ilusão...Agora há muito calor. Uma calmaria podre... Não há vento nenhum.

Há pouco tive a sorte de pescar outro tubarão!....Pelos vistos, peixes aqui há muitos e até se podem pescar à mão e a machim, se for preciso..
Diário de Bordo - De noite, a dada altura, fui surpreendido por ruídos estranhos dos golfinhos, que andavam aqui a voltear a canoa (às cambalhotas por cima dela) e de um lado para o outro. É curioso, porque deixavam um rasto luminoso e exprimiam uns grunhidos!... Por um lado, aquilo pareceu-me simpático, mas, por outro, atemorizou-me. Depois dei umas apitadelas e consegui afastá-los.
Diário de Bordo - Há uma serenidade!... Só se vê mar!... Absolutamente mar!... Mar e mais nada!... A minha canoa a vaguear, a vaguear!...
Eu não si onde estou!... Não sei!... Mas não estou desesperado!... Não perdi a confiança!... estou emocionado, com certeza!...Mas continuo confiante!...Realmente, o homem!... Eu acho que o homem é nestas circunstâncias que ele se superioriza a si próprio!... O seu espírito se enaltece!...
Há qualquer coisa de místico!....Ontem! no meio daquelas ondas!... Alterosas!!...De vez em quando, uma ou outra entrava com alguma água, dentro da minha canoa!... Eu sentia-me ao mesmo tempo pequeno e gigante!... Pequeno!... No meio de tanta grandeza!.... E gigante!... por vencer tamanha força!...
Diário de Bordo - Os peixes, aqui ao lado; de vez em quando a saltar!... Pois, são decorridos 15 dias e tal, que me encontro nestas circunstâncias, vivendo numa autêntica banheira, a que eu, pomposamente, dei o nome de hotel.
Diário de Bordo - Pois... não sei!... Não sei!... Estou longe de tudo!... Longe das vistas de toda a gente!... Perdido nesta imensidão!... É de facto uma imensidão!... Eu, se caísse aqui, não me salvaria!....
Ninguém! Absolutamente ninguém!... Ainda não perdi a confiança... Eu, acima de tudo, acredito em algo... Algo superior a mim... Há uma força qualquer que nos protege, de certeza absoluta!.... Porque, se assim não fosse, estou convencido que não estaria aqui!... Porque eu tenho vencido muitas dificuldades!... Imensas!... Eu, ontem parecia não seu o quê no meio daquela fúria!... Fúria autêntica!... Indescritível!... O vento!...As vagas alterosas!... O mar parecia engolir-me a cada momento!... Eu não teria salvação nenhuma se a canoa se virasse!... Eu continuei!...
Diário de Bordo - Apenas a presença de aves, aqui perto e de peixes, aqui debaixo da canoa.... Peixes de todas as espécies são a minha companhia... Nesta serenidade!...Nesta calmaria!...Não sei se isto é prologo para mais uns momentos como os de ontem....O mar é assim!... Umas vezes sereno, outras furioso!
Ontem, de facto, estive próximo da Ilha do Príncipe. Mais propriamente, do Ilhéu das Tinhosas. Afastei-me... agora ando para aqui!... Não há vento. Há uma calmaria!...Longe de terra, com falta de água!...
Encontro-me muito desanimado!... Não perdi ainda a esperança de que hei-de chegar a terra... Hei-de me salvar!...Mas, sinceramente, sinto-me muito saturado, muito saturado!..

(....) De noite., a dada altura, fui surpreendido por ruídos estranhos dos golfinhos, que andavam ali a voltear a canoa de um lado para o outro… É curioso porque deixavam um rasto luminoso e exprimiam uns grunhidos! Por um lado, aquilo pareceu-me simpático, mas, por outro, atemorizou-me. Depois dei umas apitadelas e consegui afasta-los.

É uma hora da tarde do 15º dia .Estou à escutar Rádio Nacional de São Tome e Príncipe. Está um calor abrasador!,...Uma calmaria muito grande!.. Não há praticamente vento! O que pode ser mau sinal, porque, quando assim o tempo está calmo, normalmente segue-se um temporal violento!...De tempestade!...De ventos fortes…
Apetecia-me realmente beber água. Já tenho pouca. E tomar um banho fresco… Sim, mas é impossível neste mar.,..há muitos tubarões em volta, muita fauna marinha que não me convém nada visitar...
Mas o céu esta totalmente descoberto. O mar de um azul muito claro. Há por aqui algumas aves que andam à voar procura de peixes... É eu sempre na mira ver de terra

( canta Paco bandeira )
Esta foi a voz de Paco Bandeira que acabei de escutar, bastante emocionado!...Pois ainda continuo esperando que chegue à praia!... Neste momento, a contrastar com ontem...ontem! Era pavoroso! O mar estava agitadíssimo!...Ondas alterosa: mais de dez metros, pareciam engolir à cada instante a canoa!.. .Hoje não!... Hoje o mar esta chão! Sereno!...Não há vento...Eu queria velejar um bocadinho mas não há vento.
A água que tenho já é pouca. Mas tenho esperança que hei-de chegar à terra o mais depressa possível. Se é como julgo estar aqui na Baia de Biafra, portanto próximo de Fernando Pó. é natural que me aproxime da costa africana, talvez da Nigéria.



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