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quarta-feira, 4 de outubro de 2023

A SÓS À FLOR DO MAR -Navegar sozinho, sem outros meios náuticos de navegação, com o destino completamente à mercê de um errático acaso

Jorge Trabulo Marques..

A sós e ao sabor do imprevisto e do filtro do instinto,
como que perdido entre o vento, o olvido
e as espáduas do esquecimento,
oh! não é temeridade alguma,
não é vã e inútil solidão
mas o desejo ardente em decifrar
os calmos e febris prodígios do desconhecido,
a busca incessante de oiros incandescentes
dos silêncios visíveis e dos sons inocentes,
as vozes que soem e repercutam ecos
de invulgar pureza e libertação!
Munido apenas de uma vulgar bússola,
- sim, tal foi o meu caso -
orientado como que pelo instinto das aves.
Não beneficiei da mesma facilidade
daqueles que usam o compasso,
as tábuas astronómicas, o satélite e a cartografia náutica,
que a qualquer hora o informam do rumo que tomam,
o ponto onde estão e a exata direção da sua rota.
Contudo, quem assim não procede,
nem por isso tem motivos para o desfalecimento,
para que deixe de trilhar o seu caminho,
soçobre e caia num apagado e funesto silêncio,
provocando a rutura à vagabunda dança
impossibilitado de poder desfrutar de um horizonte
aberto ao tangível, à transcendente e etérea imobilidade.
Ir sozinho pelo mar a fora, é partir
em demanda dos mais ténues rumores e labirintos sagrados!
Saciar a fome da floração silenciosa de um sopro íntegro
de fulgor furtivo de sabedoria e pureza.
É fazer-se ao mar e navegar sem contrapartidas seguras à partida
e não ter qualquer certeza de paisagens imaginárias ou reais à chegada!..
É a transparente e claríssima sede de nostalgia dos mais puros céus!
É viajar na senda dos séculos passados, eras volvidas
ou dos que ainda hão-vir por vontade de Deus.
Vidência! Deslumbramento! Itinerário transfigurado.
Trocar o certo pelo incerto
- Sem todavia saber que futuro o aguarda,
a que portos poderá arribar,
que enseadas de ilhas frondosas o esperam,
que recortes de orlas vai contemplar,
que escolhos vai ter pelo caminho,
que perigos e ameaças
lhe poderão interromper a viagem.
Oh!, como é fantasmagórica a imagem,
ímpia e devastadora a visão do mar e do céu!
Quando, após vários pontapés dados a esmo à solidão e à sorte,
após se deixarem para trás noites cerradas da cor da fuligem e do breu,
vigílias infindáveis de medos e de angustiosa incerteza e assombração,
vogando ao deus dará à flor de turbulentas e enegrecidas águas,
ou tendo fruído de claros e brilhantes dias
à superfície do mesmo ondulante carrossel sucessivo,
fitando continuamente os perfis
e os contornos da mesma infinda abstração circular,
em vez do acolhedor e esperançoso porto de abrigo,
em vez da tão desejada tranquila praia fundo transparente
e de areia fina, espelhada de sol e de coral,
rodeada de verdejante e formoso arvoredo,
se lhe depara - Oh triste ventura! -
a escarpada encosta, o promontório
ou o íngreme do rochedo!
Oh, sim! - Mas tudo isso não supera a fome
de poder sentir a alma rubra
e ser alheio aos segredos dos insondáveis abismos,
aos perigos que por toda a parte
rondam e cobrem a vasta superfície,
a sombra aziaga de ter sempre por companhia
a menos de um palmo ou da grossura de uma tábua,
a cova funda e horrível da mais funesta e imensa sepultura!...

Jorge Trabulo Marques - Excertos do poema A Sós à Flor do Mar


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