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sábado, 21 de outubro de 2023

Odisseia nos mares do Golfo da Guiné - Tempestade assombrosa! - Neste dia, à noite, em 21-10-1975, depois de largar da Ilha de Ano Bom, estava eu, sozinho, enfrentando uma violenta tempestade, a bordo de uma piroga


De repente o mau tempo piorava. O vento começava a soprar furiosamente e o céu e o mar, de tão escuros, formavam um só corpo.. Tumultuoso e sombrio! – Penso que me salvei por milagre. Tinha pela frente 38 longos dias até acostar na Ilha de Bioko, Guiné Equatorial. Revivo hoje essa longa e tormentosa noite com os meus olhos toldados de lágrimas.

Canoa ao mar! Canoa ao mar!... Escapa-te daqui o mais depressa que puderes, senão te roubam!!" Este o último grito do comandante
"Jorge! Não vês, como está o mar?!... Vais morrer!!.. Fica connosco” - Estas a palavras que escutei de alguns tripulantes – Mas eu optei por recusar o convite do comandante do pesqueiro, de ficar a bordo a trabalhar e lançar-me na aventura, pois era este o meu propósito quando, em S. Tomé, se comprometeu a largar-me a sul da Ilha de ano Bom na corrente equatorial, através da qual poderia tomar o rumo em direção ao Brasil pela rota dos escravos .
Optei pelo regresso a S. Tomé pelo braço da chamada corrente de Benguela, que, naquela zona do Golfo da Guiné, se subdivide: um dos braços volve a Oeste e outro mantém a mesma direção a Norte
Após ter sido largado na Ilha de Ano Bom, a 180 Km a sul de S. Tomé, pelo pesqueiro Hornet e depois de uma manhã e uma tarde de excelente navegação à vela, de ventos de popa e correntes, eis que sou surpreendido por uma violenta tempestade tropical, que começara a formar-se a sul
Naquele meu primeiro dia, eu apenas me preocupava com as duas pequenas canoas, que, mal viram arrear a minha canoa do pesqueiro, não mais largaram de me perseguir, cada uma ostentado, de quando em quando, uma zagaia, pronta a furar-me e a furtarem-me os mantimentos, visto, naquela altura, a ilha estar quase votada ao esquecimento pelo regime ditatorial de Francisco Macias e apenas dispor uma ligação por ano
Tanto assim, que, quando o barco fundeou ao largo, muitos dos pescadores treparam até ao convés, não apenas para venderem frutos da terra, como para pedir medicamentos, roupas e implorar outros auxílios. Naquele grupo de desesperados, havia um único europeu, um sacerdote, que também para ali foi transportado num pequeno bote para pedir alguns apoios
Eu, pessoalmente, troquei algumas latas de conservas por cocos e bananas, que muito jeito me haveriam de dar nos primeiros dias de naufrágio.
E LÁ IA SOZINHO ORIENTADO PELOS ASTROS
Porém, com o céu a norte, coroado por um azul celeste noturno, completamente limpo e estrelado, eu apenas me fixava numa das estrelas, que era aquela que deveria seguir pelo indicado pela agulha de uma simples bússola, tomando esse rumo, não me preocupando muito com as ameaças que viriam a surpreender-me, quando um enorme vagalhão me fez saltar o tosco leme , que adaptei à popa da canoa, a invadiu e só não a virou, porque, imediatamente corri pela canoa fora para arrear as velas dos dois toscos mastros e os colocar de través de modo a evitar que se pudesse voltar. Ao mesmo tempo, que lancei dois bidões de água potável borda fora, assim como a maior parte dos alimentos para que, a canoa, depois invadida por um enorme vaga, não se afundasse.
NOITE SOMBRIA E TUMULTUOSA
Relâmpagos rasgavam fulgurantemente o negrume da noite e, com o ressoar dos trovões, davam ao ambiente um aspeto verdadeiramente sinistro e ameaçador.
Súbita e inesperadamente achei-me envolvido por um autêntico sorvedouro, indescritível! Cristas brancas rebentavam em todas as direções.
De facto, a ameaça era bem visível para qualquer ponto que volvesse o olhar. O pronúncio de que algo me estava reservado desenhava-se, sucessivamente, com estranha nitidez. E não tardou. que a fúria do vento, aos clarões dos relâmpagos, ao estrepito dos trovões, sucedesse a chuva: uma chuva verdadeiramente diluviana, crepitando em grossas torrentes à minha volta, enquanto o mar avançava, não parava de avançar, vindo em vagas alterosas, vagas enormes, que se elevavam, como vultos negros, vindo em direção da minha frágil embarcação, desfazendo-se, por vezes, em névoas de espuma, ou vergastando-a, sacudindo-a, atirando-a, furtiva e violentamente de um lado para o outro.
Meu Deus! Quem me visse, que imagem mais medonha e triste!
Ia num completo pingão, ensopado em agua das chuvas e em agua do mar!
Vista toldada pela que me era atirada à cara ou me escorria pelos cabelos, lá ia, no entanto, desafiando o desconhecido, firmando-me, obstinadamente, à pequena vara do leme, tentando o impossível: Navegar, navegar, na esperança - mas oh . vã esperança! - de que, à custa da velocidade imprimida pela vela à todo o pano, pudesse vencer os vultos e continuar a sobrepor-me aos tumultuosos remoinhos que se agitavam furiosamente em torno de mim.
Chuva. Mar! Negridão!!...
Frágil, solta, como uma ave louca, subindo e descendo, a ondulante paisagem negra e liquida, a canoa la se ia comportando, mais parecendo voar, voar, do que rendida a uma vela, sulcando as águas, e navegar.
Porem, já num voo demasiado louco, vertiginoso, para manter, por muito tempo, o impacto à mesma bravura, ante o choque, afrontoso, e o galopar das vagas.
Ameaçava, pois, adornar.
E se ela dava sinais de alguma fraqueza, o meu cérebro ainda muito mais vacilava. Sentia-me invadir por uma espécie de vertigem mortal, tal à atração que todos aqueles remoinhos e trevas em movimento exerciam sobre mim.
Por baixo, era o abismo sem fundo.
Na verdade, eu não pensava nisso, nem em todos os perigos em derredor. Ia demasiado preso ao andamento imposto pelo vento.
E foi pena que não tivesse obedecido ao instinto e, contrariamente, me deixasse levar pela vertigem, pela cegueira. No mar as imprudências pagam-se caras. E à coragem - tal como alguém escreveu - "não e uma loucura; é uma tenacidade refletida."
Mas, por causa do meu grande desapontamento com o pesqueiro que não me largara na corrente equatorial, e, assim, com à pressa de chegar a São Tomé e tentar nova sorte, descurei um cuidado fundamental: mal o vento começou à soprar e o tempo piorou, nessa altura, devia ter substituído à vela grande, com que navegava, pôr uma mais pequenina, a chamada vela de tempo, e pôr-me ao leme de capa, como costuma dizer-se em gíria marítima.
Agora era já demasiado tarde. Quando um enorme vagalhão à encheu de agua ( que só por milagre não me varreu no seu torvelinho ), eu abandonei à cana do leme e corri para enrolar ao mastro, sim ,nessa altura, só não se voltou, totalmente, porque a minha estrelinha, la no céu, no céu donde não vinha uma réstia de luz, mesmo assim terá assomado por entre a escuridão e a opacidade das trevas e não me abandonado à fúria dos elementos
Nesse momento, o leme saltou e à canoa ficou atravessada à vaga.
Vendo claramente o perigo em que me encontrava, nem um instante perdi.
Com à energia que o desespero ou o espírito de salvação poderão dar, não só não enrolei a vela ao tosco mastro (um dos paus cortados no mato ).,.como imediatamente o amarrei, transversalmente, sobre à canoa, por forma à garantir-lhe algum equilíbrio.
Nesse entretempo, bidões de água, viveres, parte das coisas perderam-se e algumas também foram lançadas ao mar, por recear que, com o seu peso, quando o interior se transformou numa autentica banheira balançante ,as ondas a adornassem definitivamente.
Escusado seria dizer que, por entre tantas ameaças, não continuaria a lutar ou que ficaria inativo: nessa altura, já o meu cérebro trabalhava a cem por cento e o espírito de engenho, de improvisação, funcionava em pleno.
Apesar da escuridão, da pavorosa agitação que parecia envolver-me, tragar-me, em suma - engolir-me, dissolver-me no meio daquele escarcéu, não cruzei os braços, não me rendi a tão assustadora evidencia: fiz muitas. coisas: por exemplo, para alem de balanceiros, feitos com o mastro e dois barrotes que arranquei da cobertura lateral, larguei um dos bidões de plástico, amarrado à uma corda, para funcionar como uma espécie de ancora flutuante. Qualquer marinheiro sabe em que circunstancias deve ser largada e qual à sua função
Todavia, a noite não foi fácil. Não foi nada fácil, meu Deus! E que longa, longa, torrentosa e cheia de ameaças e de incertezas não foi uma tal noitel!l...
No dia seguinte, ao alvorecer, improvisaria ainda um remo, valendo-me igualmente de alguns bocados da cobertura .
Mas de pouco me iria à ajudar: navegava com ele algumas horas mas depois, devido ao enorme esforço, cansava-me e acabava por ficar de novo atravessada à vaga.
A bem dizer, estava irremediavelmente condenado à vogar à deriva, sujeitando-me, por isso, aos constantes choques do mar
Rolando, rolando, como um madeiro .Rolando nas trevas da noite, ou sob o sol abrasador do Is. E foi esse o meu destino nos 38 longos e difíceis dias que se sucederam.
Da situação que passei a viver, penso que poderão falar as palavras que registei para o meu diário de bordo — um pequeno gravador que felizmente consegui preservar no interior do meu baú - o caixote de plástico. E é com base na transcrição em muitos desses comoventes excertos com que agora volto como que à empreender essa minha inesquecível aventura até acostar no dia 27 de Dezembro, no recanto da costa da costa de BoKoKo. na Ilha de Bioko, Guiné Equatorial, onde começaria outra aventura, numa das prisões mais famigeradas de África e talvez do mundo.


ANO-BOM — a ilha mais pequena, mais isolada e mais meridional do Golfo da Guiné.Oficialmente chamada Annobón, faz parte da República da Guiné

Equatorial. Localiza-se no Golfo da Guiné, 100 milhas náuticas (186 km) a sul da Ilha de São Tomé e a 190 milhas náuticas (350 km) da costa do Gabão. A ilha tem 17,5 km² e pouco mais de 5.000 habitantes. A sua capital é San Antonio de Palé (em português Santo António da Praia).

Ano-Bom foi descoberta pela frota do navegador português Fernando Pó (ou Fernão do Pó) no 1.º de janeiro de 1472. Devido ao dia, foi-lhe dado o nome de Ano-Bom como sinónimo de ano novo. Ficou sob domínio português até 1778, quando se tornou uma possessão espanhola, em conjunto com outros territórios do Golfo da Guiné, por troca com territórios na América do Sul.

Em 1968 a Guiné Espanhola tornou-se independente sob o nome de Guiné Equatorial. Durante a ditadura de Macías Nguema a ilha de Ano-Bom foi por algum tempo chamada Pagalú.

A Ilha de Ano-Bom foi povoada principalmente por angolanos, santomenses e portugueses. Devido a essa herança, a língua mais falada na ilha é um crioulo português chamado fá d'Ambô ("fala de Ano-Bom"). No entanto, o idioma espanhol é a língua oficial da administração pública e ensino, tal como no resto do país. Com a adesão da Guiné Equatorial à CPLP, a língua portuguesa ganhou também um estatuto oficial. Contudo, a principal ligação do país à lusofonia é o crioulo de base lexical portuguesa falado na ilha de Ano-Bom.

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