Jorge Trabulo Marques - Jornalista desde 1970
VÍDEO SONORIZADO COM OS SONS E VOZES DA REPORTAGEM DA COBERTURA DA RÁDIO – FIM DO ANO 1973-74
Reportagem da rádio, com algumas imagens da ilha e da revista Semana Ilustrada, de Luanda, onde colaborava e os sons dos conjuntos de musica típica São-Tomense, Sangazuza, Quibanzas e Untués e as vozes dos profissionais do então Emissor Regional de S.T.P, onde era operador de Rádio, mas, nesse dia, destacado para um posto de reportagem
A última Passagem do Ano, que antecedeu o 25 de Abril de 1974, foi vivida há 49 anos: - Em momentos felizes e de euforia que não iriam repetir-se no rosto dos portugueses, ali radicados ou nascidos, que não esperavam por um 25 de Abril, mas a que a população aderiu com sentimento de alegria e libertação
Claro, dir-se-á hoje que tudo foi muito precipitado, é verdade, com prejuízos para ambas as partes e que podiam ter sido evitados se o regime colonial - antes do 25 de Abril- tivesse compreendido os ventos da História e preparasse uma elite africana - Além de não o ter feito, perseguiu aqueles que pretendiam novos rumos. Promovendo uma guerra inútil com milhares de vítimas.
Era na altura, operador de rádio, no Emissor Regional de São Tomé e Príncipe – Nesse dia, fui destacado para fazer a cobertura, na esplanada da Pensão Henriques, com a comunidade portuguesa, oriunda das Beiras - o Núcleo Beirão: desempenhava a dupla função de operador e de repórter.
Já lá vão 49 anos, porém, recuando no tempo, até me parece que foi ontem! Tão vivas ainda estão as memórias. Sim, desse dia mas não das afrontosas represálias, dos tormentos e brutais agressões por parte de alguns colonos, que se opunham à descolonização, das más recordações que o Novo Ano, me havia de trazer por denunciar o que era proibido dizer antes do 25 de Abril - Nomeadamente, os episódios do Batepá.
Mas, ainda antes de ter publicado esses artigos, logo a 8 de Janeiro, sou afastado, através de um telegrama enviado para a Emissora Nacional, de ser admitido nos quadros da rádio, devido a uma pequena critica a um organismo público, acerca do turismo - Para já não falar das pressões do Presidente do Instituto de Trabalho e Acção Social (pós 25 de Abril) que ameaçara demitir-se do cargo se eu não fosse expulso de S. Tomé.
Sim, completaram-se à meia noite de 31 de Dezembro de 2023 para a madrugada de 1 de Janeiro de 2024 a bonita soma de 49 anos, sobre a última festa da passagem do ano, na era colonial – Era bem mais novo e bem mais sonhador e para dar largas às alegrias e se esquecerem as agruras da vida. Tem sido assim, no dobrar do calendário, quando um ano acaba outro começa: é o renovar das esperanças. A vida tem que se alimentada de ilusões, senão tornava-se insuportável.
Em S. Tomé, a passagem do ano, a bem dizer, até era o grande acontecimento dos 12 meses - Não havia outra data mais desejada - Não havia televisão de canal aberto - salvo a telescola, que, segundo me recordo, era em circuito fechado, pelo que a rádio era a grande rainha da informação, a estar sempre nos maiores acontecimentos - Fechava os olhos a muita coisa, pois assim lhe impunham as leis da censura, mas nas festas de cortar a fita, no futebol ou nos espetáculos musicais, nunca faltava. - E, obviamente, que, sendo assim, não podia deixar de fazer a cobertura à passagem do ano 73-74.
Eu nesse dia fiz de operador de som e de locutor. A vida foi-me muito dificil nos primeiros anos nas roças, como empregado de mato, mas agora, embora em regime precário, tinha outro estatuto - Nas famigeradas roças, nunca me adaptei: o administrador da Roça Uba-Budo exigia que os empregados tratassem os trabalhadores todos por tu e de forma prepotente a autoritária - Não aceitei; mandou-me de castigo para a roça Ribeira Peixe, a contar cacaueiro velhos numa zona abandonada, com capim que me cobria e infestado de serpentes
Não vou aqui recordar esse calvário mas falar daquela já distante passagem de ano. A cobertura, pela rádio, naquele dia, era assegurada diretamente dos salões de várias coletividades: da Casa do Benfica, do Sporting, do Clube Militar e de Santana - Com festas abrilhantadas pelos mais populares grupos musicais da Ilha, com a sua música típica, convidativa à dança, a puxar ao sentimento e ao “flogá. O grosso da população, à exceção da pequena elite santomense, estava à margem destas festas ou então optava pelos "fundões" mais modestos.
OS SANTOMENSES DIVERTIAM-SE NAS PRAIAS AO NASCER DO SOL
O Povo Santomense tinha também outras formas de se divertir – Por exemplo, o costume de, ao nascer do sol, muita gente acorrer às praias, penso que ainda hoje o faz – Nomeadamente, no Pantufo e na praia de S. Pedro, na Baía Ana de Chaves - Muitos aproveitavam para ir dar o seu mergulho e dar largas à sua folia. Fiz a reportagem de algumas dessas festas para a revista Semana Ilustrada. Aliás, em Portugal, há também quem faça o mesmo: não enjeite testar a sua saúde na água gelada do Inverno – Uma das Praias, já famosa, pelos banhos do fim do ano, é a de Carcavelos, no estuário do Tejo. Mas, em S, Tomé e Principie, como as ilhas se situam no Equador, as águas estão sempre quentes, os banhos, em qualquer altura do ano, são sempre um regalo, um agradável convite a devassar a água cristalina das ondas.
PRESIDENTE DO INSTITUTO DE TRABALHO, PRESSIONOU O GOVERNADOR A EXPULSAR-ME DE S. TOMÉ - COLOCOU O LUGAR A DISPOSIÇÃO: OU EU ERA EXPULSO OU ELE SE DEMITIA MAS A REVOLUÇÃO DE ABRIL ESTAVA NA RUA E TROCOU-LHE AS VOLTAS
Naquele mesmo ano, quatro meses depois, surgia o 25 de Abril: passei a poder escrever o que antes me estava vedado, porém, só Deus sabe as represálias de que fui alvo: desde pressões para ser expulso de S. Tomé, a bárbaras agressões:
A revolução apanhou de surpresa, a generalidade dos colonos. A liberdade de expressão, ainda não era bem aceite: a mentalidade colonial, reinante, não ia mudar de um dia para o outro. Por isso, caso não viesse a contar com a compreensão e o apoio do então Alto-Comissário, Pires Veloso, estou certo que tinha sido demitido da rádio e expulso para Portugal, tal como foram alguns revolucionários do MLSTP.
A revolução apanhou de surpresa, a generalidade dos colonos. A liberdade de expressão, ainda não era bem aceite: a mentalidade colonial, reinante, não ia mudar de um dia para o outro. Por isso, caso não viesse a contar com a compreensão e o apoio do então Alto-Comissário, Pires Veloso, estou certo que tinha sido demitido da rádio e expulso para Portugal, tal como foram alguns revolucionários do MLSTP.
A primeira grande pressão partiu do Presidente do Instituto de Trabalho, Previdência e Acção Social, que, em vez de defender os trabalhadores, esteve sempre ao lado dos grandes roceiros e dos patrões mais abusadores –
Chamavam-lhe o cavalo branco, pela sua cabeleira grisalha e postura autoritária.
Era uma figura mal vista, sinistra, que passava os fins-de-semana nos banquetes dos roceiros . Quando tive oportunidade de criticar a sua atuação, colocou imediatamente o lugar à disposição: ou eu era expulso ou ele se demitia
Chamavam-lhe o cavalo branco, pela sua cabeleira grisalha e postura autoritária.
Era uma figura mal vista, sinistra, que passava os fins-de-semana nos banquetes dos roceiros . Quando tive oportunidade de criticar a sua atuação, colocou imediatamente o lugar à disposição: ou eu era expulso ou ele se demitia
Dei-me conta de tal atitude através do Emissor Regional.de S. Tomé e Príncipe, que difundiu um oficio emanado da Repartição de Gabinete, dizendo que “uma noticia publicada em Semana Ilustrada, na edição Nª 362, levou o Presidente do Instituto de Trabalho, Previdência e Acção Social, a pôr à disposição do Governo o seu lugar naquele organismo público, o que não foi aceite, segundo o mesmo comunicado, por continuar a merecer a confiança do Governo".
Os jornalistas são sempre as primeiras vítimas, os bodes-expiatórios da ira popular, das guerras e conflitos - Em S. Tomé, só não me lixaram, talvez por milagre - Mas não foi da população nativa que partiram as agressões e ameaças. Aliás, foi no seio desta que eu fui protegido.
A minha sorte foi que, nessa altura, o governador Cecílio Gonçalves (aliás, uma excelente pessoa) já quase não mandava, visto não se adaptar ao desenrolar dos acontecimentos, tanto em S. Tomé, pelas manifestações da população, que exigia a independência, como em Lisboa, acabando por abandonar a colónia - E, quem o veio a substituir, não quis embarcar nas pressões pró-coloniais dos roceiros e de Spínola, optando por criar condições para que o processo da descolonização, decorresse, pacificamente sem derrame de sangue.Os jornalistas são sempre as primeiras vítimas. os bodes-expiatórios da ira popular, das guerras e conflitos - Em S. Tomé, só não me lincharam, talvez por milagre - Mas não foi da população nativa que partiram as agressões e ameaças. Aliás, foi no seio desta que eu fui protegido
Por duas vezes todos os pneus à navalhada |
39 anos depois |
TIVE QUE ME REFUGIAR, EM CASA DE UM SANTOMENSE: dos pais do Constantino Bragança, que, tendo assistido à perseguição, se deslocou à noite ao local para me colher no seu modesto casebre, algures no mato: Sr. Jorge! Pode descer, que os brancos foram todos para o quartel da Polícia Militar e do Cinema Império e venha para a minha casa"
A minha casa ficou irreconhecível, num monte de destroços. Como não me apanharam lá no seu interior, deixaram-me à porta o laço da prometida forca de corda. Pelos vistos, em qualquer parte do mundo, os jornalistas são sempre as primeiras vítimas. É neles que descarregam todos as iras e ódios. Ainda hoje, ao escrever estas linhas, se me toldam os olhos, tal os maus momentos por que passei. Ao meu modesto carro, por duas vezes, lhe furaram os pneus à navalhada.- Não me importo de ser confrontado com os elementos da natureza mais hostil, mas ser atingido pelo ódio humano é mil vezes pior!...Não é medo é um sentimento de profunda tristeza e revolta.
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