São Tomé - Henrique Pinto da Costa e a Roça Saudade, onde nasceu Almada Negreiros – Um exemplo de sucesso numa das antigas roças coloniais
Jorge Trabulo Marques - Jornalista e investigador - Roça Saudade, onde nasceu Almada Negreiros – Um exemplo de sucesso
numa das antigas roças coloniais: A casa, em ruínas, foi transformada em
museu-restaurante, pelo jovem Joaquim Victor e a propriedade num modelo
exemplar na defesa da biodiversidade, num autêntico jardim botânico, pelo Eng
Henrique Pinto da Costa, irmão do ex-Presidente Manuel Pinto da Costa, Diretor
da Nexus Consulting, organização que trabalha na gestão do uso do solo, gestão
de bacias hidrográficas, desenvolvimento urbano e conservação da
biodiversidade, visando uma abordagem ampla e integrada das questões ecológicas
para criar novas políticas de uso da terra em apoio ao desenvolvimento
sustentável em São Tomé e Príncipe
Foi justamente esse o projeto, que
abraçou, desde há vários anos, na ilha onde nasceu: transformando uma
propriedade abandonada, numa verdadeira aposta ecológica, em defesa da
biodiversidade, num magnífico laboratório de convivência harmoniosa das
diferentes espécies, com vista a um melhor aproveitamento da floresta e das
culturas tradicionais, designadamente o cacau e o café, à floricultura, às
plantas aromáticas, canela e baunilha, às medicinais, assim como os recursos
hídricos para produção de eletricidade – Sim, esta a impressão que me deixou na
honrosa entrevista que me concedeu, em 2015, que tenho o prazer de aqui
recordar, sobre a data de 30 de Setembro, em que os santomenses comemoram a
nacionalização das roças
Recorda Armindo do Espírito Santo –
investigador do CEsA-ISEG-UL e Prof. da ESCAD-IPLUSO/ULHT - num artigo
publicado ontem no Téla-Nón, que a nacionalização ocorreu por três razões: em
primeiro lugar porque estava subjacente no acordo que institucionalizou o
Governo Transitório; em segundo lugar porque a maioria das roças estava já
abandonada ou subutilizada; e, por último, porque estava em curso em África a
prática das nacionalizações das bases económicas coloniais, a coberto do
nacionalismo africano.
Para o MLSTP, a nacionalização das
terras significou não só a libertação do povo de STP das amarras do
colonialismo que o impediam de se desenvolver, mas também o acesso à riqueza e
o controlo do património que antes lhe fora extorquido pelos europeus com a
segunda colonização no início da segunda metade do século XIX.E, neste sentido,
o Dia 30 de Setembro de 1975 constitui uma importante data histórica, a mais
significativa depois da data da independência!" - https://www.telanon.info/suplemento/estudos/2020/09/30/32658/a-nacionalizacao-das-rocas-e-o-feriado-de-30-de-setembro-a-historia-com-economia-por-dentro/
“Não foi por acaso que o meu sangue veio do sul se cruzou com o meu sangue que veio do norte não foi por acaso que o meu sangue que veio do oriente encontrou o meu sangue que estava no ocidente não foi por acaso nada do que hoje sou desde há muitos séculos se sabia que eu havia de ser aquele onde se juntariam todos os sangues da terra e por isso me estimaram através da História ansiosos por este meu resultado que até hoje foi sempre futuro.
VIDEO REGISTADO EM OUTUBRO 2014
A ROÇA ONDE NASCEU ALMADA NEGREIROS
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce." – E assim também
renasceu das ruínas a casa onde nasceu Almada Negreiros, na Roça Saudade, em
São Tomé, graças à corrida solitária de Joaquim Cabangala Victor, guia
turístico, natural de São Tomé. Certo de que a sua ideia podia
transformar uns já irreconhecíveis caboucos numa Casa de Artes e Museu, em
memória do genial pintor, poeta, romancista e dramaturgo e abraçar um
apaixonante projeto de vida.
A
Roça Saudade, fica a 17 Km de S. Tomé, cidade, voltada a nordeste, a cerca de 800 metros de altitude, numa área das mais belas da ilha, onde se despenha a famosa cascata de
São Nicolau. Quando trabalhei na Brigada de Fomento Agropecuário, passava
relativamente próximo. Porém, só mais tarde, soube, através de um artigo do
Padre Ambrósio, publicado na revista Semana Ilustrada, de que era
correspondente, o segredo que era guardado naquela propriedade. Foi vendida à
Roça Santa Margarida, que a integrou com a dependência Vista Alegre. - Sem
duvida, um dos lendários lugares que vale a pena visitar ou rever.
MUSEU ECASA DE ARTES – PROJECTO CULTURAL E TURÍSTICO
Transformar as ruínas da casa onde nasceu Almada Negreiros, numa Casa de Arte, foi o pensamento que norteou Joaquim Victor, mesmo partindo quase de mãos vazias, confiante na sua determinação e no alcance cultural e turístico da sua iniciativa-A edificação de uma casa de madeira, alpendrada, assente justamente sobre algumas colunas e rebocos do antigo solar, é uma belíssima realidade.
Olinda Beja - disse-me o seguinte: “desde 1985 que visitei pela primeira vez as ruínas da casa onde nasceu Almada que falei com várias pessoas para que a sua memória fosse reabilitada na terra onde nasceu. Naquela altura ainda havia uma linda buganvília vermelha que entretanto teria acabado por ser cortada, penso; eu e a Alda Espírito Santo pedimos até ajuda a uma embaixada (não foi à de Portugal!) mas nada se concretizou; é claro que Almada nunca mais voltou ao seu berço e pouco ou nada o publicitou mas foi um homem das artes único no seu tempo, um nome incontornável"
Fico feliz pelas notícias vindas a lume e envio esse poema que faz parte do meu livro "Água Crioula" publicado pela primeira vez em 2002 e depois com várias edições (vai na 6ª)
Um forte abraço e muitos parabéns pelo trabalho que tens feito por essa ilha maravilhosa! - Olinda Beja
A ALMADA NEGREIROS
Voltaste enfim ao regaço das palmeiras
onde serpentes volteiam
e navegam na claridade. Voltaste
porque os teus olhos mitigavam
palavras entontecidas cheias de água fresca
da cascata. Voltaste trazendo cânticos
de outras terras
cânticos de trovadores desconhecidos
teceste roupas diferentes mas sempre
com as cores das buganvílias da Saudade
apagaste pegadas antigas no luchan
da tua meninice. Mas voltaste!
Esperaste que o ranger da porta
da casa onde nasceste se prolongasse
no júbilo do teu regresso
hoje
sentado no presídio da Marginal
onde ninguém nota o teu vulto altivo e belo
só eu sei que voltaste
e por que voltaste
Olinda BEJAin“Água Crioula”
SALAZAR E OS FAMOSOS PAINÉIS DE ALMADA - A ARTE É UM CONCEITO DE BELEZA QUE O ARTISTA OFERECE AO MUNDO MAS QUE NEM TODO MUNDO ENTENDE
Até Duarte Pacheco se foi queixar a Salazar da arte de Almada
"11 de Outubro de 1955 -
Veio o Duarte Pacheco queixar-se dos painéis que Almada Negreiros está a pintar na Estação Marítima de Alcântara. Acha-os exagerados e de mau gosto.
Chamei o Ferro. Afiançou que Pacheco não os entendia. A obra era magnífica.
Perguntei-lhe se estava certo disso.
Responsabilizou-se por eles. Ficaram.
Dar uma alfinetada ao Pacheco é um dos poucos prazeres que admito a mim próprio. Quanto aos painéis, ainda não os vi. "– In Diário de Salazar . António Trabulo
Arquiteto José Afonso de Almada Negreiros - Filho de José de Almada Negreirose de Sarah Afonso Imagens registadas no ano de sua morte - em 2009
COMO O TEMPO PASSA...
Penso que foi justamente no ano em que ele faleceu, que lhe fiz estas fotografias. Talvez um mês ou dois antes. Mas até parece que foi ontem, que eu e o meu amigo, o pintor João Neves, tomávamos um café com ele na Calçada do Combro, na Pastelaria Oreon, com vista a combinar a sua deslocação à Roça Saudade - Era a terceira vez que falava com ele, depois que o conhecera nos habituais convívios do Botequim de Natália Correia situado no Largo da Graça, em Lisboa.
ALMADA NEGREIROS - AFRICANO
“José de Almada Negreiros nasceu em S. Tomé, na Roça Saudade, freguesia da Trindade, às 3 horas da manhã cio dia 7 de Abril de 1893.
Da terra da sua naturalidade foi arrancado, na tenra idade de 2 anos, e transplantado para Lisboa, em 23 de Abril de 1895, passando a viver em Cascais, em casa dos avós e tios maternos, da família Freire Sobral. – Estes são os primeiros pormenores biográficos daquele que viria a ser considerado uma figura decisiva na cultura portuguesa do século XX -Foi em Portugal, com passagens por Madrid e Paris, que ele, emboraessencialmente autodidata (pois não frequentou qualquer escola de ensino artístico), que atingiria a notoriedade artística e literária, como figura ímpar na primeira vanguarda modernista."
Todavia, é em S. Tomé, como diria, o Padre António Ambrósio, autor da biografia Almada Negreiros Africano: filho de S. Tomé e neto de Angola, que ele abriria os olhos à luz do dia. E, aconteça o que acontecer pela vida fora, o torrão natal é marcante para o resto da vida. E, então, sobretudo, num ambiente,tão maravilhoso e paradisíaco, como é o da Ilha de s. Tomé, e, muito particularmente, o da Roça Saudade, já que, segundo descrição de seu pai, António lobo Almada Negreiros, também ele poeta e escritor, ali «A Natureza gigante , sugestiva, nova, eleva a alma menos contemplativa. Há um não se quê de misterioso e de sobrenatural em tudo isto, que se vê e não se descreve com facilidade. Altas serras cortadas a pique, em perfeitas paralelas, tapetadas d'alto abaixo de alguns fetos gigantes e outros muitos arbustos coloridos, apertam em baixo, onde a vista a custo alcança, as águas sussurrantes dos riachos que vão correndo para o mar”
A ROÇA SAUDADE: UM SONHO E UM BERÇO
"A casa onde Almada nasceu, na sede da Roça Saudade – diz ainda António Ambrósio – “estava suspensa sobre uma profunda grota, e aberta a nascente, por uma varanda corrida, ao estilo tropical, para um mar de verdura, que, depois da primeira quebra, se espraiava, numa ondulação aparentemente suave, por vários quilómetros de extensão, em forma de leque rendilhado, até ao mar-oceano.
(…)Por fora, a Saudade era um mimo. O comendador José António Freire Sobral fizera da sede uma estância modelar: além das instalações para habitação e trabalho, das sanzalas e dos secadores, e do hospital de boa construção, a Roça tinha um amplo terreiro, onde, como uma bandeira hasteada, se erguia uma elegante palmeira de 54 metros de altura (Veja-se: Almada Negreiros, História Ethnographica da Ilha de S. Tomé, p.272). Na parte superior do terreiro, em zona mais elevada, situavam-se os jardins, dispostos em socalcos. No meio, sobressaía um artístico caramanchão, todo coberto de buganvílias e trepadeiras. Junto, uma nascente de água puríssima foi aproveitada para construir uma pequena fonte, bem adornada de azulejos pintados e com dois grandes jarrões de porcelana envidraçada, aos lados
Aliás, as nascentes de água potável , na Roça Saudade, são óptimas e abundantes. Ali é feita a captação que abastece a Vila da Trindade. Ali mesmo nasce o rio Água Grande, que fornece a cidade. E, próximo, mais acima, nasce também o Manuel Jorge (um dos maiores rios de S. Tomé), que se transforma nas lindíssimas cascatas de S. Nicolau e do Blu-Blu, e constrói, na sua passagem, as maravilhosas «pontes que Deus fez»
Mais acima da Saudade, a caminho do Pico, localizam-se as roças Nova Moka, S. Nicolau e Santa Maria. Esta última pertencia também a José António Freire Sobral. Era uma dependência rica, sobretudo, em boas madeiras.
Não há dúvida que a Roça Saudade, na sua geografia acidentada e vegetação luxuriante, possui algumas das lindas paisagens da lindíssima Ilha de S. Tomé. Deixemos ao próprio Almada Negreiros que nos descreve in loco o que era para ele a Roça Saudade: um sonho, um berço encantado para os seus filhos.
FILHO DE S. TOMÉ E NETO DE ANGOLA
Valendo-me ainda do estudo biográfico, de autoria do saudoso Rev. P. António Ambrósio, com quem tive o grato prazer de me encontrar, por várias vezes, tanto em S. Tomé, onde foi sacerdote da paróquia da Trindade, como já após o seu regresso a Portugal, tomo a liberdade da aqui transcrever, alguns extratos do seu livro Almada Negreiros Africano, à semelhança do que fiz com na primeira postagem
De recordar que, António Ambrósio, era possuidor da melhor coleção de livros sobre a história de São Tomé e Príncipe, bem como a mais importante coleção de moedas e selos destas ilhas. Tudo isso ardeu no incêndio do Chiado. Vivia num dos últimos andares, fazendo esquina com os Armazéns do Chiado, e, quando se apercebeu, mal teve tempo de fugir - Foram anos de uma vida que se perderam, que o deixaram profundamente triste. Padre Ambrósio, tal como o Monsenhor Moreira das Neves, que tive o prazer de entrevistar para a Rádio Comercial, eram dos tais sacerdotes que, a par da sua dedicação às causas da fé e da sua religião, cultivavam um imenso gosto pela cultura.
“Da terra da sua naturalidade foi arrancado, na tenra idade de 2 anos, e transplantado para Lisboa, em 23 de Abril de 1895, passando a viver em Cascais, em casa dos avós e tios maternos, da família Freire Sobral.
A mãe, Elvira Freire Sobral, morreu na Ilha de S. Tomé, ano e meio depois, a 29 de Dezembro de 1896. O pai, António Lobo de Almada Negreiros, zeloso funcionário e escritor fecundo, sendo Administrador do Concelho, continuou em S. Tomé, totalmente devotado à Administração Colonial. Deixou finalmente a Ilha de S. Tomé, a 22 de Dezembro de 1899, e seguiu para Paris, quase sem passar por Lisboa. O mesmo vapor Loanda levou pai e filho para a Europa ( demais pormenores deste capítulo, encontra-se publicados na nossa primeira postagem que editei no dia 8 de Abril de 2013
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