Cidadão Honorário de Idanha-a-Nova, em 1987 - "Eu ontem, tive conhecimento, através dos jornais da manhã…realmente, não me passava pela cabeça que a Câmara de Idanha-a-Nova tivesse tido essa iniciativa!... Como digo, foi para mim uma surpresa muito agradável”
Dois anos antes da morte do Fernando Namora, que padecia de doença prolongada, a Câmara Municipal de Idanha a Nova, atribuiu por unanimidade ao escritor que residiu neste concelho e ali escreveu parte da sua vasta obra literária, o título de cidadão honorário – No dia seguinte, à noticia, avançada pelos jornais, que, segundo nos confessara, surpreenderia, agradavelmente, o próprio autor de Retalhos da Vida de Um Médico (de cerca de três dezenas obras publicados, algumas das quais elevadas ao cinema, das mais divulgadas e traduzidas nos anos 70 e 80), fomos recebidos em sua casa, para que nos falasse dessa sua experiência, como médico, como homem e como escritor naquela região.
Nessa altura, eu era jornalista na redação da Rádio Comercial RDP, colaborava na equipa da 24ª hora, e uma das minhas tarefas diárias, consistia, em todos os programas, apresentar declarações ou entrevistas com personalidades do nosso meio, nos vários domínios de atividade – Tendo tomado conhecimento, da referida distinção, telefonei a Fernando Namora, se não se importava de me dar a sua opinião, pedido a que acedeu amavelmente, tanto mais que já nos conhecíamos de anteriores entrevistas, e, até de algum convívio, quer na sala de sua casa, como em acontecimentos literários – Sim, pois cheguei a ser quase seu vizinho, da Avenida Infante Santo, quando ali tive um romance amoroso.
Fernando Gonçalves Namora nasceu em Condeixa-a-Nova em 15 de Abril de 1919 e faleceu em Lisboa, 31 de Janeiro de 1989 - .Dois anos depois destas suas declarações
Pertenceu à geração de 40, grupo que reuniu personalidades marcantes como Carlos de Oliveira, Mário Dionísio, Joaquim Namorado ou João José Cochofel.
O seu volume de estreia foi Relevos (1937), livro de poesia, “porventura sob a influência de Afonso Duarte e do grupo da Presença. Mas já publicara em conjunto com Carlos de Oliveira e Artur Varela, um pequeno livro de contos Cabeças de Barro. E, em 1938”, o seu primeiro romance, As Sete Partidas do Mundo. A partir daí foi realmente o catapultar de uma obra vasta e rica, que estende por 27 títulos, cujo temática, partindo do espaço português, que o levaria como um viajante em demanda do mais largo conhecimento do mundo e das mais diversas gentes que o habitam.
É justamente considerado, como um dos nomes cimeiros da nossa literatura, e mesmo até Universal!.. Os dois últimos livros foram Sentados na Relva, cadernos de um escritor – 1986 ; Jornal sem Data, cadernos de um escritor – 1988.
Sem dúvida, um homem simples mas de uma grandeza de alma fantástica, de uma grande generosidade, mas a quem o destino haveria de reservar um fim de vida de enorme sofrimento – Ele que tinha ainda tanto para nos oferecer! –Morreu aos 69 anos.
Um dia abriu-me uma das gavetas da sua secretária, e disse-me: Jorge! Está a ver o que aqui tenho ainda por publicar!... Mas já não vou ter tempo de o fazer!” – A que eu contrapus: Senhor Dr: não diga isso!... Como sabe, a medicina, está muito avançada e vai curar-se com certeza” – Sua resposta: Jorge!... Eu sou médico! Sei o que tenho! – E, de facto, pelo que me apercebi, tinha plena consciência da sua enfermidade, que, segundo ainda me recordo, o teria levado a implante esfíncter artificial.
Uns anos antes, recordo também o dia em que o encontrei num evento cultural, que decorria num dos salões do Hotel Sheraton (onde, afinal, iniciaria o dito romance )
creio que por altura do Natal: apareceu lá vestido com uma espécie de capote, parecendo mais um campesino de que um homem da cidade. Mas não se demorou por ali muito tempo, confessando-me: “já me vou embora! Estas coisas, cansam-me! E, de facto, tal como entrou, discretamente, assim saiu.
Eis como é recordado pelo jornalista e escritor Baptista Bastos: “A notícia da próxima saída de um livro de Namora causava grande alvoroço. Ocasiões houve em que, antes de sair a público, a primeira edição de alguns dos seus livros (cinco mil, sete mil e quinhentos exemplares) já estavam esgotadas. E há títulos de Namora que constituem importantes documentos literários da vida portuguesa. O seu impressionante êxito: edições de milhares e milhares de exemplares, traduções constantes, ensaios, estudos exegeses, teses sobre a sua obra, amiudadas vezes requisitado pela Imprensa a fim de depor acerca de este e de aquele assunto; entrevistas, comentários - enfim, essa glória que o envolveu não deixou de causar invejas e ressentimentos. A vida literária portuguesa não é diferente da vida literária em outros países [leia-se, a título de exemplo, "Écrits Intimes", de Roger Vailland, outro grande esquecido]. E Namora, cuja generosidade e camaradagem eram lendárias, sentia, profundamente, a circunstância. No entanto, jamais deixou de ser amável e cortês, até efusivo, com muitos daqueles que o atropelavam nas tertúlias dos cafés."
"Uma boa parte da minha obra, está ligada à Beira-Baixa!"
Suponho que devo confessar mais uma vez – já o tenho dito – frequentemente, sempre que se justifica, bem entendido,
A minha ida para a Beira Baixa – e mais concretamente a minha estada, durante dois anos e tal e depois ao longo dos anos que se seguiram, o facto de, com uma certa frequência, eu ir passar férias, enfim, ou ir passar uns tantos dias, a Monsanto, do Concelho de Idanha-a-Nova, deu-me um conhecimento muito íntimo, muito autêntico dessa região!... E teria bastado para isso o facto de eu ter sido lá médico: fui médico, não apenas em Monsanto, como também tinha sido anteriormente numa aldeia dos arredores de Castelo Branco e também médico de umas minas efémeras no concelho de Pena Macor –De qualquer modo, sempre na mesma região.
De modo que, essa experiência, enfim, como cidadão, como homem, e a experiência como médico; ou seja, o quanto essa experiência humana repercutiu depois na minha obra literária?... Pois é um facto!... E é um facto, enfim, confessado da minha parte e sabido de umas tantas pessoas.
Não há dúvida nenhuma, que uma boa parte da minha obra, está ligada à Beira-Baixa! Está ligada a essa região!... Se eu não tivesse tido essa experiência humana, não a teria escrito!... Teria escrito outros livros, bem entendido, mas não aqueles.
Ora, o facto de ter havido da parte da Câmara de Idanha-a-Nova, o reconhecimento de que, efetivamente, assim aconteceu…. Isto é, que tanto a minha vida, como a minha obra literária foram bastante influenciadas pelo meu conhecimento, tão direto da vivência da Beira-Baixa, pois é um facto agradável e que eu não posso deixar de assinalar para mim próprio, tanto mais que constituiu uma surpresa!... Eu ontem, tive conhecimento, através dos jornais da manhã…realmente, não me passava pela cabeça que a Câmara de Idanha-a-Nova tivesse tido essa iniciativa!... Como digo, foi para mim uma surpresa muito agradável.
Na informação dada, há, no entanto, aqui um elemento que não será inteiramente exato: associa-se, essa tal minha vivência, essa minha experiência literária da Beira Baixa, com o livro “Retalhos da Vida de Um Médico”… Ora, efetivamente, eu escrevi, parte da primeira série da Vida de Um Médico, em Monsanto, ou seja, na Beira Baixa, ou seja no concelho de Idanha-a-Nova… mas o resto do livro, foi escrito, já no Alentejo, e, posteriormente, aqui em Lisboa.
O que eu escrevi, inteiramente em Monsanto, foi, por exemplo, A Noite e Madrugada, parcialmente, Minas de São Francisco…. E digo parcialmente, porque eu suponho ter começado esse livro, ainda nos arredores de Castelo Branco!... Depois, em Monsanto, é que eu escrevi, quase tudo, o restante do livro, na sua maioria. E ainda outras obras… Mesmo, quando Monsanto, não está, declaradamente, presente, Monsanto ou a região, a verdade é que me aconteceu, ou tem-me acontecido ao longo destas últimas décadas, eu, de um modo geral, até terminar os livros em Monsanto!... Ou pelo menos, acelerá-los! … Começo os livros, em Lisboa, e, quando os livros, já adquirem o seu ritmo próprio, e quase, que, enfim, se me impõem, então eu vou para Monsanto e então é lá que eles são elaborados!... Numa outra atmosfera íntima de serenidade, de conciliação, entre mim e o meio-ambiente!... Quer dizer, que ao longo destes anos , tem sido muito estimulante do ponto de vista literário, as minhas várias estadas em Monsanto!... Isto é apenas uma informação no que diz respeito à relacionação de alguns dos títulos do conjunto da minha obra essa região de que acabámos de falar.
Quanto aos “Retalhos da Vida de Um Médico”, poderemos dizer que talvez seja, ainda hoje, o meu livro mais popular, porque transmite uma autenticidade de vida de uma maneira muito mais direta de que outros livros!... Mas não sei se será o mais significativo!....
Quando me fazem a pergunta… e, aliás, ela é-me feita repetidamente: qual o livro que eu suponho ou mais importante ou mais bem acabado!... Ou mais equilibrado!...Em suma, mais significativo no conjunto do meu trabalho?!... Eu costumo dizer que a minha resposta varia de dia para dia!... E não é porque haja leviandade nesse tipo de resposta!... É porque, também os livros correspondem a uma atmosfera íntima!... E a nossa atmosfera íntima … - isso acontece com todas as pessoas, bem entendido – nem sempre é a mesma!... Mas é curioso que eu é raro citar os “Retalhos da Vida de um Médico”, quando essa pergunta me é feita!... Talvez porque há uma tendência valorizar mais os romances de que qualquer outro género literário, concretamente da ficção!... Se é esse um dos motivos, não sei!... Agora, que, há da parte dos leitores uma relativa fidelidade aos “Retalhos da Vida de Um Médico”, há!, isso sim, suponho que é um facto!...
Efetivamente, a Câmara da minha terra natal, ou seja, Condeixa, adquiriu, recentemente, a Casa donde eu nasci e pretende transformá-la numa Casa Museu!... Claro que foi para mim, também muito agradável, este gesto da Câmara da minha terra natal!.. E não posso deixar também de sublinhar essa iniciativa e esse interesse manifestado pelos meus conterrâneos!...
OUTROS DADOS BIOGRÁFICOS DE FERNANDO NAMORA
“Ainda estudante e com outros companheiros de geração funda a revista Altitude e envolve-se activamente no projecto do Novo Cancioneiro (1941), colecção poética de 10 volumes que se inicia com o seu livro-poema Terra, assinalando o advento do neo-realismo, tendo esta iniciativa colectiva, nascida nas tertúlias de Coimbra, de João José Cochofel, demarcado esse ponto de viragem na literatura portuguesa. Na mesma linha estética.
A sua obra, em termos de correntes literárias, evoluiu no sentido dum amadurecimento estético do "neo-realismo", o que o levou a enveredar por caminho mais pessoal. Não desprezando a análise social, a sua prosa ficou marcada, sobretudo, pelos aspectos do burlesco, observações naturalistas e algum existencialismo
Colaborou com várias publicações periódicas, como Sol Nascente, O Diabo, Seara Nova, Mundo Literário, Presença, Altitude, Revista de Portugal, Vértice, entre outras.
É Autor de várias colectâneas de poesia e de uma pouco conhecida obra como artista plástico, é sobretudo como ficcionista que o nome de Fernando Namora marca a literatura portuguesa contemporânea, tendo granjeado um sucesso a nível nacional e internacional e que, durante os anos 70 e 80, foi das mais divulgadas e traduzidas.
Por uma questão de sistematização da sua obra, poderemos identificar as seguintes fases distintas de criação literária:
O ciclo de juventude, principalmente enquanto estudante em Coimbra, coincidente com o livro-poema Terra e o romance Fogo na Noite Escura;
O ciclo rural, entre 1943 e 1950, representado pelas novelas Casa da Malta (escrita em 8 dias) e Minas de San Francisco, ou pelos romances A Noite e a Madrugada, O Trigo e o Joio sem esquecer os Retalhos da Vida de um Médico, cuja edição espanhola (1ª tradução) apresenta o prefácio de (Gregório Marañón);
O ciclo urbano, coincidente com a sua vinda para Lisboa, marcado pela solidão e vivências do quotidiano, e que se terá reflectido no romance O Homem Disfarçado, em Cidade Solitária ou no Domingo à Tarde;
O ciclo cosmopolita, ou seja, dos cadernos de um escritor, balizado no final dos anos 60 e década de 70, explicado pelas muitas viagens que fez, nomeadamente à Escandinávia, e pela sua participação nos encontros de Genebra;
O ciclo final, entre a ficção contemporânea, onde se insere o romance O Rio Triste ou Resposta a Matilde, intitulado pelo próprio divertimento, e as reflexões íntimas de Jornal sem Data (1988)
Em 1981, foi proposto para o Prémio Nobel da Literatura, pela Academia das Ciências de Lisboa e pelo PEN Clube.
O seu espólio constituído por correspondência recebida, rascunhos de cartas enviadas, manuscritos de textos da sua vasta produção e colaboração dispersa por publicações periódicas, textos de conferências, entre outros, encontra-se incorporado no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea (ACPC) da Biblioteca Nacional de Portugal,
na casa que foi residência dos seus pais e sua, em Condeixa, foi inaugurado, em 30 de Junho de 1990, um museu onde se encontram objectos e documentos pessoais, bem como quadros da sua autoria e livros
Entre os muitos títulos que publicou em prosa contam-se:
1943 - Fogo na Noite Escura;
1945 - Casa da Malta;
1946 - As Minas de S. Francisco;
1949 e 1963 - Retalhos da Vida de um Médico;
1950 - A Noite e a Madrugada;
1952 - biografias romanceadas de Deuses e Demónios da Medicina;
1954 - O Trigo e o Joio;
1957 - O Homem Disfarçado;
1959 - Cidade Solitária;
1961- Domingo à Tarde (Prémio José Lins do Rego);
1972 - Os Clandestinos;
1980 - Resposta a Matilde;
1982 - O Rio Triste (Prémio Fernando Chinaglia, Prémio Fialho de Almeida e Prémio D. Dinis);
Em Poesia publicou:
1940 - Mar de Sargaços;
1959 - As Frias Madrugadas (Toda a sua produção poética seminal foi reunida numa antologia)
1969 - Marketing;
1984 - Nome para uma Casa;
Fontes:
Fernando Namora. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2011. [Consult. 2011-07-21]. Disponível na www: http://www.infopedia.pt/$fernando-namora>
Projecto Vercial, http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/namora.htm
ciação Portuguesa de Escritores, em Co
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